TJPA 0043320-32.2009.8.14.0301
DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por QUANTA ENGENHARIA LTDA devidamente representada por procurador habilitado nos autos, com fulcro nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, contra sentença (fls. 119/120v) prolatada pelo juízo da 7ª Vara Cível de Belém que, nos autos da Ação de Indenização por danos materiais e morais proc. nº 0043320-32.2009.8.14.0301, proposta em desfavor de KRZYFER IND. COM. COMPENSADOS LTDA, ora apelada, julgou totalmente improcedente a ação, ante a decadência do direito do autor. Em síntese na exordial, a autora alegou que adquiriu, em setembro de 2008, 180 (cento e oitenta) lâminas de compensado para a confecção de fôrma para laje da empresa ré, no total de R$ 12.870,00 (doze mil oitocentos e setenta reais). Aduziu que conforme informado no certificado de garantia, cada lâmina de compensado teria capacidade para 16 usos, contudo após a sétima reutilização das lâminas, estas apresentaram deterioração total. Afirmou que trata-se de vício oculto do produto, portanto o prazo de 180 (cento e oitenta dias) previsto no contrato começaria a fluir a partir da ciência do vício e não da emissão da nota fiscal. Requereu ao final, a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por dano material e moral. Em sentença às fls. 119/120v, o juízo monocrático entendeu pela decadência do direito de ação da autora, por se tratar de vício aparente, cujo o prazo decadencial é de 90 (noventa) dias a contar da entrega efetiva do produto (art. 26, II, §1º do CDC). Contudo, aplicou o prazo previsto no contrato, por ser mais benéfico ao consumidor, 180 (cento e oitenta) dias, a contar da emissão da nota fiscal. Nesta esteira, julgou totalmente improcedente a ação. Irresignada, a autora interpôs o presente recurso (fls. 122/128) alegando em síntese, a necessidade da aplicação da garantia contratual de 16 reutilizações das lâminas de compensado, por ser oferta que vincula o fornecedor, e estas apresentaram defeito com apenas sete reutilizações. Asseverou que deve ser reconhecido a ocorrência de vício oculto no produto, devendo o prazo decadencial ser contado conforme o disposto no parágrafo 3º do art. 26, do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, do momento em que ficou evidenciado o defeito. Não houve manifestação sobre a contestação (fls. 134) Coube-me a relatoria do feito por distribuição (fls. 135) Instadas as partes sobre a possibilidade de acordo, estas não manifestaram interesse. (fls. 139) Vieram-me conclusos os autos. É o relatório. DECIDO. Presentes os requisitos do art. 513 e seguintes do CPC, conheço do recurso de apelação e passo a analisa-lo. O cerne do presente recurso configura-se no fato de ter havido ou não decadência do direito da autora/apelante, que busca a responsabilização civil da empresa ré, ante a ocorrência de vício no produto adquirido. Em síntese, alegou a autora que as lâminas de compensado adquiridas para durar até 16 reutilizações, continham vício oculto, pois embora os produtos tenham sido entregues aparentemente em condições normais, tornaram-se imprestáveis para uso a partir da sétima reutilização, configurando um vício oculto, pois manifestou-se somente com a sua utilização. O juízo a quo entendeu que o caso era de vício aparente, explicando que sendo o consumidor empresa de engenharia, possuía técnica e conhecimento suficientes para identificar os defeitos no momento da entrega. Em análise detida aos autos e, em que pese o entendimento do juízo monocrático, entendo haver razão nas alegações do apelante. Explico. Para melhor elucidação da questão, se faz necessário analisar o conceito de vício. Os vícios tratados pelo Código de Defesa do Consumidor, segundo o art. 26, podem ser distinguidos em dois grupos: vício de fácil constatação (aparentes) e o vício oculto. O vício aparente é aquele identificado de forma imediata, levando-se em consideração a complexidade do produto e o nível de conhecimento técnico do consumidor. Na lição de Leonardo de Medeiros Garcia em seu livro Direito do Consumidor Código Comentado e Jurisprudência (5ª ed., 2009) ¿os vícios aparentes são aqueles cuja identificação não exige conhecimento especializado por parte do consumidor, e a constatação se dá apenas com o exame superficial do produto ou serviço.¿ Ainda, sobre o vício oculto leciona que ¿é aquele vício que já estava presente quando da aquisição do produto ou do término do serviço, mas que somente se manifestou algum tempo depois; ou seja, é aquele cuja identificação não se dá com simples exame pelo consumidor.