TJPA 0049544-43.2012.8.14.0301
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00495444320128140301 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RECURSO: REMESSA NECESSÁRIA/APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE BELÉM (1ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM) APELANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM (PROCURADOR MUNICIPAL: JOSÉ ALBERTO S. VASCONCELOS - OAB/PA Nº 5.888) APELADOS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (PROMOTOR DE JUSTIÇA: JOSÉ MARIA COSTA LIMA JÚNIOR) INTERESSADA: A.G.D.P. RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO ¿EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MENOR HIPOSSUFICIENTE. DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DA NECESSIDADE DO FORNECIMENTO DE PASSAGENS PARA RETORNO À BELÉM PELO TFD - TRATAMENTO DORA DO DOMICÍLIO E TRATAMENTO MÉDICO DE HEMODIÁLISE. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DE DIREITO PESSOAL INDISPONÍVEL. PRECEDENTES STJ. PRELIMINAR REJEITADA. PEDIDO DE CHAMAMENTO AO PROCESSO DO ESTADO DO PARÁ E DA UNIÃO FEDERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS PELO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PRECEDENTE STF PELA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL (RE 855178). DESNECESSIDADE DE CHAMAMENTO DOS ENTES AO FEITO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RESP REPETITIVO Nº 1203244. SATISFATIVIDADE DA LIMINAR DEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À LEI Nº 9494/97. REGRA RELATIVA. ADMISSIBILIDADE EM CARÁTER EXCEPCIONAL ANTE A NECESSIDADE DE REGUARDAR O DIREITO À VIDA DA INTERESSADA. POSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DE SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS POR DESCUMPRIMENTO. (RESP REPETITIVO 1069810/RS). APELO IMPROVIDO POR SER CONTRÁRIO À JURISPRUDENCIA DA SUPREMA CORTE, INCLUSIVE PELA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL E DO STJ PELA SISTEMÁTICA DO RECURSO REPETITIVO. EM REMESSA NECESSÁRIA AFASTADA A IMPOSIÇÃO DE MULTA POR DESCUMPRIMENTO NA PESSOA DO SECRETÁRIO MUNICIPAL QUE NÃO COMPÕE PESSOALMENTE À LIDE. RECURSO IMPROVIDO E SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EM REMESSA NECESSÁRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE BELÉM, nos autos da ação civil pública que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, em favor da menor A.G.D.P., contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém que julgou totalmente procedente o pedido para determinar que o apelante promova o imediato fornecimento das passagens da cidade de São Paulo para Belém, para a criança e sua genitora (acompanhante), para realização das sessões de hemodiálise na FSCMPA, bem como a realização de todo o tratamento que se fizesse necessário para garantir a saúde da criança (internações, medicações, exames e remédios), bem como o sequestro/apreensão da quantia em dinheiro necessária, bem como responsabilização pessoal do Secretário Municipal de Saúde ao pagamento de multa de 20% (vinte por cento) do valor da causa em caso de descumprimento. Narra a inicial que a menor A.G.D.P. encontrava-se na cidade de São Paulo - via TFD para realização de um transplante que não foi realizado, necessitando com urgência da entrega das passagens de TFD para retorno para a cidade de Belém, pois necessita ser submetida a sessões de hemodiálise, 03 vezes por semana, por ser renal crônica, tratamento indispensável para sua sobrevivência. A liminar foi deferida às fls. 39/40, determinando o fornecimento imediato das passagens da cidade de São Paulo para Belém para criança e sua acompanhante, bem como a realização de todo o tratamento necessário sob pena de multa. Petição de fls. 79/82 informando que a menor interessada realizou o transplante de rim em São Paulo, estando em processo de convalescência, após o qual retornaria para cidade de Belém, quando então utilizaria das passagens de retorno, já providenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde. Inconformado com a sentença de procedência, aduz o apelante que o Ministério Público do Estado do Pará manejou ação judicial inadequada para atendimento de necessidade e direito individual, insuscetível de obtenção por meio de Ação Civil Pública - ACP, devendo ser extinto o feito sem resolução do mérito por inadequação da via eleita. Sustenta a necessidade de imediata revogação da medida liminar ante sua satisfatividade e ofensa à Lei nº 9.494/1997. Alega ser necessário o chamamento à lide da União e do Estado do Pará, pois se trata de obrigação de fazer vinculada ao SUS, cuja responsabilidade é conjunta entre os entes da Federação. Argumenta ser o caso de litisconsorte passivo necessário, devendo compor a lide a União, o Estado do Pará e o Município recorrente para divisão da responsabilidade. Assim, requer seja o recurso conhecido e provido para acolhimento da preliminar, com extinção do feito sem resolução do mérito ou, alternativamente, o chamamento à lide do Estado do Pará e da União para composição do polo passivo da demanda. Contrarrazões às fls. 143/152 pela manutenção integral da sentença e não provimento da apelação. Encaminhados a esta Egrégia Corte de Justiça, os autos foram distribuídos à relatoria da Desa. Maria Filomena de Almeida Buarque que determinou a remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que ofertou parecer pelo conhecimento e improvimento do apelo e confirmação da sentença (fls. 161/164). Após, os autos foram redistribuídos à minha relatoria em razão da Emenda Regimental nº 05/2016. É o relatório. Decido. Inicialmente, em que pese a omissão do juízo de piso, conheço, de ofício, da remessa necessária, uma vez que o caso em análise se amolda ao disposto no artigo 475, I, do CPC/1973 vigente à época da publicação da sentença, por se tratar de sentença ilíquida contra a Fazenda Pública. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço também do recurso e da análise de ambos entendo que o feito comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 932 do CPC/2015. Em apertada síntese, verifica-se que a controvérsia posta em debate diz respeito à condenação do Município de Belém, ora apelante, ao fornecimento de passagens à menor interessada e sua genitora (acompanhante) de São Paulo para Belém, bem como a realização de todo o tratamento necessário à garantia de saúde da menor, sob pena de multa, sustentando o recorrente: a inadequação da via eleita, necessidade de revogação de medida liminar ante a satisfatividade, necessidade de chamamento ao processo dos entes Estatal e Federal para composição do polo passivo. Contudo, verifico que não prosperam as alegações do recorrente, eis que a sentença do juízo de primeiro grau se apresenta escorreita e em conformidade com a Jurisprudência consolidada das Cortes Superiores de Justiça. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA: Aduz inicialmente o apelante a inadequação da via processual eleita, qual seja, o ajuizamento de ação civil pública, pois no caso em tela foi manejada ação judicial para atendimento de necessidade e direito individual de pessoa específica e não interesse coletivo, devendo a lide ser extinta sem julgamento do mérito. Todavia, entendo que não assiste razão ao recorrente, tendo em vista que a jurisprudência dominante das Cortes Superiores é no sentido de que em se tratando o direito à saúde de direito individual indisponível é perfeitamente cabível o ajuizamento de ação civil pública, mesmo que interposta em favor de uma pessoa isolada, não prosperando as alegações do recurso. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. EMBARGOS INFRINGENTES. NÃO CABIMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. PARQUET. LEGITIMIDADE. 1. Os embargos infringentes, disciplinados pelo art. 530 do CPC/1973, com a alteração promovida pela Lei n. 10.352/2001, são cabíveis somente na hipótese em que o acórdão da apelação reformar a sentença de mérito, ou julgar procedente ação rescisória. 2. Hipótese em que não houve a reforma da sentença, mas a sua anulação por questão de ordem processual, pois o acórdão recorrido extinguiu o feito, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC/1973, ante o reconhecimento da ilegitimidade do Ministério Público. 3. A Carta Magna outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa não apenas dos direitos difusos e coletivos mas também dos interesses individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada, podendo o Parquet, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatíveis com sua finalidade institucional, nos termos dos arts. 127 e 129 da CF/1988. 4. Não há que se falar em inadequação da via eleita, tendo em conta que o direito à saúde se encaixa no rol de direitos individuais indisponíveis, sendo perfeitamente cabível a ação civil pública, ainda que interposta em favor de uma pessoa isolada, em face da imperatividade das normas insculpidas nos arts. 5º, caput, e 196 da Constituição Federal. 5. Agravo interno desprovido, com aplicação de multa de 1% sobre o valor da causa. (AgInt no REsp 1632154/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/09/2017) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL PELO STF. DESNECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. (...) 2. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que o Ministério Público é parte legítima para propor ação civil pública com o objetivo de tutelar direitos individuais indisponíveis, razão pela qual é parte legítima para ajuizar ação civil pública visando assegurar a continuidade do tratamento médico a portadora de doença grave, a fim de tutelar o direito à saúde e à vida. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1350734/MG, Rel. Ministra MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 03/06/2015) Em igual direção a jurisprudência deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME. PRELIMINAR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REJEITADA. INTERESSES INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES FEDERATIVOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DOMINANTE DESTA CORTE, DO STF E STJ. MULTA. LIMITAÇÃO. 1. A sentença ilíquida proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição; 2. A obrigação constitucional de prestar assistência à Saúde funda-se no princípio da cogestão, que significa dizer uma participação simultânea dos entes estatais nos três níveis (Federal, Estadual e Municipal), existindo, em decorrência, responsabilidade solidária; 3. Em caso de descumprimento da decisão, a astreinte deve ser limitada ao patamar de R$30.000,00 (trinta mil reais); 4. Reexame Necessário e recurso de Apelação conhecidos. Apelação desprovida. Em Reexame, sentença alterada em parte. (TJPA. PROC. Nº 2017.04142616-94, Ac. 181.961, Rel. CELIA REGINA DE LIMA PINHEIRO, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-09-18, Publicado em 2017-10-19) Logo, não assiste razão ao recorrente, tendo em vista que é reconhecida a legitimidade do Ministério Público para atuar em defesa de interesses individuais indisponíveis, com manejo de ação civil pública, estando, a decisão recorrida, em consonância com a jurisprudência do STJ e deste Tribunal. Preliminar rejeitada. MÉRITO. LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. CHAMAMENTO À LIDE DA UNIÃO E DO ESTADO DO PARÁ. Alega o Município que a obrigação deferida pela sentença se trata de obrigação vinculada ao Sistema Único de Saúde, portanto, de responsabilidade conjunta da União, Estado do Pará e do recorrente, não podendo ser condenado isoladamente, devendo o demais serem chamados para compor o polo passivo da demanda. Todavia, não prosperam as alegações do apelante. Isso porque, ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). Precedentes STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015. Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recente decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015) Na hipótese dos autos, a concessão de passagens pelo TFD para realização das sessões de hemodiálise bem como a realização de todo o tratamento necessário para garantir a saúde da criança (internações, medicações, exames e remédios), fundamentais à efetivação de seu direito à saúde e a resistência por parte do Município de Belém apresenta-se em descompasso com os princípios elencados de forma cristalina na Constituição Federal. Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis, não prosperando a alegação de necessidade de chamamento ao processo do Estado do Pará e da União Federal, tampouco de existência de litisconsórcio passivo necessário. Nessa direção, também é o entendimento da jurisprudência dominante do C. STJ, inclusive com julgamento sobre a sistemática do recurso especial repetitivo (Resp 1203244), nos termos da seguinte ementa: PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO MOVIDA CONTRA O ESTADO. CHAMAMENTO DA UNIÃO AO PROCESSO. ART. 77, III, DO CPC. DESNECESSIDADE. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação de serviços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado opor obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde. Precedentes do STJ. 2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entende que "o recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios", e "o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional", razão por que "o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida" (RE 607.381 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011). Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido negou o chamamento ao processo da União, o que está em sintonia com o entendimento aqui fixado. 4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008. (REsp 1203244/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 17/06/2014) Colaciono, ainda, julgado mais recente no sentido de inexistência de litisconsórcio passivo necessário: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE LITIGAR CONTRA QUALQUER UM DOS OBRIGADOS. FACULDADE DO CREDOR. CHAMAMENTO AO PROCESSO. INCABÍVEL. ENTREGA DE COISA CERTA. DEMANDA CONTRA O ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SÚMULA 83/STJ. INCIDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO FORA DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. TESE NÃO VENTILADA NO RESP. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo qualquer deles, em conjunto ou isoladamente, parte legítima para figurar no polo passivo de demanda que objetive a garantia de acesso a medicamentos adequado para tratamento de saúde. III - Não se trata de litisconsórcio passivo necessário, podendo a parte intentar a demanda contra qualquer um dos entes federativos (solidariamente passivos) para responder pela totalidade da dívida; a faculdade do autor-credor de litigar com qualquer um dos co-obrigados é decorrência legítima da solidariedade passiva. IV - Incabível o instituto de intervenção de terceiros denominado chamamento ao processo, previsto no art. 77, III do CPC, (típico de obrigações solidárias de pagar quantia), por se tratar de excepcional formação de litisconsórcio facultativo para entrega de coisa certa (fornecimento de medicamentos), cuja satisfação não comporta divisão. V - A ação que visa o fornecimento de medicamento proposta apenas contra um dos entes públicos solidários, no caso o Estado do Piauí, deve ser processada perante o Juízo Estadual, uma vez que ausente as hipóteses do art. 109, I, da Constituição da República diante da ausência da inclusão da União no polo passivo da demanda. VI - O recurso especial, interposto pela alínea a e/ou pela alínea c, do inciso III, do art. 105, da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, a teor da Súmula 83/STJ. VII - A tese relativa à impossibilidade de fornecimento de medicamento fora da Portaria do ministério da saúde foi apresentada apenas quando da interposição do agravo interno, o que configura inadmissível inovação recursal. VIII - O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. IV - Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp 1617502/PI, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 02/08/2017) Sendo assim, descabe o pedido de chamamento ao processo do Estado do Pará e da União Federal, muito menos a alegação de existência de litisconsorte passivo necessário, razão pela qual, com fundamento nos julgados acima destacados pelas sistemáticas da Repercussão Geral e do Recurso Repetitivo, rejeito tais assertivas. SATISFATIVIDADE DA LIMINAR DEFERIDA. OFENSA À LEI Nº 9494/97. No que tange a alegação de que a liminar deferida corresponde ao mérito da ação, sendo satisfativa, em ofensa à lei nº 9494/97 por implicar imediata liberação de verba pelo ente público com vedação no artigo 2º-B da referida Lei, razão pela qual merece ser modificada, também não assiste razão ao apelo. Verifico que a referida norma não deve ser aplicada ao caso em tela, uma vez que apesar do entendimento de supremacia do interesse público sobre o particular, bem como da necessidade de dotação orçamentária, tais questões não tem o condão de afastar o cumprimento das garantias constitucionais de direito fundamental à vida e saúde que predominam sobre as demais regras, sobretudo no caso dos autos em que existente o risco de morte da parte interessada. Destaco, ainda, que a vedação de liminar contra atos do poder público que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, é regra relativa, sobretudo quando se confronta com o direito à vida, como ocorre na situação em análise. Assim, admissível se afigura, em caráter excepcional, o deferimento de medida satisfativa contra a Fazenda Pública, pois, ao efetuar juízo de ponderação, impõe-se que seja assegurado o direito à vida, a exemplo do julgado: ¿EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARS. PACIENTE PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA EM MÉDICO ESPECIALIZADO. ALEGADA SATISFATIVIDADE DA LIMINAR DEFERIDA. NÃO CABIMENTO. O PERIGO DA DEMORA MILITA A FAVOR DO PACIENTE. DO SUSTENTADO NECESSÁRIO CHAMAMENTO Á LIDE DA UNIÃO E DO ESTADO DO PARÁ. IMPROCEDÊNCIA. OS ENTES FEDERATIVOS PODEM SER DEMANDADOS EM CONJUNTO OU ISOLADAMENTE, DADA A EXISTÊNCIA DA SOLIDARIEDADE ENTRE OS MESMOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. . 1. A iminência de dano irreparável ou de difícil reparação decorre da gravidade da doença que acomete o paciente, portador de necessidades especiais, a medida em que, o tratamento cirúrgico indicado visa salvaguardar a sua vida e proporcionar um adequado tratamento ao caso apresentado 2. Demais disso, o perigo na demora milita a favor da Autor/Recorrido, uma vez que o seu estado de saúde e a necessidade urgente de ser realizado o tratamento cirúrgico não podem aguardar a tutela definitiva, sem haver perigo de dano de difícil reparação. 