TJPA 0047039-82.2010.8.14.0301
DECISÃO MONOCRÁTICA Cuida-se de Embargos de Declaração com Efeitos Modificativos, opostos pelo Estado do Pará (fls. 198/201), em face do Acórdão nº 164.590 (fls. 195/197), prolatado no julgamento do Agravo Interno, nos autos da Ação de Cobrança, nº 0047039-82.2010.8.14.0301. Em síntese, aduz o Estado ter havido omissão na decisão quanto a ausência de análise à tese suscitada pelo Estado de que há incompatibilidade entre a obrigação legal de depositar o FGTS e a contratação temporária. É o breve relatório. Decido. Conheço dos Embargos de Declaração, uma vez que tempestivos e presentes os requisitos de admissibilidade. De início, destaco que a irresignação não merece prosperar. No caso dos autos, a contratação foi renovada ou prorrogada por quase duas décadas, de tal modo que aquilo que deveria ser, por essência, precário ou efêmero, tornou-se, na prática, duradouro ou efetivo. O contrato de trabalho temporário firmado entre os litigantes, em sua gênese, obedecia ao direito administrativo, tendo, pois, nítida natureza estatutária. Trata-se, sem dúvida, de expediente censurável e que contende com princípios constitucionais que devem governar a atuação administrativa (art. 37, caput, da Constituição Federal) e, de modo particular, com a regra geral de que o acesso ao serviço público deve dar-se pela via do concurso público (art. 37, inc. II, da Constituição Federal). Mas, não por isso se pode dizer que a contratação não gera efeitos jurídicos. Aceitar isso seria prestigiar e premiar aquele que deu causa à ilicitude, em prejuízo ao servidor que, de boa-fé, desempenhou dignamente seu trabalho. Nesse diapasão, quanto à verba referente ao FGTS, conforme suscitado nas razoes recursais, esclareço que o excelso Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 596.478, em que o Estado de Roraima questionava o art. 19-A, da Lei nº 8.036/90, que estabelece o direito ao depósito do FGTS para trabalhadores contratados sem concurso público. Com efeito, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL chancelou a constitucionalidade do dispositivo legal em questão, ratificando, pois, a existência do direito material na hipótese: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO NULO. EFEITOS. RECOLHIMENTO DO FGTS. ARTIGO 19-A DA LEI Nº 8.036/90. CONSTITUCIONALIDADE. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 596478, Relª Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03- 2013). Salutar registrar, que, apesar do processo que deu origem àquele recurso extraordinário ter sido proveniente de julgamento pela Justiça Trabalhista do Estado de Roraima, a essência do debate residia sobre os efeitos da decretação de nulidade do contrato celebrado entre o particular e a Administração Pública, sem prévia aprovação em concurso público, não tendo os ilustres senhores Ministros feito qualquer restrição sobre o regime de trabalho ao qual esteve submetido o trabalhador tenha sido o celetista, o mesmo se podendo afirmar quanto ao texto do art. 19-A, da Lei nº 8.036/90. Assim, entendo que a disposição constante da referida norma também se aplica ao caso em análise, em que as partes estiveram contratadas pelo Poder Público, em regime jurídico aberto pelo art. 37, inc. IX, da Constituição da República, sendo-lhe devido o pagamento do FGTS. No mesmo compasso, destaco RE 752.206, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 25/06/2013, publicado em DJe-148 DIVULG 31/07/2013. E reforçando ainda mais este entendimento, friso a apreciação da matéria pelo STF no RE 705.140/RS, no qual também foi reconhecida a repercussão geral, sendo consolidado o posicionamento de que o reconhecimento da nulidade do contrato firmado com a administração pública por violação ao princípio do concurso público enseja apenas o pagamento de salário e o depósito do FGTS, a saber: Ementa: CONSTITUCIONAL E TRABALHO. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM CONCURSO. NULIDADE. EFEITOS JURÍDICOS ADMISSÍVEIS EM RELAÇÃO A EMPREGADOS: PAGAMENTO DE SALDO SALARIAL E LEVANTAMENTO DE FGTS (RE 596.478 - REPERCUSSÃO GERAL). INEXIGIBILIDADE DE OUTRAS VERBAS, MESMO A TÍTULO INDENIZATÓRIO. 1. Conforme reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição de 1988 reprova severamente as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público, cominando a sua nulidade e impondo sanções à autoridade responsável (CF, art. 37, § 2º). 