TJPA 0024798-77.2013.8.14.0301
DECISÃO MONOCRÁTICA. PROCESSO Nº. 0024798-77.2013.814.0301. RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. COMARCA: BELÉM. APELANTE/SENTENCIADO: ESTADO DO PARÁ. PROCURADOR DO ESTADO: FLÁVIO LUIZ RABELO MANSO NETO. APELADO/SENTENCIADO: GLEIDSON DA SILVA BEZERRA. ADVOGADA: MICHELLE DE OLIVEIRA BASTOS. SENTENCIANTE: JUÍZO DA 3ª DA VARA DE FAZENDA DE BELÉM. PROCURADOR DE JUSTIÇA: MANOEL SANTINO NASCIMENTO JUNIOR. RELATORA: DESA. DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESA. DIRACY NUNES ALVES (RELATORA): Trata-se de Recurso Apelatório e Reexame Necessário no Mandado de Segurança, tendo como recorrente o ESTADO DO PARÁ em face de GLEIDSON DA SILVA BEZERRA, cujo objeto é a reintegração do autor ao concurso da Polícia Militar que foi eliminado em razão de possuir tatuagem na coxa esquerda. Concedida a segurança (fls. 184/196), foi determinado o retorno do requerente ao certame, e se aprovado, que realizasse o Curso de Formação de Soldados da PM. Em relação ao mérito, alega não existir interesse de agir ou interesse processual, uma vez que a demanda perdeu o seu objeto, pois já foram realizadas a 3ª e 4ª etapas do concurso, devendo o feito ser extinto sem resolução de mérito. Aduz em suas razões recursais, que o edital é a lei do concurso, portanto sendo obrigatória a sua observância pelo interessado e pela administração. Logo, havendo a previsão no edital no item 7.3.6, que considera como inapto o candidato que possuir tatuagens, não há como o Judiciário permitir aos candidato que siga no certame. Diz que a cláusula de inaptidão em debate nos autos, não viola os princípios constitucionais, uma vez que o uso de tatuagens justifica-se plenamente em virtude das peculiaridades da função militar, pois a corporação castrense possui regras rígidas de conduta e disciplina. Assevera quanto a impossibilidade da revisão judicial dos critérios para a seleção de servidores, por se tratar de mérito administrativo, não sendo outro o caminho a não ser a reforma da sentença. Conclui, requerendo o conhecimento e o provimento do recurso, a fim de que o apelado seja impedido de prosseguir nas etapas do concurso nos termos previstos no edital. Intimado, o apelado apresentou contrarrazões (fls. 214/218), oportunidade em que reafirmou todos os seus argumentos apresentados na petição inicial, assim como refutou a cada um dos itens da apelação, com o intuito de ser mantido no certame nos termos decididos pelo Juízo de piso. Remetidos os autos ao Ministério Público, o membro de Parquet se posicionou pelo conhecimento e improvimento do recurso (fls. 224/233), sob o argumento que não deverá prevalecer a discriminação em relação a qualquer tipo de tatuagem, em especial aquelas que não representam qualquer afronta aos preceitos difundidos e à imagem da Corporação. É o breve relatório. DECIDO. A EXMA. SRA. DESA. DIRACY NUNES ALVES (RELATORA): Conheço do recurso por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade. Ao caso, como se trata de matéria já pacificada pela temática da Repercussão Geral, Tema nº. 838, resta autorizado o julgamento monocrático do feito, nos termos do art. 932 do CPC. O autor se inscreveu no Concurso Público para Soldados da Polícia Militar do Estado do Pará- CFSD/PM/2012. Após ser aprovado na primeira fase, foi convocado para a segunda fase, sendo este o Exame de Saúde. Ocorre que, no Exame de Saúde, o apelado foi considerado inapto, dada a existência de tatuagem em seu corpo (fl.21). Em razão de sua desclassificação, o autor impetrou o mandamus com o fito de garantir a sua participação nas fases subsequentes do concurso. Do exame do Edital se verifica a arguida ilegalidade no item 7.3.6.b e 7.3.6.c (fls. 32/33), o que configura posição contrária ao já decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 898.450/SP. No caso referido, de Relatoria do Min. Luiz Fux, o Pretório Excelso, em repercussão geral, adotou o entendimento de que os editais de concurso público não podem estabelecer restrições a indivíduos com tatuagem, salvo em situações excepcionais, em que a simbologia do desenho represente violação a valores constitucionalmente protegidos. Tal compreensão ampara-se, sobretudo, na concepção de que este critério de eliminação em nada avalia a capacidade do candidato para o desempenho da função pública a que concorre no certame, sendo, inclusive, contrário à heterogeneidade da cultura brasileira. Como se depreende da ementa: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 838 DO PLENÁRIO VIRTUAL. TATUAGEM. