TJPA 0035741-18.2015.8.14.0000
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ Gabinete da Desa. Luzia Nadja Guimarães Nascimento PROCESSO Nº 0035741-18.2015.8.14.0000 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA AGRAVO DE INSTRUMENTO COMARCA: BELÉM AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM REPRESENTANTE: REGINA MÁRCIA DE CARVALHO CHAVES BRANCO (PROCURADOR) AGRAVADO: NICANORA GUEDES ARAÚJO REPRESENTANTE: RODRIGO CERQUEIRA DE MIRANDA (DEFENSOR) RELATOR: DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO DECISÃO MONOCRÁTICA Recurso interposto contra decisão que determinou ao MUNICÍPIO DE BELÉM a obrigação para realizar exame de colposcopia com biopsia do colo do útero em favor da agravada NICANORA GUEDES ARAÚJO. Eis a síntese da decisão: ¿A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida está condicionada à existência conjugada de prova inequívoca dos fatos constitutivos do direito material invocado pela parte autora, de forma que o magistrado se convença da verossimilhança de suas alegações, aliado ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, alternativamente, restar configurado o abuso de direito de defesa do réu, atentando-se, em todo o caso, à indispensável reversibilidade da medida, na lição do art. 273 do Código de Processo Civil. A Portaria nº 189/2014 - Ministério da Saúde, que institui o Serviço de Referência para Diagnóstico e Tratamento de Lesões Precursoras do Câncer do Colo de Útero, estabelece em seu Anexo I os procedimentos mínimos a serem realizados pelos estabelecimentos habilitados como Serviço de Referência para Diagnóstico e Tratamento de Lesões Precursoras do Câncer do Colo de Útero. Dentre os procedimentos está incluído a colposcopia (cód. 02.11.04.002-9) e a biópsia do colo uterino (cód. 02.01.01.066-6). Assim, verifica-se que os procedimentos requeridos na inicial possuem amparo legal e são disponibilizados pelo SUS, presente assim a verossimilhança das alegações. Quanto ao perigo de dano irreparável, este se manifesta na demora do diagnóstico e o início do tratamento adequado. Ante o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA determinando que o Município de Belém realize o exame de Colposcopia combinado com biópsia em favor da Sra. Nicanora Guedes Araújo.¿ Essencialmente o Município de Belém repete como sempre faz os mesmos argumentos. Alega ausência de responsabilidade do Município; aplicação do princípio da reserva do possível. Ao final pede o recebimento do recurso com a concessão de efeito suspensivo e provimento final para revogar a decisão afastando do município a obrigação. É o essencial a relatar. Decido Embora tempestivo, negarei seguimento. A Constituição vigente, afinada com evolução constitucional contemporânea e o direito internacional, incorporou o direito à saúde como bem jurídico digno de tutela jurisdicional, consagrando-a como direito fundamental, e, outorgando-lhe uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico-constitucional pátria. Na ordem jurídico-constitucional, a saúde apresenta fundamentalidade formal e material. A fundamentalidade formal do direito à saúde consiste na sua expressão como parte integrante da Constituição escrita, sendo um direito fundamental do homem, uma vez que situa-se no ápice do ordenamento jurídico como norma de superior hierarquia. Já a fundamentalidade da saúde, em sentido material, encontra-se ligada à sua relevância como bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, pois não pode haver vida digna humana sem saúde. Não há que se afastar a responsabilidade do Município na hipótese dos autos, pois destinatários da norma contida na primeira parte do artigo 196 da Constituição Federal (¿A saúde é direito de todos e dever do Estado¿) são as pessoas jurídicas dos três níveis da Federação. Em consequência, as prestações decorrentes do dispositivo podem ser exigidas de qualquer delas, nesse sentido, o RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 22.02.2000. Não se pode olvidar, também, que, tendo em vista a natureza do exame para pretendido, trata-se de caso de saúde pública, regulado pelo SUS, sobre o qual o agravante não registrou uma única linha em contra-argumento. A Constituição do Estado do Pará também dispõe, em seu artigo 263, §2º, que os Poderes Públicos, estadual e municipal, garantirão o bem estar biopsicossocial de suas populações e no artigo 265 que As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem o sistema único de saúde a nível do Estado, a que se refere o artigo 198 da Constituição Federal, integrando