TJPA 0037131-55.2010.8.14.0301
DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL, com fundamento no art. 475 do CPC, da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública em autos de ação de cobrança ajuizada por NILENE DOS SANTOS TAVARES, já qualificada nos autos, contra o INSTITUTO DE GESTÃO PREVIDENCIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ. 1 - Ação (fls. 02): ordinária de cobrança por meio da qual a autora, alegada viúva do extinto Arnaldo Tavares, sargento reformado da PM-PA, pede que o réu (IGEPREV) seja condenando ao pagamento dos valores de pensão por morte correspondentes ao período de abril de 2008 até a data do ajuizamento da ação (2010), com juros e correção monetária. 2 - Sentença (fls. 127): julgou o pedido parcialmente procedente, condenando o réu (1) a conceder o benefício da pensão por morte para a autora, respeitado o valor atualizado do benefício, com base no soldo do segurado; (2) a pagar o valor das parcelas da pensão em atraso, retroativamente, a partir de abril de 2008 até a data da concessão do benefício, fixando em 25% do montante apurado o percentual do retroativo devido à autora, a ser atualizado com juros de mora e corrigido monetariamente na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança). 3 - Apelação (fls. 131): interposta pela autora, para pedir a reforma da sentença no tocante ao percentual de 25% do montante da pensão. Alega a autora, em grau de apelo, que o percentual que lhe é devido é de 50% no período de abril de 2008 a fevereiro de 2009 (mês de falecimento da companheira do de cujus) e de 100% a partir de março de 2009 até a data da concessão da pensão por morte pelo IGEPREV, em virtude de não haver filhos menores do segurado que estivessem a perceber o benefício da pensão por morte, bem como pelo fato de se ter tornado a única beneficiária da pensão após o falecimento da companheira do extinto. 4 - Apelação (fls. 135): interposta pelo IGEPREV, na qual o apelante pontua os argumentos seguintes como oposição à decisão do juízo a quo: (1) princípio da legalidade impede o magistrado de atuar como legislador positivo; (2) a autora não se desincumbiu do ônus da prova; (3) impedimento legal à concessão do benefício pela Lei 9.717/98; (4) prescrição quinquenal do período retroativo. 5 - Contrarrazões de apelação (fls. 173): apresentada pelo IGEPREV. 6 - Ministério Público (fls. 198): opinou pelo não intervenção. Certidão atestando a tempestividade e preparo do recurso de apelação (fls. 193). Os autos vieram-me conclusos (fls. 196). É o relatório. Decido. Presentes os requisitos de admissibilidade da apelação, conheço do recurso e procedo também ao reexame necessário. Preliminarmente, rejeito o argumento de que haveria litisconsórcio passivo necessário entre a apelada e a finada senhora Josefa Gomes Ribeiro nos autos. Isso porque, nos moldes do art. 47 do CPC, há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. No caso sob exame, a necessariedade da formação litisconsorcial alegada pela parte decorreria de uma possível afetação ao patrimônio jurídico dos herdeiros da sra. Josefa Gomes Ribeiro, pois, segundo a Fazenda Pública, a virtual procedência do pedido implicaria que o pagamento dos valores retroativos fosse suportado pelo espólio de Josefa, e não pelo IGEPREV. No entanto, essa alegação não é suficiente para impor a formação litisconsorcial, haja vista que a relação de direito material, sobre a qual se controverte e da qual participariam as duas litisconsortes, não é indivisível. Sobretudo há de se considerar aqui que os pagamentos de pensão efetuados à Josefa - consequentemente acrescidos ao espólio titularizado pelos herdeiros por força do droit de saisine, adotado entre nós no art. 1.784 do CC - foram todos percebidos de boa-fé. E, consoante jurisprudência remansosa, os pagamentos recebidos de boa-fé não devem ser restituídos. Colaciono: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PAGAMENTO INDEVIDO. MÁ INTERPRETAÇÃO OU ERRO NA APLICAÇÃO DA LEI - RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO BENEFICIÁRIO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. - Mandado de