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. REQUISITOS PARA O DESEMPENHO DE UMA FUNÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI FORMAL ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 37, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DA CORTE. IMPEDIMENTO DO PROVIMENTO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DA EXISTÊNCIA DE TATUAGEM NO CORPO DO CANDIDATO. REQUISITO OFENSIVO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DA PROPORCIONALIDADE E DO LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA ESTATAL DE QUE A TATUAGEM ESTEJA DENTRO DE DETERMINADO TAMANHO E PARÂMETROS ESTÉTICOS. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 5º, I, E 37, I E II, DA CRFB/88. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. RESTRIÇÃO. AS TATUAGENS QUE EXTERIORIZEM VALORES EXCESSIVAMENTE OFENSIVOS À DIGNIDADE DOS SERES HUMANOS, AO DESEMPENHO DA FUNÇÃO PÚBLICA PRETENDIDA, INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA IMINENTE, AMEAÇAS REAIS OU REPRESENTEM OBSCENIDADES IMPEDEM O ACESSO A UMA FUNÇÃO PÚBLICA, SEM PREJUÍZO DO INAFASTÁVEL JUDICIAL REVIEW. CONSTITUCIONALIDADE. INCOMPATIBILIDADE COM OS VALORES ÉTICOS E SOCIAIS DA FUNÇÃO PÚBLICA A SER DESEMPENHADA. DIREITO COMPARADO. IN CASU, A EXCLUSÃO DO CANDIDATO SE DEU, EXCLUSIVAMENTE, POR MOTIVOS ESTÉTICOS. CONFIRMAÇÃO DA RESTRIÇÃO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. CONTRARIEDADE ÀS TESES ORA DELIMITADAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. O princípio da legalidade norteia os requisitos dos editais de concurso público. 2. O artigo 37, I, da Constituição da República, ao impor, expressamente, que ¿os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei¿, evidencia a frontal inconstitucionalidade de toda e qualquer restrição para o desempenho de uma função pública contida em editais, regulamentos e portarias que não tenham amparo legal. (Precedentes: RE 593198 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, DJe 01-10-2013; ARE 715061 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 19-06-2013; RE 558833 AgR, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25-09-2009; RE 398567 AgR, Relator Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ 24-03-2006; e MS 20.973, Relator Min. Paulo Brossard, Plenário, julgado em 06/12/1989, DJ 24-04-1992). 3. O Legislador não pode escudar-se em uma pretensa discricionariedade para criar barreiras legais arbitrárias e desproporcionais para o acesso às funções públicas, de modo a ensejar a sensível diminuição do número de possíveis competidores e a impossibilidade de escolha, pela Administração, daqueles que são os melhores. 4. Os requisitos legalmente previstos para o desempenho de uma função pública devem ser compatíveis com a natureza e atribuições do cargo. (No mesmo sentido: ARE 678112 RG, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 25/04/2013, DJe 17-05-2013). 5. A tatuagem, no curso da história da sociedade, se materializou de modo a alcançar os mais diversos e heterogêneos grupos, com as mais diversas idades, conjurando a pecha de ser identificada como marca de marginalidade, mas, antes, de obra artística. 6. As pigmentações de caráter permanente inseridas voluntariamente em partes dos corpos dos cidadãos configuram instrumentos de exteriorização da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão, valores amplamente tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro (CRFB/88, artigo 5°, IV e IX). 