TJPA 0024885-33.2013.8.14.0301
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00248853320138140301 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE BELÉM (7ª VARA DA FAZENDA DE BELÉM) APELANTE: ESTADO DO PARÁ (PROCURADORA DO ESTADO: ADRIANA MOREIRA BESSA SIZO) APELADO: R. G. L., representado por seu pai JESSE MARTINS LACERDA (DEFENSOR PÚBLICO: CLIMERIO MACHADO DE MENDONÇA NETO) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de apelação cível interposta pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos de obrigação de fazer que lhe move R. G. L., representado por seu pai JESSE MARTINS LACERDA, contra decisão proferida pelo juízo da 7ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém que, ratificando os efeitos da liminar antes deferida, julgou procedente o pedido formulado na inicial, determinando ao recorrente que procedesse à imediata disponibilização de leito hospitalar bem como todos os demais procedimentos que se fizerem necessários para garantia da saúde do infante, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 269, inciso II, do CPC. A demanda foi proposta objetivando a internação e todos os procedimentos necessários ao tratamento de tumor no fígado do menor assistido que contava à época da propositura da ação com 6 anos de idade. Em razão de risco de morte oriundo do quadro clínico do infante, o juízo a quo deferiu liminar para que a parte apelante procedesse com a internação, sob pena de multa. Decisão esta que foi ratificada em sede de sentença. Inconformado, o apelante alega em suas razões, preliminarmente, a perda do objeto e ausência de interesse de agir e condições da ação, devendo o processo ser extinto sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, uma vez que conforme informação prestada pela Secretaria Estadual de Saúde (fl. 37), o menor foi internado no dia 14/11/2013, restando esvaziado o objeto da ação. Sustenta a impossibilidade de condenação genérica, devendo a sentença ser precisa e certa, nos termos do artigo 460 do CPC, não se sabendo qual tratamento necessário além da internação, devendo ser reformada a sentença na parte em que determina a realização de ¿demais tratamentos necessários¿ para garantir a saúde do menor, o que vem sendo repelido pela jurisprudência e, ainda, que não há prova nos autos da necessidade do tratamento requerido na inicial. Alega que a obrigação de gerir a central de leitos é dos Municípios, nos termos do artigo 18 da Lei nº 8.080/90 que regula o Sistema Único de Saúde - SUS e que a competência para executar a internação do paciente objeto desta demanda é do Município de Belém que opera em gestão plena do referido sistema, razão pela qual deveria o apelante ser excluído da demanda, devendo ser declarada sua ilegitimidade passiva, com a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI do CPC. No mérito, almeja a reforma da sentença para que os pedidos sejam julgados totalmente improcedentes. Diz que o artigo 196 da Constituição Federal utilizado como fundamento para o deferimento do pedido não detém o alcance e a dimensão que lhe vem sendo atribuído, tratando-se de norma de eficácia limitada, cujos limites são determinados pela política nacional de saúde pública definida pela legislação ordinária que não pode ser desconsiderada pelo Poder Judiciário, não sendo certo admitir a intervenção deste na questão em análise, possibilitando que o paciente passe na frente de diversas pessoas que aguardam internação em condição igual ou mais grave que a sua. Aduz que o referido dispositivo constitucional não assegura a destinação de recursos públicos a uma situação individualizada e que a forma pela qual o Poder Público deve garantir o direito à saúde está condicionada a políticas sociais e econômicas e que além disso deve atender aos planos orçamentários traçados na Constituição Federal, sob pena de causar desequilíbrio ao sistema de saúde. Assevera ser incabível a fixação da multa aplicada contra o Poder Público no presente caso, porque além de lhe faltarem argumentos fáticos jurídicos, não faz sentido onerar a sociedade para ¿coagir¿ o Estado do Pará a agir. Por fim, requer o total provimento do apelo para reforma da sentença desobrigando o Estado do Pará a fornecer o tratamento requerido pelo apelado. Contrarrazões às fls. 73/82 pela manutenção integral da sentença e não provimento da apelação. Encaminhados a esta Egrégia Corte de Justiça, coube-me a relatoria do feito, quando determinei à remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que se manifestou às fls. 87/91 pelo conhecimento e improvimento do apelo. É o relatório. Decido. O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, principalmente porque seu manejo apresenta-se tempestivo e de acordo com a hipótese prevista na lei processual civil, razão pela qual, conheço do recurso e passo a decidir. Compulsando