TJPI 07.000767-5
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JURISPRUDÊNCIA COMO A REITERAÇÃO DE PRECEDENTES QUE CONSTITUI DIREITO VIGENTE. OBSERVÂNCIA DA SEGURANÇA JURÍDICA NA APLICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DO DIREITO. SUBMISSÃO DA VIRADA JURISPRUDENCIAL À IRRETROATIVIDADE, À TUTELA DA CONFIANÇA LEGÍTIMA E À BOA-FÉ OBJETIVA.
1.Jurisprudência, constituída pela reiteração de precedentes, também é direito vigente, como assinala TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., ao escrever com muita propriedade sobre o tema: - “Na verdade os precedentes, sobretudo dos tribunais superiores, (…) passam, após a decorrência de um tempo razoável, a ser considerados uma espécie de 'direito vigente'.” (V. Efeitos ex nunc e as decisões do STJ, 2009, p. 13, nº 4).
2.Causas julgadas na vigência dessa jurisprudência reiterada devem continuar a sê-lo, mesmo quando haja uma virada jurisprudencial, uma vez que “uma jurisprudência alterada pode ser aplicada apenas para o futuro” (V. Tércio Sampaio Ferraz Jr., ob. cit., p. 10, nº 3).
3.Nesse sentido, o princípio da irretroatividade é aplicável não apenas às leis e aos atos administrativos, como também aos atos judiciais, porquanto a irretroatividade é do direito, e, como tal, vale não apenas para o legislador e a administração da justiça, como também vale para os Tribunais. (V. Tércio Sampaio Ferraz Jr., ob. cit., p. 10-11, nº 3).
4.Isso não significa dizer, ainda nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr., que “a nova jurisprudência não deva, via de regra, aplicar-se inclusive para casos iniciados antes da mudança e que ainda não foram julgados” (V. ob. cit., p. 20, nº 6), mas que “uma ocorrência no passado supõe-se como tendo uma ocorrência duradoura, que merece respeito: coisas foram ditas e feitas, promessas foram trocadas, normas editadas – e, é importante acrescentar: decisões judiciais foram proferidas – e, no seu momento, isto teve um peso e uma importância inclusive para o futuro. O princípio da irretroatividade resgata e sustém esse passado em face do futuro, sendo acolhido no presente. E é assim que, ao fazê-lo, confere sentido vinculante às promessas em um sentido amplo: o que ocorreu compromete.”. (V. ob. cit., p. 8, nº 2).
5.Daí a “importância da regularidade jurisprudencial”, diante do fato de que “os precedentes, sobretudo dos tribunais superiores, após a decorrência de um tempo razoável, podem ser considerados numa espécie de direito vigente” (Tércio Sampaio Ferraz Jr., ob. cit., p. 2, nº 1), com todos os consectários lógicos disso decorrentes.
6.O primeiro deles, como já se acentuou, de certa forma, é o de que “o princípio (da irretroatividade) – como destaca MISABEL DERZI – não deve ser limitado às leis, mas estendido às normas e atos administrativos ou judiciais”, pois “o que vale para o legislador precisa valer para a Administração e os tribunais.” (MISABEL DERZI, Notas às limitações constitucionais ao poder de tributar, 1997, p. 193, apud ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Os efeitos ex nunc e as decisões do STJ, 2009, p. 56, nº III).
7.Nessa ordem de ideias, à luz dessa autorizada doutrina, “há soluções que exigem, em homenagem ao princípio em pauta (isto é, o princípio da irretroatividade), que os efeitos das alterações jurisprudenciais só se façam sentir no futuro” (ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, ob. cit., p. 57, nº III), ou, dito de outra forma, ainda pelo festejado doutrinador, “com efeito, não vislumbramos diferenças de tomo entre os resultados advindos de uma mudança legislativa e da alteração de uma linha jurisprudencial consolidada. Em ambos os casos, a irretroatividade é de rigor” (idem, ibidem, p. 57, nº III), razão pela qual “deve ser afastado de plano o entendimento de que mesmo as mais radicais mudanças da jurisprudência devem produzir efeitos ex tunc.”. (idem, ibidem, p. 57, nº III), porque “a jurisprudência nova não deve atingir situações pretéritas, já consumadas sob a égide da antiga.” (idem, ibidem, p. 59, nº III).
8.Por isso, conclui ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA que, diante de uma virada jurisprudencial, que inaugure uma linha jurisprudencial nova, “haverão de ser aplicados os ditames do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal”, por força do qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”: - “Assim, quando uma linha jurisprudencial nova reverte por completo a expectativa dos jurisdicionados, construídas com apoio em reiteradas e firmes decisões anteriores do mesmo Tribunal, haverão de ser aplicados os ditames do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, para que não reste sacrificado o princípio da segurança jurídica, e, com ele(,) à boa fé das pessoas, que praticaram atos, certas de que procediam sob o amparo do direito objetivo. (…). Melhor esclarecendo, conquanto a evolução da jurisprudência seja, no mundo do Direito, um episódio corriqueiro, a decisão que muda, alterando radicalmente posição sedimentada do próprio Tribunal, deve, dependendo do caso, ser dotada de eficácia apenas futura, sob pena de comprometer-se a segurança jurídica, destruindo-se a confiança dos jurisdicionados no Poder Judiciário. Nestas circunstâncias, pois, a jurisprudência nova não deve atingir situações pretéritas, já consumadas sob a égide da antiga. (…). Como vemos, a mudança de orientação jurisprudencial há de ser feita com o mesmo cuidado que o legislador deve ter, quando inova a ordem jurídica. Sendo mais explícitos, os Tribunais Superiores, pela imensa responsabilidade que têm, como últimos intérpretes das normas jurídicas, quando alteram sua jurisprudência devem ter o cuidado de evitar que a guinada surpreenda todo um universo de pessoas, trazendo não só enorme insegurança nas relações sociais, como o descrédito do próprio Poder Judiciário.” (V. ob. cit., p. 57-59, nº III).