7. É direito fundamental do cidadão preservar sua imagem como reflexo de sua identidade, ressoando indevido o desestímulo estatal à inclusão de tatuagens no corpo. 8. O Estado não pode desempenhar o papel de adversário da liberdade de expressão, incumbindo-lhe, ao revés, assegurar que minorias possam se manifestar livremente. 9. O Estado de Direito republicano e democrático, impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade. 10. A democracia funda-se na presunção em favor da liberdade do cidadão, o que pode ser sintetizado pela expressão germânica ¿Freiheitsvermutung¿ (presunção de liberdade), teoria corroborada pela doutrina norte-americana do primado da liberdade (preferred freedom doctrine), razão pela qual ao Estado contemporâneo se impõe o estímulo ao livre intercâmbio de opiniões em um mercado de idéias (free marktplace of ideas a que se refere John Milton) indispensável para a formação da opinião pública. 11. Os princípios da liberdade e da igualdade, este último com esteio na doutrina da desigualdade justificada, fazem exsurgir o reconhecimento da ausência de qualquer justificativa para que a Administração Pública visualize, em pessoas que possuem tatuagens, marcas de marginalidade ou de inaptidão física ou mental para o exercício de determinado cargo público. 12. O Estado não pode considerar aprioristicamente como parâmetro discriminatório para o ingresso em uma carreira pública o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não. 13. A sociedade democrática brasileira pós-88, plural e multicultural, não acolhe a idiossincrasia de que uma pessoa com tatuagens é desprovida de capacidade e idoneidade para o desempenho das atividades de um cargo público. 14. As restrições estatais para o exercício de funções públicas originadas do uso de tatuagens devem ser excepcionais, na medida em que implicam uma interferência incisiva do Poder Público em direitos fundamentais diretamente relacionados ao modo como o ser humano desenvolve a sua personalidade. 15. A cláusula editalícia que cria condição ou requisito capaz de restringir o acesso a cargo, emprego ou função pública por candidatos possuidores de tatuagens, pinturas ou marcas, quaisquer que sejam suas extensões e localizações, visíveis ou não, desde que não representem símbolos ou inscrições alusivas a ideologias que exteriorizem valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos, ao desempenho da função pública pretendida, incitação à violência iminente, ameaças reais ou representem obscenidades, é inconstitucional. 16. A tatuagem considerada obscena deve submeter-se ao Miller-Test, que, por seu turno, reclama três requisitos que repugnam essa forma de pigmentação, a saber: (i) o homem médio, seguindo padrões contemporâneos da comunidade, considere que a obra, tida como um todo, atrai o interesse lascivo; (ii) quando a obra retrata ou descreve, de modo ofensivo, conduta sexual, nos termos do que definido na legislação estadual aplicável, (iii) quando a obra, como um todo, não possua um sério valor literário, artístico, político ou científico. 17. A tatuagem que incite a prática de uma violência iminente pode impedir o desempenho de uma função pública quando ostentar a aptidão de provocar uma reação violenta imediata naquele que a visualiza, nos termos do que predica a doutrina norte-americana das ¿fighting words¿, como, v.g., ¿morte aos delinquentes¿. 18. As teses objetivas fixadas em sede de repercussão geral são: (i) os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material, (ii) editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais. 19. In casu, o acórdão recorrido extraordinariamente assentou que ¿a tatuagem do ora apelado não atende aos requisitos do edital. Muito embora não cubra todo o membro inferior direito, está longe de ser de pequenas dimensões. Ocupa quase a totalidade lateral da panturrilha e, além disso, ficará visível quando utilizados os uniformes referidos no item 5.4.8.3. É o quanto basta para se verificar que não ocorreu violação a direito líquido e certo, denegando-se a segurança¿. Verifica-se dos autos que a reprovação do candidato se deu, apenas, por motivos estéticos da tatuagem que o recorrente ostenta. 