os autos, entendo que o apelo comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 557 do Código de Processo Civil, senão vejamos. Em apertada síntese, verifica-se que a controvérsia posta em debate diz respeito à condenação do Estado do Pará, ora apelante, ao fornecimento do tratamento de saúde pleiteado, alegando, preliminarmente, a perda de objeto já que o infante havia sido internado; sua ilegitimidade passiva em face da responsabilidade do ente municipal; no mérito, violação ao artigo 196 da Constituição Federal e, por fim, a impossibilidade de fixação de multa contra o Estado. Contudo, verifico que não prosperam as alegações do recorrente, eis que a sentença do juízo de primeiro grau se apresenta escorreita e em conformidade com a Jurisprudência consolidada das Cortes Superiores de Justiça. Inicialmente, quanto às preliminares de perda do objeto e de ausência de interesse de agir, sob o argumento de que o paciente já havia sido internado no dia 14/11/2013 para receber tratamento adequado, ocorrendo assim o esvaziamento do objeto da ação e a consequente falta de interesse de agir constato que as mesmas não merecem guarida. Isso porque a internação em leito hospitalar não engloba todos os pedidos da demanda. Como bem ponderado nas contrarrazões da Defensoria Pública, a decisão não se limitou a conceder a internação do infante, mas também a garantir o ¿tratamento global do autor na esfera do tumor cancerígeno no fígado.¿ (fl. 75). Além do mais, em se tratando de demanda que envolve saúde, nem sempre é possível de antemão a especificação de todos os medicamentos, exames e procedimentos necessários à garantia do direito de saúde do menor, mormente levando em consideração que para alcançar a cura plena de uma enfermidade tão grave como o câncer, é necessário um tratamento continuado do paciente, não bastando a mera internação em ambiente hospitalar. Pelo exposto, rejeito as preliminares. De igual modo, não há como ser acolhida a alegação de necessidade de reforma da sentença e extinção do processo ante a ilegitimidade passiva do Estado do Pará e responsabilidade do Município de Belém para gerir a central de leitos. Com efeito, ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). No mesmo sentido destaco os seguintes julgados do STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015. Na hipótese dos autos, o fornecimento do tratamento de saúde é fundamental à sobrevivência do menor e a resistência por parte do Estado apresenta-se em descompasso com os princípios elencados de forma cristalina na Constituição Federal, sob pena de causar manifesto prejuízo ao direito à saúde e à vida. Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis. Assim, resta claro o dever do Estado em assegurar a todos o acesso aos meios de preservação da saúde e, diante das circunstâncias do caso em análise, verifico a necessidade de o Poder Público fornecer o tratamento de que necessita o menor, já que restou perfeitamente demonstrado pelas provas trazidas aos autos a imprescindibilidade do tratamento postulado e o risco de vida a ser suportado caso não o tivesse obtido. Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recente decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015) Restou também consignado no aludido julgado que eventuais questões acerca de repasse de verbas atinentes ao SUS devem ser dirimidas administrativamente, ou em ação judicial própria, não merecendo, portanto, amparo as alegações do recorrente de que o Município de Belém é quem deve ser responsabilizado pelo tratamento da parte. Assim, refuto, também, a tese de ilegitimidade passiva do Estado do Pará, visto que, a jurisprudência pátria já pacificou o entendimento de que é solidária a responsabilidade pelo fornecimento de medicação ou tratamento de saúde em geral dos entes públicos. Quanto ao mérito, melhor sorte não socorre ao apelante. A decisão apelada não merece qualquer censura, pois além de devidamente fundamentada no texto constitucional, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência das Cortes Superiores. In casu, deve ser atendido o princípio maior, que é o da garantia à vida do menor, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna. O direito à saúde, além de direito fundamental, não pode ser indissociável do direito à vida, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88. Somado a isso, ressalte-se que a Constituição Federal, em seu artigo 227, define como prioridade absoluta as questões de interesse da criança e do adolescente. Desta feita, a alegação de que a previsão constitucional do artigo 196 não detém o alcance que vem sendo atribuído nas diversas demandas judiciais postas em análise pelo Poder Judiciário, não há como ser acolhida, uma vez que este dispositivo consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz; norma constitucional que apesar de programática não exime o recorrente do dever de prestar o atendimento necessário aos hipossuficientes. Ademais, não se pode deixar de ressaltar que hoje é patente a idéia de que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativos; esta reclama efetividade real de suas normas não se sustentando, portanto, a assertiva de que o artigo 196 da Carta Magna não garante nem fundamenta o deferimento do pedido à parte interessada. No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado da Suprema Corte: (...)A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Precedentes. (...). