TJPA 0112727-13.2015.8.14.0000
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 0112727-13.2015.8.14.0000 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA RECURSO: AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMARCA: BELÉM (2º VARA DA FAZENDA). AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ. PROCURADOR DO ESTADO: DANIEL CORDEIRO PERACCHI. AGRAVADO: J. B. O. S. AGRAVADO: DANILO AZEVEDO DA SILVEIRA. AGRAVADA: MICHELLE CHRISTINE BEMERGUY OLIVEIRA. ADVOGADO: MAXIMILIANO DE ARAUJO COSTA. RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM EXPRESSO PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO, interposto pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos de Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Indenização por Danos Morais e Estéticos c/c Tutela Antecipada, contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito da 2.ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém, in verbis: ¿Trata-se de Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais e Estéticos com Pedido de Tutela Antecipada ajuizada por MICHELLE CHRISTINE BEMERGUY OLIVEIRA, DANILO AZEVEDO DA SILVEIRA e J. B. O. DA S., em face de ESTADO DO PARÁ e FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO PARÁ - FSCMPA, visando à condenação em danos morais e estéticos, bem como a realização de cirurgia reparadora, em razão de danos estéticos causados pela segunda Ré na menor J. B. O. DA S., quando dos cuidados médicos dispensados após o seu nascimento. Há pedido de tutela antecipada. Decido. Defiro o pedido de gratuidade, nos termos da Lei Federal n° 1.060/50. Prima facie, vislumbro a possibilidade de acolhimento da tutela antecipada pleiteada, explico. Em que pese o pedido antecipatório ser, ainda que parcialmente, idêntico ao pedido mediato, o que, em sede de cognição primária, é vedado por expressa previsão legal (1°, §3°, da Lei Federal n° 8.437/92, c/c art. 1°, caput, da Lei Federal n° 9.494/97), entendo que a tutela afeta a questão de saúde está revestida de caráter constitucional e, de todo modo, de caráter excepcional (art. 1°. III, 6° e 196, da CF/88), não sendo possível a invocação de mecanismos legais restritivos que impeçam a sua preservação, quando efetivamente necessários. In casu, consubstanciado nos documentos apresentados, em especial às fls. 49/72, entendo estar configurada a verossimilhança das alegações e o perigo de dano irreparável a que a menor J. B. O. DA S. está submetida (art. 273, caput e I, do CPC), uma vez que consta de relatório médico, datado de 11/07/12, registro feito pelo profissional neonatologista, responsável pelos cuidados iniciais realizados na recém nascida no dia do seu nascimento (05/07/12), atestando a ocorrência de danos faciais e nasais causados pelo superaquecimento de aparelho umidificador e traquéias que estavam instaladas na menor. Ainda, demonstra suficiente plausibilidade, ao pedido deduzido, o laudo pericial produzido pelo Centro de Perícias Científicas Renato Chaves (fls. 65/72), em que se confirmam as lesões graves e deformações permanentes, a que a menor J. B. O. DA S., fora acometida, em decorrência da má exequibilidade dos procedimentos efetivados sob responsabilidade da segunda Ré. Portanto, entendendo que a demora na realização dos procedimentos solicitados poderá contribuir ao agravamento da saúde da menor J. B. O. DA S., impõe-se o acolhimento da antecipação dos efeitos da tutela, conforme requerida. Isto posto, considerando a urgência do pedido, DEFIRO a antecipação de tutela, nos termos do art. 273, do CPC, determinando aos RÉUS o cumprimento da obrigação de fazer no sentido de providenciar, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, a realização de consulta médica e início de procedimentos regulares à concretização de cirurgia reparadora facial estética e funcional do sistema respiratório, que não deverá ultrapassar de 60 (sessenta) dias a contar da data daquela consulta, em benefício da menor J. B. O. DA S., ou, em caso de não cumprimento desta ordem no prazo estipulado, que subsidiem a realização dos mesmos procedimentos por profissional particular indicado pelos Autores, sob pena de multa fixada no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por dia de descumprimento (art. 461, §§3° e 4°, c/c art. 273, §3°, ambos do CPC), até o seu efetivo implemento. (...). Cumpra-se na urgência. Belém, 05 de novembro de 2015. JOÃO BATISTA LOPES DO NASCIMENTO Juiz de Direito da 2ª Vara de Fazenda Pública da Capital¿ Em suas razões recursais (fls. 02/12), argumenta, inicialmente, que em momento algum os agravados requereram consulta médica, sendo, portanto, a decisão combatida extra petita, suscetível de nulidade, nos termos do art. 2º, art. 128 e art. 460, ambos do CPC. Assevera que tal decisão carece de fundamentação no que se refere ao agravamento da saúde da