9.Desse mesmo sentir é NELSON NERY JÚNIOR, ao defender a tutela da confiança do jurisdicionado “na firme jurisprudência dos tribunais, notadamente dos tribunais superiores” (V. Efeitos ex nunc e as decisões do STJ, 2009, p. 98, nº 4), com base no princípio da irretroatividade, que, sendo decorrente dos princípios da segurança jurídica e da boa fé objetiva, vincula as decisões do Poder Judiciário: - “A vinculação das decisões do Poder Judiciário ao princípio da irretroatividade é decorrente na [rectius: da] atuação dos princípios da segurança jurídica e da boa fé objetiva. Quando houver superveniência de decisão do tribunal superior sobre determinado assunto, alterando a jurisprudência anterior do mesmo tribunal já extratificada [rectius: estratificada] em sentido diverso, os efeitos dessa nova decisão terão de ser necessariamente ex nunc, isto é, para o futuro. Somente assim será preservado o respeito à Constituição Federal, porque se estará dando guarida aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva. Mesmo depois de adotado novo posicionamento do tribunal sobre determinado assunto, o tribunal deve aplicar sua jurisprudência anterior aos casos futuros que lhe sejam apresentados, mas respeitantes a fatos ocorridos na vigência da jurisprudência anterior” (V. ob. cit., p. 97-98, nº 4).
10.Todas essas ideias sobre a irretroatividade das decisões jurisprudenciais, que mudam, numa guinada, a jurisprudência pacífica dos tribunais, dando-lhe nova orientação jurídica, foram encampadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, a partir mesmo de uma releitura do art. 5º, XXXVI, da CF, ao prescrever que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”.
11.Ao escrever sobre o tema, ressaltou o já citado TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR que, “nesses termos, pode-se entender que o princípio da irretroatividade das leis, na Constituição brasileira, exija um entendimento adequado, que vai além da noção de lei como mero enunciado”. (V. ob. cit., p. 10, nº 3), pois, afinal, “a irretroatividade das leis refere-se à lei conforme uma de suas interpretações possíveis”, e como “essa interpretação adotada pode ser alterada, e, como isso, a lei, em termos do seu sentido (também) se altera”, “a irretroatividade é, assim, do Direito e alcança, portanto, a irretroatividade da inteligência da lei [ou da sua nova interpretação pela jurisprudência dos tribunais] aplicada a certo caso concreto.”. (V. ob. cit., p. 10/11, nº 3).
12.Nesse sentido, a vedação de aplicação retroativa de nova interpretação dada à lei já consta, inclusive, do art. 2º, parágrafo único, XIII, da lei 9.784/99, ao prescrever que “nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”.
13.Vedada a aplicação retroativa de nova interpretação da norma administrativa, como se lê no art. 2º, XIII, da Lei 9.784/99, é por demais claro que, em termos analógicos, estará também vedada a aplicação retroativa de nova interpretação de qualquer outra norma jurídica, à consideração de que a irretroatividade das leis nada mais é do que a irretroatividade de sua interpretação, ou seja, “(é) a irretroatividade da inteligência da lei aplicada a certo caso concreto.” (V. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., ob. cit., p. 11, nº 3).
14.Na mesma linha dessas ideias, coloca-se, também, a Lei nº 9.868/99, que prevê a possibilidade de conferir-se eficácia ex nunc às decisões proferidas pelo STF nas ações em que se questiona, pela via do controle concentrado (ou abstrato), a constitucionalidade das normas jurídicas, “tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, como consta do art. 27 daquele diploma legislativo.
15.A doutrina mais autorizada, assinada pelos autores acima citados – TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR, ANTÔNIO ROQUE CARRAZZA e NELSON NERY JÚNIOR – tem defendido “a concessão de efeito ex nunc, não só às decisões sobre inconstitucionalidade proferidas pelo STF em última instância, mas também, as decisões de tribunal superior, como o STJ, quando, no âmbito dessa competência, decidem em instância definitiva, sobre legalidade, mais propriamente, sobre vigência de lei federal.” (V. ob. cit., p. XXX).
16.Com esta compreensão da matéria, e certo de que “o princípio da irretroatividade das leis, na Constituição brasileira, (exige) um entendimento adequado, que vai além da noção de lei como mero enunciado” (V. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR, ob. cit., p. 10, nº 3 – negritei), para nele incluir, também, a irretroatividade da jurisprudência judicial, como a fonte mais importante da interpretação do direito, porquanto “uma jurisprudência pretérita, de fato constante e longamente reiterada, há também de ser considerada para casos iniciados antes da nova orientação jurisprudencial.”, nas lúcidas palavras de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR, o que por si só reveste de peculiaridades a aplicação do princípio da irretroatividade às decisões do Poder Judiciário, que não se reporta, propriamente, à proteção de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, mas tem em conta que um fato não precisa ser perfeito e acabado para ser protegido contra a retroatividade, porquanto “qualquer fato, ocorrendo no tempo e no espaço, entra em algum sistema jurídico” (V. ob. cit., p. 15, nº 4), e, como tal, está genericamente protegido contra a retroatividade da lei nova ou da jurisprudência nova, pois, segundo PONTES DE MIRANDA, o que se extrai do enunciado da regra constitucional sobre o princípio da irretroatividade é tão-somente que “[a lei nova] não incidirá sobre os fatos jurídicos pretéritos, inclusive atos jurídicos perfeitos”. (apud ob. cit., p. 15, nº 4).