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 831385 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 31-03-2015 PUBLIC 06-04-2015) Nessa direção, sendo o direito à saúde fundamental e indisponível e levando em consideração a prioridade absoluta que se deve dar à criança e ao adolescente não pode o Estado desobrigar-se de assegurar tal direito tão essencial. Além disso, não prospera a assertiva de que não se pode admitir a intervenção do Poder Judiciário na questão, tendo em vista que em se tratando o caso de garantia ao efetivo cumprimento de direito essencial à saúde, tal argumento não pode ser utilizado como justificativa para afastar a condenação, porquanto o Judiciário só está determinando o cumprimento do texto constitucional. Esse também é o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012) Por derradeiro, tratando-se, na espécie de direito à saúde, direito social que figura entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, impende cumpri-la independentemente de previsão orçamentária específica. Corroborando o raciocínio apresentado, é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal: ¿RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) - MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL - CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO - DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) - COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) - A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) - O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO - A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO - A TEORIA DA ¿RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES¿ (OU DA ¿LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES¿) - CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) - A QUESTÃO DAS ¿ESCOLHAS TRÁGICAS¿ - A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO - CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 - RTJ 175/1212-1213 - RTJ 199/1219-1220) - EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (ARE 745745 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014) Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 2. A controvérsia objeto destes autos - possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública - foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do ¿mínimo existencial¿ e da ¿reserva do possível¿, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 642536 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-038 DIVULG 26-02-2013 PUBLIC 27-02-2013) Em relação à fixação de multa contra o Estado do Pará, não comporta reparos a sentença, pois ¿(...)6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde. (...)(REsp 1488639/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 16/12/2014). Desse modo, entendo necessário observar o art. 557, caput, do CPC, por verificar no caso dos autos que a decisão que julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer o direito do paciente ao pleno atendimento na área de saúde, extinguindo o feito com resolução do mérito, na forma do artigo 269, II, do CPC, apresenta-se em perfeita sintonia com jurisprudência dominante do STF e do STJ. Ante o exposto, com fulcro no que dispõe o art. 557, do CPC, nego provimento ao recurso de apelação, para manter a sentença em todos os seus termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem. Belém, 09 de dezembro de 2015. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2015.04695384-06, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-12-11, Publicado em 2015-12-11)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00248853320138140301 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE BELÉM (7ª VARA DA FAZENDA DE BELÉM) APELANTE: ESTADO DO PARÁ (PROCURADORA DO ESTADO: ADRIANA MOREIRA BESSA SIZO) APELADO: R. G. L., representado por seu pai JESSE MARTINS LACERDA (DEFENSOR PÚBLICO: CLIMERIO MACHADO DE MENDONÇA NETO) RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de apelação cível interposta pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos de obrigação de fazer que lhe move R. G. L., representado por seu pai JESSE MARTINS LACERDA, contra decisão proferida pelo juízo da 7ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém que, ratificando os efeitos da liminar antes deferida, julgou procedente o pedido formulado na inicial, determinando ao recorrente que procedesse à imediata disponibilização de leito hospitalar bem como todos os demais procedimentos que se fizerem necessários para garantia da saúde do infante, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 269, inciso II, do CPC. A demanda foi proposta objetivando a internação e todos os procedimentos necessários ao tratamento de tumor no fígado do menor assistido que contava à época da propositura da ação com 6 anos de idade. Em razão de risco de morte oriundo do quadro clínico do infante, o juízo a quo deferiu liminar para que a parte apelante procedesse com a internação, sob pena de multa. Decisão esta que foi ratificada em sede de sentença. Inconformado, o apelante alega em suas razões, preliminarmente, a perda do objeto e ausência de interesse de agir e condições da ação, devendo o processo ser extinto sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, uma vez que conforme informação prestada pela Secretaria Estadual de Saúde (fl. 37), o menor foi internado no dia 14/11/2013, restando esvaziado o objeto da ação. Sustenta a impossibilidade de condenação genérica, devendo a sentença ser precisa e certa, nos termos do artigo 460 do CPC, não se sabendo qual tratamento necessário além da internação, devendo ser reformada a sentença na parte em que determina a realização de ¿demais tratamentos necessários¿ para garantir a saúde do menor, o que vem sendo repelido pela jurisprudência e, ainda, que não há prova nos autos da necessidade do tratamento requerido na inicial. Alega que a obrigação de gerir a central de leitos é dos Municípios, nos termos do artigo 18 da Lei nº 8.080/90 que regula o Sistema Único de Saúde - SUS e que a competência para executar a internação do paciente objeto desta demanda é do Município de Belém que opera em gestão plena do referido sistema, razão pela qual deveria o apelante ser excluído da demanda, devendo ser declarada sua ilegitimidade passiva, com a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI do CPC. No mérito, almeja a reforma da sentença para que os pedidos sejam julgados totalmente improcedentes. Diz que o artigo 196 da Constituição Federal utilizado como fundamento para o deferimento do pedido não detém o alcance e a dimensão que lhe vem sendo atribuído, tratando-se de norma de eficácia limitada, cujos limites são determinados pela política nacional de saúde pública definida pela legislação ordinária que não pode ser desconsiderada pelo Poder Judiciário, não sendo certo admitir a intervenção deste na questão em análise, possibilitando que o paciente passe na frente de diversas pessoas que aguardam internação em condição igual ou mais grave que a sua. Aduz que o referido dispositivo constitucional não assegura a destinação de recursos públicos a uma situação individualizada e que a forma pela qual o Poder Público deve garantir o direito à saúde está condicionada a políticas sociais e econômicas e que além disso deve atender aos planos orçamentários traçados na Constituição Federal, sob pena de causar desequilíbrio ao sistema de saúde. Assevera ser incabível a fixação da multa aplicada contra o Poder Público no presente caso, porque além de lhe faltarem argumentos fáticos jurídicos, não faz sentido onerar a sociedade para ¿coagir¿ o Estado do Pará a agir. Por fim, requer o total provimento do apelo para reforma da sentença desobrigando o Estado do Pará a fornecer o tratamento requerido pelo apelado. Contrarrazões às fls. 73/82 pela manutenção integral da sentença e não provimento da apelação. Encaminhados a esta Egrégia Corte de Justiça, coube-me a relatoria do feito, quando determinei à remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que se manifestou às fls. 87/91 pelo conhecimento e improvimento do apelo. É o relatório. Decido. O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, principalmente porque seu manejo apresenta-se tempestivo e de acordo com a hipótese prevista na lei processual civil, razão pela qual, conheço do recurso e passo a decidir. Compulsando os autos, entendo que o apelo comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 557 do Código de Processo Civil, senão vejamos. Em apertada síntese, verifica-se que a controvérsia posta em debate diz respeito à condenação do Estado do Pará, ora apelante, ao fornecimento do tratamento de saúde pleiteado, alegando, preliminarmente, a perda de objeto já que o infante havia sido internado; sua ilegitimidade passiva em face da responsabilidade do ente municipal; no mérito, violação ao artigo 196 da Constituição Federal e, por fim, a impossibilidade de fixação de multa contra o Estado. Contudo, verifico que não prosperam as alegações do recorrente, eis que a sentença do juízo de primeiro grau se apresenta