¿ Em outras palavras, o vício oculto é aquele cuja identificação não poderia ocorrer no momento da aquisição, mas apenas no decorrer do seu uso. A aparência inicial do produto pode ser de perfeitas condições, contudo, este estado inicial se altera com a continuidade do consumo, a ponto de restar configurado um vício relevante. Isto posto, compulsando os autos verifica-se que o apelante relatou em sua inicial que o produto inicialmente apresentou-se em perfeitas condições, integro, sem defeitos, sendo utilizado para seu fim, vindo a apresentar defeito somente após um ano da data da entrega, já durante a sétima reutilização, das dezesseis reutilizações que são garantidas pelo fabricante/fornecedor. Ora, se os defeitos apresentados pelas lâminas somente tornaram-se visíveis com o uso e não podiam ser detectados pelo consumidor no momento da entrega do produto, não há como aplicar ao caso a ideia de vício aparente. Assim, ao meu ver, o caso enquadra-se no conceito de vício oculto. Esta delimitação se faz importante para afastar a decadência do direito de reclamação declarada pelo juízo monocrático, que entendeu tratar-se de um vício aparente, aplicando a garantia legal de 90 (noventa) dias a contar do recebimento do produto, ou, em benefício do consumidor, a garantia prevista contratualmente, que seria de 180 (cento e oitenta) dias. Sobre o tema dispõe art. 26, do CDC, in verbis: Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. § 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito. Depreende-se do texto legal que o início do prazo para que o consumidor reivindique seu direito de reparação frente a um vício, ou seja, reclame uma solução jurídica para seu problema, vai ser diverso conforme a natureza do vício que atinge o produto: se aparente ou oculto. No presente caso, a autora afirma ter detectado o vício em 29/06/2009, após a sétima utilização das lâminas de compensado e, diante da resposta negativa do fornecedor em efetuar a troca do produto, interpuseram a presente ação em 25/09/2009. Portanto, dentro do prazo de 90 dias imposto no inciso II, no art. 26 do CDC, a ser contado do momento em que ficou evidenciado o vício oculto, conforme parágrafo terceiro do referido artigo. Ademais, conforme certificado de garantia do fabricante juntado às fls. 24, as lâminas de compensado possuem garantia de dezesseis reutilizações, desde que utilizadas de forma racionalizada, segundo os critérios indicados pelo fabricante. Logo, por ser um produto durável, subtende-se que a vida útil dada ao produto pelo próprio fabricante, seria de no mínimo dezesseis reutilizações. A ideia de ¿vida útil¿ do produto tem sido utilizada pela doutrina e pela jurisprudência como limite temporal para o surgimento do vício oculto, de forma a possibilitar ao consumidor exercer seus direitos de modo razoável, sem com isso, impor ao fornecedor de produtos o ônus de arcar com uma garantia praticamente eterna, caso seja adotado uma interpretação literal da lei. Nesta esteira, o prazo máximo para caracterização de um vício oculto seria o período de durabilidade esperada do produto, independentemente da garantia. A corroborar esse entendimento, transcrevo o julgado do Superior Tribunal de Justiça, de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão no REsp 984.106/SC, que destaca a utilização do critério de vida útil do bem para limitação da garantia legal nos casos de vício oculto: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. (...) 4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício. 5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. 6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. 7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. 8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem. 9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. 10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido. (REsp 984.106/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 20/11/2012) Destaco aqui parte do julgado, cujo entendimento coaduno integralmente e adoto como razão de julgar: ¿(...)9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. (...)¿ Ainda nesse sentido: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPRA E VENDA DE TV. VÍCIO OCULTO EVIDENCIADO DENTRO DA VIDA ÚTIL DO BEM. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. VÍCIO NÃO SANADO. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE USO FRUSTRADA. DANO MORAL CONFIGURADO. ENUNCIADO 8.3 DAS TURMAS RECURSAIS DO ESTADO DO PARANÁ. MINORAÇÃO DO QUANTUM. IMPROCEDÊNCIA. VALOR FIXADO DE ACORDO COM OS PATAMARES DA TURMA RECURSAL. SENTENÇA MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido. Diante do exposto, decidem os Juízes Integrantes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, conhecer o recurso e, no mérito, negar-lhe provimento nos exatos termos do vot (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0000345-22.2014.8.16.0044/0 - Apucarana - Rel.: LEO HENRIQUE FURTADO ARAÃ?JO - - J. 10.02.2015) (TJ-PR - RI: 000034522201481600440 PR 0000345-22.2014.8.16.0044/0 (Acórdão), Relator: LEO HENRIQUE FURTADO ARAÃ?JO, Data de Julgamento: 10/02/2015, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 26/02/2015) RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. MÁQUINA DE LAVAR E SECAR. BEM DURÁVEL DE LONGA VIDA ÚTIL. PROBLEMAS CONSTATADOS EM COMPONENTES ELÉTRICOS, APÓS UM ANO E MEIO DE USO, QUE CARACTERIZAM VÍCIO OCULTO. DECADÊNCIA INOCORRENTE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 26, § 3º, DO CDC. CUSTOS ELEVADOS ADIMPLIDOS PELO AUTOR, NAS INÚMERAS VEZES QUE A MÁQUINA DE LAVAR FOI ENCAMINHADA A ASSISTÊNCIA TÉCNICA. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO QUE IMPÕEM. DANO MORAL, TODAVIA, INOCORRENTE. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004934725, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Paulo Cesar Filippon, Julgado em 19/09/2014) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004934725 RS , Relator: Paulo Cesar Filippon, Data de Julgamento: 19/09/2014, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 24/09/2014) Contudo, verifico que o processo não está pronto para análise do mérito por este juízo, não podendo ser aplicada a teoria da causa madura, prevista no § 3º, art. 515, do CPC, pois trata-se de questão de fato e de direito, que ainda requer a produção de provas, uma vez que juízo monocrático entendeu pelo julgamento antecipado da lide, para aplicação da decadência. Assim, somente com a instrução do processo, exaurindo-se o exercício da ampla defesa e do contraditório, com a confecção das provas que as parte e o juiz entenderem necessárias, poderá se chegar a uma solução adequada e justa para o caso. Por essas razões, hei por bem anular a sentença a quo que declarou a decadência do direito da autora, determinando o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para o regular prosseguimento do feito. ANTE O EXPOSTO, com base no art. 557, §1º-A, do CPC, CONHEÇO DO RECURSO E DOU-LHE PROVIMENTO para anular a sentença guerreada, determinando o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do processo, tudo nos termos e limites da fundamentação lançada, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria nº 3.731/2015 - GP. P. R. I. Belém (PA), 14 de outubro de 2015. DRA. EZILDA PASTANA MUTRAN Juíza Convocada/Relatora
(2015.03875784-50, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN - JUIZA CONVOCADA, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-10-15, Publicado em 2015-10-15)
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DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por QUANTA ENGENHARIA LTDA devidamente representada por procurador habilitado nos autos, com fulcro nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, contra sentença (fls. 119/120v) prolatada pelo juízo da 7ª Vara Cível de Belém que, nos autos da Ação de Indenização por danos materiais e morais proc. nº 0043320-32.2009.8.14.0301, proposta em desfavor de KRZYFER IND. COM. COMPENSADOS LTDA, ora apelada, julgou totalmente improcedente a ação, ante a decadência do direito do autor. Em síntese na exordial, a autora alegou que adquiriu, em setembro de 2008, 180 (cento e oitenta) lâminas de compensado para a confecção de fôrma para laje da empresa ré, no total de R$ 12.870,00 (doze mil oitocentos e setenta reais). Aduziu que conforme informado no certificado de garantia, cada lâmina de compensado teria capacidade para 16 usos, contudo após a sétima reutilização das lâminas, estas apresentaram deterioração total. Afirmou que trata-se de vício oculto do produto, portanto o prazo de 180 (cento e oitenta dias) previsto no contrato começaria a fluir a partir da ciência do vício e não da emissão da nota fiscal. Requereu ao final, a condenação da empresa ré ao pagamento de indenização por dano material e moral. Em sentença às fls. 119/120v, o juízo monocrático entendeu pela decadência do direito de ação da autora, por se tratar de vício aparente, cujo o prazo decadencial é de 90 (noventa) dias a contar da entrega efetiva do produto (art. 26, II, §1º do CDC). Contudo, aplicou o prazo previsto no contrato, por ser mais benéfico ao consumidor, 180 (cento e oitenta) dias, a contar da emissão da nota fiscal. Nesta esteira, julgou totalmente improcedente a ação. Irresignada, a autora interpôs o presente recurso (fls. 122/128) alegando em síntese, a necessidade da aplicação da garantia contratual de 16 reutilizações das lâminas de compensado, por ser oferta que vincula o fornecedor, e estas apresentaram defeito com apenas sete reutilizações. Asseverou que deve ser reconhecido a ocorrência de vício oculto no produto, devendo o prazo decadencial ser contado conforme o disposto no parágrafo 3º do art. 26, do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, do momento em que ficou evidenciado o defeito. Não houve manifestação sobre a contestação (fls. 134) Coube-me a relatoria do feito por distribuição (fls. 135) Instadas as partes sobre a possibilidade de acordo, estas não manifestaram interesse. (fls. 139) Vieram-me conclusos os autos. É o relatório. DECIDO. Presentes os requisitos do art. 513 e seguintes do CPC, conheço do recurso de apelação e