17.A jurisprudência pretérita, como fato jurídico pretérito, conta com a proteção contra a retroatividade de mudanças da orientação jurisprudencial, garantindo que a antiga jurisprudência do caso concreto seja considerada por inteiro para casos iniciados antes da vigência da nova orientação jurisprudencial (V. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., ob. cit., p. 15, nº 4).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA SUSCITADA POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. INEXISTÊ NCIA DO ATO PRATICADO COM TAL VÍCIO DE REPRESENTAÇÃO, SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA ENTÃO DOMINANTE NOS TRIBUNAIS PÁTRIOS. APLICAÇÃO DESSE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONTEMPORÂNEO À DECISÃO RECORRIDA. INEXISTÊNCIA DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA DA SUSPENSÃO DO PROCESSO. FLUXO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA DO RÉU. INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO. REVELIA CARACTERIZADA.
1.A jurisprudência anteriormente dominante dos Tribunais Superiores era de que “é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos - Súmula 115/STJ - não se admitindo a juntada posterior do instrumento, sendo inaplicável, portanto, o art. 13 do CPC”: - “PROCESSUAL CIVIL - INEXISTENTE O INSTRUMENTO DO MANDATO DO ADVOGADO. I - ASSENTADO NA JURISPRUDENCIA DO STJ O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE, A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 37, DA LEI ADJETIVA CIVIL, SEM INSTRUMENTO DE MANDATO, O ADVOGADO DA RECORRENTE NÃO PODERIA SER ADMITIDO A POSTULAR EM JUIZO E, CONSEQUENTEMENTE, SERÃO TIDOS COMO INEXISTENTES TODOS OS ATOS PRATICADOS NOS AUTOS. II - RECURSO NÃO CONHECIDO, POR INEXISTENTE” (STJ, REsp 34.327/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/1994, DJ 25/04/1994, p. 9250); - “PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO SUBSCRITO POR CAUSÍDICO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS - APLICAÇÃO DA SÚMULA 115/STJ - ART. 37 DO CPC E 5º, § 1º DO E OAB. 1. É pacífica a jurisprudência no sentido de que, na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos - Súmula 115/STJ - não se admitindo a juntada posterior do instrumento, sendo inaplicável, portanto, o art. 13 do CPC. 2. A par das disposições do art. 37 do CPC (tendo o mesmo sentido o art. 5º, § 1º da Lei 8.906/94), o STF já se pronunciou no sentido de que a interposição de recurso não é passível de enquadramento entre os atos reputados urgentes. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no AgRg no REsp 608.381/SE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/09/2004, DJ 06/12/2004, p. 262)”; - “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. AÇÃO ORIGINAL. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO DA PARTE AGORA EXECUTADA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. (…) III - Inexistindo, para Ação original, procuração que conferisse ao advogado poderes para atuar em nome da parte, não pode esta sofrer os consectários de uma execução forçada, porquanto os atos praticados são tidos como inexistentes. Inteligência do art. 37 do CPC. (...) Precedentes doutrinários e jurisprudenciais: AgRg no AG nº 628.325/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 01/02/2006, AgRg no REsp nº 729.390/RJ, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 12/12/2005 e REsp nº 577.613/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 08/11/2004. (…) VI - Recurso Especial improvido.” (STJ, REsp 713.149/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/04/2006, DJ 04/05/2006, p. 138)”; - “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO INTERPOSTO POR SUPOSTO TERCEIRO PREJUDICADO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. RECURSO INEXISTENTE. 1. Interposto o agravo regimental por eventuais terceiros interessados, os quais apenas nesse momento ingressaram no presente mandamus, mister se fazia a exibição do instrumento de mandato conferido ao seu subscritor, ex vi do art. 37 do Código de Processo Civil ou a solicitação de prazo para sua apresentação, o que não ocorreu. 2. Consoante precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, na via do recurso ordinário em mandado de segurança, também é considerado inexistente a insurgência subscrita por advogado desprovido de procuração nos autos. 3. Agravo regimental não conhecido.” (STJ, AgRg no RMS 22.155/PR, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 03/04/2008, DJe 22/04/2008); - “Agravo regimental em agravo de instrumento. Advogado subscritor do recurso. Ausência de procuração ou de substabelecimento, que comprove a outorga de poderes da parte agravante ao advogado signatário da peça recursal. Inobservância do prazo legal (art. 37, parágrafo único, do CPC). Recurso inexistente. 3. Agravo regimental não conhecido.” (STF, AI 768205 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 16/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010 EMENT VOL-02389-10 PP-02092); - “(...) Verifica-se que não consta dos autos o instrumento de mandato outorgado ao subscritor da petição do recurso ordinário em mandado de segurança (...) cujo nome não consta de rol dos outorgados da procuração (…) e nem dos substabelecimentos (…). Assim, a interposição deste recurso é inexistente, consorte o disposto no art. 37 do C. Pr. Civil, não sendo aplicável à hipótese o art. 13 do mesmo código, por não se tratar de irregularidade de representação, mas de ausência dela (v.g., RMS 22074, Moreira Alves, DJ 17.06.99). Não conheço do recurso, prejudicado o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.” (STF, RMS 24.560-7, Decisão Monocrática, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.06.2004).”.