2. No que se refere a empregados, essas contratações ilegítimas não geram quaisquer efeitos jurídicos válidos, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS. 3. Recurso extraordinário desprovido. (RE 705140, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-217 DIVULG 04-11-2014 PUBLIC 05-11-2014) Com efeito, entendo que não merece guarida o argumento de que o RE nº 596.478/RR apresentaria um fator de distinção, denominado pela doutrina de distinguishing, distinto ao tratado nos presentes autos. Isso porque algumas vozes sustentam a existência de um fator de distinção na gênese do recurso extraordinário citado diferente, eis que, nesse RE, teria versado apenas sobre casos em que a relação com Administração Pública era celetista. Em verdade, compreendo que esse fator distintivo não restou ventilado nos votos cunhados pelos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal. Tanto é assim que, pulverizando essa tese de que haveria fator de distinção diferente entres os casos tratados, os recentes julgados da Suprema Corte, em convergência com a orientação firmada no julgamento do RE nº 596.478/RR, materializam a tese por mim adotada de que o FGTS é devido aos servidores temporários, nas hipóteses em há declaração de nulidade do contrato firmado com a Administração Pública: EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Contratação temporária. Nulidade do contrato. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. 1. O Plenário da Corte, no exame do RE nº 596.478/RR-RG, Relator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, concluiu que, ¿mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados¿. 2. Essa orientação se aplica também aos contratos temporários declarados nulos, consoante entendimento de ambas as Turmas. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 867655 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 03-09-2015 PUBLIC 04-09-2015). Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. Contratação temporária. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. 3. Contrato por tempo indeterminado e inexistência de excepcional interesse público. Nulidade do contrato. 4. Efeitos jurídicos: pagamento do saldo salarial e levantamento de FGTS. Precedentes: RE-RG 596.478, red. do acórdão Dias Toffoli, e RE-RG 705.140, rel. min. Teori Zavascki. 5. Aplicabilidade dessa orientação jurisprudencial aos casos de contratação em caráter temporário pela Administração Pública. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 863125 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 05-05-2015 PUBLIC 06-05-2015). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. NULIDADE. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. RE 596.478-RG. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JULGAMENTO DE MÉRITO. 1. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é devido aos servidores temporários, nas hipóteses em há declaração de nulidade do contrato firmado com a Administração Pública, consoante decidido pelo Plenário do STF, na análise do RE 596.478-RG, Rel. para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 1/3/2013. 2. In casu, o acórdão recorrido assentou: ¿REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA - PRAZO SUPERIOR AO ADMITIDO NA LEGISLAÇÃO PERTINENTE - NULIDADE DO ATO - FGTS - DIREITO AO RECOLHIMENTO - PRECEDENTE DO STF.¿ 3. Agravo regimental DESPROVIDO. (RE 830962 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/11/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 24-11-2014 PUBLIC 25-11-2014) grifo meu. Acerca das alegações do apelante quanto a inexistência de depósitos em conta vinculada do trabalhador, o que tornaria a situação em análise diversa daquela encontrada no RE 596.478, destaco a esclarecedora decisão proferida na apelação cível nº 2013.3.006205-5, de relatoria do Des. Constantino Augusto Guerreiro, publicado no DJE em 28.09.2015, que adoto como razões de decidir, transcrevendo in verbis: ¿(...) Saliento que o artigo 19-A, parágrafo único da Lei. 8.036/90 se trata de liberação do saldo do FGTS depositado em conta vinculada do trabalhador se por acaso existisse, situação esta que em nada obsta a aplicação do caput do referido dispositivo. Repise-se, que uma vez declarada a nulidade do contrato temporário, não há que se falar em existência de regime jurídico-administrativo capaz de impedir o pagamento do FGTS, pois sabe-se que o efeito da declaração de invalidade é ex-tunc, pelo que deixa de existir qualquer relação jurídica subjacente e, naturalmente, não há por que se perquirir qual a natureza jurídica da relação que baseou o contrato temporário. Desse modo, insustentável é o eventual entendimento de que somente seria devido o FGTS aos trabalhadores que tiveram seu contrato temporário declarado nulo e que já possuíssem parcelas devidamente depositadas em sua conta vinculada. No caso paradigma (RE 596.478 / RR), não se vislumbra esta hipotética tese em nenhum momento.