passo a analisa-lo. O cerne do presente recurso configura-se no fato de ter havido ou não decadência do direito da autora/apelante, que busca a responsabilização civil da empresa ré, ante a ocorrência de vício no produto adquirido. Em síntese, alegou a autora que as lâminas de compensado adquiridas para durar até 16 reutilizações, continham vício oculto, pois embora os produtos tenham sido entregues aparentemente em condições normais, tornaram-se imprestáveis para uso a partir da sétima reutilização, configurando um vício oculto, pois manifestou-se somente com a sua utilização. O juízo a quo entendeu que o caso era de vício aparente, explicando que sendo o consumidor empresa de engenharia, possuía técnica e conhecimento suficientes para identificar os defeitos no momento da entrega. Em análise detida aos autos e, em que pese o entendimento do juízo monocrático, entendo haver razão nas alegações do apelante. Explico. Para melhor elucidação da questão, se faz necessário analisar o conceito de vício. Os vícios tratados pelo Código de Defesa do Consumidor, segundo o art. 26, podem ser distinguidos em dois grupos: vício de fácil constatação (aparentes) e o vício oculto. O vício aparente é aquele identificado de forma imediata, levando-se em consideração a complexidade do produto e o nível de conhecimento técnico do consumidor. Na lição de Leonardo de Medeiros Garcia em seu livro Direito do Consumidor Código Comentado e Jurisprudência (5ª ed., 2009) ¿os vícios aparentes são aqueles cuja identificação não exige conhecimento especializado por parte do consumidor, e a constatação se dá apenas com o exame superficial do produto ou serviço.¿ Ainda, sobre o vício oculto leciona que ¿é aquele vício que já estava presente quando da aquisição do produto ou do término do serviço, mas que somente se manifestou algum tempo depois; ou seja, é aquele cuja identificação não se dá com simples exame pelo consumidor.¿ Em outras palavras, o vício oculto é aquele cuja identificação não poderia ocorrer no momento da aquisição, mas apenas no decorrer do seu uso. A aparência inicial do produto pode ser de perfeitas condições, contudo, este estado inicial se altera com a continuidade do consumo, a ponto de restar configurado um vício relevante. Isto posto, compulsando os autos verifica-se que o apelante relatou em sua inicial que o produto inicialmente apresentou-se em perfeitas condições, integro, sem defeitos, sendo utilizado para seu fim, vindo a apresentar defeito somente após um ano da data da entrega, já durante a sétima reutilização, das dezesseis reutilizações que são garantidas pelo fabricante/fornecedor. Ora, se os defeitos apresentados pelas lâminas somente tornaram-se visíveis com o uso e não podiam ser detectados pelo consumidor no momento da entrega do produto, não há como aplicar ao caso a ideia de vício aparente. Assim, ao meu ver, o caso enquadra-se no conceito de vício oculto. Esta delimitação se faz importante para afastar a decadência do direito de reclamação declarada pelo juízo monocrático, que entendeu tratar-se de um vício aparente, aplicando a garantia legal de 90 (noventa) dias a contar do recebimento do produto, ou, em benefício do consumidor, a garantia prevista contratualmente, que seria de 180 (cento e oitenta) dias. Sobre o tema dispõe art. 26, do CDC, in verbis: Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. § 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito. Depreende-se do texto legal que o início do prazo para que o consumidor reivindique seu direito de reparação frente a um vício, ou seja, reclame uma solução jurídica para seu problema, vai ser diverso conforme a natureza do vício que atinge o produto: se aparente ou oculto. No presente caso, a autora afirma ter detectado o vício em 29/06/2009, após a sétima utilização das lâminas de compensado e, diante da resposta negativa do fornecedor em efetuar a troca do produto, interpuseram a presente ação em 25/09/2009. Portanto, dentro do prazo de 90 dias imposto no inciso II, no art. 26 do CDC, a ser contado do momento em que ficou evidenciado o vício oculto, conforme parágrafo terceiro do referido artigo. Ademais, conforme certificado de garantia do fabricante juntado às fls. 24, as lâminas de compensado possuem garantia de dezesseis reutilizações, desde que utilizadas de forma racionalizada, segundo os critérios indicados pelo fabricante. Logo, por ser um produto durável, subtende-se que a vida útil dada ao produto pelo próprio fabricante, seria de no mínimo dezesseis reutilizações. A ideia de ¿vida útil¿ do produto tem sido utilizada pela doutrina e pela jurisprudência como limite temporal para o surgimento do vício oculto, de forma a possibilitar ao consumidor exercer seus direitos de modo razoável, sem com isso, impor ao fornecedor de produtos o ônus de arcar com uma garantia praticamente eterna, caso seja adotado uma interpretação literal da lei. Nesta esteira, o prazo máximo para caracterização de um vício oculto seria o período de durabilidade esperada do produto, independentemente da garantia. A corroborar esse entendimento, transcrevo o julgado do Superior Tribunal de Justiça, de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão no REsp 984.106/SC, que destaca a utilização do critério de vida útil do bem para limitação da garantia legal nos casos de vício oculto: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. (...) 