19.1. Consectariamente o acórdão recorrido colide com as duas teses firmadas nesta repercussão geral: (i) a manutenção de inconstitucional restrição elencada em edital de concurso público sem lei que a estabeleça; (ii) a confirmação de cláusula de edital que restringe a participação, em concurso público, do candidato, exclusivamente por ostentar tatuagem visível, sem qualquer simbologia que justificasse, nos termos assentados pela tese objetiva de repercussão geral, a restrição de participação no concurso público. 19.2. Os parâmetros adotados pelo edital impugnado, mercê de não possuírem fundamento de validade em lei, revelam-se preconceituosos, discriminatórios e são desprovidos de razoabilidade, o que afronta um dos objetivos fundamentais do País consagrado na Constituição da República, qual seja, o de ¿promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação¿ (art. 3º, IV). 20. Recurso Extraordinário a que se dá provimento. (RE 898450, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-114 DIVULG 30-05-2017 PUBLIC 31-05-2017) Neste contexto, considerando que a tatuagem do autor, a qual consta nas fotos de fls. 180/183, é perfeitamente compatível com o exercício do cargo de Soldado da Polícia Militar do Estado do Pará, não há como dar provimento ao recurso. Ante ao exposto, conheço do recurso e lhe nego provimento monocraticamente, acompanhando o parecer ministerial e nos termos do art. 932, IV, alínea ¿b¿ do CPC, mantendo na íntegra a decisão de piso. Em relação à remessa necessária, reexamino a sentença e a mantenho em todos os seus termos. É como decido. Int. Belém, 21 de setembro de 2017. DIRACY NUNES ALVES DESEMBARGADORA-RELATORA
(2017.04277753-46, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-10-05, Publicado em 2017-10-05)
Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA. PROCESSO Nº. 0024798-77.2013.814.0301. RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. COMARCA: BELÉM. APELANTE/SENTENCIADO: ESTADO DO PARÁ. PROCURADOR DO ESTADO: FLÁVIO LUIZ RABELO MANSO NETO. APELADO/SENTENCIADO: GLEIDSON DA SILVA BEZERRA. ADVOGADA: MICHELLE DE OLIVEIRA BASTOS. SENTENCIANTE: JUÍZO DA 3ª DA VARA DE FAZENDA DE BELÉM. PROCURADOR DE JUSTIÇA: MANOEL SANTINO NASCIMENTO JUNIOR. RELATORA: DESA. DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESA. DIRACY NUNES ALVES (RELATORA): Trata-se de Recurso Apelatório e Reexame Necessário no Mandado de Segurança, tendo como recorrente o ESTADO DO PARÁ em face de GLEIDSON DA SILVA BEZERRA, cujo objeto é a reintegração do autor ao concurso da Polícia Militar que foi eliminado em razão de possuir tatuagem na coxa esquerda. Concedida a segurança (fls. 184/196), foi determinado o retorno do requerente ao certame, e se aprovado, que realizasse o Curso de Formação de Soldados da PM. Em relação ao mérito, alega não existir interesse de agir ou interesse processual, uma vez que a demanda perdeu o seu objeto, pois já foram realizadas a 3ª e 4ª etapas do concurso, devendo o feito ser extinto sem resolução de mérito. Aduz em suas razões recursais, que o edital é a lei do concurso, portanto sendo obrigatória a sua observância pelo interessado e pela administração. Logo, havendo a previsão no edital no item 7.3.6, que considera como inapto o candidato que possuir tatuagens, não há como o Judiciário permitir aos candidato que siga no certame. Diz que a cláusula de inaptidão em debate nos autos, não viola os princípios constitucionais, uma vez que o uso de tatuagens justifica-se plenamente em virtude das peculiaridades da função militar, pois a corporação castrense possui regras rígidas de conduta e disciplina. Assevera quanto a impossibilidade da revisão judicial dos critérios para a seleção de servidores, por se tratar de mérito administrativo, não sendo outro o caminho a não ser a reforma da sentença. Conclui, requerendo o conhecimento e o provimento do recurso, a fim de que o apelado seja impedido de prosseguir nas etapas do concurso