(...)¿ Em recente julgado da Suprema Corte, de Relatoria da Ministra Carmem Lúcia, Recurso Extraordinário 960.708/ Pará, julgado no dia 02/05/2016, ementado da seguinte forma: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA NULA. FGTS. INCIDÊNCIA DO ART. 19-A DA LEI N. 8.036/1990. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Transcrevo parte das razões de decidir da Exmª. Ministra para assentar o entendimento adotado por esta relatora em sua decisão monocrática: ¿6. Reconhecida a nulidade da contratação temporária do Recorrido, na linha da jurisprudência deste Supremo Tribunal, deve-se aplicar o art. 19-A da Lei n. 8.036/1990 e assegurar-se o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. No julgamento do Recurso Extraordinário n. 596.478/RR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Redator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, o Plenário deste Supremo Tribunal decidiu: ¿Recurso extraordinário. Direito Administrativo. Contrato nulo. Efeitos. Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A da Lei nº 8.036/90. Constitucionalidade. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento¿ (DJe 1º.3.2013). Confiram-se também, por exemplo, os seguintes julgados: ¿Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Contratação temporária. Nulidade do contrato. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. 1. O Plenário da Corte, no exame do RE nº 596.478/RR-RG, Relator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, concluiu que, ¿mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados¿. 2. Essa orientação se aplica também aos contratos temporários declarados nulos, consoante entendimento de ambas as Turmas. 3. Agravo regimental não provido¿ (ARE n. 867.655-AgR, Relator o Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 4.9.2015). ¿AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. NULIDADE. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. RE 596.478-RG. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JULGAMENTO DE MÉRITO. 1. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é devido aos servidores temporários, nas hipóteses em há declaração de nulidade do contrato firmado com a Administração Pública, consoante decidido pelo Plenário do STF, na análise do RE 596.478-RG, Rel. para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 1/3/2013¿ (RE n. 830.962-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 25.11.2014). O acórdão recorrido harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, nada havendo a prover quanto às alegações do Recorrente. 7. Pelo exposto, nego provimento ao recurso extraordinário (art. 932, inc. VIII, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 2 de maio de 2016. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora ¿ Logo, a vinculação jurídico-administrativa atribuída pelo regime jurídico único estadual ou municipal aos contratos de servidores temporários não tem a capacidade de afastar a obrigatoriedade do recolhimento do FGTS, diante da declaração de nulidade do contrato que, friso, por se tratar de violação ao texto constitucional, deve ser declarada, de ofício, pelo julgador. A descaracterização do vínculo temporário, pelas sucessivas prorrogações, em desrespeito às leis de regência, autoriza essa hermenêutica. ANTE O EXPOSTO, CONHEÇO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, PORÉM, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo a decisão atacada em todos os seus termos. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria nº 3.731/2015 - GP. Belém (Pa), 07 de março de 2017. Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora
(2017.00852404-10, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2017-04-20, Publicado em 2017-04-20)
Ementa