segurança impetrado por pensionista de servidor público federal, objetivando obstar o desconto de valores pagos indevidamente pela Administração por má interpretação legislação, i.e., resultante da adequação do valor de sua pensão à nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003; - O servidor público, o aposentado e o pensionista não devem restituir os valores recebidos de boa-fé, fruto de má interpretação ou errônea aplicação da lei pela Administração; - Esta compreensão tem fundamento em sólida jurisprudência sedimentada no âmbito no Eg. Superior Tribunal de Justiça, pautada no princípio da razoabilidade, na teoria da aparência, na Súmula nº 34/2008 da AGU, haja vista, ainda, a natureza alimentar da verba, a qual caracteriza-se como meio de sustento do próprio servidor e de sua família, jamais fonte de enriquecimento; - Embora motivos de conveniência ou oportunidade permitam que a Administração anule os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, o restabelecimento da legalidade não pode alcançar situações pretéritas que foram constituídas com base na boa-fé do beneficiário, sob pena de violar o princípio da estabilidade das relações jurídicas.1 Logo, diferentemente do alegado na contestação de fls. 33, não há que se falar em afetação do patrimônio jurídico dos herdeiros de Josefa Gomes Ribeiro, os quais, ainda que fosse procedente o pedido da autora, ora apelada, não poderiam ser obrigados a arcar com o ônus de falha imputável à Administração (não que esse seja o caso, como demonstrarei adiante). Assim, correta a decisão do juízo monocrático, que, em sua sentença, rejeitou a preliminar de litisconsórcio passivo necessário manejada pela Fazenda Pública. Analisando o mérito, entendo que o deslinde da demanda passa pela aferição da legislação aplicável ao tempo do falecimento do segurado. Isso porque um dos princípios básicos que norteiam o Direito Previdenciário é justamente o princípio do tempus regit actum. Segundo o princípio em comento, o benefício previdenciário rege-se pela lei do tempo em que reunidas as condições para a sua concessão ao segurado ou aos seus dependentes. Tal princípio tem sido acolhido à unanimidade pelos tribunais brasileiros. No STF, por exemplo, o princípio do tempus regit actum é de aplicação pacífica nas hipóteses de discussão de pensão por morte, como demonstra este recente acórdão: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REGÊNCIA. LEGISLAÇÃO VIGENTE À DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR. PRECEDENTES. PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO. LIMITE DE IDADE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 280/STF. 1. A pensão por morte rege-se pela legislação em vigor na data do óbito do instituidor do benefício. Precedentes: ARE 749558-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 13/10/2014, e ARE 774.760-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 11/3/2014. 2. A pensão por morte, quando sub judice a controvérsia sobre a sua prorrogação em face do limite de idade, demanda a análise da legislação infraconstitucional aplicável à espécie. Precedentes: ARE 740.855-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 25/11/2013, e ARE 667.498-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 27/8/2013. 3. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional local, torna inadmissível o recurso extraordinário, a teor do Enunciado da Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal, verbis: ¿Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário¿. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ¿ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA TERMINATIVA EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO - APLICAÇÃO DA LEI Nº 7.551/77 - MANUTENÇÃO DA PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ATÉ 25 ANOS - TEMPUS REGIT ACTUM - SÚMULA 340 STJ - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.¿ 5. Agravo regimental DESPROVIDO.2 Posicionamento idêntico tem sido adotado pelo STJ, como demonstra este acórdão relativamente à pensão por morte devida a ex-combatentes: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO ESPECIAL DE EX-COMBATENTE. ÓBITO EM JANEIRO DE 1989. REGIME MISTO. ART. 53 DO ADCT E LEIS NºS 3.765/60 E 4.242/63. REQUISITOS DO ART. 30 DA LEI N. 4.242/63. