TJPA 0045651-44.2012.8.14.0301
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO N. 2013.3.003964-0 SECRETARIA DA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. COMARCA DA CAPITAL. APELAÇÃO CÍVEL. APELANTE: FÁBIO BRAGA CHAVES ADVOGADO: PEDRO BENTES PINHEIRO FILHO APELADO: FRANCISCO POMPEU BRASIL FILHO ADVOGADO: MICHELLE BRAZ POMPEU BRASIL E OUTRO RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de recurso de APELAÇÃO (fls. 85/124) interposto por FÁBIO BRAGA CHAVES, contra sentença (fls. 82/84) proferida pelo Juízo da Vara 12ª Vara Cível da Comarca da Capital/Pa que, nos autos dos EMBARGOS DE TERCEIROS (Proc. nº.: 00456551-44.2012.814.0301), julgou improcedentes os embargos opostos, declarando a ineficácia do negócio jurídico praticado pelo embargado Eudocy da Fonseca Pereira, determinando a manutenção da penhora realizada sobre o imóvel objeto do litígio, realizada às fls. 134 da Ação Expropriatória nº.: 0016739-44.1995.814.0301, tendo como ora apelado, FRANCISCO POMPEU BRASIL FILHO E OUTROS. Insurge-se o recorrente contra o julgado recorrido alegando preliminarmente: I - Nulidade da sentença por ausência de fundamento para o julgamento antecipado da lide e para a negativa de produção de provas, violação ao dever fundamentação das decisões judiciais e prejuízo ao contraditório e a ampla defesa; II - Ofensa a coisa julgada uma vez que a cadeia dominial legitima a propriedade do apelante tem origem em decisão transitada em julgado da Justiça do Trabalho. No mérito, argumenta que a fraude à execução perpetrada pelo proprietário primitivo não restou caracterizada, ressaltando que a adjudicação do bem por meio de decisão da Justiça Trabalhista desvincula qualquer repercussão do patrimônio dos proprietários anteriores, além da indisputável boa-fé do adquirente do imóvel. Ao final, requer o conhecimento e provimento do apelo para que sejam acatadas as preliminares levantadas pelo apelante, declarando-se a nulidade da sentença, com o retorno dos autos a origem, afastando-se o julgamento antecipado da lide, permitindo-se a instrução processual, e no mérito, requer o provimento do apelo para reconhecer expressamente a inexistência de elementos caracterizadores da fraude à execução, reformando-se a sentença atacada, invertendo-se os ônus sucumbenciais. Juntou farta documentação acostada às fls. 127/398. À fl. 399 o recurso foi recebido em seu duplo efeito. Às fls. 400/417 foram apresentadas as contrarrazões pelo apelado, pugnando pela manutenção da sentença. Regularmente distribuído, coube-me a relatoria do feito (fls. 418). DECIDO. Em análise detida dos autos, verifica-se que o presente caso comporta julgamento monocrático, nos termos do que autoriza do art. 932, inciso V, alínea ¿a¿ e ¿b¿ do vigente Código de Processo Civil, que assim dispõe: Art. 932. Incumbe ao relator: (...) V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: (...) a) Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; É que acerca da caracterização da chamada fraude à execução, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº.: 375, dispondo que: ¿o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente¿, requisitos que esclareço, desde logo, não encontram-se presentes nos autos. Nesse sentido, ao compulsar o feito, verifico que o pleito executivo originário foi ajuizado por Francisco Pompeu Brasil Filho, em face de Guajará Veículo LTDA, Eudocy da Fonseca Pereira e Maria do Céu Moreira Pereira (cópia da inicial constante às fls. 133/134) objetivando a cobrança de cheque. Ao compulsar os documentos de fls. 133/273, cópia integral da ação executiva, especificamente aquele constante às fls. 153, verifica-se que o executado foi citado em 07/03/1996. O feito seguiu seu tramite, até que em 21/11/2005, foi protocolada petição pelo exequente, informando que havia localizado bem penhorável em nome dos executados, esclarecendo, ainda, que o imóvel havia sido vendido fraudulentamente para filha dos executados, Sra. Eliene Pereira Silveira em 25/09/1996, isto é, após a propositura da ação executiva, com nítida intenção dolosa de fraudar a execução, pelo que requereu que fosse expedido mandado de citação e penhora sobre o imóvel. Ocorre que a decisão determinando a expedição da precatória com a finalidade de avaliação e penhora do bem litigioso somente