menor, afirmando, para isto, que se a cirurgia plástica reparadora requerida pelos agravados limita-se a recompor os danos estéticos sofridos pela criança, inexiste qualquer urgência que justifique a concessão da tutela antecipada com fundamento no art. 273, I, do CPC. Pontua que o Sistema Único de Saúde tem prioridades, classificadas por urgência, que precisa atender antes de cirurgias eletivas e, aceitar que a menor, cuja urgência não foi demonstrada, ultrapasse a vez de pessoas que se encontram em estado de saúde precário, viola a isonomia. Sustenta que não consta qualquer laudo médico que demonstre que as lesões e problemas de saúde decorreram da queimadura. Ressalta que a menor já nasceu com problemas respiratórios, conforme relatório médico da Fundação Santa Casa de Misericórdia. Impugna, ainda, o montante da multa, aduzindo que o valor diário limitado de R$10.000,00 (dez mil reais), a ser suportado, é exorbitante, excessivo e desproporcional, contrariando entendimento dos Tribunais Superiores. Por fim, requer, liminarmente, que o agravo seja recebido na forma de instrumento; a concessão do efeito suspensivo para sobrestar os efeitos da decisão agravada; e, após, seja dado provimento ao recurso reformando in totum a decisão agravada, ou, ao menos, extirpar a parte extra petita e excluir a multa aplicada ao Estado e, subsidiariamente, reduzi-la ao valor inferior ao da obrigação principal, impondo limite máximo, global, de R$10.000,00 (dez mil reais). Acostou documentos às fls. 13/410. É o relatório. DECIDO. Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e, adianto desde logo que o presente caso é de conhecimento e julgamento imediato, em conformidade com o que dispõe o art. 557, caput do CPC. Cumpre salientar que, tratando-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu a tutela antecipada, a análise deste recurso se limitará ao acerto ou desacerto da decisão do juízo de piso, mediante verificação da presença dos pressupostos para o deferimento da medida, quais sejam a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o risco de lesão grave ou de difícil reparação, nos moldes do artigo 273, caput, I, do Código de processo Civil. Nesse contexto, verifico presente o periculum in mora inverso, isto é, para os agravados, especialmente para a J. B. O. S., tendo em vista que a verossimilhança da alegação está presente na prova inequívoca de que as queimaduras foram provocadas enquanto aquela estava sob os cuidados da Fundação Santa Casa de Misericórdia, conforme se observa no Relatório Médico de fl. 68 e Laudo de Exame de Corpo de Delito de fl.74. Em relação ao argumento de que a decisão combatida é extra petita, ao determinar ao agravante a realização de consulta médica e início de procedimentos regulares à concretização da cirurgia reparadora, entendo que tal alegação não merece acolhimento, tendo em vista que estes procedimentos são diretamente ligados e necessários para efetivação do pedido formulado na inicial pelos agravados. Com efeito, não assiste razão à tese defendida pelo Estado do Pará de que a cirurgia plástica reparadora requerida pelos agravados limita-se a recompor os danos estéticos, não merecendo uma medida de urgência, nem comprovação de que a debilidade respiratória tenha sido causada devido ao acidente, tendo em vista a juntada de vários documentos que comprovam a debilidade ocasionada na criança em razão da queimadura. A propósito, vale citar o teor de alguns laudos que atestam a debilidade da saúde da menor: ¿(...) Do ponto de vista do Seguimento Ambulatorial em Pediatria, a lactante encontra-se bem, ganhando peso satisfatoriamente, porém com certa dificuldade para respirar, além do problema estético (...). Convém seguir tratamento com cirurgia plástica para melhorar a qualidade de vida.¿ (Laudo médico de fls.69) ¿(...) vítima de queimadura via nasais devido o aparelho (...) levando deformação definitiva na estrutura nasal, necessitando de cirurgia reparadora para amenizar os defeitos estéticos e funcionais. (...).¿ (Laudo médico de fls.70) ¿Baseado no acima exposto concluímos que: A) a pericianda (menor) foi vítima de acidente (queimadura no nariz - septo nasal) ocasionada pelo aparelho CIPAP que superaqueceu, quando era atendida no centro obstétrico do Hospital Santa Casa de Misericórdia (FSCMPa), logo após o nascimento; B) pericianda apresenta sequelas de queimadura (má formação nasal adquirida); C) as lesões encontradas na pericianda são única e exclusivamente decorrente de queimaduras provocadas pelo superaquecimento do aparelho CIPAP quando recebia atendimento no centro obstétrico da FSCMPa; (...) deformidade permanente.¿ (Laudo de Exame de Corpo de Delito: Complementar, fls. 74) ¿RN com área de necrose (ferimento) na região das narinas e septo nasal proveniente de queimadura pelo CPAP.