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. 1. No tocante à pensão especial de ex-combatente, este Superior Tribunal firmou o entendimento de que deve ser regida pelas normas vigentes na data do óbito do instituidor (tempus regit actum). 2. Ao que se tem dos autos, a morte do ex-combatente ocorreu em janeiro de 1989, ou seja, após a Constituição Federal de 1988 e antes da edição da Lei n. 8.059/90. Assim, deve ser aplicado à espécie o regime misto, ou seja, a incidência das Leis nºs 3.765/60 e 4.242/63, as quais autorizavam a concessão de pensão especial às filhas capazes e maiores de 21 anos, bem como o disposto no art. 53 do ADCT/1988, que assegurou aos ex-combatentes o direito à pensão especial de Segundo-Tenente. 3. Entretanto, são requisitos para o pagamento do benefício: a) ser o ex-militar integrante da FEB, da FAB ou da Marinha; b) ter efetivamente participado de operações de guerra; c) encontrar-se o ex-militar, ou seus dependentes, incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência; e d) não perceber nenhuma importância dos cofres públicos (art. 30 da Lei n. 4.242/63). 4. Na hipótese, a análise acerca da dependência econômica demandaria a incursão na seara fático-probatória dos autos, tarefa essa soberana às instâncias ordinárias, o que impede o reexame na via especial, ante o óbice da Súmula 7 deste Tribunal. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.3 Então, ao julgar, partirei desta premissa: o tempo rege o ato, para efeito de concessão de benefício previdenciário. Destarte, nota-se dos autos que o segurado militar faleceu na data de 18/08/1998. Portanto, identifico que o diploma vigente ao tempo da morte (fato gerador do benefício) era a Lei Estadual 5.011/81. Analisando a Lei 5.011/81, observo que, no rol de dependentes do segurado, figurava a mulher (art. 22, II). Adiante, no § 2º, contudo, a lei restringia essa condição, exigindo a prova da dependência econômica pelos beneficiários. Art. 22 omissis § 2º - A dependência econômica dos beneficiários deverá ser devidamente comprovada. Vê-se que essa lei não presumiu a dependência econômica em favor do cônjuge supérstite. Pelo contrário, exigiu claramente a prova robusta pelo dependente. Corrobora esse pensamento a observação de que a Lei Complementar Estadual nº 39/2002, que instituiu o Regime de Previdência Estadual do Pará, no seu art. 6º, § 5º, ao tratar dos dependentes do segurado, presumiu a dependência econômica do cônjuge do segurado ao tempo da ocorrência do fato gerador. Art. 6º Consideram-se dependentes dos Segurados, para fins do Regime de Previdência que trata a presente Lei: I - o cônjuge, a companheira ou companheiro, na constância do casamento ou da união estável, respectivamente; [...] § 5º A dependência econômica das pessoas indicadas nos incisos I e II é presumida e a das demais, prevista nos incisos III, V, VI e VII, deve ser comprovada de acordo com o disposto em regulamento e resolução do Conselho Estadual de Previdência. (NR LC44/2003) Assim fica claro que o legislador estadual decidiu mudar a lógica prevista na lei anterior (Lei 5.011/81), que não presumia a dependência econômica. Dessa maneira, após analisar os autos, concluí que assiste razão à Fazenda Pública apelante. Com efeito, a apelada teve seu direito ao benefício previdenciário da pensão por morte do militar extinto sem ter efetivamente demonstrado nos autos prova robusta da sua dependência econômica em relação ao falecido. Essa conclusão é robustecida pela observação de que, conforme noticia o documento de fls. 72, o de cujus estava separado de fato da apelada, sra. NILENE, desde 1980, quando então iniciou uma nova relação familiar em regime de união estável com a sra. JOSEFA GOMES RIBEIRO, também já falecida, relação da qual inclusive adveio prole (dois filhos). Fortalece ainda mais esta conclusão a leitura da r. sentença do juízo de piso, que, para fins de conceder a pensão por morte, realizou uma esdrúxula interpretação