DECISÃO MONOCRÁTICA Cuida-se de Embargos de Declaração com Efeitos Modificativos, opostos pelo Estado do Pará (fls. 198/201), em face do Acórdão nº 164.590 (fls. 195/197), prolatado no julgamento do Agravo Interno, nos autos da Ação de Cobrança, nº 0047039-82.2010.8.14.0301. Em síntese, aduz o Estado ter havido omissão na decisão quanto a ausência de análise à tese suscitada pelo Estado de que há incompatibilidade entre a obrigação legal de depositar o FGTS e a contratação temporária. É o breve relatório. Decido. Conheço dos Embargos de Declaração, uma vez que tempestivos e presentes os requisitos de admissibilidade. De início, destaco que a irresignação não merece prosperar. No caso dos autos, a contratação foi renovada ou prorrogada por quase duas décadas, de tal modo que aquilo que deveria ser, por essência, precário ou efêmero, tornou-se, na prática, duradouro ou efetivo. O contrato de trabalho temporário firmado entre os litigantes, em sua gênese, obedecia ao direito administrativo, tendo, pois, nítida natureza estatutária. Trata-se, sem dúvida, de expediente censurável e que contende com princípios constitucionais que devem governar a atuação administrativa (art. 37, caput, da Constituição Federal) e, de modo particular, com a regra geral de que o acesso ao serviço público deve dar-se pela via do concurso público (art. 37, inc. II, da Constituição Federal). Mas, não por isso se pode dizer que a contratação não gera efeitos jurídicos. Aceitar isso seria prestigiar e premiar aquele que deu causa à ilicitude, em prejuízo ao servidor que, de boa-fé, desempenhou dignamente seu trabalho. Nesse diapasão, quanto à verba referente ao FGTS, conforme suscitado nas razoes recursais, esclareço que o excelso Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 596.478, em que o Estado de Roraima questionava o art. 19-A, da Lei nº 8.036/90, que estabelece o direito ao depósito do FGTS para trabalhadores contratados sem concurso público. Com efeito, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL chancelou a constitucionalidade do dispositivo legal em questão, ratificando, pois, a existência do direito material na hipótese: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO NULO. EFEITOS. RECOLHIMENTO DO FGTS. ARTIGO 19-A DA LEI Nº 8.036/90. CONSTITUCIONALIDADE. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 596478, Relª Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2012, DJe-040 DIVULG 28-02-2013 PUBLIC 01-03- 2013). Salutar registrar, que, apesar do processo que deu origem àquele recurso extraordinário ter sido proveniente de julgamento pela Justiça Trabalhista do Estado de Roraima, a essência do debate residia sobre os efeitos da decretação de nulidade do contrato celebrado entre o particular e a Administração Pública, sem prévia aprovação em concurso público, não tendo os ilustres senhores Ministros feito qualquer restrição sobre o regime de trabalho ao qual esteve submetido o trabalhador tenha sido o celetista, o mesmo se podendo afirmar quanto ao texto do art. 19-A, da Lei nº 8.036/90. Assim, entendo que a disposição constante da referida norma também se aplica ao caso em análise, em que as partes estiveram contratadas pelo Poder Público, em regime jurídico aberto pelo art. 37, inc. IX, da Constituição da República, sendo-lhe devido o pagamento do FGTS. No mesmo compasso, destaco RE 752.206, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 25/06/2013, publicado em DJe-148 DIVULG 31/07/2013. E reforçando ainda mais este entendimento, friso a apreciação da matéria pelo STF no RE 705.140/RS, no qual também foi reconhecida a repercussão geral, sendo consolidado o posicionamento de que o reconhecimento da nulidade do contrato firmado com a administração pública por violação ao princípio do concurso público enseja apenas o pagamento de salário e o depósito do FGTS, a saber: CONSTITUCIONAL E TRABALHO. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM CONCURSO. NULIDADE. EFEITOS JURÍDICOS ADMISSÍVEIS EM RELAÇÃO A EMPREGADOS: PAGAMENTO DE SALDO SALARIAL E LEVANTAMENTO DE FGTS (RE 596.478 - REPERCUSSÃO GERAL). INEXIGIBILIDADE DE OUTRAS VERBAS, MESMO A TÍTULO INDENIZATÓRIO. 1. Conforme reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição de 1988 reprova severamente as contratações de pessoal pela Administração Pública sem a observância das normas referentes à indispensabilidade da prévia aprovação em concurso público, cominando a sua nulidade e impondo sanções à autoridade responsável (CF, art. 37, § 2º). 