¿ (Relatório Pediatria / Evolução de Enfermagem. Fls. 227) Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis. Assim, resta claro o dever do Estado em assegurar a todos o acesso aos meios de preservação da saúde e, diante das circunstâncias do caso em análise, verifico a necessidade de o Poder Público fornecer o tratamento de que necessita a menor, já que restou perfeitamente demonstrado pelas provas trazidas aos autos a imprescindibilidade do tratamento postulado e as consequências a serem suportadas caso não obtenha o devido tratamento. A propósito, vale citar os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: ¿PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO. MATÉRIA PACIFICADA NA PRIMEIRA SEÇÃO (RMS 38.746/RO). AGRAVO REGIMENTAL DO ESTADO DE RONDÔNIA DESPROVIDO. 1. A efetivação da tutela in casu está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, de modo que a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida. 2. Consoante os arts. 6o. e 196 da Constituição Federal e arts.2o. e 4o. da Lei 8.080/90, a saúde pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público. 3. O Sistema Único de Saúde possui, dentre as suas atribuições, a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; e a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (art. 7o. da Lei 8.080/90). 4. Como a direção do Sistema Único de Saúde, no âmbito estadual, compete à Secretaria de Saúde, nos termos do art. 9o., II da Lei 8.080/1990, qualquer omissão do Ente Federativo em relação à proteção da saúde das pessoas deverá ser sanada pela autoridade responsável por aquele órgão. 5. A Primeira Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do RMS 38.746/RO (Rel. Min. ARI PARGENDLER, Rel. para acórdão Min.HERMAN BENJAMIN, DJe 21.6.2013), reconheceu a legitimidade de Secretário de Saúde de Estado para figurar no polo passivo de Mandado de Segurança que objetiva a garantia de fornecimento de medicação ou acesso a tratamento médico, por considerar sobretudo a relevância do bem jurídico sob risco. 6. Agravo regimental do ESTADO DE RONDÔNIA desprovido. (AgRg no RMS 39.774/RO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 13/10/2015)¿ ¿DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina tendo vista a violação do direito à saúde de mais de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital infantil daquele Estado. 2. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts.7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. " "Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde." 3. Violação de lei federal. 4. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. 5. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 7. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à saúde das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. 9. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. 10. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. 11. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional. 12. O direito do menor à absoluta prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 13. Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do Ministério Público, prosseguir-se no processo até o julgamento do mérito. (REsp 577.836/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2004, DJ 28/02/2005, p. 200)¿ Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recentíssima decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015) No que tange à fixação de astreintes na decisão agravada, tal matéria encontra-se pacificada no Superior Tribunal de Justiça, uma vez que é admitida a imposição da multa cominatória prevista no art. 461, §4º, do CPC à Fazenda Pública. Mister se faz ainda destacar que a multa cominatória possui a finalidade de forçar o cumprimento de uma ordem judicial em uma obrigação de fazer ou não fazer, demonstrando, assim, o seu caráter coercitivo, uma vez que devem servir para impelir psicologicamente o devedor de determinada obrigação ao seu adimplemento. Nesse desiderato, colhem-se dos seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. O SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS EM FACE DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC) SE APLICA APENAS AOS TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO VALOR ARBITRADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte Especial firmou entendimento de que o comando legal que determina a suspensão do julgamento de processos em face de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C do CPC, somente é dirigido aos Tribunais de segunda instância, e não abrange os recursos especiais já encaminhados ao STJ. 2. O entendimento adotado pela Corte de origem não destoa da jurisprudência do STJ, segundo a qual é cabível a cominação de multa contra a Fazenda Pública por descumprimento de obrigação de fazer. No caso em tela, a apreciação dos critérios previstos no art. 461 do CPC para a fixação de seu valor demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula 7 desta Corte. Excepcionam-se apenas as hipóteses de valor irrisório ou exorbitante. 