evolutiva da lei vigente ao tempo do fato gerador, a fim de presumir a dependência econômica na constância do casamento, o que, a meu sentir, é interpretação contra legem e, portanto, inadmissível, sobretudo quando se está a tratar de benefício previdenciário ligado ao direito público, que como toda a gente o sabe é regido pelo princípio da legalidade (CF, art. 37). E o magistrado monocrático decidiu presumir a dependência econômica justamente por reconhecer, implicitamente, que a autoria não havia se desincumbido do seu ônus da prova, tal como o exige o art. 333, I, do CPC, que atribui ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. Por todos esses motivos é que entendo com razão a Fazenda Pública, na medida em que não vislumbro a prova da dependência econômica, que é exigida pelo § 2º do art. 22 da Lei 5.011/81. Logo, entendo que a autora da ação, ora apelada, não faz jus ao benefício previdenciário da pensão por morte, porquanto não se tenha desincumbido no curso do processo de fazer prova das condições exigidas pela lei vigente ao tempo do fato gerador (tempus regit actum). Ante o exposto, nos termos do art. 557 do CPC, conheço do recurso de apelação, para dar-lhe provimento, reformando-se integralmente a sentença monocrática, a fim de negar a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte à autora. Belém (PA), 15 de dezembro de 2015. Ezilda Pastana Mutran Relatora/Juíza Convocada 1 TRF-2, Quinta Turma Especializada, AMS: 73658 RJ 2007.51.01.028820-3, Relator: Des. Paulo Espirito Santo, j. 19/11/2008, p. DJU 19/12/2008. 2 STF, Primeira Turma, ARE 833.446/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 14.11.2014, grifo nosso. 3 STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1275911/SC, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 26.05.2015).
(2015.04759551-50, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2015-12-16, Publicado em 2015-12-16)
Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de REEXAME NECESSÁRIO e APELAÇÃO CÍVEL, com fundamento no art. 475 do CPC, da sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública em autos de ação de cobrança ajuizada por NILENE DOS SANTOS TAVARES, já qualificada nos autos, contra o INSTITUTO DE GESTÃO PREVIDENCIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ. 1 - Ação (fls. 02): ordinária de cobrança por meio da qual a autora, alegada viúva do extinto Arnaldo Tavares, sargento reformado da PM-PA, pede que o réu (IGEPREV) seja condenando ao pagamento dos valores de pensão por morte correspondentes ao período de abril de 2008 até a data do ajuizamento da ação (2010), com juros e correção monetária. 2 - Sentença (fls. 127): julgou o pedido parcialmente procedente, condenando o réu (1) a conceder o benefício da pensão por morte para a autora, respeitado o valor atualizado do benefício, com base no soldo do segurado; (2) a pagar o valor das parcelas da pensão em atraso, retroativamente, a partir de abril de 2008 até a data da concessão do benefício, fixando em 25% do montante apurado o percentual do retroativo devido à autora, a ser atualizado com juros de mora e corrigido monetariamente na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança). 3 - Apelação (fls. 131): interposta pela autora, para pedir a reforma da sentença no tocante ao percentual de 25% do montante da pensão. Alega a autora, em grau de apelo, que o percentual que lhe é devido é de 50% no período de abril de 2008 a fevereiro de 2009 (mês de falecimento da companheira do de cujus) e de 100% a partir de março de 2009 até a data da concessão da pensão por morte pelo IGEPREV, em virtude de não haver filhos menores do segurado que estivessem a perceber o benefício da pensão por morte, bem como pelo fato de se ter tornado a única beneficiária da pensão após o falecimento da companheira do extinto. 4 - Apelação (fls. 135): interposta pelo IGEPREV, na qual o apelante pontua os argumentos seguintes como oposição à decisão do juízo a quo: (1) princípio da legalidade impede o magistrado de atuar como legislador positivo; (2) a autora não se desincumbiu do ônus da prova; (3) impedimento legal à concessão do benefício pela Lei 9.717/98; (4) prescrição quinquenal do período retroativo. 