2.Os demais Tribunais pátrios também possuíam o mesmo entendimento, de que “a não apresentação de mandato no prazo estipulado no artigo 37 do CPC pressupõe que os atos praticados sejam inexistentes, pois não existe procuração tácita para a representação em juízo, até porque, neste caso, não se poderia precisar quais os poderes realmente conferidos ao causídico”: - “APELAÇÃO CÍVEL AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. Firmatário do recurso de apelação não está legalmente habilitado para representar a parte em juízo. A não apresentação de mandato no prazo estipulado no artigo 37 do CPC pressupõe que os atos praticados sejam inexistentes, pois não existe procuração tácita para a representação em juízo, até porque, neste caso, não se poderia precisar quais os poderes realmente conferidos ao causídico. ACOLHIDA A PRELIMINAR, APELO NÃO CONHECIDO.” (TJRS, Apelação Cível Nº 70026542613, Décima Câmara Cível, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 27/11/2008)”; - “PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. RECURSO FIRMADO POR QUEM NÃO DETÉM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. ATO INEXISTENTE. INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 37 DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO.” (TJRS, Apelação Cível Nº 70008032542, Décima Câmara Cível, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 15/04/2004); - “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. SUBSCRIÇÃO POR ADVOGADO SEM PODERES. EFEITOS. A ausência procuração pelo advogado que subscreve o recurso determina seja este tido como inexistente. Inteligência do art. 37 do CPC. Apelação não conhecida. Unânime.” (TJ-RS, Apelação Cível Nº 70010314771, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 17/03/2005).
3.A doutrina jurisprudencial sobre o tema, exposta, de modo sintético, por Theotônio Negrão, não deixava dúvida de que a falta de ratificação do ato processual, praticado sem procuração pelo advogado da causa, implicava na inexistência do ato: - “Art. 37: 9a. Se o advogado não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15 dias, o ato é inexistente (STF-RT 735/203 e 833/169), não sendo caso de aplicar-se o art. 13, que cuida de hipótese diversa – irregularidade de representação, e não falta de procuração (RTJ, 144/605, maioria). A ementa desse acórdão consigna que 'a apresentação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela lei processual civil'. No mesmo sentido: RSTJ 175/121, JTJ 302/451. Segundo o STF e o STJ, o prazo de 15 dias para a juntada de procuração é automático, no caso de recurso interposto por advogado sem poderes, não se conhece do recurso se ela não for exibida nesse lapso de tempo ou se nele não houver pedido de prorrogação por mais 15 dias (RTJ 99/1.260, 116/698)” (V. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor – 2008, p. 179/180).
4.Em outras palavras, a jurisprudência de então consignava de modo predominante, que “a apresentação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela lei processual civil” (RTJ 144/605; RSTJ 31/384; 175/122; JTJ 302/451; 344/431). (V. Theotônio Negrão, ob. cit., p. 180).
5.Nas hipóteses em que, à época da decisão recorrida, vigorava a jurisprudência do STF, do STJ e demais Tribunais pátrios, de que os atos processuais, praticados por advogados sem procuração nos autos, eram havidos por inexistentes, se não fossem ratificados no prazo de lei, deve-se aplicar esse entendimento, apesar da posterior modificação da jurisprudência.
6.À luz da jurisprudência contemporânea à decisão recorrida, ainda que se considerasse, num primeiro momento, a existência da exceção de incompetência, em virtude do pedido de prazo 15 dias para apresentação do referido instrumento procuratório, findo esse prazo, sem a apresentação do mandato, o ato processual era considerado inexistente, como se lê no art. 37, parágrafo único do CPC, in verbis: - “Art. 37. (…) Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos como inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.”.
7.Assim sendo, nesses casos, a exceção de incompetência, porque suscitada por advogado sem procuração nos autos, deve ser reputada inexistente e, consequentemente, não implicou a suspensão do processo.
8.Nessas circunstâncias, o prazo para apresentação de resposta do réu fluiu normalmente, razão pela qual não há como se reconhecer a tempestividade de contestação que só tenha sido apresentada quase quatro meses depois da juntada do mandado de citação aos autos.
9.Em tais hipóteses, indubitável a caracterização da revelia, tal como reconhecido na sentença a quo, amparada no entendimento jurisprudencial que então era o dominante nos tribunais pátrios.
10.Assim, embora seja certo que a jurisprudência atual consagre outro entendimento – segundo o qual o defeito de representação, decorrente da atuação processual de advogado sem procuração nos autos, pode ser sanado a qualquer momento antes do julgamento final da causa – deve-se levar em consideração a jurisprudência dominante à época da decisão recorrida, que reputava inexistente ato processual praticado por advogado sem procuração nos autos do processo (art. 37, parágrafo único, do CPC).
11.Embargos de Declaração opostos contra a decisão monocrática de perda de objeto conhecidos e providos, para corrigir erro evidente.
12.Embargos de Declaração opostos contra o acórdão proferido no AgRg no AI nº 07.00767-5 conhecidos e parcialmente providos, apenas para efeito de prequestionamento, explicitando que: i) os arts. 249, 250 e 460, do CPC, não guardam nenhuma pertinência com o julgamento da causa; ii) a decisão contida no r. Acórdão embargado não implica em violação aos artigos 13, 37, 165, 249, 250, 460, 473 e 557 do CPC e art. 5º, incisos LIV e LV, da CF; mas julgados improcedentes, relativamente à alegação de omissão que não restou demonstrada.
(TJPI | Agravo de Instrumento Nº 07.000767-5 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 07/12/2011 )
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JURISPRUDÊNCIA COMO A REITERAÇÃO DE PRECEDENTES QUE CONSTITUI DIREITO VIGENTE. OBSERVÂNCIA DA SEGURANÇA JURÍDICA NA APLICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DO DIREITO. SUBMISSÃO DA VIRADA JURISPRUDENCIAL À IRRETROATIVIDADE, À TUTELA DA CONFIANÇA LEGÍTIMA E À BOA-FÉ OBJETIVA.