3. Na hipótese, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) não se mostra excessivo, a ensejar a sua revisão por esta Corte Superior, especialmente por se tratar de hipótese de fornecimento de medicamentos e tratamento de saúde. 4. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 561.797/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 03/06/2015) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não existe óbice ao julgamento do presente feito, pois o RESP 1.101.725/RS, então submetido ao regime representativo da controvérsia, foi desafetado em 03.06.2014. 2. É permitido ao Juízo da execução aplicar multa cominatória ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação de fazer, ainda que se trate da Fazenda Pública. 3. Agravo Regimental do Estado do Rio Grande do Sul desprovido. (AgRg no REsp 904.638/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 12/09/2014) Em relação ao valor da multa cominatória fixada, ressalta-se que é lícito ao magistrado, conforme autorizado pelo § 6º do artigo 461 do CPC, a requerimento da parte ou de ofício, modificar o seu valor ou a sua periodicidade, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. De fato, o magistrado, quando da sua fixação, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo que a imposição de valor exorbitante, justamente por se revelar manifestamente ilícito, e, muitas vezes, inexequível, não tem o condão de persuadir o litigante a cumprir a determinação judicial exarada. Não se trata, portanto, de um fim em si mesma, de modo que seu valor não pode tornar-se mais interessante do que o próprio cumprimento da obrigação principal. Assim, o valor das astreintes deve ser elevado o bastante a inibir o devedor que intenciona descumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que é financeiramente mais vantajoso seu integral cumprimento. De outro lado, é consenso que seu valor não pode implicar enriquecimento injusto do devedor. Na hipótese em epígrafe, entendo que o provimento de fornecer procedimento para realização do tratamento cirúrgico, apresenta-se de grande monta e relevância, não se revelando exorbitante a multa fixada em R$10.000,00 (dez mil reais) por dia de descumprimento, mas sim impulsionador de correta e prudente conduta da Administração diante das expensas que o caso requer. Contudo, não se pode olvidar que a multa diária deve ser limitada, o que não foi observado no caso concreto, motivo pelo qual hei por bem delimitar o prazo até o limite de 30 (trinta) dias. No caso em tela, a medida imposta de fixação de astreintes coloca-se adequada, diante da eventual resistência do agravante em cumprir a obrigação de fazer, qual seja, em adotar os procedimentos necessários para a realização da cirurgia, tendo em vista que além de praticar ato atentatório ao exercício da jurisdição, incide em ofensa à dignidade da pessoa humana, ao colocar em risco à saúde de uma pessoa, mediante expedientes protelatórios. Por fim, a medida adotada pelo juiz a quo visa salvaguardar o direito garantido pelo art. 196, da Constituição Federal e a demora pode resultar na inutilidade do provimento judicial, motivo porque é imperiosa a adoção de providências coercitivas para a efetivação da decisão do magistrado de piso. Ante o exposto, com fulcro no art. 557, caput, c/c §1º - A, CPC, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento, tão somente, para delimitar o prazo de aplicação das astreintes, limitando-a 30 (trinta) dias, o que se revela adequado para punir a eventual insistência dos entes políticos em descumprir a ordem emanada do Poder Judiciário, que, na hipótese de descumprimento, deverá ser feito pelo Estado do Pará solidariamente com a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Estado, pessoas jurídicas de direito público. Decorrido, in albis, o prazo recursal, certifique-se o seu trânsito em julgado, dando-se baixa na distribuição deste TJE/PA e posterior arquivamento. Publique-se. Intime-se. Belém (PA), 18 de dezembro de 2015. DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO RELATOR