5 - Contrarrazões de apelação (fls. 173): apresentada pelo IGEPREV. 6 - Ministério Público (fls. 198): opinou pelo não intervenção. Certidão atestando a tempestividade e preparo do recurso de apelação (fls. 193). Os autos vieram-me conclusos (fls. 196). É o relatório. Decido. Presentes os requisitos de admissibilidade da apelação, conheço do recurso e procedo também ao reexame necessário. Preliminarmente, rejeito o argumento de que haveria litisconsórcio passivo necessário entre a apelada e a finada senhora Josefa Gomes Ribeiro nos autos. Isso porque, nos moldes do art. 47 do CPC, há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. No caso sob exame, a necessariedade da formação litisconsorcial alegada pela parte decorreria de uma possível afetação ao patrimônio jurídico dos herdeiros da sra. Josefa Gomes Ribeiro, pois, segundo a Fazenda Pública, a virtual procedência do pedido implicaria que o pagamento dos valores retroativos fosse suportado pelo espólio de Josefa, e não pelo IGEPREV. No entanto, essa alegação não é suficiente para impor a formação litisconsorcial, haja vista que a relação de direito material, sobre a qual se controverte e da qual participariam as duas litisconsortes, não é indivisível. Sobretudo há de se considerar aqui que os pagamentos de pensão efetuados à Josefa - consequentemente acrescidos ao espólio titularizado pelos herdeiros por força do droit de saisine, adotado entre nós no art. 1.784 do CC - foram todos percebidos de boa-fé. E, consoante jurisprudência remansosa, os pagamentos recebidos de boa-fé não devem ser restituídos. Colaciono: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PAGAMENTO INDEVIDO. MÁ INTERPRETAÇÃO OU ERRO NA APLICAÇÃO DA LEI - RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO BENEFICIÁRIO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. - Mandado de segurança impetrado por pensionista de servidor público federal, objetivando obstar o desconto de valores pagos indevidamente pela Administração por má interpretação legislação, i.e., resultante da adequação do valor de sua pensão à nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003; - O servidor público, o aposentado e o pensionista não devem restituir os valores recebidos de boa-fé, fruto de má interpretação ou errônea aplicação da lei pela Administração; - Esta compreensão tem fundamento em sólida jurisprudência sedimentada no âmbito no Eg. Superior Tribunal de Justiça, pautada no princípio da razoabilidade, na teoria da aparência, na Súmula nº 34/2008 da AGU, haja vista, ainda, a natureza alimentar da verba, a qual caracteriza-se como meio de sustento do próprio servidor e de sua família, jamais fonte de enriquecimento; - Embora motivos de conveniência ou oportunidade permitam que a Administração anule os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, o restabelecimento da legalidade não pode alcançar situações pretéritas que foram constituídas com base na boa-fé do beneficiário, sob pena de violar o princípio da estabilidade das relações jurídicas.1 Logo, diferentemente do alegado na contestação de fls. 33, não há que se falar em afetação do patrimônio jurídico dos herdeiros de Josefa Gomes Ribeiro, os quais, ainda que fosse procedente o pedido da autora, ora apelada, não poderiam ser obrigados a arcar com o ônus de falha imputável à Administração (não que esse seja o caso, como demonstrarei adiante). Assim, correta a decisão do juízo monocrático, que, em sua sentença, rejeitou a preliminar de litisconsórcio passivo necessário manejada pela Fazenda Pública. Analisando o mérito, entendo que o deslinde da demanda passa pela aferição da legislação aplicável ao tempo do falecimento do segurado. Isso porque um dos princípios básicos que norteiam o Direito Previdenciário é justamente o princípio do tempus regit actum. Segundo o princípio em comento, o benefício previdenciário rege-se pela lei do tempo em que reunidas as condições para a sua concessão ao segurado ou aos seus dependentes. Tal princípio tem sido acolhido à unanimidade pelos tribunais brasileiros. No