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Jurisprudência


TJPA 0049337-17.2009.8.14.0301

Ementa
3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA APELAÇÃO REEXAME NECESSÁRIO Nº 2012.3.028774-5 (II VOLUMES) SENTENCIANTE: JUÍZO DA 3º VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL SENTENCIADO/APELANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM PROCURADOR (A): BRUNO CEZAR NAZARÉ DE FREITAS SENTENCIADO/APELANTE: ESTADO DO PARÁ PROCURADOR/ABELARDO SERGIO BACELAR DA SILVA SENTENCIADO/APELADO PAULO ROBERTO TRAVASSOS SANTOS ADVOGADO: ANDRÉA BARRETO RICARTE DE OLIVEIRA FARIAS PROCURADORDE JUSTIÇA: HAMILTON NOGUEIRA SALAME RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE BAIXO CUSTO. DIREITO A SAÚDE. DEVER DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEERATIVOS. 1. A responsabilidade dos entes federativos quanto ao fornecimento de medicamentos pelo Estado é solidária podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, existindo tanto a competência do Município de Belém, quanto o Estado do Pará. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. 3. O sentenciado/recorrido comprovou que é portador de diabetes mellitus e hipertensão arterial, necessitando de remédios específicos para a manutenção de seu tratamento, sem os quais correrá sérios riscos de desenvolver outras complicações, podendo levá-lo a óbito. 4. Precedentes STF. 5. Reexame Necessário Conhecido e Recursos Conhecido e Desprovido para manter a sentença do Juízo de piso em todos os termos. DECISÃO MONOCRÁTICA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA EDINÉA OLIVEIRA TAVARES (RELATORA): Trata-se de Reexame Necessário/Recursos de Apelação interposto por ESTADO DO PARÁ E MUNICÍPIO DE BELÉM, ora sentenciado/apelantes, visando a reforma da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital que, nos autos da Ação Cominatória de Obrigação de Fazer c/c Tutela Antecipada, autos nº 0049337-17.2009.814.0301, manejada por PAULO ROBERTO TRAVASSO SANTOS, ora sentenciado/apelado, julgou pela total procedência do pedido formulado na peça de ingresso. A inicial de fls. 03-13 noticia que o sentenciado/apelado é portador da patologia diabetes mellitus e hipertensão arterial, tendo sofrido derrame cerebral, apresentando dificuldades de controle metabólico, hemodinâmico com diversos tratamentos terapêuticos, encontrando-se estável através do uso da medicação Glimeperida 4mg/dia, Metmorfina 850 mg (3 vezes ao dia), Anlodipina 10 mg ao dia, Atenolol 50 mg/dia, Simeastanina 40 gm/dia AAS 100 mg/dia, Hidroclorotiazida 12 MG/DIA, Valsartan 160 mg/dia e Vildagliptina 50 mg (2 vezes ao dia) conforme atestado médico às fls. 17 e 18-A. Suscitou que necessita da referida medicação para a manutenção de sua saúde, salientando que não consegue obter os remédios junto aos poderes Municipal e Estadual, os quais não emitem nenhuma resposta acerca das solicitações de fornecimento, tendo inclusive, a Defensoria Pública encaminhado Ofício a Secretaria de Estado de Saúde sem, contudo, obter êxito. Em suas razões, suscitou pela legitimidade ativa dos entes públicos, salientando que o direito do sentenciado/apelado encontra guarida em norma de cunho constitucional, pugnando pela concessão da antecipação dos efeitos da tutela em razão da existência dos requisitos da prova inequívoca e verossimilhança das alegações para compelir os entes públicos a fornecerem dentro do prazo de 72 (setenta e duas) horas, os remédios necessários para a manutenção da saúde do sentenciado/apelado e no mérito a procedência total da ação. Acostou documentos às fls. 14-20. Tutela Antecipada deferida conforme decisão de fls. 20-25 determinando que o sentenciado; apelante Município de Belém forneça gratuitamente todos os remédios descritos na inicial ao sentenciado;apelado, sob pena de crime de obediência. Em petitório às fls. 26-28, o sentenciado/apelado requereu a inclusão do Estado do Pará no polo passivo da ação. Petição de interposição de Agravo de Instrumento às fls. 39-55 manejado pelo Município de Belém, tendo o Desembargador Relator informado ao Juízo acerca do indeferimento de atribuição de efeito suspensivo às fls. 72. Contestação apresentada pelo Município de Belém às fls. 75-90 alegando em síntese: inexistência de obrigação do município de Belém no fornecimento de Medicamento ante a inexistência de solidariedade passiva entre os entes da federação; caráter programático na norma constitucional a qual se baseia o sentenciado/apelado, dependendo de regulamentação e efetivação posterior; prevalência do interesse público em