(2016.00029489-57, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-12, Publicado em 2016-01-12)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ PROCESSO Nº 0112727-13.2015.8.14.0000 ÓRGÃO JULGADOR: 5ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA RECURSO: AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMARCA: BELÉM (2º VARA DA FAZENDA). AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ. PROCURADOR DO ESTADO: DANIEL CORDEIRO PERACCHI. AGRAVADO: J. B. O. S. AGRAVADO: DANILO AZEVEDO DA SILVEIRA. AGRAVADA: MICHELLE CHRISTINE BEMERGUY OLIVEIRA. ADVOGADO: MAXIMILIANO DE ARAUJO COSTA. RELATOR: DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM EXPRESSO PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO, interposto pelo ESTADO DO PARÁ, nos autos de Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Indenização por Danos Morais e Estéticos c/c Tutela Antecipada, contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo de Direito da 2.ª Vara da Fazenda da Comarca de Belém, in verbis: ¿Trata-se de Ação Ordinária de Indenização por Danos Morais e Estéticos com Pedido de Tutela Antecipada ajuizada por MICHELLE CHRISTINE BEMERGUY OLIVEIRA, DANILO AZEVEDO DA SILVEIRA e J. B. O. DA S., em face de ESTADO DO PARÁ e FUNDAÇÃO SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO PARÁ - FSCMPA, visando à condenação em danos morais e estéticos, bem como a realização de cirurgia reparadora, em razão de danos estéticos causados pela segunda Ré na menor J. B. O. DA S., quando dos cuidados médicos dispensados após o seu nascimento. Há pedido de tutela antecipada. Decido. Defiro o pedido de gratuidade, nos termos da Lei Federal n° 1.060/50. Prima facie, vislumbro a possibilidade de acolhimento da tutela antecipada pleiteada, explico. Em que pese o pedido antecipatório ser, ainda que parcialmente, idêntico ao pedido mediato, o que, em sede de cognição primária, é vedado por expressa previsão legal (1°, §3°, da Lei Federal n° 8.437/92, c/c art. 1°, caput, da Lei Federal n° 9.494/97), entendo que a tutela afeta a questão de saúde está revestida de caráter constitucional e, de todo modo, de caráter excepcional (art. 1°. III, 6° e 196, da CF/88), não sendo possível a invocação de mecanismos legais restritivos que impeçam a sua preservação, quando efetivamente necessários. In casu, consubstanciado nos documentos apresentados, em especial às fls. 49/72, entendo estar configurada a verossimilhança das alegações e o perigo de dano irreparável a que a menor J. B. O. DA S. está submetida (art. 273, caput e I, do CPC), uma vez que consta de relatório médico, datado de 11/07/12, registro feito pelo profissional neonatologista, responsável pelos cuidados iniciais realizados na recém nascida no dia do seu nascimento (05/07/12), atestando a ocorrência de danos faciais e nasais causados pelo superaquecimento de aparelho umidificador e traquéias que estavam instaladas na menor. Ainda, demonstra suficiente plausibilidade, ao pedido deduzido, o laudo pericial produzido pelo Centro de Perícias Científicas Renato Chaves (fls. 65/72), em que se confirmam as lesões graves e deformações permanentes, a que a menor J. B. O. DA S., fora acometida, em decorrência da má exequibilidade dos procedimentos efetivados sob responsabilidade da segunda Ré. Portanto, entendendo que a demora na realização dos procedimentos solicitados poderá contribuir ao agravamento da saúde da menor J. B. O. DA S., impõe-se o acolhimento da antecipação dos efeitos da tutela, conforme requerida. Isto posto, considerando a urgência do pedido, DEFIRO a antecipação de tutela, nos termos do art. 273, do CPC, determinando aos RÉUS o cumprimento da obrigação de fazer no sentido de providenciar, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, a realização de consulta médica e início de procedimentos regulares à concretização de cirurgia reparadora facial estética e funcional do sistema respiratório, que não deverá ultrapassar de 60 (sessenta) dias a contar da data daquela consulta, em benefício da menor J. B. O. DA S., ou, em caso de não cumprimento desta ordem no prazo estipulado, que subsidiem a realização dos mesmos procedimentos por profissional particular indicado pelos Autores, sob pena de multa fixada no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por dia de descumprimento (art. 461, §§3° e 4°, c/c art. 273, §3°, ambos do CPC), até o seu efetivo implemento. (...). Cumpra-se na urgência. Belém, 05 de novembro de 2015. JOÃO BATISTA LOPES DO NASCIMENTO Juiz de Direito da 2ª Vara de Fazenda Pública da Capital¿ Em suas razões recursais (fls. 02/12), argumenta, inicialmente, que em momento algum os agravados requereram consulta médica, sendo, portanto, a decisão combatida extra petita, suscetível de nulidade, nos termos do art. 2º, art. 128 e art. 460, ambos do CPC. Assevera que tal decisão carece de fundamentação no que se refere ao agravamento da saúde da menor, afirmando, para isto, que se a cirurgia plástica reparadora requerida pelos agravados limita-se a recompor os danos estéticos sofridos pela criança, inexiste qualquer urgência que justifique a concessão da tutela antecipada com fundamento no art. 273, I, do CPC. Pontua que o Sistema Único de Saúde tem prioridades, classificadas por urgência, que precisa atender antes de cirurgias eletivas e, aceitar que a menor, cuja urgência não foi demonstrada, ultrapasse a vez de pessoas que se