STF, por exemplo, o princípio do tempus regit actum é de aplicação pacífica nas hipóteses de discussão de pensão por morte, como demonstra este recente acórdão: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REGÊNCIA. LEGISLAÇÃO VIGENTE À DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR. PRECEDENTES. PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO. LIMITE DE IDADE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 280/STF. 1. A pensão por morte rege-se pela legislação em vigor na data do óbito do instituidor do benefício. Precedentes: ARE 749558-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 13/10/2014, e ARE 774.760-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 11/3/2014. 2. A pensão por morte, quando sub judice a controvérsia sobre a sua prorrogação em face do limite de idade, demanda a análise da legislação infraconstitucional aplicável à espécie. Precedentes: ARE 740.855-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 25/11/2013, e ARE 667.498-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 27/8/2013. 3. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional local, torna inadmissível o recurso extraordinário, a teor do Enunciado da Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal, verbis: ¿Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário¿. 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ¿ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA TERMINATIVA EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO - APLICAÇÃO DA LEI Nº 7.551/77 - MANUTENÇÃO DA PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ATÉ 25 ANOS - TEMPUS REGIT ACTUM - SÚMULA 340 STJ - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.¿ 5. Agravo regimental DESPROVIDO.2 Posicionamento idêntico tem sido adotado pelo STJ, como demonstra este acórdão relativamente à pensão por morte devida a ex-combatentes: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO ESPECIAL DE EX-COMBATENTE. ÓBITO EM JANEIRO DE 1989. REGIME MISTO. ART. 53 DO ADCT E LEIS NºS 3.765/60 E 4.242/63. REQUISITOS DO ART. 30 DA LEI N. 4.242/63. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. 1. No tocante à pensão especial de ex-combatente, este Superior Tribunal firmou o entendimento de que deve ser regida pelas normas vigentes na data do óbito do instituidor (tempus regit actum). 2. Ao que se tem dos autos, a morte do ex-combatente ocorreu em janeiro de 1989, ou seja, após a Constituição Federal de 1988 e antes da edição da Lei n. 8.059/90. Assim, deve ser aplicado à espécie o regime misto, ou seja, a incidência das Leis nºs 3.765/60 e 4.242/63, as quais autorizavam a concessão de pensão especial às filhas capazes e maiores de 21 anos, bem como o disposto no art. 53 do ADCT/1988, que assegurou aos ex-combatentes o direito à pensão especial de Segundo-Tenente. 3. Entretanto, são requisitos para o pagamento do benefício: a) ser o ex-militar integrante da FEB, da FAB ou da Marinha; b) ter efetivamente participado de operações de guerra; c) encontrar-se o ex-militar, ou seus dependentes, incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência; e d) não perceber nenhuma importância dos cofres públicos (art. 30 da Lei n. 4.242/63). 4. Na hipótese, a análise acerca da dependência econômica demandaria a incursão na seara fático-probatória dos autos, tarefa essa soberana às instâncias ordinárias, o que impede o reexame na via especial, ante o óbice da Súmula 7 deste Tribunal. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.3 Então, ao julgar, partirei desta premissa: o tempo rege o ato, para efeito de concessão de benefício previdenciário. Destarte, nota-se dos autos que o segurado militar faleceu na data de 18/08/1998. Portanto, identifico que o diploma vigente ao tempo da morte (fato gerador do benefício) era a Lei Estadual 5.011/81. Analisando a Lei 5.011/81, observo que, no rol de dependentes do segurado, figurava a mulher (art. 22, II). Adiante, no § 2º, contudo, a lei restringia essa condição, exigindo a prova da dependência econômica pelos beneficiários. Art. 22 omissis § 2º - A dependência econômica dos beneficiários deverá ser