2. No que se refere a empregados, essas contratações ilegítimas não geram quaisquer efeitos jurídicos válidos, a não ser o direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/90, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS. 3. Recurso extraordinário desprovido. (RE 705140, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 28/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-217 DIVULG 04-11-2014 PUBLIC 05-11-2014) Com efeito, entendo que não merece guarida o argumento de que o RE nº 596.478/RR apresentaria um fator de distinção, denominado pela doutrina de distinguishing, distinto ao tratado nos presentes autos. Isso porque algumas vozes sustentam a existência de um fator de distinção na gênese do recurso extraordinário citado diferente, eis que, nesse RE, teria versado apenas sobre casos em que a relação com Administração Pública era celetista. Em verdade, compreendo que esse fator distintivo não restou ventilado nos votos cunhados pelos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal. Tanto é assim que, pulverizando essa tese de que haveria fator de distinção diferente entres os casos tratados, os recentes julgados da Suprema Corte, em convergência com a orientação firmada no julgamento do RE nº 596.478/RR, materializam a tese por mim adotada de que o FGTS é devido aos servidores temporários, nas hipóteses em há declaração de nulidade do contrato firmado com a Administração Pública: EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Contratação temporária. Nulidade do contrato. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. 1. O Plenário da Corte, no exame do RE nº 596.478/RR-RG, Relator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, concluiu que, ¿mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados¿. 2. Essa orientação se aplica também aos contratos temporários declarados nulos, consoante entendimento de ambas as Turmas. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 867655 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 03-09-2015 PUBLIC 04-09-2015). Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. Contratação temporária. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. 3. Contrato por tempo indeterminado e inexistência de excepcional interesse público. Nulidade do contrato. 4. Efeitos jurídicos: pagamento do saldo salarial e levantamento de FGTS. Precedentes: RE-RG 596.478, red. do acórdão Dias Toffoli, e RE-RG 705.140, rel. min. Teori Zavascki. 5. Aplicabilidade dessa orientação jurisprudencial aos casos de contratação em caráter temporário pela Administração Pública. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 863125 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 05-05-2015 PUBLIC 06-05-2015). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. NULIDADE. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. RE 596.478-RG. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JULGAMENTO DE MÉRITO. 1. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é devido aos servidores temporários, nas hipóteses em há declaração de nulidade do contrato firmado com a Administração Pública, consoante decidido pelo Plenário do STF, na análise do RE 596.478-RG, Rel. para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 1/3/2013. 2. In casu, o acórdão recorrido assentou: ¿REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA - PRAZO SUPERIOR AO ADMITIDO NA LEGISLAÇÃO PERTINENTE - NULIDADE DO ATO - FGTS - DIREITO AO RECOLHIMENTO - PRECEDENTE DO STF.¿ 3. Agravo regimental DESPROVIDO. (RE 830962 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/11/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 24-11-2014 PUBLIC 25-11-2014) grifo meu. Acerca das alegações do apelante quanto a inexistência de depósitos em conta vinculada do trabalhador, o que tornaria a situação em análise diversa daquela encontrada no RE 596.478, destaco a esclarecedora decisão proferida na apelação cível nº 2013.3.006205-5, de relatoria do Des. Constantino Augusto Guerreiro, publicado no DJE em 28.09.2015, que adoto como razões de decidir, transcrevendo in verbis: ¿(...) Saliento que o artigo 19-A, parágrafo único da Lei. 8.036/90 se trata de liberação do saldo do FGTS depositado em conta vinculada do trabalhador se por acaso existisse, situação esta que em nada obsta a aplicação do caput do referido dispositivo. Repise-se, que uma vez declarada a nulidade do contrato temporário, não há que se falar em existência de regime jurídico-administrativo capaz de impedir o pagamento do FGTS, pois sabe-se que o efeito da declaração de invalidade é ex-tunc, pelo que deixa de existir qualquer relação jurídica subjacente e, naturalmente, não há por que se perquirir qual a natureza jurídica da relação que baseou o contrato temporário. Desse modo, insustentável é o eventual entendimento de que somente seria devido o FGTS aos trabalhadores que tiveram seu contrato temporário declarado nulo e que já possuíssem parcelas devidamente depositadas em sua conta vinculada. No caso paradigma (RE 596.478 / RR), não se vislumbra esta hipotética tese em nenhum momento.