encontram em estado de saúde precário, viola a isonomia. Sustenta que não consta qualquer laudo médico que demonstre que as lesões e problemas de saúde decorreram da queimadura. Ressalta que a menor já nasceu com problemas respiratórios, conforme relatório médico da Fundação Santa Casa de Misericórdia. Impugna, ainda, o montante da multa, aduzindo que o valor diário limitado de R$10.000,00 (dez mil reais), a ser suportado, é exorbitante, excessivo e desproporcional, contrariando entendimento dos Tribunais Superiores. Por fim, requer, liminarmente, que o agravo seja recebido na forma de instrumento; a concessão do efeito suspensivo para sobrestar os efeitos da decisão agravada; e, após, seja dado provimento ao recurso reformando in totum a decisão agravada, ou, ao menos, extirpar a parte extra petita e excluir a multa aplicada ao Estado e, subsidiariamente, reduzi-la ao valor inferior ao da obrigação principal, impondo limite máximo, global, de R$10.000,00 (dez mil reais). Acostou documentos às fls. 13/410. É o relatório. DECIDO. Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e, adianto desde logo que o presente caso é de conhecimento e julgamento imediato, em conformidade com o que dispõe o art. 557, caput do CPC. Cumpre salientar que, tratando-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu a tutela antecipada, a análise deste recurso se limitará ao acerto ou desacerto da decisão do juízo de piso, mediante verificação da presença dos pressupostos para o deferimento da medida, quais sejam a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e o risco de lesão grave ou de difícil reparação, nos moldes do artigo 273, caput, I, do Código de processo Civil. Nesse contexto, verifico presente o periculum in mora inverso, isto é, para os agravados, especialmente para a J. B. O. S., tendo em vista que a verossimilhança da alegação está presente na prova inequívoca de que as queimaduras foram provocadas enquanto aquela estava sob os cuidados da Fundação Santa Casa de Misericórdia, conforme se observa no Relatório Médico de fl. 68 e Laudo de Exame de Corpo de Delito de fl.74. Em relação ao argumento de que a decisão combatida é extra petita, ao determinar ao agravante a realização de consulta médica e início de procedimentos regulares à concretização da cirurgia reparadora, entendo que tal alegação não merece acolhimento, tendo em vista que estes procedimentos são diretamente ligados e necessários para efetivação do pedido formulado na inicial pelos agravados. Com efeito, não assiste razão à tese defendida pelo Estado do Pará de que a cirurgia plástica reparadora requerida pelos agravados limita-se a recompor os danos estéticos, não merecendo uma medida de urgência, nem comprovação de que a debilidade respiratória tenha sido causada devido ao acidente, tendo em vista a juntada de vários documentos que comprovam a debilidade ocasionada na criança em razão da queimadura. A propósito, vale citar o teor de alguns laudos que atestam a debilidade da saúde da menor: ¿(...) Do ponto de vista do Seguimento Ambulatorial em Pediatria, a lactante encontra-se bem, ganhando peso satisfatoriamente, porém com certa dificuldade para respirar, além do problema estético (...). Convém seguir tratamento com cirurgia plástica para melhorar a qualidade de vida.¿ (Laudo médico de fls.69) ¿(...) vítima de queimadura via nasais devido o aparelho (...) levando deformação definitiva na estrutura nasal, necessitando de cirurgia reparadora para amenizar os defeitos estéticos e funcionais. (...).¿ (Laudo médico de fls.70) ¿Baseado no acima exposto concluímos que: A) a pericianda (menor) foi vítima de acidente (queimadura no nariz - septo nasal) ocasionada pelo aparelho CIPAP que superaqueceu, quando era atendida no centro obstétrico do Hospital Santa Casa de Misericórdia (FSCMPa), logo após o nascimento; B) pericianda apresenta sequelas de queimadura (má formação nasal adquirida); C) as lesões encontradas na pericianda são única e exclusivamente decorrente de queimaduras provocadas pelo superaquecimento do aparelho CIPAP quando recebia atendimento no centro obstétrico da FSCMPa; (...) deformidade permanente.¿ (Laudo de Exame de Corpo de Delito: Complementar, fls. 74) ¿RN com área de necrose (ferimento) na região das narinas e septo nasal proveniente de queimadura pelo CPAP.