1.Jurisprudência, constituída pela reiteração de precedentes, também é direito vigente, como assinala TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., ao escrever com muita propriedade sobre o tema: - “Na verdade os precedentes, sobretudo dos tribunais superiores, (…) passam, após a decorrência de um tempo razoável, a ser considerados uma espécie de 'direito vigente'.” (V. Efeitos ex nunc e as decisões do STJ, 2009, p. 13, nº 4).
2.Causas julgadas na vigência dessa jurisprudência reiterada devem continuar a sê-lo, mesmo quando haja uma virada jurisprudencial, uma vez que “uma jurisprudência alterada pode ser aplicada apenas para o futuro” (V. Tércio Sampaio Ferraz Jr., ob. cit., p. 10, nº 3).
3.Nesse sentido, o princípio da irretroatividade é aplicável não apenas às leis e aos atos administrativos, como também aos atos judiciais, porquanto a irretroatividade é do direito, e, como tal, vale não apenas para o legislador e a administração da justiça, como também vale para os Tribunais. (V. Tércio Sampaio Ferraz Jr., ob. cit., p. 10-11, nº 3).
4.Isso não significa dizer, ainda nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr., que “a nova jurisprudência não deva, via de regra, aplicar-se inclusive para casos iniciados antes da mudança e que ainda não foram julgados” (V. ob. cit., p. 20, nº 6), mas que “uma ocorrência no passado supõe-se como tendo uma ocorrência duradoura, que merece respeito: coisas foram ditas e feitas, promessas foram trocadas, normas editadas – e, é importante acrescentar: decisões judiciais foram proferidas – e, no seu momento, isto teve um peso e uma importância inclusive para o futuro. O princípio da irretroatividade resgata e sustém esse passado em face do futuro, sendo acolhido no presente. E é assim que, ao fazê-lo, confere sentido vinculante às promessas em um sentido amplo: o que ocorreu compromete.”. (V. ob. cit., p. 8, nº 2).
5.Daí a “importância da regularidade jurisprudencial”, diante do fato de que “os precedentes, sobretudo dos tribunais superiores, após a decorrência de um tempo razoável, podem ser considerados numa espécie de direito vigente” (Tércio Sampaio Ferraz Jr., ob. cit., p. 2, nº 1), com todos os consectários lógicos disso decorrentes.
6.O primeiro deles, como já se acentuou, de certa forma, é o de que “o princípio (da irretroatividade) – como destaca MISABEL DERZI – não deve ser limitado às leis, mas estendido às normas e atos administrativos ou judiciais”, pois “o que vale para o legislador precisa valer para a Administração e os tribunais.” (MISABEL DERZI, Notas às limitações constitucionais ao poder de tributar, 1997, p. 193, apud ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, Os efeitos ex nunc e as decisões do STJ, 2009, p. 56, nº III).
7.Nessa ordem de ideias, à luz dessa autorizada doutrina, “há soluções que exigem, em homenagem ao princípio em pauta (isto é, o princípio da irretroatividade), que os efeitos das alterações jurisprudenciais só se façam sentir no futuro” (ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, ob. cit., p. 57, nº III), ou, dito de outra forma, ainda pelo festejado doutrinador, “com efeito, não vislumbramos diferenças de tomo entre os resultados advindos de uma mudança legislativa e da alteração de uma linha jurisprudencial consolidada. Em ambos os casos, a irretroatividade é de rigor” (idem, ibidem, p. 57, nº III), razão pela qual “deve ser afastado de plano o entendimento de que mesmo as mais radicais mudanças da jurisprudência devem produzir efeitos ex tunc.”. (idem, ibidem, p. 57, nº III), porque “a jurisprudência nova não deve atingir situações pretéritas, já consumadas sob a égide da antiga.” (idem, ibidem, p. 59, nº III).
8.Por isso, conclui ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA que, diante de uma virada jurisprudencial, que inaugure uma linha jurisprudencial nova, “haverão de ser aplicados os ditames do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal”, por força do qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”: - “Assim, quando uma linha jurisprudencial nova reverte por completo a expectativa dos jurisdicionados, construídas com apoio em reiteradas e firmes decisões anteriores do mesmo Tribunal, haverão de ser aplicados os ditames do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, para que não reste sacrificado o princípio da segurança jurídica, e, com ele(,) à boa fé das pessoas, que praticaram atos, certas de que procediam sob o amparo do direito objetivo. (…). Melhor esclarecendo, conquanto a evolução da jurisprudência seja, no mundo do Direito, um episódio corriqueiro, a decisão que muda, alterando radicalmente posição sedimentada do próprio Tribunal, deve, dependendo do caso, ser dotada de eficácia apenas futura, sob pena de comprometer-se a segurança jurídica, destruindo-se a confiança dos jurisdicionados no Poder Judiciário. Nestas circunstâncias, pois, a jurisprudência nova não deve atingir situações pretéritas, já consumadas sob a égide da antiga. (…). Como vemos, a mudança de orientação jurisprudencial há de ser feita com o mesmo cuidado que o legislador deve ter, quando inova a ordem jurídica. Sendo mais explícitos, os Tribunais Superiores, pela imensa responsabilidade que têm, como últimos intérpretes das normas jurídicas, quando alteram sua jurisprudência devem ter o cuidado de evitar que a guinada surpreenda todo um universo de pessoas, trazendo não só enorme insegurança nas relações sociais, como o descrédito do próprio Poder Judiciário.” (V. ob. cit., p. 57-59, nº III).