foi deferida em 15/06/2011, conforme consta da decisão de fl. 258, sendo o mandado cumprido tão somente em 13/09/2012 (fl. 271). Neste ínterim, tramitou contra a então proprietária do imóvel em litígio, Sra. Eliene Pereira Silveira, Reclamação Trabalhista acostada às fls. 275/398, que culminou com um acordo realizado entre as partes, nos termos do que consta na petição de fls. 367/368, no qual a reclamada transferira a propriedade do imóvel objeto do litígio, para o Sr. José Ribamar Estrela, como quitação integral das dívidas trabalhistas, acordo este devidamente homologado, nos termos do que atesta a decisão de fls. 388. Após ser devidamente registrado, por carta de sentença, na matricula do imóvel a transferência de propriedade para o Sr. José Ribamar Estrela, em 07/12/2006, este transmitiu por compra e venda a propriedade do bem ao sr. Raimundo Carlos Mesquita de Jesus, registro este efetuado em 14/02/2007, sendo que este último, vendeu o imóvel ao embargante/apelante em 09/09/2008, conforme consta da cadeia dominial constante na matricula do imóvel acostada as fls. 21/21-verso. Do breve histórico processual ora relatado, observa-se que, sem entrar no mérito acerca da ocorrência ou não da má-fé perpetrada pelo executado ao transferir a propriedade do bem ora guerreado a sua filha sem a anuência dos demais herdeiros, observa-se que ao tempo da aquisição do imóvel pelo apelante, inexistia qualquer registro de penhora na matricula do imóvel, nos termos do que atestam as certidões de fls. 23/29, bem assim, o próprio registro do imóvel no Cartório do Único Ofício de Salinópolis. Destarte, compreendo que não restou caracterizada a fraude à execução, uma vez que ao tempo da transferência do domínio do imóvel ao recorrente, inexistia qualquer ônus registrado na matricula do imóvel, não se incumbindo o os embargados de demonstrar a má-fé do apelante ao adquirir o imóvel, razão pela qual, há de se reconhecer a validade da alienação ao terceiro que adquiriu o imóvel sem conhecimento de qualquer constrição, já que não foi dada publicidade ao ônus. Acerca do tema, colaciono seguinte precedente, julgado sob relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, sob a sistemática dos recursos repetitivos, tema: 243, cuja ementa passo a transcrever: PROCESSO CIVIL. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. FRAUDE DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÚMULA N. 375/STJ. CITAÇÃO VÁLIDA. NECESSIDADE. CIÊNCIA DE DEMANDA CAPAZ DE LEVAR O ALIENANTE À INSOLVÊNCIA. PROVA. ÔNUS DO CREDOR. REGISTRO DA PENHORA. ART. 659, § 4º, DO CPC. PRESUNÇÃO DE FRAUDE. ART. 615-A, § 3º, DO CPC. 1. Para fins do art. 543-c do CPC, firma-se a seguinte orientação: 1.1. É indispensável citação válida para configuração da fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 615-A do CPC. 1.2. O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (Súmula n. 375/STJ). 1.3. A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. 1.4. Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC. 1.5. Conforme previsto no § 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo. 2. Para a solução do caso concreto: 2.1. Aplicação da tese firmada. 2.2. Recurso especial provido para se anular o acórdão recorrido e a sentença e, consequentemente, determinar o prosseguimento do processo para a realização da instrução processual na forma requerida pelos recorrentes. (REsp 956.943/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/08/2014, DJe 01/12/2014) No mesmo sentido, colaciono o seguinte precedente exarado pela Corte Superior que serviu de fundamento para edição da Súmula ao norte mencionada: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BEM ALIENADO A TERCEIRO DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DO TÍTULO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. 1. Alienação de bem imóvel pendente execução fiscal. A novel exigência do registro da penhora, muito embora não produza efeitos infirmadores da regra prior in tempore prior in jure, exsurgiu com o escopo de conferir à mesma efeitos erga omnes para o fim de caracterizar a fraude à execução. 