¿ (Relatório Pediatria / Evolução de Enfermagem. Fls. 227) Além disso, é necessário ressaltar que o direito à saúde é assegurado constitucionalmente e o dever de prestação de sua assistência, consoante o disposto no artigo 23, II, da Constituição Federal é compartilhado entre todos os entes da Administração Direta, quais sejam a União, os Estados e os Municípios, sendo todos solidariamente responsáveis. Assim, resta claro o dever do Estado em assegurar a todos o acesso aos meios de preservação da saúde e, diante das circunstâncias do caso em análise, verifico a necessidade de o Poder Público fornecer o tratamento de que necessita a menor, já que restou perfeitamente demonstrado pelas provas trazidas aos autos a imprescindibilidade do tratamento postulado e as consequências a serem suportadas caso não obtenha o devido tratamento. A propósito, vale citar os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: ¿PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO. MATÉRIA PACIFICADA NA PRIMEIRA SEÇÃO (RMS 38.746/RO). AGRAVO REGIMENTAL DO ESTADO DE RONDÔNIA DESPROVIDO. 1. A efetivação da tutela in casu está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, de modo que a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida. 2. Consoante os arts. 6o. e 196 da Constituição Federal e arts.2o. e 4o. da Lei 8.080/90, a saúde pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público. 3. O Sistema Único de Saúde possui, dentre as suas atribuições, a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; e a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (art. 7o. da Lei 8.080/90). 4. Como a direção do Sistema Único de Saúde, no âmbito estadual, compete à Secretaria de Saúde, nos termos do art. 9o., II da Lei 8.080/1990, qualquer omissão do Ente Federativo em relação à proteção da saúde das pessoas deverá ser sanada pela autoridade responsável por aquele órgão. 5. A Primeira Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do RMS 38.746/RO (Rel. Min. ARI PARGENDLER, Rel. para acórdão Min.HERMAN BENJAMIN, DJe 21.6.2013), reconheceu a legitimidade de Secretário de Saúde de Estado para figurar no polo passivo de Mandado de Segurança que objetiva a garantia de fornecimento de medicação ou acesso a tratamento médico, por considerar sobretudo a relevância do bem jurídico sob risco. 6. Agravo regimental do ESTADO DE RONDÔNIA desprovido. (AgRg no RMS 39.774/RO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 13/10/2015)¿ ¿DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina tendo vista a violação do direito à saúde de mais de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital infantil daquele Estado. 2. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts.7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. " "Art. 11. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde." 3. Violação de lei federal. 4. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. 5. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 7. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à saúde das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 8. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. 9. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. 10. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. 11. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional. 12. O direito do menor à absoluta prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 13. Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do Ministério Público, prosseguir-se no processo até o julgamento do mérito. (REsp 577.836/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2004, DJ 28/02/2005, p. 200)¿ Como se não bastasse a expressa disposição no texto constitucional, em recentíssima decisão publicada no DJe de 13/03/2015, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do REXT 855178, de relatoria do Min. Luiz Fux, pela sistemática da Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente, conforme se infere da ementa do julgado abaixo transcrita: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015) No que tange à fixação de astreintes na decisão agravada, tal matéria encontra-se pacificada no Superior Tribunal de Justiça, uma vez que é admitida a imposição da multa cominatória prevista no art. 461, §4º, do CPC à Fazenda Pública. Mister se faz ainda destacar que a multa cominatória possui a finalidade de forçar o cumprimento de uma ordem judicial em uma obrigação de fazer ou não fazer, demonstrando, assim, o seu caráter coercitivo, uma vez que devem servir para impelir psicologicamente o devedor de determinada obrigação ao seu adimplemento. Nesse desiderato, colhem-se dos seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. O SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS EM FACE DE RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC) SE APLICA APENAS AOS TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO VALOR ARBITRADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte Especial firmou entendimento de que o comando legal que determina a suspensão do julgamento de processos em face de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C do CPC, somente é dirigido aos Tribunais de segunda instância, e não abrange os recursos especiais já encaminhados ao STJ. 2. O entendimento adotado pela Corte de origem não destoa da jurisprudência do STJ, segundo a qual é cabível a cominação de multa contra a Fazenda Pública por descumprimento de obrigação de fazer. No caso em tela, a apreciação dos critérios previstos no art. 461 do CPC para a fixação de seu valor demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula 7 desta Corte. Excepcionam-se apenas as hipóteses de valor irrisório ou exorbitante. 