a área de proteção social, sendo organizado de acordo com as diretrizes federais e mais as seguintes: I - integração do Estado e Municípios no funcionamento do sistema, inclusive na constituição de sistema de referência; II - municipalização dos recursos, serviços e ações, com descentralização e regionalização administrativa e orçamentária; (...). É inaceitável que se pretenda justificar a inércia sob o argumento de não existir dotação orçamentária para seu alcance, visto que a garantia do direito à saúde pressupõe análise individualizada e pormenorizada da necessidade em questão, não havendo, portanto, infração ao princípio da isonomia ou da reserva do possível, ainda mais quando falamos de situação regulada pelo SUS e inserida no rol das políticas públicas de proteção a saúde da mulher. Nesse sentido julgou, à unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Agravo Regimental na Suspensão de Liminar nº 47, de Pernambuco, relatoria do Ministro Gilmar Mendes: ¿em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos¿. Não é dado à Administração ignorar as determinações constitucionais e legais que lhe são dirigidas e estabelecer discriminações entre os contribuintes e destinatários dos serviços públicos. A costumeira alegação de que a Fazenda Pública não pode desviar recursos do atendimento geral do SUS para o cumprimento das determinações judiciais impressiona, sequer pode ser aplicada ao caso, mesmo assim o Município lança mão do artifício. Assim exposto, conheço do recurso mas nego-lhe seguimento nos termos do art. 557, caput do CPC. Recomendo ao órgão de representação judicial do Município de Belém que realize atenta leitura à Portaria nº 189/2014 - Ministério da Saúde, (em anexo) em especial os Arts. 3º, 5º e 8º além dos anexos, para que em casos semelhantes, possa buscar soluções na esfera do CIRADS, contribuindo assim para a desobstrução das pautas judiciais relativas a saúde pública. P.R.I.C. Belém, DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO Relatora
(2015.02649761-73, Não Informado, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-24, Publicado em 2015-07-24)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ Gabinete da Desa. Luzia Nadja Guimarães Nascimento PROCESSO Nº 0035741-18.2015.8.14.0000 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA AGRAVO DE INSTRUMENTO COMARCA: BELÉM AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM REPRESENTANTE: REGINA MÁRCIA DE CARVALHO CHAVES BRANCO (PROCURADOR) AGRAVADO: NICANORA GUEDES ARAÚJO REPRESENTANTE: RODRIGO CERQUEIRA DE MIRANDA (DEFENSOR) RELATOR: DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO DECISÃO MONOCRÁTICA Recurso interposto contra decisão que determinou ao MUNICÍPIO DE BELÉM a obrigação para realizar exame de colposcopia com biopsia do colo do útero em favor da agravada NICANORA GUEDES ARAÚJO. Eis a síntese da decisão: ¿A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida está condicionada à existência conjugada de prova inequívoca dos fatos constitutivos do direito material invocado pela parte autora, de forma que o magistrado se convença da verossimilhança de suas alegações, aliado ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, alternativamente, restar configurado o abuso de direito de defesa do réu, atentando-se, em todo o caso, à indispensável reversibilidade da medida, na lição do art. 273 do Código de Processo Civil. A Portaria nº 189/2014 - Ministério da Saúde, que institui o Serviço de Referência para Diagnóstico e Tratamento de Lesões Precursoras do Câncer do Colo de Útero, estabelece em seu Anexo I os procedimentos mínimos a serem realizados pelos estabelecimentos habilitados como Serviço de Referência para Diagnóstico e Tratamento de Lesões Precursoras do Câncer do Colo de Útero. Dentre os procedimentos está incluído a colposcopia (cód. 02.11.04.002-9) e a biópsia do colo uterino (cód. 02.01.01.066-6). Assim, verifica-se que os procedimentos requeridos na inicial possuem amparo legal e são disponibilizados pelo SUS, presente assim a verossimilhança das alegações. Quanto ao perigo de dano irreparável, este se manifesta na demora do diagnóstico e o início do tratamento adequado. Ante o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA determinando que o Município de Belém realize o exame de Colposcopia combinado com biópsia em favor da Sra. Nicanora Guedes Araújo.