2. Deveras, à luz do art. 530 do Código Civil sobressai claro que a lei reclama o registro dos títulos translativos da propriedade imóvel por ato inter vivos, onerosos ou gratuitos, posto que os negócios jurídicos em nosso ordenamento jurídico, não são hábeis a transferir o domínio do bem. Assim, titular do direito é aquele em cujo nome está transcrita a propriedade imobiliária. 3. Todavia, a jurisprudência do STJ, sobrepujando a questão de fundo sobre a questão da forma, como técnica de realização da justiça, vem conferindo interpretação finalística à Lei de Registros Publicos. Assim é que foi editada a Súmula 84, com a seguinte redação: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro". 4. "O CTN nem o CPC, em face da execução, não estabelecem a indisponibilidade de bem alforriado de constrição judicial. A pré-existência de dívida inscrita ou de execução, por si, não constitui ônus 'erga omnes', efeito decorrente da publicidade do registro público. Para a demonstração do 'consilium' 'fraudis' não basta o ajuizamento da ação. A demonstração de má-fé, pressupõe ato de efetiva citação ou de constrição judicial ou de atos repersecutórios vinculados a imóvel, para que as modificações na ordem patrimonial configurem a fraude. Validade da alienação a terceiro que adquiriu o bem sem conhecimento de constrição já que nenhum ônus foi dado à publicidade. Os precedentes desta Corte não consideram fraude de execução a alienação ocorrida antes da citação do executado alienante. (EREsp nº 31321/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 16/11/1999) 5. Aquele que não adquire do penhorado não fica sujeito à fraude in re ipsa, senão pelo conhecimento erga omnes produzido pelo registro da penhora. Sobre o tema, sustentamos:"Hodiernamente, a lei exige o registro da penhora, quando imóvel o bem transcrito. A novel exigência visa à proteção do terceiro de boa-fé, e não é ato essencial à formalização da constrição judicial; por isso o registro não cria prioridade na fase de pagamento. Entretanto, a moderna exigência do registro altera a tradicional concepção da fraude de execução; razão pela qual, somente a alienação posterior ao registro é que caracteriza a figura em exame. Trata-se de uma execução criada pela própria lei, sem que se possa argumentar que a execução em si seja uma demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência e, por isso, a hipótese estaria enquadrada no inciso II do art. 593 do CPC. A referida exegese esbarraria na inequívoca ratio legis que exsurgiu com o nítido objetivo de proteger terceiros adquirentes. Assim, não se pode mais afirmar que quem compra do penhorado o faz em fraude de execução. 'É preciso verificar se a aquisição precedeu ou sucedeu o registro da penhora'. Neste passo, a reforma consagrou, no nosso sistema, aquilo que de há muito se preconiza nos nossos matizes europeus."(Curso de Direito Processual Civil, Luiz Fux, 2ª Ed., pp. 1298/1299), 6. Precedentes: Resp 638664/PR, deste Relator, publicado no DJ: 02.05.2005; REsp 791104/PR, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, publicado no DJ 06.02.2006;REsp 665451/ CE Relator Ministro CASTRO MEIRA DJ 07.11.2005, Resp 468.718, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 15/04/2003; AGA 448332 / RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 21/10/2002; Resp 171.259/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 11/03/2002. 7. In casu, além de não ter sido registrada, a penhora efetivou-se em 05/11/99, ou seja, após a alienação do imóvel pelos executados, realizada em 20/04/99, devidamente registrada no Cartório de Imóveis (fls. 09) data em que não havia qualquer ônus sobre a matrícula do imóvel. Deveras, a citação de um dos executados, ocorreu em 25/03/99, sem contudo, ter ocorrido a convocação do outro executado. 8. Recurso especial provido.(STJ - REsp: 739388 MG 2005/0054643-0, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 28/03/2006, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 10.04.2006 p. 144) Sobre a questão, NEVES (2009, p. 775) leciona que: ¿Importante característica da fraude à execução é a dispensa de prova do elemento subjetivo do consilium fraudis, pouco importando se havia ciência ou não de que o ato levaria o devedor a insolvência. A intenção Fraudulenta nesse caso é presumida, sendo irrelevante para os fins de configuração da fraude se o ato é real ou simulado, de boa ou má-fé. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, entende que o terceiro adquirente de boa-fé deve ser protegido, não havendo ineficácia no ato praticado em fraude à execução se o adquirente demonstrar sua boa-fé no negócio jurídico. Dessa forma, apesar de tal dispensa, para considerar ineficazes os atos de disposição ou oneração, exige-se que o adquirente saiba da existência da ação ou apresente razões que demonstre ser impossível ignorá-la, tais como o registro da ação perante o cartório do imóveis, ampla divulgação na imprensa etc. O entendimento encontra-se consagrado pela Súmula 375, que estabelece que o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente, cabendo ao credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha ciência de que havia a constrição ou demanda contra o vendedor capaz de leva-lo a insolvência.¿ Assim sendo, compreendo que a sentença ora atacada considerou tão somente a má-fé do executado, Sr. Eudocy da Fonseca Pereira, para considerar a fraude à execução e anular o negócio jurídico, hipótese que não se mostra adequada, uma vez que exsurge a necessidade de proteção do terceiro adquirente de boa-fé, nos termos do que fora amplamente demonstrado nos fundamentos desta decisão. DISPOSITIVO. Ante ao exposto, com fulcro no art. 932, inciso V, alínea ¿a¿ e ¿b¿ do vigente Código de Processo Civil, DOU PROVIMENTO MONOCRÁTICO AO RECURSO, para reformar a sentença exarada pelo Juízo da 12ª Vara Cível de Belém, afastando a ocorrência da fraude à execução outrora reconhecida e declarar a validade do negócio jurídico realizado com o terceiro de boa-fé, afastando-se, por conseguinte, qualquer constrição decorrente do feito executivo nº.: 0016739-44.1995.814.0301, nos termos da fundamentação. Em razão do deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita concedida ao apelado às fls. 438, deixo de condená-lo aos ônus sucumbenciais. Belém/Pa, 05 de maio de 2016. Desembargadora DIRACY NUNES ALVES Relatora
(2016.01743641-56, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-05-09, Publicado em 2016-05-09)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO N. 2013.3.003964-0 SECRETARIA DA 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. COMARCA DA CAPITAL. APELAÇÃO CÍVEL. APELANTE: FÁBIO BRAGA CHAVES ADVOGADO: PEDRO BENTES PINHEIRO FILHO APELADO: FRANCISCO POMPEU BRASIL FILHO ADVOGADO: MICHELLE BRAZ POMPEU BRASIL E OUTRO RELATORA: DESEMBARGADORA DIRACY NUNES ALVES. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de recurso de APELAÇÃO (fls. 85/124) interposto por FÁBIO BRAGA CHAVES, contra sentença (fls. 82/84) proferida pelo Juízo da Vara 12ª Vara Cível da Comarca da Capital/Pa que, nos autos dos EMBARGOS DE TERCEIROS (Proc. nº.: 00456551-44.2012.814.0301), julgou improcedentes os embargos opostos, declarando a ineficácia do negócio jurídico praticado pelo embargado Eudocy da Fonseca Pereira, determinando a manutenção da penhora realizada sobre o imóvel objeto do litígio, realizada às fls. 134 da Ação Expropriatória nº.: 0016739-44.1995.814.0301, tendo como ora apelado, FRANCISCO POMPEU BRASIL FILHO E OUTROS. Insurge-se o recorrente contra o julgado recorrido alegando preliminarmente: I - Nulidade da sentença por ausência de fundamento para o julgamento antecipado da lide e para a negativa de produção de provas, violação ao dever fundamentação das decisões judiciais e prejuízo ao contraditório e a ampla defesa; II - Ofensa a coisa julgada uma vez que a cadeia dominial legitima a propriedade do apelante tem origem em decisão transitada em julgado da Justiça do Trabalho. No mérito, argumenta que a fraude à execução perpetrada pelo proprietário primitivo não restou caracterizada, ressaltando que a adjudicação do bem por meio de decisão da Justiça Trabalhista desvincula qualquer repercussão do patrimônio dos proprietários anteriores, além da indisputável boa-fé do adquirente do imóvel. Ao final, requer o conhecimento e provimento do apelo para que sejam acatadas as preliminares levantadas pelo apelante, declarando-se a nulidade da sentença, com o retorno dos autos a origem, afastando-se o julgamento antecipado da lide, permitindo-se a instrução processual, e no mérito, requer o provimento do apelo para reconhecer expressamente a inexistência de elementos caracterizadores da fraude à execução, reformando-se a sentença atacada, invertendo-se os ônus sucumbenciais. Juntou farta