escorreita e em conformidade com a Jurisprudência consolidada das Cortes Superiores de Justiça. Inicialmente, quanto às preliminares de perda do objeto e de ausência de interesse de agir, sob o argumento de que o paciente já havia sido internado no dia 14/11/2013 para receber tratamento adequado, ocorrendo assim o esvaziamento do objeto da ação e a consequente falta de interesse de agir constato que as mesmas não merecem guarida. Isso porque a internação em leito hospitalar não engloba todos os pedidos da demanda. Como bem ponderado nas contrarrazões da Defensoria Pública, a decisão não se limitou a conceder a internação do infante, mas também a garantir o ¿tratamento global do autor na esfera do tumor cancerígeno no fígado.¿ (fl. 75). Além do mais, em se tratando de demanda que envolve saúde, nem sempre é possível de antemão a especificação de todos os medicamentos, exames e procedimentos necessários à garantia do direito de saúde do menor, mormente levando em consideração que para alcançar a cura plena de uma enfermidade tão grave como o câncer, é necessário um tratamento continuado do paciente, não bastando a mera internação em ambiente hospitalar. Pelo exposto, rejeito as preliminares. De igual modo, não há como ser acolhida a alegação de necessidade de reforma da sentença e extinção do processo ante a ilegitimidade passiva do Estado do Pará e responsabilidade do Município de Belém para gerir a central de leitos. Com efeito, ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). No mesmo sentido destaco os seguintes julgados do STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015. Na hipótese dos autos, o fornecimento do tratamento de saúde é fundamental à sobrevivência do menor e a resistência por parte do Estado apresenta-se em descompasso com os princípios elencados de forma cristalina na Constituição Federal, sob pena de causar manifesto prejuízo ao direito à saúde e à vida. Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis. Assim, resta claro o dever do Estado em assegurar a todos o acesso aos meios de preservação da saúde e, diante das circunstâncias do caso em análise, verifico a necessidade de o Poder Público fornecer o tratamento de que necessita o menor, já que restou perfeitamente demonstrado pelas provas trazidas aos autos a imprescindibilidade do tratamento postulado e o risco de vida a ser suportado caso não o tivesse obtido. Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recente decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015) Restou também consignado no aludido julgado que eventuais questões acerca de repasse de verbas atinentes ao SUS devem ser dirimidas administrativamente, ou em ação judicial própria, não merecendo, portanto, amparo as alegações do recorrente de que o Município de Belém é quem deve ser responsabilizado pelo tratamento da parte. Assim, refuto, também, a tese de ilegitimidade passiva do Estado do Pará, visto que, a jurisprudência pátria já pacificou o entendimento de que é solidária a responsabilidade pelo fornecimento de medicação ou tratamento de saúde em geral dos entes públicos. Quanto ao mérito, melhor sorte não socorre ao apelante. A decisão apelada não merece qualquer censura, pois além de devidamente fundamentada no texto constitucional, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência das Cortes Superiores. In casu, deve ser atendido o princípio maior, que é o da garantia à vida do menor, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna. O direito à saúde, além de direito fundamental, não pode ser indissociável do direito à vida, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88. Somado a isso, ressalte-se que a Constituição Federal, em seu artigo 227, define como prioridade absoluta as questões de interesse da criança e do adolescente. Desta feita, a alegação de que a previsão constitucional do artigo 196 não detém o alcance que vem sendo atribuído nas diversas demandas judiciais postas em análise pelo Poder Judiciário, não há como ser acolhida, uma vez que este dispositivo consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz; norma constitucional que apesar de programática não exime o recorrente do dever de prestar o atendimento necessário aos hipossuficientes. Ademais, não se pode deixar de ressaltar que hoje é patente a idéia de que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativos; esta reclama efetividade real de suas normas não se sustentando, portanto, a assertiva de que o artigo 196 da Carta Magna não garante nem fundamenta o deferimento do pedido à parte interessada. No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado da Suprema Corte: (...)A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de ser possível ao Judiciário a determinação de fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade. Precedentes. (...). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 831385 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 31-03-2015 PUBLIC 06-04-2015) Nessa direção, sendo o direito à saúde fundamental e indisponível e levando em consideração a prioridade absoluta que se deve dar à criança e ao adolescente não pode o Estado desobrigar-se de assegurar tal direito tão essencial. Além disso, não prospera a assertiva de que não se pode admitir a intervenção do Poder Judiciário na questão, tendo em vista que em se tratando o caso de garantia ao efetivo cumprimento de direito essencial à saúde, tal argumento não pode ser utilizado como justificativa para afastar a condenação, porquanto o Judiciário só está determinando o cumprimento do texto constitucional. Esse também é o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013) ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO SUBJETIVO. PRIORIDADE. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESCASSEZ DE RECURSOS. DECISÃO POLÍTICA. RESERVA DO POSSÍVEL. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. A vida, saúde e integridade físico-psíquica das pessoas é valor ético-jurídico supremo no ordenamento brasileiro, que sobressai em relação a todos os outros, tanto na ordem econômica, como na política e social. 2. O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal. 3. A falta de vagas em Unidades de Tratamento Intensivo - UTIs no único hospital local viola o direito à saúde e afeta o mínimo existencial de toda a população local, tratando-se, pois, de direito difuso a ser protegido. 4. Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente. 5. A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar. A escusa da "limitação de recursos orçamentários" frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes. 6. "A realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador" (REsp. 1.185.474/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.4.2010). 7. Recurso Especial provido. (REsp 1068731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 08/03/2012) Por derradeiro, tratando-se, na espécie de direito à saúde, direito social que figura entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, impende cumpri-la independentemente de previsão orçamentária específica. Corroborando o raciocínio apresentado, é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal: ¿RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) - MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL - CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO - DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) - COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) - A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) - O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO - A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO - A TEORIA DA ¿RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES¿ (OU DA ¿LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES¿) - CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) - A QUESTÃO DAS ¿ESCOLHAS TRÁGICAS¿ - A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO - CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 - RTJ 175/1212-1213 - RTJ 199/1219-1220) - EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (ARE 745745 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 2. A controvérsia objeto destes autos - possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública - foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do ¿mínimo existencial¿ e da ¿reserva do possível¿, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 642536 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-038 DIVULG 26-02-2013 PUBLIC 27-02-2013) Em relação à fixação de multa contra o Estado do Pará, não comporta reparos a sentença, pois ¿(...)6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde. (...)(REsp 1488639/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 16/12/2014). Desse modo, entendo necessário observar o art. 557, caput, do CPC, por verificar no caso dos autos que a decisão que julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer o direito do paciente ao pleno atendimento na área de saúde, extinguindo o feito com resolução do mérito, na forma do artigo 269, II, do CPC, apresenta-se em perfeita sintonia com jurisprudência dominante do STF e do STJ. Ante o exposto, com fulcro no que dispõe o art. 557, do CPC, nego provimento ao recurso de apelação, para manter a sentença em todos os seus termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem. Belém, 09 de dezembro de 2015. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2015.04695384-06, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-12-11, Publicado em 2015-12-11)
Data do Julgamento
:
11/12/2015
Data da Publicação
:
11/12/2015
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
Mostrar discussão