nos termos previstos no edital. Intimado, o apelado apresentou contrarrazões (fls. 214/218), oportunidade em que reafirmou todos os seus argumentos apresentados na petição inicial, assim como refutou a cada um dos itens da apelação, com o intuito de ser mantido no certame nos termos decididos pelo Juízo de piso. Remetidos os autos ao Ministério Público, o membro de Parquet se posicionou pelo conhecimento e improvimento do recurso (fls. 224/233), sob o argumento que não deverá prevalecer a discriminação em relação a qualquer tipo de tatuagem, em especial aquelas que não representam qualquer afronta aos preceitos difundidos e à imagem da Corporação. É o breve relatório. DECIDO. A EXMA. SRA. DESA. DIRACY NUNES ALVES (RELATORA): Conheço do recurso por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade. Ao caso, como se trata de matéria já pacificada pela temática da Repercussão Geral, Tema nº. 838, resta autorizado o julgamento monocrático do feito, nos termos do art. 932 do CPC. O autor se inscreveu no Concurso Público para Soldados da Polícia Militar do Estado do Pará- CFSD/PM/2012. Após ser aprovado na primeira fase, foi convocado para a segunda fase, sendo este o Exame de Saúde. Ocorre que, no Exame de Saúde, o apelado foi considerado inapto, dada a existência de tatuagem em seu corpo (fl.21). Em razão de sua desclassificação, o autor impetrou o mandamus com o fito de garantir a sua participação nas fases subsequentes do concurso. Do exame do Edital se verifica a arguida ilegalidade no item 7.3.6.b e 7.3.6.c (fls. 32/33), o que configura posição contrária ao já decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 898.450/SP. No caso referido, de Relatoria do Min. Luiz Fux, o Pretório Excelso, em repercussão geral, adotou o entendimento de que os editais de concurso público não podem estabelecer restrições a indivíduos com tatuagem, salvo em situações excepcionais, em que a simbologia do desenho represente violação a valores constitucionalmente protegidos. Tal compreensão ampara-se, sobretudo, na concepção de que este critério de eliminação em nada avalia a capacidade do candidato para o desempenho da função pública a que concorre no certame, sendo, inclusive, contrário à heterogeneidade da cultura brasileira. Como se depreende da RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 838 DO PLENÁRIO VIRTUAL. TATUAGEM. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. REQUISITOS PARA O DESEMPENHO DE UMA FUNÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI FORMAL ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 37, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DA CORTE. IMPEDIMENTO DO PROVIMENTO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DA EXISTÊNCIA DE TATUAGEM NO CORPO DO CANDIDATO. REQUISITO OFENSIVO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DA PROPORCIONALIDADE E DO LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA ESTATAL DE QUE A TATUAGEM ESTEJA DENTRO DE DETERMINADO TAMANHO E PARÂMETROS ESTÉTICOS. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 5º, I, E 37, I E II, DA CRFB/88. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. RESTRIÇÃO. AS TATUAGENS QUE EXTERIORIZEM VALORES EXCESSIVAMENTE OFENSIVOS À DIGNIDADE DOS SERES HUMANOS, AO DESEMPENHO DA FUNÇÃO PÚBLICA PRETENDIDA, INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA IMINENTE, AMEAÇAS REAIS OU REPRESENTEM OBSCENIDADES IMPEDEM O ACESSO A UMA FUNÇÃO PÚBLICA, SEM PREJUÍZO DO INAFASTÁVEL JUDICIAL REVIEW. CONSTITUCIONALIDADE. INCOMPATIBILIDADE COM OS VALORES ÉTICOS E SOCIAIS DA FUNÇÃO PÚBLICA A SER DESEMPENHADA. DIREITO COMPARADO. IN CASU, A EXCLUSÃO DO CANDIDATO SE DEU, EXCLUSIVAMENTE, POR MOTIVOS ESTÉTICOS. CONFIRMAÇÃO DA RESTRIÇÃO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. CONTRARIEDADE ÀS TESES ORA DELIMITADAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. O princípio da legalidade norteia os requisitos dos editais de concurso público. 