4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício. 5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. 6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. 7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. 8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem. 9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. 10. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido. (REsp 984.106/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 20/11/2012) Destaco aqui parte do julgado, cujo entendimento coaduno integralmente e adoto como razão de julgar: ¿(...)9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. (...)¿ Ainda nesse sentido: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPRA E VENDA DE TV. VÍCIO OCULTO EVIDENCIADO DENTRO DA VIDA ÚTIL DO BEM. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. VÍCIO NÃO SANADO. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE USO FRUSTRADA. DANO MORAL CONFIGURADO. ENUNCIADO 8.3 DAS TURMAS RECURSAIS DO ESTADO DO PARANÁ. MINORAÇÃO DO QUANTUM. IMPROCEDÊNCIA. VALOR FIXADO DE ACORDO COM OS PATAMARES DA TURMA RECURSAL. SENTENÇA MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido. Diante do exposto, decidem os Juízes Integrantes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, conhecer o recurso e, no mérito, negar-lhe provimento nos exatos termos do vot (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0000345-22.2014.8.16.0044/0 - Apucarana - Rel.: LEO HENRIQUE FURTADO ARAÃ?JO - - J. 10.02.2015) (TJ-PR - RI: 000034522201481600440 PR 0000345-22.2014.8.16.0044/0 (Acórdão), Relator: LEO HENRIQUE FURTADO ARAÃ?JO, Data de Julgamento: 10/02/2015, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 26/02/2015) RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. MÁQUINA DE LAVAR E SECAR. BEM DURÁVEL DE LONGA VIDA ÚTIL. PROBLEMAS CONSTATADOS EM COMPONENTES ELÉTRICOS, APÓS UM ANO E MEIO DE USO, QUE CARACTERIZAM VÍCIO OCULTO. DECADÊNCIA INOCORRENTE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 26, § 3º, DO CDC. CUSTOS ELEVADOS ADIMPLIDOS PELO AUTOR, NAS INÚMERAS VEZES QUE A MÁQUINA DE LAVAR FOI ENCAMINHADA A ASSISTÊNCIA TÉCNICA. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO QUE IMPÕEM. DANO MORAL, TODAVIA, INOCORRENTE. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004934725, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Paulo Cesar Filippon, Julgado em 19/09/2014) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004934725 RS , Relator: Paulo Cesar Filippon, Data de Julgamento: 19/09/2014, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 24/09/2014) Contudo, verifico que o processo não está pronto para análise do mérito por este juízo, não podendo ser aplicada a teoria da causa madura, prevista no § 3º, art. 515, do CPC, pois trata-se de questão de fato e de direito, que ainda requer a produção de provas, uma vez que juízo monocrático entendeu pelo julgamento antecipado da lide, para aplicação da decadência. Assim, somente com a instrução do processo, exaurindo-se o exercício da ampla defesa e do contraditório, com a confecção das provas que as parte e o juiz entenderem necessárias, poderá se chegar a uma solução adequada e justa para o caso. Por essas razões, hei por bem anular a sentença a quo que declarou a decadência do direito da autora, determinando o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para o regular prosseguimento do feito. ANTE O EXPOSTO, com base no art. 557, §1º-A, do CPC, CONHEÇO DO RECURSO E DOU-LHE PROVIMENTO para anular a sentença guerreada, determinando o retorno dos autos à origem para o regular prosseguimento do processo, tudo nos termos e limites da fundamentação lançada, que passa a integrar o presente dispositivo como se nele estivesse totalmente transcrita. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria nº 3.731/2015 - GP. P. R. I. Belém (PA), 14 de outubro de 2015. DRA. EZILDA PASTANA MUTRAN Juíza Convocada/Relatora
(2015.03875784-50, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN - JUIZA CONVOCADA, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-10-15, Publicado em 2015-10-15)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
15/10/2015
Data da Publicação
:
15/10/2015
Órgão Julgador
:
2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
EZILDA PASTANA MUTRAN - JUIZA CONVOCADA
Número do documento
:
2015.03875784-50
Tipo de processo
:
Apelação
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