9.Desse mesmo sentir é NELSON NERY JÚNIOR, ao defender a tutela da confiança do jurisdicionado “na firme jurisprudência dos tribunais, notadamente dos tribunais superiores” (V. Efeitos ex nunc e as decisões do STJ, 2009, p. 98, nº 4), com base no princípio da irretroatividade, que, sendo decorrente dos princípios da segurança jurídica e da boa fé objetiva, vincula as decisões do Poder Judiciário: - “A vinculação das decisões do Poder Judiciário ao princípio da irretroatividade é decorrente na [rectius: da] atuação dos princípios da segurança jurídica e da boa fé objetiva. Quando houver superveniência de decisão do tribunal superior sobre determinado assunto, alterando a jurisprudência anterior do mesmo tribunal já extratificada [rectius: estratificada] em sentido diverso, os efeitos dessa nova decisão terão de ser necessariamente ex nunc, isto é, para o futuro. Somente assim será preservado o respeito à Constituição Federal, porque se estará dando guarida aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva. Mesmo depois de adotado novo posicionamento do tribunal sobre determinado assunto, o tribunal deve aplicar sua jurisprudência anterior aos casos futuros que lhe sejam apresentados, mas respeitantes a fatos ocorridos na vigência da jurisprudência anterior” (V. ob. cit., p. 97-98, nº 4).
10.Todas essas ideias sobre a irretroatividade das decisões jurisprudenciais, que mudam, numa guinada, a jurisprudência pacífica dos tribunais, dando-lhe nova orientação jurídica, foram encampadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, a partir mesmo de uma releitura do art. 5º, XXXVI, da CF, ao prescrever que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”.
11.Ao escrever sobre o tema, ressaltou o já citado TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR que, “nesses termos, pode-se entender que o princípio da irretroatividade das leis, na Constituição brasileira, exija um entendimento adequado, que vai além da noção de lei como mero enunciado”. (V. ob. cit., p. 10, nº 3), pois, afinal, “a irretroatividade das leis refere-se à lei conforme uma de suas interpretações possíveis”, e como “essa interpretação adotada pode ser alterada, e, como isso, a lei, em termos do seu sentido (também) se altera”, “a irretroatividade é, assim, do Direito e alcança, portanto, a irretroatividade da inteligência da lei [ou da sua nova interpretação pela jurisprudência dos tribunais] aplicada a certo caso concreto.”. (V. ob. cit., p. 10/11, nº 3).
12.Nesse sentido, a vedação de aplicação retroativa de nova interpretação dada à lei já consta, inclusive, do art. 2º, parágrafo único, XIII, da lei 9.784/99, ao prescrever que “nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”.
13.Vedada a aplicação retroativa de nova interpretação da norma administrativa, como se lê no art. 2º, XIII, da Lei 9.784/99, é por demais claro que, em termos analógicos, estará também vedada a aplicação retroativa de nova interpretação de qualquer outra norma jurídica, à consideração de que a irretroatividade das leis nada mais é do que a irretroatividade de sua interpretação, ou seja, “(é) a irretroatividade da inteligência da lei aplicada a certo caso concreto.” (V. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., ob. cit., p. 11, nº 3).
14.Na mesma linha dessas ideias, coloca-se, também, a Lei nº 9.868/99, que prevê a possibilidade de conferir-se eficácia ex nunc às decisões proferidas pelo STF nas ações em que se questiona, pela via do controle concentrado (ou abstrato), a constitucionalidade das normas jurídicas, “tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, como consta do art. 27 daquele diploma legislativo.
15.A doutrina mais autorizada, assinada pelos autores acima citados – TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR, ANTÔNIO ROQUE CARRAZZA e NELSON NERY JÚNIOR – tem defendido “a concessão de efeito ex nunc, não só às decisões sobre inconstitucionalidade proferidas pelo STF em última instância, mas também, as decisões de tribunal superior, como o STJ, quando, no âmbito dessa competência, decidem em instância definitiva, sobre legalidade, mais propriamente, sobre vigência de lei federal.” (V. ob. cit., p. XXX).
16.Com esta compreensão da matéria, e certo de que “o princípio da irretroatividade das leis, na Constituição brasileira, (exige) um entendimento adequado, que vai além da noção de lei como mero enunciado” (V. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR, ob. cit., p. 10, nº 3 – negritei), para nele incluir, também, a irretroatividade da jurisprudência judicial, como a fonte mais importante da interpretação do direito, porquanto “uma jurisprudência pretérita, de fato constante e longamente reiterada, há também de ser considerada para casos iniciados antes da nova orientação jurisprudencial.”, nas lúcidas palavras de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR, o que por si só reveste de peculiaridades a aplicação do princípio da irretroatividade às decisões do Poder Judiciário, que não se reporta, propriamente, à proteção de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, mas tem em conta que um fato não precisa ser perfeito e acabado para ser protegido contra a retroatividade, porquanto “qualquer fato, ocorrendo no tempo e no espaço, entra em algum sistema jurídico” (V. ob. cit., p. 15, nº 4), e, como tal, está genericamente protegido contra a retroatividade da lei nova ou da jurisprudência nova, pois, segundo PONTES DE MIRANDA, o que se extrai do enunciado da regra constitucional sobre o princípio da irretroatividade é tão-somente que “[a lei nova] não incidirá sobre os fatos jurídicos pretéritos, inclusive atos jurídicos perfeitos”. (apud ob. cit., p. 15, nº 4).