2. O artigo 37, I, da Constituição da República, ao impor, expressamente, que ¿os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei¿, evidencia a frontal inconstitucionalidade de toda e qualquer restrição para o desempenho de uma função pública contida em editais, regulamentos e portarias que não tenham amparo legal. (Precedentes: RE 593198 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, DJe 01-10-2013; ARE 715061 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 19-06-2013; RE 558833 AgR, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25-09-2009; RE 398567 AgR, Relator Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ 24-03-2006; e MS 20.973, Relator Min. Paulo Brossard, Plenário, julgado em 06/12/1989, DJ 24-04-1992). 3. O Legislador não pode escudar-se em uma pretensa discricionariedade para criar barreiras legais arbitrárias e desproporcionais para o acesso às funções públicas, de modo a ensejar a sensível diminuição do número de possíveis competidores e a impossibilidade de escolha, pela Administração, daqueles que são os melhores. 4. Os requisitos legalmente previstos para o desempenho de uma função pública devem ser compatíveis com a natureza e atribuições do cargo. (No mesmo sentido: ARE 678112 RG, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 25/04/2013, DJe 17-05-2013). 5. A tatuagem, no curso da história da sociedade, se materializou de modo a alcançar os mais diversos e heterogêneos grupos, com as mais diversas idades, conjurando a pecha de ser identificada como marca de marginalidade, mas, antes, de obra artística. 6. As pigmentações de caráter permanente inseridas voluntariamente em partes dos corpos dos cidadãos configuram instrumentos de exteriorização da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão, valores amplamente tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro (CRFB/88, artigo 5°, IV e IX). 7. É direito fundamental do cidadão preservar sua imagem como reflexo de sua identidade, ressoando indevido o desestímulo estatal à inclusão de tatuagens no corpo. 8. O Estado não pode desempenhar o papel de adversário da liberdade de expressão, incumbindo-lhe, ao revés, assegurar que minorias possam se manifestar livremente. 9. O Estado de Direito republicano e democrático, impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade. 10. A democracia funda-se na presunção em favor da liberdade do cidadão, o que pode ser sintetizado pela expressão germânica ¿Freiheitsvermutung¿ (presunção de liberdade), teoria corroborada pela doutrina norte-americana do primado da liberdade (preferred freedom doctrine), razão pela qual ao Estado contemporâneo se impõe o estímulo ao livre intercâmbio de opiniões em um mercado de idéias (free marktplace of ideas a que se refere John Milton) indispensável para a formação da opinião pública. 11. Os princípios da liberdade e da igualdade, este último com esteio na doutrina da desigualdade justificada, fazem exsurgir o reconhecimento da ausência de qualquer justificativa para que a Administração Pública visualize, em pessoas que possuem tatuagens, marcas de marginalidade ou de inaptidão física ou mental para o exercício de determinado cargo público. 12. O Estado não pode considerar aprioristicamente como parâmetro discriminatório para o ingresso em uma carreira pública o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não. 13. A sociedade democrática brasileira pós-88, plural e multicultural, não acolhe a idiossincrasia de que uma pessoa com tatuagens é desprovida de capacidade e idoneidade para o desempenho das atividades de um cargo público. 14. As restrições estatais para o exercício de funções públicas originadas do uso de tatuagens devem ser excepcionais, na medida em que implicam uma interferência incisiva do Poder Público em direitos fundamentais diretamente relacionados ao modo como o ser humano desenvolve a sua personalidade. 