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Jurisprudência


TJPA 0090736-78.2015.8.14.0000

Ementa
SECRETARIA DA 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0090736-78.2015.814.0000 ORIGEM: JUÍZO DA 1ª VARA DE INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE BELÉM AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BELÉM AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO RELATORA: DESª. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE DECISÃO MONOCRÁTICA. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DE TUTELA SOLIDARIEDADE PASSIVA DOS ENTES PÚBLICOS. PRECEDENTES. RESERVA DO POSSÍVEL. ALEGAÇÃO QUE NÃO CABE NO CONTEXTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. 1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados não "qualquer tratamento", mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. 2. Solidariedade passiva dos entes públicos na prestação do direito à saúde. Efetividade. Precedentes. 3. A reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Precedentes. 4. Recurso a que se nega seguimento, nos termos do art. 557, CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA               Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por MUNICÍPIO DE BELÉM em face da decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Fazenda da Comarca de Belém, nos autos da ação civil pública n.º 0071589-36.2015.8140301, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará em favor de J.DE S.B.               Segundo consta dos autos, o juízo objurgado deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para, transferência e tratamento médico da paciente menor de idade, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais) a incidir nos entes públicos envolvidos.               Em suas razões, o Estado do Pará sustenta ilegitimidade ativa do Ministério Público para ajuizamento da ação.               Defende ausência de solidariedade entre os entes públicos no que diz respeito a prestação do direito à saúde, de modo que não haveria responsabilidade do ente na espécie.               Aponta impossibilidade de interveniência nas políticas públicas, posto que isso implicaria em violação do princípio da reserva do possível.               Ao final, requer o conhecimento e recebimento do presente recurso na modalidade de instrumento, bem como concessão de efeito suspensivo. No mérito, requer seja dado provimento ao recurso.                 É o relatório.               Decido.               Preenchidos os pressupostos recursais, conheço do agravo.               A controvérsia dos autos diz respeito ao principal problema da ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988, qual seja, a implementação prática dos direitos fundamentais.               Nesse contexto, e considerando que o direito a saúde integra a categoria dos direitos fundamentais de segunda geração, os quais podem ser lesados não somente pela atuação estatal, mas igualmente por eventuais omissões, o Poder Judiciário tem papel decisivo na correção de distorções causadas pela ausência de políticas públicas.                Objetiva-se, ao fim, mediante a atuação do Poder Judiciário, evitar que os direitos fundamentais sejam meras promessas constitucionais, caracterizando o que o Supremo Tribunal Federal já chamou de fenômeno da erosão da consciência constitucional: ¿O desprestígio da Constituição por inércia dos órgãos constituídos representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da lei fundamental do Estado. Essa constatação coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional. O Poder Público, quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório, infringe a própria integridade da Constituição, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão constitucional¿. (STF, STA 175-AgR/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17/03/2010)               No contexto dos direitos fundamentais, cujo núcleo material remete à dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à saúde ganha especial relevo, sobretudo se considerado que não há mínimo existencial sem saúde.               Inicialmente, o agravante sustenta ilegitimidade do Ministério Público para ajuizamento da ação.               Considero que não prospera referida alegação.             Com efeito, cumpre ao Ministério Público defender interesses individuais indisponíveis, conforme dispositivo da nossa Constituição da República, a saber: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.             Em se tratando de direito à saúde, direito de índole fundamental, não pairam dúvidas quanto à legitimidade ministerial para sua defesa. Nesse sentido: LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIO PELO ESTADO. O Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada (1ª Turma, RE 407902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.05.2009, DJe 28.08.2009). PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA FÍSICA - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO - GARANTIA CONSTITUCIONAL À SAÚDE - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. 1. Hipótese em que o Estado de Minas Gerais impugna a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública em favor de indivíduo determinado, postulando a disponibilização de tratamento médico fora do domicílio. 2. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, tem natureza indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Não se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência econômica - matéria própria da Defensoria Pública -, mas da qualidade de indisponibilidade jurídica do direito-base (saúde). 3. Ainda que a ação concreta do Parquet dirija-se à tutela da saúde de um único sujeito, a abstrata inspiração ético-jurídica para seu agir não é o indivíduo, mas a coletividade. No fundo, o que está em jogo é um interesse público primário, dorsal no sistema do Estado Social, como porta-voz que é do sonho realizável de uma sociedade solidária, sob a bandeira do respeito absoluto à dignidade da pessoa humana. 4. Recurso Especial não provido (REsp 830.904/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/11/2009).               Outrossim, o agravante defende inexistência de solidariedade passiva entre os entes públicos no que diz respeito à prestação do direito à saúde, de modo que não haveria responsabilidade do Município.               Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que ¿O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196. A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles¿.               Por fim, igualmente não merece prosperar a alegação do agravante de que a imposição da obrigação de custear o tratamento da paciente acarretaria desequilíbrio financeiro, violando o princípio da reserva do possível.               Se, de um lado, os direitos sociais são efetivados na medida do possível, ou seja, dentro de uma reserva do possível, para significar sua dependência à existência de recursos econômicos. Por outro, o fato de dependerem da condição material da reserva do possível, não reduz a efetividade dos direitos a prestações materiais sociais a um simples apelo ao legislador, pois há verdadeira imposição constitucional de sua concretização.               É dizer, revestindo-se o direito à saúde de índole fundamental, não cabe ao agente público optar pela alocação de recursos antes de efetivamente concretizar o mínimo existencial. Segundo o STJ : ¿A tese da reserva do possível assenta-se na idéia romana de que a obrigação impossível não pode ser exigida (impossibilium nulla obligatio est). Por tal motivo, não se considera a insuficiência de recursos orçamentários como mera falácia. (¿) a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. (...) Portanto, aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez, quando ela é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma não ser a reserva do possível oponível à realização do mínimo existencial. A real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social¿. (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.185.474 - SC, rel. Min. Humberto Martins, 20/04/2010).               Ademais, mencione-se que a tese da reserva do possível (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York) pressupõe a necessária prova, casuística, da inexistência de recursos suficientes para manter o tratamento do paciente, o que não ocorreu no caso em concreto, sem olvidar que também não provou o chamado efeito multiplicador que, aliás, não obsta a concessão da liminar para o tratamento médico em análise, pois, no caso concreto o sopesamento dos valores em jogo impede que normas burocráticas sejam erigidas como óbice à obtenção de tratamento adequado e digno por parte de cidadão hipossuficiente. (RMS 24.197/PR, 1.ª T., Rel. Min. LUIZ FUX, DJU de 24/08/2010).               Assim, considerando que as questões objeto do presente recurso já foram dirimidas pela Jurisprudência dos Tribunais Superior, o caso em apreço atrai aplicação do art. 557 do Código de Processo Civil: Art. 557 - O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. § 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.               Pelo exposto, com base no art. 557, caput, e §1º-A do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO ao presente recurso.               Comunique-se ao juízo de origem.               Publique-se e intimem-se. Operada preclusão, arquive-se.               Belém, 27 de novembro de 2015. MARIA FILOMENA DE ALMEIDA BUARQUE Desembargadora Relatora (2015.04550402-04, Não Informado, Rel. EZILDA PASTANA MUTRAN, Órgão Julgador 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO, Julgado em 2015-12-14, Publicado em 2015-12-14)
Decisão
DECISÃO MONOCRÁTICA

Data do Julgamento : 14/12/2015
Data da Publicação : 14/12/2015
Órgão Julgador : 1ª TURMA DE DIREITO PÚBLICO
Relator(a) : EZILDA PASTANA MUTRAN
Número do documento : 2015.04550402-04
Tipo de processo : Agravo de Instrumento
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