devidamente comprovada. Vê-se que essa lei não presumiu a dependência econômica em favor do cônjuge supérstite. Pelo contrário, exigiu claramente a prova robusta pelo dependente. Corrobora esse pensamento a observação de que a Lei Complementar Estadual nº 39/2002, que instituiu o Regime de Previdência Estadual do Pará, no seu art. 6º, § 5º, ao tratar dos dependentes do segurado, presumiu a dependência econômica do cônjuge do segurado ao tempo da ocorrência do fato gerador. Art. 6º Consideram-se dependentes dos Segurados, para fins do Regime de Previdência que trata a presente Lei: I - o cônjuge, a companheira ou companheiro, na constância do casamento ou da união estável, respectivamente; [...] § 5º A dependência econômica das pessoas indicadas nos incisos I e II é presumida e a das demais, prevista nos incisos III, V, VI e VII, deve ser comprovada de acordo com o disposto em regulamento e resolução do Conselho Estadual de Previdência. (NR LC44/2003) Assim fica claro que o legislador estadual decidiu mudar a lógica prevista na lei anterior (Lei 5.011/81), que não presumia a dependência econômica. Dessa maneira, após analisar os autos, concluí que assiste razão à Fazenda Pública apelante. Com efeito, a apelada teve seu direito ao benefício previdenciário da pensão por morte do militar extinto sem ter efetivamente demonstrado nos autos prova robusta da sua dependência econômica em relação ao falecido. Essa conclusão é robustecida pela observação de que, conforme noticia o documento de fls. 72, o de cujus estava separado de fato da apelada, sra. NILENE, desde 1980, quando então iniciou uma nova relação familiar em regime de união estável com a sra. JOSEFA GOMES RIBEIRO, também já falecida, relação da qual inclusive adveio prole (dois filhos). Fortalece ainda mais esta conclusão a leitura da r. sentença do juízo de piso, que, para fins de conceder a pensão por morte, realizou uma esdrúxula interpretação evolutiva da lei vigente ao tempo do fato gerador, a fim de presumir a dependência econômica na constância do casamento, o que, a meu sentir, é interpretação contra legem e, portanto, inadmissível, sobretudo quando se está a tratar de benefício previdenciário ligado ao direito público, que como toda a gente o sabe é regido pelo princípio da legalidade (CF, art. 37). E o magistrado monocrático decidiu presumir a dependência econômica justamente por reconhecer, implicitamente, que a autoria não havia se desincumbido do seu ônus da prova, tal como o exige o art. 333, I, do CPC, que atribui ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. Por todos esses motivos é que entendo com razão a Fazenda Pública, na medida em que não vislumbro a prova da dependência econômica, que é exigida pelo § 2º do art. 22 da Lei 5.011/81. Logo, entendo que a autora da ação, ora apelada, não faz jus ao benefício previdenciário da pensão por morte, porquanto não se tenha desincumbido no curso do processo de fazer prova das condições exigidas pela lei vigente ao tempo do fato gerador (tempus regit actum). Ante o exposto, nos termos do art. 557 do CPC, conheço do recurso de apelação, para dar-lhe provimento, reformando-se integralmente a sentença monocrática, a fim de negar a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte à autora. Belém (PA), 15 de dezembro de 2015. Ezilda Pastana Mutran Relatora/Juíza Convocada 1 TRF-2, Quinta Turma Especializada, AMS: 73658 RJ 2007.51.01.028820-3, Relator: Des. Paulo Espirito Santo, j. 19/11/2008, p. DJU 19/12/2008. 2 STF, Primeira Turma, ARE 833.446/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 14.11.2014, grifo nosso. 3 STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1275911/SC, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 26.05.2015).
(2015.04759551-50, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2015-12-16, Publicado em 2015-12-16)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
16/12/2015
Data da Publicação
:
16/12/2015
Órgão Julgador
:
1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
EZILDA PASTANA MUTRAN
Número do documento
:
2015.04759551-50
Tipo de processo
:
Apelação / Remessa Necessária
Mostrar discussão