documentação acostada às fls. 127/398. À fl. 399 o recurso foi recebido em seu duplo efeito. Às fls. 400/417 foram apresentadas as contrarrazões pelo apelado, pugnando pela manutenção da sentença. Regularmente distribuído, coube-me a relatoria do feito (fls. 418). DECIDO. Em análise detida dos autos, verifica-se que o presente caso comporta julgamento monocrático, nos termos do que autoriza do art. 932, inciso V, alínea ¿a¿ e ¿b¿ do vigente Código de Processo Civil, que assim dispõe: Art. 932. Incumbe ao relator: (...) V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: (...) a) Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; É que acerca da caracterização da chamada fraude à execução, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº.: 375, dispondo que: ¿o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente¿, requisitos que esclareço, desde logo, não encontram-se presentes nos autos. Nesse sentido, ao compulsar o feito, verifico que o pleito executivo originário foi ajuizado por Francisco Pompeu Brasil Filho, em face de Guajará Veículo LTDA, Eudocy da Fonseca Pereira e Maria do Céu Moreira Pereira (cópia da inicial constante às fls. 133/134) objetivando a cobrança de cheque. Ao compulsar os documentos de fls. 133/273, cópia integral da ação executiva, especificamente aquele constante às fls. 153, verifica-se que o executado foi citado em 07/03/1996. O feito seguiu seu tramite, até que em 21/11/2005, foi protocolada petição pelo exequente, informando que havia localizado bem penhorável em nome dos executados, esclarecendo, ainda, que o imóvel havia sido vendido fraudulentamente para filha dos executados, Sra. Eliene Pereira Silveira em 25/09/1996, isto é, após a propositura da ação executiva, com nítida intenção dolosa de fraudar a execução, pelo que requereu que fosse expedido mandado de citação e penhora sobre o imóvel. Ocorre que a decisão determinando a expedição da precatória com a finalidade de avaliação e penhora do bem litigioso somente foi deferida em 15/06/2011, conforme consta da decisão de fl. 258, sendo o mandado cumprido tão somente em 13/09/2012 (fl. 271). Neste ínterim, tramitou contra a então proprietária do imóvel em litígio, Sra. Eliene Pereira Silveira, Reclamação Trabalhista acostada às fls. 275/398, que culminou com um acordo realizado entre as partes, nos termos do que consta na petição de fls. 367/368, no qual a reclamada transferira a propriedade do imóvel objeto do litígio, para o Sr. José Ribamar Estrela, como quitação integral das dívidas trabalhistas, acordo este devidamente homologado, nos termos do que atesta a decisão de fls. 388. Após ser devidamente registrado, por carta de sentença, na matricula do imóvel a transferência de propriedade para o Sr. José Ribamar Estrela, em 07/12/2006, este transmitiu por compra e venda a propriedade do bem ao sr. Raimundo Carlos Mesquita de Jesus, registro este efetuado em 14/02/2007, sendo que este último, vendeu o imóvel ao embargante/apelante em 09/09/2008, conforme consta da cadeia dominial constante na matricula do imóvel acostada as fls. 21/21-verso. Do breve histórico processual ora relatado, observa-se que, sem entrar no mérito acerca da ocorrência ou não da má-fé perpetrada pelo executado ao transferir a propriedade do bem ora guerreado a sua filha sem a anuência dos demais herdeiros, observa-se que ao tempo da aquisição do imóvel pelo apelante, inexistia qualquer registro de penhora na matricula do imóvel, nos termos do que atestam as certidões de fls. 23/29, bem assim, o próprio registro do imóvel no Cartório do Único Ofício de Salinópolis. Destarte, compreendo que não restou caracterizada a fraude à execução, uma vez que ao tempo da transferência do domínio do imóvel ao recorrente, inexistia qualquer ônus registrado na matricula do imóvel, não se incumbindo o os embargados de demonstrar a má-fé do apelante ao adquirir o imóvel, razão pela qual, há de se reconhecer a validade da alienação ao terceiro que adquiriu o imóvel sem conhecimento de qualquer constrição, já que não foi dada publicidade ao ônus. Acerca do tema, colaciono seguinte precedente, julgado sob relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, sob a sistemática dos recursos repetitivos, tema: 243, cuja ementa passo a transcrever: PROCESSO CIVIL. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. FRAUDE DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÚMULA N. 375/STJ. CITAÇÃO VÁLIDA. NECESSIDADE. CIÊNCIA DE DEMANDA CAPAZ DE LEVAR O ALIENANTE À INSOLVÊNCIA. PROVA. ÔNUS DO CREDOR. REGISTRO DA PENHORA. ART. 659, § 4º, DO CPC. PRESUNÇÃO DE FRAUDE. ART. 615-A, § 3º, DO CPC. 1. Para fins do art. 543-c do CPC, firma-se a seguinte orientação: 1.1. É indispensável citação válida para configuração da fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 615-A do CPC. 1.2. O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (Súmula n. 375/STJ). 1.3. A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. 1.4. Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC. 1.5. Conforme previsto no § 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo. 2. Para a solução do caso concreto: 2.1. Aplicação da tese firmada. 2.2. Recurso especial provido para se anular o acórdão recorrido e a sentença e, consequentemente, determinar o prosseguimento do processo para a realização da instrução processual na forma requerida pelos recorrentes. (REsp 956.943/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/08/2014, DJe 01/12/2014) No mesmo sentido, colaciono o seguinte precedente exarado pela Corte Superior que serviu de fundamento para edição da Súmula ao norte mencionada: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BEM ALIENADO A TERCEIRO DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DO TÍTULO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. 1. Alienação de bem imóvel pendente execução fiscal. A novel exigência do registro da penhora, muito embora não produza efeitos infirmadores da regra prior in tempore prior in jure, exsurgiu com o escopo de conferir à mesma efeitos erga omnes para o fim de caracterizar a fraude à execução. 2. Deveras, à luz do art. 530 do Código Civil sobressai claro que a lei reclama o registro dos títulos translativos da propriedade imóvel por ato inter vivos, onerosos ou gratuitos, posto que os negócios jurídicos em nosso ordenamento jurídico, não são hábeis a transferir o domínio do bem. Assim, titular do direito é aquele em cujo nome está transcrita a propriedade imobiliária. 3. Todavia, a jurisprudência do STJ, sobrepujando a questão de fundo sobre a questão da forma, como técnica de realização da justiça, vem conferindo interpretação finalística à Lei de Registros Publicos. Assim é que foi editada a Súmula 84, com a seguinte redação: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro". 4. "O CTN nem o CPC, em face da execução, não estabelecem a indisponibilidade de bem alforriado de constrição judicial. A pré-existência de dívida inscrita ou de execução, por si, não constitui ônus 'erga omnes', efeito decorrente da publicidade do registro público. Para a demonstração do 'consilium' 'fraudis' não basta o ajuizamento da ação. A demonstração de má-fé, pressupõe ato de efetiva citação ou de constrição judicial ou de atos repersecutórios vinculados a imóvel, para que as modificações na ordem patrimonial configurem a fraude. Validade da alienação a terceiro que adquiriu o bem sem conhecimento de constrição já que nenhum ônus foi dado à publicidade. Os precedentes desta Corte não consideram fraude de execução a alienação ocorrida antes da citação do executado alienante. (EREsp nº 31321/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 16/11/1999) 5. Aquele que não adquire do penhorado não fica sujeito à fraude in re ipsa, senão pelo conhecimento erga omnes produzido pelo registro da penhora. Sobre o tema, sustentamos:"Hodiernamente, a lei exige o registro da penhora, quando imóvel o bem transcrito. A novel exigência visa à proteção do terceiro de boa-fé, e não é ato essencial à formalização da constrição judicial; por isso o registro não cria prioridade na fase de pagamento. Entretanto, a moderna exigência do registro altera a tradicional concepção da fraude de execução; razão pela qual, somente a alienação posterior ao registro é que caracteriza a figura em exame. Trata-se de uma execução criada pela própria lei, sem que se possa argumentar que a execução em si seja uma demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência e, por isso, a hipótese estaria enquadrada no inciso II do art. 593 do CPC. A referida exegese esbarraria na inequívoca ratio legis que exsurgiu com o nítido objetivo de proteger terceiros adquirentes. Assim, não se pode mais afirmar que quem compra do penhorado o faz em fraude de execução. 