17.A jurisprudência pretérita, como fato jurídico pretérito, conta com a proteção contra a retroatividade de mudanças da orientação jurisprudencial, garantindo que a antiga jurisprudência do caso concreto seja considerada por inteiro para casos iniciados antes da vigência da nova orientação jurisprudencial (V. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., ob. cit., p. 15, nº 4).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA SUSCITADA POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. INEXISTÊ NCIA DO ATO PRATICADO COM TAL VÍCIO DE REPRESENTAÇÃO, SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA ENTÃO DOMINANTE NOS TRIBUNAIS PÁTRIOS. APLICAÇÃO DESSE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONTEMPORÂNEO À DECISÃO RECORRIDA. INEXISTÊNCIA DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA DA SUSPENSÃO DO PROCESSO. FLUXO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA DO RÉU. INTEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO. REVELIA CARACTERIZADA.
1.A jurisprudência anteriormente dominante dos Tribunais Superiores era de que “é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos - Súmula 115/STJ - não se admitindo a juntada posterior do instrumento, sendo inaplicável, portanto, o art. 13 do CPC”: - “PROCESSUAL CIVIL - INEXISTENTE O INSTRUMENTO DO MANDATO DO ADVOGADO. I - ASSENTADO NA JURISPRUDENCIA DO STJ O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE, A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 37, DA LEI ADJETIVA CIVIL, SEM INSTRUMENTO DE MANDATO, O ADVOGADO DA RECORRENTE NÃO PODERIA SER ADMITIDO A POSTULAR EM JUIZO E, CONSEQUENTEMENTE, SERÃO TIDOS COMO INEXISTENTES TODOS OS ATOS PRATICADOS NOS AUTOS. II - RECURSO NÃO CONHECIDO, POR INEXISTENTE” (STJ, REsp 34.327/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/1994, DJ 25/04/1994, p. 9250); - “PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO SUBSCRITO POR CAUSÍDICO SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS - APLICAÇÃO DA SÚMULA 115/STJ - ART. 37 DO CPC E 5º, § 1º DO E OAB. 1. É pacífica a jurisprudência no sentido de que, na instância especial, é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos - Súmula 115/STJ - não se admitindo a juntada posterior do instrumento, sendo inaplicável, portanto, o art. 13 do CPC. 2. A par das disposições do art. 37 do CPC (tendo o mesmo sentido o art. 5º, § 1º da Lei 8.906/94), o STF já se pronunciou no sentido de que a interposição de recurso não é passível de enquadramento entre os atos reputados urgentes. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no AgRg no REsp 608.381/SE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/09/2004, DJ 06/12/2004, p. 262)”; - “PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. AÇÃO ORIGINAL. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO DA PARTE AGORA EXECUTADA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. (…) III - Inexistindo, para Ação original, procuração que conferisse ao advogado poderes para atuar em nome da parte, não pode esta sofrer os consectários de uma execução forçada, porquanto os atos praticados são tidos como inexistentes. Inteligência do art. 37 do CPC. (...) Precedentes doutrinários e jurisprudenciais: AgRg no AG nº 628.325/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 01/02/2006, AgRg no REsp nº 729.390/RJ, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 12/12/2005 e REsp nº 577.613/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 08/11/2004. (…) VI - Recurso Especial improvido.” (STJ, REsp 713.149/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/04/2006, DJ 04/05/2006, p. 138)”; - “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO INTERPOSTO POR SUPOSTO TERCEIRO PREJUDICADO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. RECURSO INEXISTENTE. 1. Interposto o agravo regimental por eventuais terceiros interessados, os quais apenas nesse momento ingressaram no presente mandamus, mister se fazia a exibição do instrumento de mandato conferido ao seu subscritor, ex vi do art. 37 do Código de Processo Civil ou a solicitação de prazo para sua apresentação, o que não ocorreu. 2. Consoante precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, na via do recurso ordinário em mandado de segurança, também é considerado inexistente a insurgência subscrita por advogado desprovido de procuração nos autos. 3. Agravo regimental não conhecido.” (STJ, AgRg no RMS 22.155/PR, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 03/04/2008, DJe 22/04/2008); - “Agravo regimental em agravo de instrumento. Advogado subscritor do recurso. Ausência de procuração ou de substabelecimento, que comprove a outorga de poderes da parte agravante ao advogado signatário da peça recursal. Inobservância do prazo legal (art. 37, parágrafo único, do CPC). Recurso inexistente. 3. Agravo regimental não conhecido.” (STF, AI 768205 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 16/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010 EMENT VOL-02389-10 PP-02092); - “(...) Verifica-se que não consta dos autos o instrumento de mandato outorgado ao subscritor da petição do recurso ordinário em mandado de segurança (...) cujo nome não consta de rol dos outorgados da procuração (…) e nem dos substabelecimentos (…). Assim, a interposição deste recurso é inexistente, consorte o disposto no art. 37 do C. Pr. Civil, não sendo aplicável à hipótese o art. 13 do mesmo código, por não se tratar de irregularidade de representação, mas de ausência dela (v.g., RMS 22074, Moreira Alves, DJ 17.06.99). Não conheço do recurso, prejudicado o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.” (STF, RMS 24.560-7, Decisão Monocrática, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24.06.2004).”.
2.Os demais Tribunais pátrios também possuíam o mesmo entendimento, de que “a não apresentação de mandato no prazo estipulado no artigo 37 do CPC pressupõe que os atos praticados sejam inexistentes, pois não existe procuração tácita para a representação em juízo, até porque, neste caso, não se poderia precisar quais os poderes realmente conferidos ao causídico”: - “APELAÇÃO CÍVEL AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. Firmatário do recurso de apelação não está legalmente habilitado para representar a parte em juízo. A não apresentação de mandato no prazo estipulado no artigo 37 do CPC pressupõe que os atos praticados sejam inexistentes, pois não existe procuração tácita para a representação em juízo, até porque, neste caso, não se poderia precisar quais os poderes realmente conferidos ao causídico. ACOLHIDA A PRELIMINAR, APELO NÃO CONHECIDO.” (TJRS, Apelação Cível Nº 70026542613, Décima Câmara Cível, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 27/11/2008)”; - “PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. RECURSO FIRMADO POR QUEM NÃO DETÉM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. ATO INEXISTENTE. INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 37 DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO.” (TJRS, Apelação Cível Nº 70008032542, Décima Câmara Cível, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 15/04/2004); - “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. SUBSCRIÇÃO POR ADVOGADO SEM PODERES. EFEITOS. A ausência procuração pelo advogado que subscreve o recurso determina seja este tido como inexistente. Inteligência do art. 37 do CPC. Apelação não conhecida. Unânime.” (TJ-RS, Apelação Cível Nº 70010314771, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 17/03/2005).