15. A cláusula editalícia que cria condição ou requisito capaz de restringir o acesso a cargo, emprego ou função pública por candidatos possuidores de tatuagens, pinturas ou marcas, quaisquer que sejam suas extensões e localizações, visíveis ou não, desde que não representem símbolos ou inscrições alusivas a ideologias que exteriorizem valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos, ao desempenho da função pública pretendida, incitação à violência iminente, ameaças reais ou representem obscenidades, é inconstitucional. 16. A tatuagem considerada obscena deve submeter-se ao Miller-Test, que, por seu turno, reclama três requisitos que repugnam essa forma de pigmentação, a saber: (i) o homem médio, seguindo padrões contemporâneos da comunidade, considere que a obra, tida como um todo, atrai o interesse lascivo; (ii) quando a obra retrata ou descreve, de modo ofensivo, conduta sexual, nos termos do que definido na legislação estadual aplicável, (iii) quando a obra, como um todo, não possua um sério valor literário, artístico, político ou científico. 17. A tatuagem que incite a prática de uma violência iminente pode impedir o desempenho de uma função pública quando ostentar a aptidão de provocar uma reação violenta imediata naquele que a visualiza, nos termos do que predica a doutrina norte-americana das ¿fighting words¿, como, v.g., ¿morte aos delinquentes¿. 18. As teses objetivas fixadas em sede de repercussão geral são: (i) os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material, (ii) editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais. 19. In casu, o acórdão recorrido extraordinariamente assentou que ¿a tatuagem do ora apelado não atende aos requisitos do edital. Muito embora não cubra todo o membro inferior direito, está longe de ser de pequenas dimensões. Ocupa quase a totalidade lateral da panturrilha e, além disso, ficará visível quando utilizados os uniformes referidos no item 5.4.8.3. É o quanto basta para se verificar que não ocorreu violação a direito líquido e certo, denegando-se a segurança¿. Verifica-se dos autos que a reprovação do candidato se deu, apenas, por motivos estéticos da tatuagem que o recorrente ostenta. 19.1. Consectariamente o acórdão recorrido colide com as duas teses firmadas nesta repercussão geral: (i) a manutenção de inconstitucional restrição elencada em edital de concurso público sem lei que a estabeleça; (ii) a confirmação de cláusula de edital que restringe a participação, em concurso público, do candidato, exclusivamente por ostentar tatuagem visível, sem qualquer simbologia que justificasse, nos termos assentados pela tese objetiva de repercussão geral, a restrição de participação no concurso público. 19.2. Os parâmetros adotados pelo edital impugnado, mercê de não possuírem fundamento de validade em lei, revelam-se preconceituosos, discriminatórios e são desprovidos de razoabilidade, o que afronta um dos objetivos fundamentais do País consagrado na Constituição da República, qual seja, o de ¿promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação¿ (art. 3º, IV). 20. Recurso Extraordinário a que se dá provimento. (RE 898450, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-114 DIVULG 30-05-2017 PUBLIC 31-05-2017) Neste contexto, considerando que a tatuagem do autor, a qual consta nas fotos de fls. 180/183, é perfeitamente compatível com o exercício do cargo de Soldado da Polícia Militar do Estado do Pará, não há como dar provimento ao recurso. Ante ao exposto, conheço do recurso e lhe nego provimento monocraticamente, acompanhando o parecer ministerial e nos termos do art. 932, IV, alínea ¿b¿ do CPC, mantendo na íntegra a decisão de piso. Em relação à remessa necessária, reexamino a sentença e a mantenho em todos os seus termos. É como decido. Int. Belém, 21 de setembro de 2017. DIRACY NUNES ALVES DESEMBARGADORA-RELATORA
(2017.04277753-46, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-10-05, Publicado em 2017-10-05)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
05/10/2017
Data da Publicação
:
05/10/2017
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
DIRACY NUNES ALVES
Número do documento
:
2017.04277753-46
Tipo de processo
:
Apelação / Remessa Necessária
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