'É preciso verificar se a aquisição precedeu ou sucedeu o registro da penhora'. Neste passo, a reforma consagrou, no nosso sistema, aquilo que de há muito se preconiza nos nossos matizes europeus."(Curso de Direito Processual Civil, Luiz Fux, 2ª Ed., pp. 1298/1299), 6. Precedentes: Resp 638664/PR, deste Relator, publicado no DJ: 02.05.2005; REsp 791104/PR, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, publicado no DJ 06.02.2006;REsp 665451/ CE Relator Ministro CASTRO MEIRA DJ 07.11.2005, Resp 468.718, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 15/04/2003; AGA 448332 / RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 21/10/2002; Resp 171.259/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 11/03/2002. 7. In casu, além de não ter sido registrada, a penhora efetivou-se em 05/11/99, ou seja, após a alienação do imóvel pelos executados, realizada em 20/04/99, devidamente registrada no Cartório de Imóveis (fls. 09) data em que não havia qualquer ônus sobre a matrícula do imóvel. Deveras, a citação de um dos executados, ocorreu em 25/03/99, sem contudo, ter ocorrido a convocação do outro executado. 8. Recurso especial provido.(STJ - REsp: 739388 MG 2005/0054643-0, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 28/03/2006, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 10.04.2006 p. 144) Sobre a questão, NEVES (2009, p. 775) leciona que: ¿Importante característica da fraude à execução é a dispensa de prova do elemento subjetivo do consilium fraudis, pouco importando se havia ciência ou não de que o ato levaria o devedor a insolvência. A intenção Fraudulenta nesse caso é presumida, sendo irrelevante para os fins de configuração da fraude se o ato é real ou simulado, de boa ou má-fé. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, entende que o terceiro adquirente de boa-fé deve ser protegido, não havendo ineficácia no ato praticado em fraude à execução se o adquirente demonstrar sua boa-fé no negócio jurídico. Dessa forma, apesar de tal dispensa, para considerar ineficazes os atos de disposição ou oneração, exige-se que o adquirente saiba da existência da ação ou apresente razões que demonstre ser impossível ignorá-la, tais como o registro da ação perante o cartório do imóveis, ampla divulgação na imprensa etc. O entendimento encontra-se consagrado pela Súmula 375, que estabelece que o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente, cabendo ao credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha ciência de que havia a constrição ou demanda contra o vendedor capaz de leva-lo a insolvência.¿ Assim sendo, compreendo que a sentença ora atacada considerou tão somente a má-fé do executado, Sr. Eudocy da Fonseca Pereira, para considerar a fraude à execução e anular o negócio jurídico, hipótese que não se mostra adequada, uma vez que exsurge a necessidade de proteção do terceiro adquirente de boa-fé, nos termos do que fora amplamente demonstrado nos fundamentos desta decisão. DISPOSITIVO. Ante ao exposto, com fulcro no art. 932, inciso V, alínea ¿a¿ e ¿b¿ do vigente Código de Processo Civil, DOU PROVIMENTO MONOCRÁTICO AO RECURSO, para reformar a sentença exarada pelo Juízo da 12ª Vara Cível de Belém, afastando a ocorrência da fraude à execução outrora reconhecida e declarar a validade do negócio jurídico realizado com o terceiro de boa-fé, afastando-se, por conseguinte, qualquer constrição decorrente do feito executivo nº.: 0016739-44.1995.814.0301, nos termos da fundamentação. Em razão do deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita concedida ao apelado às fls. 438, deixo de condená-lo aos ônus sucumbenciais. Belém/Pa, 05 de maio de 2016. Desembargadora DIRACY NUNES ALVES Relatora
(2016.01743641-56, Não Informado, Rel. DIRACY NUNES ALVES, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-05-09, Publicado em 2016-05-09)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
09/05/2016
Data da Publicação
:
09/05/2016
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
DIRACY NUNES ALVES
Número do documento
:
2016.01743641-56
Tipo de processo
:
Apelação
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