3.A doutrina jurisprudencial sobre o tema, exposta, de modo sintético, por Theotônio Negrão, não deixava dúvida de que a falta de ratificação do ato processual, praticado sem procuração pelo advogado da causa, implicava na inexistência do ato: - “Art. 37: 9a. Se o advogado não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15 dias, o ato é inexistente (STF-RT 735/203 e 833/169), não sendo caso de aplicar-se o art. 13, que cuida de hipótese diversa – irregularidade de representação, e não falta de procuração (RTJ, 144/605, maioria). A ementa desse acórdão consigna que 'a apresentação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela lei processual civil'. No mesmo sentido: RSTJ 175/121, JTJ 302/451. Segundo o STF e o STJ, o prazo de 15 dias para a juntada de procuração é automático, no caso de recurso interposto por advogado sem poderes, não se conhece do recurso se ela não for exibida nesse lapso de tempo ou se nele não houver pedido de prorrogação por mais 15 dias (RTJ 99/1.260, 116/698)” (V. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor – 2008, p. 179/180).
4.Em outras palavras, a jurisprudência de então consignava de modo predominante, que “a apresentação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela lei processual civil” (RTJ 144/605; RSTJ 31/384; 175/122; JTJ 302/451; 344/431). (V. Theotônio Negrão, ob. cit., p. 180).
5.Nas hipóteses em que, à época da decisão recorrida, vigorava a jurisprudência do STF, do STJ e demais Tribunais pátrios, de que os atos processuais, praticados por advogados sem procuração nos autos, eram havidos por inexistentes, se não fossem ratificados no prazo de lei, deve-se aplicar esse entendimento, apesar da posterior modificação da jurisprudência.
6.À luz da jurisprudência contemporânea à decisão recorrida, ainda que se considerasse, num primeiro momento, a existência da exceção de incompetência, em virtude do pedido de prazo 15 dias para apresentação do referido instrumento procuratório, findo esse prazo, sem a apresentação do mandato, o ato processual era considerado inexistente, como se lê no art. 37, parágrafo único do CPC, in verbis: - “Art. 37. (…) Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos como inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.”.
7.Assim sendo, nesses casos, a exceção de incompetência, porque suscitada por advogado sem procuração nos autos, deve ser reputada inexistente e, consequentemente, não implicou a suspensão do processo.
8.Nessas circunstâncias, o prazo para apresentação de resposta do réu fluiu normalmente, razão pela qual não há como se reconhecer a tempestividade de contestação que só tenha sido apresentada quase quatro meses depois da juntada do mandado de citação aos autos.
9.Em tais hipóteses, indubitável a caracterização da revelia, tal como reconhecido na sentença a quo, amparada no entendimento jurisprudencial que então era o dominante nos tribunais pátrios.
10.Assim, embora seja certo que a jurisprudência atual consagre outro entendimento – segundo o qual o defeito de representação, decorrente da atuação processual de advogado sem procuração nos autos, pode ser sanado a qualquer momento antes do julgamento final da causa – deve-se levar em consideração a jurisprudência dominante à época da decisão recorrida, que reputava inexistente ato processual praticado por advogado sem procuração nos autos do processo (art. 37, parágrafo único, do CPC).
11.Embargos de Declaração opostos contra a decisão monocrática de perda de objeto conhecidos e providos, para corrigir erro evidente.
12.Embargos de Declaração opostos contra o acórdão proferido no AgRg no AI nº 07.00767-5 conhecidos e parcialmente providos, apenas para efeito de prequestionamento, explicitando que: i) os arts. 249, 250 e 460, do CPC, não guardam nenhuma pertinência com o julgamento da causa; ii) a decisão contida no r. Acórdão embargado não implica em violação aos artigos 13, 37, 165, 249, 250, 460, 473 e 557 do CPC e art. 5º, incisos LIV e LV, da CF; mas julgados improcedentes, relativamente à alegação de omissão que não restou demonstrada.
(TJPI | Agravo de Instrumento Nº 07.000767-5 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 07/12/2011 )Decisão
ACORDAM os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em i) conhecer dos Embargos de Declaração opostos contra a decisão monocrática de perda de objeto, e dar-lhes provimento para corrigir erro evidente; e ii) conhecer dos Embargos Declaratórios opostos contra o acórdão proferido no AgRg no AI nº 07.00767-5, dando-lhe parcial provimento, apenas para efeito de prequestionamento, explicitando que: i) os arts. 249, 250 e 460, do CPC, não guardam nenhuma pertinência com o julgamento da causa; ii) a decisão contida no r. Acórdão embargado não implica em violação aos artigos 13, 37, 165, 249, 250, 460, 473 e 557 do CPC e art. 5º, incisos LIV e LV, da CF; mas, os julgar improcedentes, relativamente à alegação de omissão que não restou demonstrada.
Data do Julgamento
:
07/12/2011
Classe/Assunto
:
Agravo de Instrumento
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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