(...)¿ Em recente julgado da Suprema Corte, de Relatoria da Ministra Carmem Lúcia, Recurso Extraordinário 960.708/ Pará, julgado no dia 02/05/2016, ementado da seguinte forma: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA NULA. FGTS. INCIDÊNCIA DO ART. 19-A DA LEI N. 8.036/1990. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Transcrevo parte das razões de decidir da Exmª. Ministra para assentar o entendimento adotado por esta relatora em sua decisão monocrática: ¿6. Reconhecida a nulidade da contratação temporária do Recorrido, na linha da jurisprudência deste Supremo Tribunal, deve-se aplicar o art. 19-A da Lei n. 8.036/1990 e assegurar-se o pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. No julgamento do Recurso Extraordinário n. 596.478/RR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Redator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, o Plenário deste Supremo Tribunal decidiu: ¿Recurso extraordinário. Direito Administrativo. Contrato nulo. Efeitos. Recolhimento do FGTS. Artigo 19-A da Lei nº 8.036/90. Constitucionalidade. 1. É constitucional o art. 19-A da Lei nº 8.036/90, o qual dispõe ser devido o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na conta de trabalhador cujo contrato com a Administração Pública seja declarado nulo por ausência de prévia aprovação em concurso público, desde que mantido o seu direito ao salário. 2. Mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento¿ (DJe 1º.3.2013). Confiram-se também, por exemplo, os seguintes julgados: ¿Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Contratação temporária. Nulidade do contrato. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. 1. O Plenário da Corte, no exame do RE nº 596.478/RR-RG, Relator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, concluiu que, ¿mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados¿. 2. Essa orientação se aplica também aos contratos temporários declarados nulos, consoante entendimento de ambas as Turmas. 3. Agravo regimental não provido¿ (ARE n. 867.655-AgR, Relator o Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 4.9.2015). ¿AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. NULIDADE. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. RE 596.478-RG. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JULGAMENTO DE MÉRITO. 1. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS é devido aos servidores temporários, nas hipóteses em há declaração de nulidade do contrato firmado com a Administração Pública, consoante decidido pelo Plenário do STF, na análise do RE 596.478-RG, Rel. para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 1/3/2013¿ (RE n. 830.962-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 25.11.2014). O acórdão recorrido harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, nada havendo a prover quanto às alegações do Recorrente. 7. Pelo exposto, nego provimento ao recurso extraordinário (art. 932, inc. VIII, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 2 de maio de 2016. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora ¿ Logo, a vinculação jurídico-administrativa atribuída pelo regime jurídico único estadual ou municipal aos contratos de servidores temporários não tem a capacidade de afastar a obrigatoriedade do recolhimento do FGTS, diante da declaração de nulidade do contrato que, friso, por se tratar de violação ao texto constitucional, deve ser declarada, de ofício, pelo julgador. A descaracterização do vínculo temporário, pelas sucessivas prorrogações, em desrespeito às leis de regência, autoriza essa hermenêutica. ANTE O EXPOSTO, CONHEÇO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, PORÉM, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo a decisão atacada em todos os seus termos. Servirá a presente decisão como mandado/ofício, nos termos da Portaria nº 3.731/2015 - GP. Belém (Pa), 07 de março de 2017. Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora
(2017.00852404-10, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2017-04-20, Publicado em 2017-04-20)Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA
Data do Julgamento
:
20/04/2017
Data da Publicação
:
20/04/2017
Órgão Julgador
:
2ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a)
:
EZILDA PASTANA MUTRAN
Número do documento
:
2017.00852404-10
Tipo de processo
:
Apelação
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