decorrência de falta de dotação orçamentária, pugnando pela revogação da tutela antecipada concedida e no mérito a improcedência total da ação. Às fls. 92-111, o Estado do Pará interpôs recurso de apelação tecendo comentários acercada política nacional de medicamentos; inexistência de direito subjetivo, eis que a determinação para que o ente público forneça medicamento a uma determinada pessoa afronta o princípio da universalidade a saúde; violação a reserva do possível ante a inexistência de dotação orçamentária; ausência dos medicamentos descritos na peça de ingresso no padrão SUS da Secretaria de Saúde do RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais); impossibilidade de antecipação de tutela contra o poder público e no mérito a improcedência total da demanda. Em petitório de fls. 126-127, o ente municipal informou ao juízo acerca do cumprimento da medida liminar proferida pelo Juízo de piso. Réplica às fls. 129-136 e 137-149. Sentença proferida às fls. 160-167 julgando pela total procedência da ação confirmando os efeitos da tutela antecipatória anteriormente concedida, determinando que os entes Município de Belém e Estado do Pará a fornecer de forma continua os medicamentos Glimeperida 4mg/dia, Metmorfina 850 mg (3 vezes ao dia), Anlodipina 10 mg ao dia, Atenolol 50 mg/dia, Simeastanina 40 gm/dia AAS 100 mg/dia, Hidroclorotiazida 12 MG/DIA, Valsartan 160 mg/dia e Vildagliptina 50 mg (2 vezes ao dia) conforme atestado médico às fls. 17 e 18-A. Recurso de Apelação interposto pelo Estado do Pará às fls. 171-195 alegando pela necessidade de prequestionamento acerca da solidariedade dos entes públicos quanto as questões de saúde; nulidade da sentença em decorrência da ilegitimidade Passiva do Estado do Pará; discorreu sobre o modelo de saúde adotado pelo legislador constituinte e o caráter programático da norma; inexistência de direito subjetivo a ser tutelado de forma individual sob pena de violação ao princípio da universalidade de atendimento; inviabilidade de arbitramento de multa cominatória em desfavor do Estado do Pará, pugnando ao final pela reforma da sentença. Recurso de Apelação interposto pelo Município de Belém às fls. 197-206 alegando em síntese: inexistência de responsabilidade do ente municipal no fornecimento do medicamento, ante a responsabilidade do Estado do Pará; prevalência do interesse público sobre o direito individual, pugnando ao final pelo conhecimento e provimento do presente recurso ou, alternativamente que fique consignado a obrigação do sentenciado/apelado a realização de exames periódicos perante órgão de saúde municipal para aferição da necessidade da medicação requerida. Apelações recebidas no duplo efeito consoante decisão de fls. 218. Contrarrazões apresentadas Às fls. 219-225 e 226-236. Parecer da Douta Procuradoria de Justiça às fls. 241-246 opinando pelo conhecimento e desprovimento dos apelos interpostos, devendo ser mantida a sentença na integralidade. Coube a esta Relatora o feito. Conheço do presente Reexame Necessário e dos recursos manejados eis que presentes os pressupostos de admissibilidade, passando para a análise do mérito. Procedo da forma monocrática por se tratar de matéria cristalizada no ambito da jurisprudencia do Supremo Tribunal Federal. A alegação de ausência de responsabilidade alegada por ambos os recorrentes não merece prosperar, uma vez que a responsabilidade quanto ao fornecimento de medicamentos é solidaria entre os três entes federativos. Com efeito, é assente o entendimento de que a Saúde Pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, expressão que abarca a União, os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios, todos em conjunto. Nesse sentido dispõem os artigos. 2º e 4º da Lei n. 8.080/1990: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, conclui-se que as ações e serviços de saúde devem ser desenvolvidos pelo Estado, de forma integrada, por meio de um sistema único. O legislador pátrio instituiu, portanto, um regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, que inclui o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros, para o tratamento de enfermidades. Logo, qualquer um desses entes tem legitimidade para figurar no polo passivo de ação visando garantir o acesso a medicamentos para tratamento de saúde. Sobre a matéria: EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 10.10.2012. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da responsabilidade solidária dos entes federativos quanto ao fornecimento de medicamentos pelo Estado, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, ARE 799978 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 21/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 06-11-2014 PUBLIC 07-11-2014)  O cerne da questão veiculado nas apelações interpostas consiste na aferição da existência ou não de direito subjetivo, uma vez que o recorrido baseia sua pretensão em norma constitucional de conteúdo programático e na possibilidade de aplicação de multa cominatória em desfavor da Fazenda Pública em situações de descumprimento de liminar. Em que pese o recorrido fundamentar sua pretensão em norma programática, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos, nos termos do artigo 196 da Constituição da República: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Muito se discutiu sobre a implementação de políticas públicas através de decisões judiciais a exemplo do fornecimento de medicamentos indispensável a saúde do recorrido sob a alegação do caráter programático da norma insculpida no artigo 196 da Constituição da República, norma esta dependente de ações governamentais de atribuições de legitimados pelo povo através do processo democrático. Entretanto, tal entendimento já superado consiste na possibilidade do judiciário em determinar a aplicação do preceito constitucional como forma de se viabilizar e proteger o direito fundamental da saúde aos jurisdicionados, mesmo sendo necessária a interferência do Juiz nas outras esferas de poder. Entender pelo contrário em admitir que a norma não possa ser aplicada por depender de políticas públicas para sua concretização é suprimir a força normativa da Constituição e deixar de se proteger um direito fundamental de tamanha importância ao arbítrio de decisões administrativas dos gestores públicos. Nestes termos, trago o posicionamento emanado pelo Pretório Excelso quanto a possibilidade de intervenção do judiciário na execução de políticas públicas quando estas têm por objetivo a tutela do direito fundamental a saúde, ¿in verbis¿ AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTO DE BAIXO CUSTO. FORNECIMENTO PELO PODER PÚBLICO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Agravo regimental a que se nega provimento.  (AI 822882 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 05-08-2014 PUBLIC 06-08-2014) Não há como de se afastar a possibilidade do jurisdicionado em exigir pela via judicial o cumprimento de medidas que dependam de políticas públicas de saúde, uma vez que se trata de direito subjetivo inerente a própria condição humana do apelado. De outra forma, o afastamento de multa arbitrada ao Estado por descumprimento de decisão judicial não merece reforma, uma vez que se mostra plenamente possível e como um dos meios coercitivos para impor ao réu o cumprimento de uma obrigação judicial como forma de se resguardar a própria autoridade do judiciário, mesmo que um dos polos da lide esteja figurando a Fazenda Pública. olacionei: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é admitido o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária a fim de compelir a Administração Pública a cumprir a ordem judicial que concede medicamento ou tratamento médico a particular. 2. No entanto, ressalta-se que a medida deve ser concedida apenas em caráter excepcional, onde haja nos autos comprovação de que o Estado não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e a demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante. [...] (STJ, AgRg no AgRg no AREsp 498758, MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 26/08/2014)     À vista do exposto, CONHEÇO do REEXAME NECESSÁRIO Nº 2012.3.028774-5, mantendo a decisão ora analisada quanto ao direito subjetivo do SENTENCIADO/APELADO quanto ao recebimento dos medicamentos consignados na sentença ora vergastada e das APELAÇÕES interposta NEGANDO PROVIMENTO para manter a decisão recorrida em todos os seus termos. P. R. Intimem-se a quem couber. Após o trânsito em julgado do decisum, arquivem-se os autos. Belém, (pa), 17 de julho de 2015 Desa. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES Desembargadora Relatora (2015.02590578-15, Não Informado, Rel. EDINEA OLIVEIRA TAVARES, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2015-07-23, Publicado em 2015-07-23)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 23/07/2015
Data da Publicação : 23/07/2015
Órgão Julgador : 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA
Relator(a) : EDINEA OLIVEIRA TAVARES
Número do documento : 2015.02590578-15
Tipo de processo : Apelação / Remessa Necessária
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