¿ Essencialmente o Município de Belém repete como sempre faz os mesmos argumentos. Alega ausência de responsabilidade do Município; aplicação do princípio da reserva do possível. Ao final pede o recebimento do recurso com a concessão de efeito suspensivo e provimento final para revogar a decisão afastando do município a obrigação. É o essencial a relatar. Decido Embora tempestivo, negarei seguimento. A Constituição vigente, afinada com evolução constitucional contemporânea e o direito internacional, incorporou o direito à saúde como bem jurídico digno de tutela jurisdicional, consagrando-a como direito fundamental, e, outorgando-lhe uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico-constitucional pátria. Na ordem jurídico-constitucional, a saúde apresenta fundamentalidade formal e material. A fundamentalidade formal do direito à saúde consiste na sua expressão como parte integrante da Constituição escrita, sendo um direito fundamental do homem, uma vez que situa-se no ápice do ordenamento jurídico como norma de superior hierarquia. Já a fundamentalidade da saúde, em sentido material, encontra-se ligada à sua relevância como bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, pois não pode haver vida digna humana sem saúde. Não há que se afastar a responsabilidade do Município na hipótese dos autos, pois destinatários da norma contida na primeira parte do artigo 196 da Constituição Federal (¿A saúde é direito de todos e dever do Estado¿) são as pessoas jurídicas dos três níveis da Federação. Em consequência, as prestações decorrentes do dispositivo podem ser exigidas de qualquer delas, nesse sentido, o RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 22.02.2000. Não se pode olvidar, também, que, tendo em vista a natureza do exame para pretendido, trata-se de caso de saúde pública, regulado pelo SUS, sobre o qual o agravante não registrou uma única linha em contra-argumento. A Constituição do Estado do Pará também dispõe, em seu artigo 263, §2º, que os Poderes Públicos, estadual e municipal, garantirão o bem estar biopsicossocial de suas populações e no artigo 265 que As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem o sistema único de saúde a nível do Estado, a que se refere o artigo 198 da Constituição Federal, integrando a área de proteção social, sendo organizado de acordo com as diretrizes federais e mais as seguintes: I - integração do Estado e Municípios no funcionamento do sistema, inclusive na constituição de sistema de referência; II - municipalização dos recursos, serviços e ações, com descentralização e regionalização administrativa e orçamentária; (...). É inaceitável que se pretenda justificar a inércia sob o argumento de não existir dotação orçamentária para seu alcance, visto que a garantia do direito à saúde pressupõe análise individualizada e pormenorizada da necessidade em questão, não havendo, portanto, infração ao princípio da isonomia ou da reserva do possível, ainda mais quando falamos de situação regulada pelo SUS e inserida no rol das políticas públicas de proteção a saúde da mulher. Nesse sentido julgou, à unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Agravo Regimental na Suspensão de Liminar nº 47, de Pernambuco, relatoria do Ministro Gilmar Mendes: ¿em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos¿. Não é dado à Administração ignorar as determinações constitucionais e legais que lhe são dirigidas e estabelecer discriminações entre os contribuintes e destinatários dos serviços públicos. A costumeira alegação de que a Fazenda Pública não pode desviar recursos do atendimento geral do SUS para o cumprimento das determinações judiciais impressiona, sequer pode ser aplicada ao caso, mesmo assim o Município lança mão do artifício. Assim exposto, conheço do recurso mas nego-lhe seguimento nos termos do art. 557, caput do CPC. Recomendo ao órgão de representação judicial do Município de Belém que realize atenta leitura à Portaria nº 189/2014 - Ministério da Saúde, (em anexo) em especial os Arts. 3º, 5º e 8º além dos anexos, para que em casos semelhantes, possa buscar soluções na esfera do CIRADS, contribuindo assim para a desobstrução das pautas judiciais relativas a saúde pública. P.R.I.C. Belém, DESA. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO Relatora
(2015.02649761-73, Não Informado, Rel. LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-24, Publicado em 2015-07-24)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
24/07/2015
Data da Publicação
:
24/07/2015
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
LUZIA NADJA GUIMARAES NASCIMENTO
Número do documento
:
2015.02649761-73
Tipo de processo
:
Agravo de Instrumento
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