3. Na hipótese, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) não se mostra excessivo, a ensejar a sua revisão por esta Corte Superior, especialmente por se tratar de hipótese de fornecimento de medicamentos e tratamento de saúde. 4. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 561.797/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 03/06/2015) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não existe óbice ao julgamento do presente feito, pois o RESP 1.101.725/RS, então submetido ao regime representativo da controvérsia, foi desafetado em 03.06.2014. 2. É permitido ao Juízo da execução aplicar multa cominatória ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação de fazer, ainda que se trate da Fazenda Pública. 3. Agravo Regimental do Estado do Rio Grande do Sul desprovido. (AgRg no REsp 904.638/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 12/09/2014) Em relação ao valor da multa cominatória fixada, ressalta-se que é lícito ao magistrado, conforme autorizado pelo § 6º do artigo 461 do CPC, a requerimento da parte ou de ofício, modificar o seu valor ou a sua periodicidade, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. De fato, o magistrado, quando da sua fixação, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo que a imposição de valor exorbitante, justamente por se revelar manifestamente ilícito, e, muitas vezes, inexequível, não tem o condão de persuadir o litigante a cumprir a determinação judicial exarada. Não se trata, portanto, de um fim em si mesma, de modo que seu valor não pode tornar-se mais interessante do que o próprio cumprimento da obrigação principal. Assim, o valor das astreintes deve ser elevado o bastante a inibir o devedor que intenciona descumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que é financeiramente mais vantajoso seu integral cumprimento. De outro lado, é consenso que seu valor não pode implicar enriquecimento injusto do devedor. Na hipótese em epígrafe, entendo que o provimento de fornecer procedimento para realização do tratamento cirúrgico, apresenta-se de grande monta e relevância, não se revelando exorbitante a multa fixada em R$10.000,00 (dez mil reais) por dia de descumprimento, mas sim impulsionador de correta e prudente conduta da Administração diante das expensas que o caso requer. Contudo, não se pode olvidar que a multa diária deve ser limitada, o que não foi observado no caso concreto, motivo pelo qual hei por bem delimitar o prazo até o limite de 30 (trinta) dias. No caso em tela, a medida imposta de fixação de astreintes coloca-se adequada, diante da eventual resistência do agravante em cumprir a obrigação de fazer, qual seja, em adotar os procedimentos necessários para a realização da cirurgia, tendo em vista que além de praticar ato atentatório ao exercício da jurisdição, incide em ofensa à dignidade da pessoa humana, ao colocar em risco à saúde de uma pessoa, mediante expedientes protelatórios. Por fim, a medida adotada pelo juiz a quo visa salvaguardar o direito garantido pelo art. 196, da Constituição Federal e a demora pode resultar na inutilidade do provimento judicial, motivo porque é imperiosa a adoção de providências coercitivas para a efetivação da decisão do magistrado de piso. Ante o exposto, com fulcro no art. 557, caput, c/c §1º - A, CPC, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento, tão somente, para delimitar o prazo de aplicação das astreintes, limitando-a 30 (trinta) dias, o que se revela adequado para punir a eventual insistência dos entes políticos em descumprir a ordem emanada do Poder Judiciário, que, na hipótese de descumprimento, deverá ser feito pelo Estado do Pará solidariamente com a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Estado, pessoas jurídicas de direito público. Decorrido, in albis, o prazo recursal, certifique-se o seu trânsito em julgado, dando-se baixa na distribuição deste TJE/PA e posterior arquivamento. Publique-se. Intime-se. Belém (PA), 18 de dezembro de 2015. DES. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO RELATOR
(2016.00029489-57, Não Informado, Rel. LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO, Órgão Julgador 5ª CAMARA CIVEL ISOLADA, Julgado em 2016-01-12, Publicado em 2016-01-12)
Data do Julgamento
:
12/01/2016
Data da Publicação
:
12/01/2016
Órgão Julgador
:
5ª CAMARA CIVEL ISOLADA
Relator(a)
:
LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO
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