3. Encontra-se consolidado em nossas Cortes Superiores o entendimento no sentido de que o estado, o município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional, sendo dever do Poder Público, a garantia à saúde pública, o que significa dizer que podem ser demandados em conjunto, ou isoladamente, como ocorreu na hipótese em julgamento, dada a existência da solidariedade entre os mesmos. 4. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime.¿ (TJPA. Proc. 2016.02390605-37, Ac. 161.078, Rel. NADJA NARA COBRA MEDA, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-06-16, Publicado em 2016-06-17) Comprovada a imprescindibilidade de pessoa necessitada ser atendida em seu pleito de obter as passagens para continuação de sua hemodiálise e os demais tratamentos médicos necessários, tenho que a sua negativa implica em ofensa ao direito social à saúde, garantido constitucionalmente, não merecendo, portanto, acolhida ao apelo. Em remessa necessária, verifico que no mérito a sentença apresenta-se correta e em sintonia com a jurisprudência dominante das Cortes Superiores, uma vez que resta indubitável o dever do Município em assegurar à menor assistida as providências determinadas. Deve ser atendido o princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna, com reflexo no direito à saúde que não pode ser indissociável daquele, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88. Ressalte-se, também, que a Constituição Federal, em seu artigo 227, define como prioridade absoluta as questões de interesse da criança e do adolescente. Além do mais, a previsão constitucional do artigo 196 consagra o direito à saúde como dever dos Entes Estatais, que deverão, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz; norma constitucional que apesar de programática não exime o recorrente do dever de prestar o atendimento necessário à hipossuficiente, sendo patente a idéia de que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativo; esta reclama efetividade real de suas normas. Por derradeiro, no ponto referente à determinação de que o descumprimento da decisão por prazo superior a 10 (dez) dias ensejará sequestro/apreensão de quantia em dinheiro a ser fixada oportunamente e suficiente, verifico que também não comporta alteração, uma vez que ¿É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido do cabimento de bloqueio de verbas públicas e da fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde¿ (AgRg no REsp 1073448/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 15/10/2015). Inclusive, no julgamento do REsp 1069810/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 06/11/2013, pela sistemática do Recurso repetitivo foi fixado o entendimento de que ¿Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação¿. Entretanto, merece alteração a sentença reexaminada tão somente quanto à determinação de responsabilização pessoal do Secretário Municipal de Saúde ao pagamento de multa de 20% sobre o valor da causa, tendo em mira que não obstante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admita o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde, não é possível estendê-la ao agente político que não participou do processo e, portanto, não exercitou seu direito de ampla defesa. No caso dos autos, verifico que a Ação Civil Pública fora movida contra o Município de Belém e a Secretaria Municipal de Saúde, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. Corroborando o posicionamento adotado: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO DE SERGIPE E A FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS TESES VEICULADAS NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 211/STJ. MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) 2 - Ainda que assim não fosse, o entendimento exposto no acórdão impugnado se amolda à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o agente público não pode ser pessoalmente condenado ao pagamento de astreintes se não figurou como parte na relação processual em que imposta a cominação, sob pena de afronta ao direito constitucional de ampla defesa. Precedentes. 3 - Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1433805/SE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 24/06/2014) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 196.946/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 16/05/2013) No mais, irrepreensíveis os fundamentos da sentença. Desse modo, entendo necessário observar o art. 932 do CPC/2015, por verificar no caso dos autos que a decisão que julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer o direito da menor às passagens de São Paulo para Belém e ao tratamento médico necessário ao seu direito à saúde, extinguindo o feito com resolução do mérito, sob pena de sequestro e apreensão de verbas públicas, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência dominante do STF e do STJ, em alguns pontos inclusive sob a sistemática da Repercussão Geral e do recurso repetitivo. Ante o exposto, com fulcro no que dispõe o art. 932, incisos IV, b e VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, b e d, do RITJPA, conheço do recurso e da remessa necessária, para negar provimento ao apelo e em remessa necessária, alterar a sentença apenas no que concerne a condenação de multa na pessoa do Secretário Municipal, para que seja suportada pelo Ente Municipal, mantendo-a nos demais termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem. Belém, 09 de janeiro de 2018. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2018.00056054-95, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2018-01-16, Publicado em 2018-01-16)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 00495444320128140301 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO RECURSO: REMESSA NECESSÁRIA/APELAÇÃO CÍVEL COMARCA DE BELÉM (1ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM) APELANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM (PROCURADOR MUNICIPAL: JOSÉ ALBERTO S. VASCONCELOS - OAB/PA Nº 5.888) APELADOS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (PROMOTOR DE JUSTIÇA: JOSÉ MARIA COSTA LIMA JÚNIOR) INTERESSADA: A.G.D.P. RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO ¿ REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MENOR HIPOSSUFICIENTE. DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DA NECESSIDADE DO FORNECIMENTO DE PASSAGENS PARA RETORNO À BELÉM PELO TFD - TRATAMENTO DORA DO DOMICÍLIO E TRATAMENTO MÉDICO DE HEMODIÁLISE. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DE DIREITO PESSOAL INDISPONÍVEL. PRECEDENTES STJ. PRELIMINAR REJEITADA. PEDIDO DE CHAMAMENTO AO PROCESSO DO ESTADO DO PARÁ E DA UNIÃO FEDERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS PELO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PRECEDENTE STF PELA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL (RE 855178). DESNECESSIDADE DE CHAMAMENTO DOS ENTES AO FEITO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RESP REPETITIVO Nº 1203244. SATISFATIVIDADE DA LIMINAR DEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À LEI Nº 9494/97. REGRA RELATIVA. ADMISSIBILIDADE EM CARÁTER EXCEPCIONAL ANTE A NECESSIDADE DE REGUARDAR O DIREITO À VIDA DA INTERESSADA. POSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DE SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS POR DESCUMPRIMENTO. (RESP REPETITIVO 1069810/RS). APELO IMPROVIDO POR SER CONTRÁRIO À JURISPRUDENCIA DA SUPREMA CORTE, INCLUSIVE PELA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL E DO STJ PELA SISTEMÁTICA DO RECURSO REPETITIVO. EM REMESSA NECESSÁRIA AFASTADA A IMPOSIÇÃO DE MULTA POR DESCUMPRIMENTO NA PESSOA DO SECRETÁRIO MUNICIPAL QUE NÃO COMPÕE PESSOALMENTE À LIDE. RECURSO IMPROVIDO E SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA EM REMESSA NECESSÁRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE BELÉM, nos autos da ação civil pública que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, em favor da menor A.G.D.P., contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Infância e Juventude de Belém que julgou totalmente procedente o pedido para determinar que o apelante promova o imediato fornecimento das passagens da cidade de São Paulo para Belém, para a criança e sua genitora (acompanhante), para realização das sessões de hemodiálise na FSCMPA, bem como a realização de todo o tratamento que se fizesse necessário para garantir a saúde da criança (internações, medicações, exames e remédios), bem como o sequestro/apreensão da quantia em dinheiro necessária, bem como responsabilização pessoal do Secretário Municipal de Saúde ao pagamento de multa de 20% (vinte por cento) do valor da causa em caso de descumprimento. Narra a inicial que a menor A.G.D.P. encontrava-se na cidade de São Paulo - via TFD para realização de um transplante que não foi realizado, necessitando com urgência da entrega das passagens de TFD para retorno para a cidade de Belém, pois necessita ser submetida a sessões de hemodiálise, 03 vezes por semana, por ser renal crônica, tratamento indispensável para sua sobrevivência. A liminar foi deferida às fls. 39/40, determinando o fornecimento imediato das passagens da cidade de São Paulo para Belém para criança e sua acompanhante, bem como a realização de todo o tratamento necessário sob pena de multa. Petição de fls. 79/82 informando que a menor interessada realizou o transplante de rim em São Paulo, estando em processo de convalescência, após o qual retornaria para cidade de Belém, quando então utilizaria das passagens de retorno, já providenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde. Inconformado com a sentença de procedência, aduz o apelante que o Ministério Público do Estado do Pará manejou ação judicial inadequada para atendimento de necessidade e direito individual, insuscetível de obtenção por meio de Ação Civil Pública - ACP, devendo ser extinto o feito sem resolução do mérito por inadequação da via eleita. Sustenta a necessidade de imediata revogação da medida liminar ante sua satisfatividade e ofensa à Lei nº 9.494/1997. Alega ser necessário o chamamento à lide da União e do Estado do Pará, pois se trata de obrigação de fazer vinculada ao SUS, cuja responsabilidade é conjunta entre os entes da Federação. Argumenta ser o caso de litisconsorte passivo necessário, devendo compor a lide a União, o Estado do Pará e o Município recorrente para divisão da responsabilidade. Assim, requer seja o recurso conhecido e provido para acolhimento da preliminar, com extinção do feito sem resolução do mérito ou, alternativamente, o chamamento à lide do Estado do Pará e da União para composição do polo passivo da demanda. Contrarrazões às fls. 143/152 pela manutenção integral da sentença e não provimento da apelação. Encaminhados a esta Egrégia Corte de Justiça, os autos foram distribuídos à relatoria da Desa. Maria Filomena de Almeida Buarque que determinou a remessa dos autos à Procuradoria de Justiça que ofertou parecer pelo conhecimento e improvimento do apelo e confirmação da sentença (fls. 161/164). Após, os autos foram redistribuídos à minha relatoria em razão da Emenda Regimental nº 05/2016. É o relatório. Decido. Inicialmente, em que pese a omissão do juízo de piso, conheço, de ofício, da remessa necessária, uma vez que o caso em análise se amolda ao disposto no artigo 475, I, do CPC/1973 vigente à época da publicação da sentença, por se tratar de sentença ilíquida contra a Fazenda Pública. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço também do recurso e da análise de ambos entendo que o feito comporta julgamento monocrático, conforme estabelece o artigo 932 do CPC/2015. Em apertada síntese, verifica-se que a controvérsia posta em debate diz respeito à condenação do Município de Belém, ora apelante, ao fornecimento de passagens à menor interessada e sua genitora (acompanhante) de São Paulo para Belém, bem como a realização de todo o tratamento necessário à garantia de saúde da menor, sob pena de multa, sustentando o recorrente: a inadequação da via eleita, necessidade de revogação de medida liminar ante a satisfatividade, necessidade de chamamento ao processo dos entes Estatal e Federal para composição do polo passivo. Contudo, verifico que não prosperam as alegações do recorrente, eis que a sentença do juízo de primeiro grau se apresenta escorreita e em conformidade com a Jurisprudência consolidada das Cortes Superiores de Justiça. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA: Aduz inicialmente o apelante a inadequação da via processual eleita, qual seja, o ajuizamento de ação civil pública, pois no caso em tela foi manejada ação judicial para atendimento de necessidade e direito individual de pessoa específica e não interesse coletivo, devendo a lide ser extinta sem julgamento do mérito. Todavia, entendo que não assiste razão ao recorrente, tendo em vista que a jurisprudência dominante das Cortes Superiores é no sentido de que em se tratando o direito à saúde de direito individual indisponível é perfeitamente cabível o ajuizamento de ação civil pública, mesmo que interposta em favor de uma pessoa isolada, não prosperando as alegações do recurso. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. EMBARGOS INFRINGENTES. NÃO CABIMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. PARQUET. LEGITIMIDADE. 1. Os embargos infringentes, disciplinados pelo art. 530 do CPC/1973, com a alteração promovida pela Lei n. 10.352/2001, são cabíveis somente na hipótese em que o acórdão da apelação reformar a sentença de mérito, ou julgar procedente ação rescisória. 2. Hipótese em que não houve a reforma da sentença, mas a sua anulação por questão de ordem processual, pois o acórdão recorrido extinguiu o feito, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC/1973, ante o reconhecimento da ilegitimidade do Ministério Público. 3. A Carta Magna outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa não apenas dos direitos difusos e coletivos mas também dos interesses individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada, podendo o Parquet, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatíveis com sua finalidade institucional, nos termos dos arts. 127 e 129 da CF/1988. 4. Não há que se falar em inadequação da via eleita, tendo em conta que o direito à saúde se encaixa no rol de direitos individuais indisponíveis, sendo perfeitamente cabível a ação civil pública, ainda que interposta em favor de uma pessoa isolada, em face da imperatividade das normas insculpidas nos arts. 5º, caput, e 196 da Constituição Federal. 5. Agravo interno desprovido, com aplicação de multa de 1% sobre o valor da causa. (AgInt no REsp 1632154/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/09/2017) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL PELO STF. DESNECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. (...) 2. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que o Ministério Público é parte legítima para propor ação civil pública com o objetivo de tutelar direitos individuais indisponíveis, razão pela qual é parte legítima para ajuizar ação civil pública visando assegurar a continuidade do tratamento médico a portadora de doença grave, a fim de tutelar o direito à saúde e à vida. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1350734/MG, Rel. Ministra MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 03/06/2015) Em igual direção a jurisprudência deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME. PRELIMINAR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REJEITADA. INTERESSES INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES FEDERATIVOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DOMINANTE DESTA CORTE, DO STF E STJ. MULTA. LIMITAÇÃO. 1. A sentença ilíquida proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição; 2. A obrigação constitucional de prestar assistência à Saúde funda-se no princípio da cogestão, que significa dizer uma participação simultânea dos entes estatais nos três níveis (Federal, Estadual e Municipal), existindo, em decorrência, responsabilidade solidária; 3. Em caso de descumprimento da decisão, a astreinte deve ser limitada ao patamar de R$30.000,00 (trinta mil reais); 4. Reexame Necessário e recurso de Apelação conhecidos. Apelação desprovida. Em Reexame, sentença alterada em parte. (TJPA. PROC. Nº 2017.04142616-94, Ac. 181.961, Rel. CELIA REGINA DE LIMA PINHEIRO, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2017-09-18, Publicado em 2017-10-19) Logo, não assiste razão ao recorrente, tendo em vista que é reconhecida a legitimidade do Ministério Público para atuar em defesa de interesses individuais indisponíveis, com manejo de ação civil pública, estando, a decisão recorrida, em consonância com a jurisprudência do STJ e deste Tribunal. Preliminar rejeitada. MÉRITO. LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. CHAMAMENTO À LIDE DA UNIÃO E DO ESTADO DO PARÁ. Alega o Município que a obrigação deferida pela sentença se trata de obrigação vinculada ao Sistema Único de Saúde, portanto, de responsabilidade conjunta da União, Estado do Pará e do recorrente, não podendo ser condenado isoladamente, devendo o demais serem chamados para compor o polo passivo da demanda. Todavia, não prosperam as alegações do apelante. Isso porque, ¿O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde¿ (AgRg no AREsp 201.746/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014). Precedentes STJ: AgRg no AREsp 664.926/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 18/05/2015, AgRg no AREsp 659.156/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 14/05/2015. Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recente decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015) Na hipótese dos autos, a concessão de passagens pelo TFD para realização das sessões de hemodiálise bem como a realização de todo o tratamento necessário para garantir a saúde da criança (internações, medicações, exames e remédios), fundamentais à efetivação de seu direito à saúde e a resistência por parte do Município de Belém apresenta-se em descompasso com os princípios elencados de forma cristalina na Constituição Federal. Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis, não prosperando a alegação de necessidade de chamamento ao processo do Estado do Pará e da União Federal, tampouco de existência de litisconsórcio passivo necessário. Nessa direção, também é o entendimento da jurisprudência dominante do C. STJ, inclusive com julgamento sobre a sistemática do recurso especial repetitivo (Resp 1203244), nos termos da seguinte PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO MOVIDA CONTRA O ESTADO. CHAMAMENTO DA UNIÃO AO PROCESSO. ART. 77, III, DO CPC. DESNECESSIDADE. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação de serviços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado opor obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde. Precedentes do STJ. 2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entende que "o recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios", e "o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional", razão por que "o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida" (RE 607.381 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011). Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido negou o chamamento ao processo da União, o que está em sintonia com o entendimento aqui fixado. 4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008. (REsp 1203244/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 17/06/2014) Colaciono, ainda, julgado mais recente no sentido de inexistência de litisconsórcio passivo necessário: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE LITIGAR CONTRA QUALQUER UM DOS OBRIGADOS. FACULDADE DO CREDOR. CHAMAMENTO AO PROCESSO. INCABÍVEL. ENTREGA DE COISA CERTA. DEMANDA CONTRA O ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SÚMULA 83/STJ. INCIDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO FORA DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. TESE NÃO VENTILADA NO RESP. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo qualquer deles, em conjunto ou isoladamente, parte legítima para figurar no polo passivo de demanda que objetive a garantia de acesso a medicamentos adequado para tratamento de saúde. III - Não se trata de litisconsórcio passivo necessário, podendo a parte intentar a demanda contra qualquer um dos entes federativos (solidariamente passivos) para responder pela totalidade da dívida; a faculdade do autor-credor de litigar com qualquer um dos co-obrigados é decorrência legítima da solidariedade passiva. IV - Incabível o instituto de intervenção de terceiros denominado chamamento ao processo, previsto no art. 77, III do CPC, (típico de obrigações solidárias de pagar quantia), por se tratar de excepcional formação de litisconsórcio facultativo para entrega de coisa certa (fornecimento de medicamentos), cuja satisfação não comporta divisão. V - A ação que visa o fornecimento de medicamento proposta apenas contra um dos entes públicos solidários, no caso o Estado do Piauí, deve ser processada perante o Juízo Estadual, uma vez que ausente as hipóteses do art. 109, I, da Constituição da República diante da ausência da inclusão da União no polo passivo da demanda. VI - O recurso especial, interposto pela alínea a e/ou pela alínea c, do inciso III, do art. 105, da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, a teor da Súmula 83/STJ. VII - A tese relativa à impossibilidade de fornecimento de medicamento fora da Portaria do ministério da saúde foi apresentada apenas quando da interposição do agravo interno, o que configura inadmissível inovação recursal. VIII - O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. IV - Agravo Interno improvido. (AgInt no REsp 1617502/PI, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 02/08/2017) Sendo assim, descabe o pedido de chamamento ao processo do Estado do Pará e da União Federal, muito menos a alegação de existência de litisconsorte passivo necessário, razão pela qual, com fundamento nos julgados acima destacados pelas sistemáticas da Repercussão Geral e do Recurso Repetitivo, rejeito tais assertivas. SATISFATIVIDADE DA LIMINAR DEFERIDA. OFENSA À LEI Nº 9494/97. No que tange a alegação de que a liminar deferida corresponde ao mérito da ação, sendo satisfativa, em ofensa à lei nº 9494/97 por implicar imediata liberação de verba pelo ente público com vedação no artigo 2º-B da referida Lei, razão pela qual merece ser modificada, também não assiste razão ao apelo. Verifico que a referida norma não deve ser aplicada ao caso em tela, uma vez que apesar do entendimento de supremacia do interesse público sobre o particular, bem como da necessidade de dotação orçamentária, tais questões não tem o condão de afastar o cumprimento das garantias constitucionais de direito fundamental à vida e saúde que predominam sobre as demais regras, sobretudo no caso dos autos em que existente o risco de morte da parte interessada. Destaco, ainda, que a vedação de liminar contra atos do poder público que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, é regra relativa, sobretudo quando se confronta com o direito à vida, como ocorre na situação em análise. Assim, admissível se afigura, em caráter excepcional, o deferimento de medida satisfativa contra a Fazenda Pública, pois, ao efetuar juízo de ponderação, impõe-se que seja assegurado o direito à vida, a exemplo do julgado: ¿ AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARS. PACIENTE PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA EM MÉDICO ESPECIALIZADO. ALEGADA SATISFATIVIDADE DA LIMINAR DEFERIDA. NÃO CABIMENTO. O PERIGO DA DEMORA MILITA A FAVOR DO PACIENTE. DO SUSTENTADO NECESSÁRIO CHAMAMENTO Á LIDE DA UNIÃO E DO ESTADO DO PARÁ. IMPROCEDÊNCIA. OS ENTES FEDERATIVOS PODEM SER DEMANDADOS EM CONJUNTO OU ISOLADAMENTE, DADA A EXISTÊNCIA DA SOLIDARIEDADE ENTRE OS MESMOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. . 1. A iminência de dano irreparável ou de difícil reparação decorre da gravidade da doença que acomete o paciente, portador de necessidades especiais, a medida em que, o tratamento cirúrgico indicado visa salvaguardar a sua vida e proporcionar um adequado tratamento ao caso apresentado 2. Demais disso, o perigo na demora milita a favor da Autor/Recorrido, uma vez que o seu estado de saúde e a necessidade urgente de ser realizado o tratamento cirúrgico não podem aguardar a tutela definitiva, sem haver perigo de dano de difícil reparação. 3. Encontra-se consolidado em nossas Cortes Superiores o entendimento no sentido de que o estado, o município e a União são legitimados passivos solidários, conforme determina o texto constitucional, sendo dever do Poder Público, a garantia à saúde pública, o que significa dizer que podem ser demandados em conjunto, ou isoladamente, como ocorreu na hipótese em julgamento, dada a existência da solidariedade entre os mesmos. 4. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime.¿ (TJPA. Proc. 2016.02390605-37, Ac. 161.078, Rel. NADJA NARA COBRA MEDA, Órgão Julgador 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA, Julgado em 2016-06-16, Publicado em 2016-06-17) Comprovada a imprescindibilidade de pessoa necessitada ser atendida em seu pleito de obter as passagens para continuação de sua hemodiálise e os demais tratamentos médicos necessários, tenho que a sua negativa implica em ofensa ao direito social à saúde, garantido constitucionalmente, não merecendo, portanto, acolhida ao apelo. Em remessa necessária, verifico que no mérito a sentença apresenta-se correta e em sintonia com a jurisprudência dominante das Cortes Superiores, uma vez que resta indubitável o dever do Município em assegurar à menor assistida as providências determinadas. Deve ser atendido o princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, inciso III, da Carta Magna, com reflexo no direito à saúde que não pode ser indissociável daquele, com previsão nos artigos 6° e 196 da CF/88. Ressalte-se, também, que a Constituição Federal, em seu artigo 227, define como prioridade absoluta as questões de interesse da criança e do adolescente. Além do mais, a previsão constitucional do artigo 196 consagra o direito à saúde como dever dos Entes Estatais, que deverão, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz; norma constitucional que apesar de programática não exime o recorrente do dever de prestar o atendimento necessário à hipossuficiente, sendo patente a idéia de que a Constituição Federal não se resume a um amontoado de princípios meramente ilustrativo; esta reclama efetividade real de suas normas. Por derradeiro, no ponto referente à determinação de que o descumprimento da decisão por prazo superior a 10 (dez) dias ensejará sequestro/apreensão de quantia em dinheiro a ser fixada oportunamente e suficiente, verifico que também não comporta alteração, uma vez que ¿É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça no sentido do cabimento de bloqueio de verbas públicas e da fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde¿ (AgRg no REsp 1073448/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 15/10/2015). Inclusive, no julgamento do REsp 1069810/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 06/11/2013, pela sistemática do Recurso repetitivo foi fixado o entendimento de que ¿Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação¿. Entretanto, merece alteração a sentença reexaminada tão somente quanto à determinação de responsabilização pessoal do Secretário Municipal de Saúde ao pagamento de multa de 20% sobre o valor da causa, tendo em mira que não obstante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admita o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa diária para o descumprimento de determinação judicial, especialmente nas hipóteses de fornecimento de medicamentos ou tratamento de saúde, não é possível estendê-la ao agente político que não participou do processo e, portanto, não exercitou seu direito de ampla defesa. No caso dos autos, verifico que a Ação Civil Pública fora movida contra o Município de Belém e a Secretaria Municipal de Saúde, de modo que, nesse contexto, apenas o ente público demandado está legitimado a responder pela multa cominatória. Corroborando o posicionamento adotado: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O ESTADO DE SERGIPE E A FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS TESES VEICULADAS NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 211/STJ. MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSIÇÃO AO AGENTE PÚBLICO QUE NÃO FIGUROU COMO PARTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO DIREITO DE AMPLA DEFESA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) 2 - Ainda que assim não fosse, o entendimento exposto no acórdão impugnado se amolda à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o agente público não pode ser pessoalmente condenado ao pagamento de astreintes se não figurou como parte na relação processual em que imposta a cominação, sob pena de afronta ao direito constitucional de ampla defesa. Precedentes. 3 - Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1433805/SE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 24/06/2014) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 196.946/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 16/05/2013) No mais, irrepreensíveis os fundamentos da sentença. Desse modo, entendo necessário observar o art. 932 do CPC/2015, por verificar no caso dos autos que a decisão que julgou procedente o pedido, a fim de reconhecer o direito da menor às passagens de São Paulo para Belém e ao tratamento médico necessário ao seu direito à saúde, extinguindo o feito com resolução do mérito, sob pena de sequestro e apreensão de verbas públicas, apresenta-se em perfeita sintonia com a jurisprudência dominante do STF e do STJ, em alguns pontos inclusive sob a sistemática da Repercussão Geral e do recurso repetitivo. Ante o exposto, com fulcro no que dispõe o art. 932, incisos IV, b e VIII, do CPC/2015 c/c 133, XI, b e d, do RITJPA, conheço do recurso e da remessa necessária, para negar provimento ao apelo e em remessa necessária, alterar a sentença apenas no que concerne a condenação de multa na pessoa do Secretário Municipal, para que seja suportada pelo Ente Municipal, mantendo-a nos demais termos. Após o decurso do prazo recursal sem qualquer manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e dê-se a baixa no LIBRA com a consequente remessa dos autos ao juízo de origem. Belém, 09 de janeiro de 2018. Des. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO Relator
(2018.00056054-95, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2018-01-16, Publicado em 2018-01-16)
Data do Julgamento
:
16/01/2018
Data da Publicação
:
16/01/2018
Órgão Julgador
:
2ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a)
:
LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
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