TJPI 07.001643-7
APELAÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. AÇÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO E REINTEGRAÇÃO DA POSSE. NULIDADE DA SENTENÇA DE 1º GRAU. CAPÍTULOS DA SENTENÇA. SENTENÇA ULTRA PETITA. NULIDADE PARCIAL RECONHECIDA.
1. Decisão de 1º grau que extinguiu o processo sem julgamento do mérito mas determinou que a Autores devolvesse à parte Ré o valor já pago pelo veículo;
2. É possível a cisão da sentença, em “capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do petitum se atribui capítulo correspondente” (STJ, Resp 203.132, Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Julgamento: 25/03/2003);
3. É a ideia da sentença particionada, que comporta várias decisões distintas, a que se reporta JOSÉ ALBERTO DOS REIS, quando afirma que “capítulos da sentença são, portanto, aquelas questões que as partes submeteram ao juiz (de que fala o art. 458, III, do Código de Processo Civil) e que a sentença soluciona. É, enfim, toda a questão oriunda do litígio e que, decidida na sentença, possa causar gravame a uma das partes, ou a ambos os litigantes.” (JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Instituições de Direito Processual Civil , atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, Vol. IV, 1º ed. atualizada, 2000, n. 946, p. 140).
4. Para a análise da nulidade parcial da sentença, cingir-se-á a decisão guerreada em dois capítulos: o primeiro é o que trata da extinção do processo sem julgamento do mérito e o segundo o que determinou à Autora, ora Apelante, a devolução dos valores pagos pela Ré, ora Apelada, pelo veículo objeto do contrato. Isto posto, a nulidade, caso seja atestada, afetará tão somente a segunda parte da sentença;
5. Por força do disposto nos arts. 128 e 460 do CPC é vedado ao juiz proferir sentença favorável ao autor da demanda de natureza diversa da requerida, ou, em quantidade superior, ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, devendo, portanto, ficar adstrito aos limites da lide e da causa de pedir;
6. É evidente que, em razão das normas ora discutidas, “deve haver correlação entre o [seu] pedido e a sentença (CPC 460), sendo defeso ao juiz decidir aquém (citra ou infra petita), fora (extra petita) ou além (ultra petita) do que foi pedido, se para isso a lei exigir a iniciativa das partes” (NELSON NERY JÚNIOR. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY. Código do Processo Civil Comentado. 13ª ed. 2013. p. 472. Notas nº 1 e 2 ao art. 128.);
7. A sentença de 1º grau guerreada é, efetivamente, extra petita na medida em que determina o reembolso dos valores pagos mesmo tendo extinguindo o processo sem julgamento do mérito;
8. Nulidade parcial reconhecida;
COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. VALIDADE. VIA INADEQUADA. APREENSÃO DO VEÍCULO. AUSÊNCIA DE AVALIAÇÃO. VEÍCULO EM BOM ESTADO DE CONSERVAÇÃO. UTILIZAÇÃO DOS PARÂMTROS DA TABELA FIPE. DEPRECIAÇÃO NATURAL DO BEM. ATRIBUIÇÃO À PARTE QUE ESTAVA NA POSSE.
9. O artigo 1.071 do Código de Processo Civil determina que a constituição do devedor em mora, nos casos de compra e venda com reserva de domínio, somente ocorre com o protesto do título;
10. O Código Civil, em seu artigo 525, ao tratar de venda com reserva de domínio, estabelece outra possibilidade de constituição do comprador inadimplente em mora, acrescentando, além do protesto do título, a possibilidade de interpelação judicial;
11. O credor da venda com reserva de domínio tem, então, duas formas para constituir o devedor em mora, quais sejam, o protesto do título e a interpelação judicial;
12. Não há como considerar que a notificação extrajudicial realizada pela Apelante corresponda à interpelação judicial, como pretendeu aduzir nas razões de seu recurso, como tampouco se equipara a outra forma de constituição do devedor em mora, o protesto do título;
13. Superior Tribunal de Justiça já apresentou o posicionamento de que nos casos de compra e venda com reserva de domínio a constituição do devedor em mora pelo protesto do título ou pela interpelação judicial é necessária e não se substitui pela notificação extrajudicial. Precedentes (REsp 556.637/RS e REsp 785.125/SP);
14. Superior Tribunal de Justiça também já apresentou posicionamento diverso, afirmando que a exigência de protesto do título do artigo 1.071 do Código de Processo Civil serve somente à comprovação da mora e que, sendo esta comprovada por outro meio, este será válido para constituir o devedor em mora (REsp 685.906/SP);
15. O posicionamento que aceita como eficaz à constituição em mora tanto o protesto previsto no artigo 1.071 do Código de Processo Civil, quanto a interpelação judicial ou extrajudicial, faz uma interpretação conjunta do referido dispositivo com o artigo 397 do Código Civil, que dispõe que “O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.”;
16. Entretanto, a meu ver, a regra geral imposta pelo artigo 397 do Código Civil não deve ser aplicada quando, a par desta, existem normas específicas disciplinando a situação jurídica, como é o caso da compra e venda com reserva de domínio, sendo não somente disciplinada pelo artigo 1.071 do Código de Processo Civil, como, também, pelo artigo 525 do Código Civil que determina a necessidade de protesto ou interpelação judicial para a constituição do devedor em mora;
17. Urge considerar como correto o posicionamento adotado pelo magistrado de 1º grau ao extinguir o processo sem julgamento do mérito, dada a ausência de comprovação da mora, no entanto, fato superveniente impede que o presente processo seja extinto sem julgamento do mérito;
FATO SUPERVENIENTE. ARTIGO 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALIENAÇÃO DO VEÍCULO LITIGIOSO. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO.
18. No curso da Apelação a Apelante requereu autorização para alienar o veículo “por sua própria inciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária”, já que este estava em sua posse desde a cumprimento da liminar concedida;
19. A alienação do veículo, sem dúvida modifica a relação existente entre a Apelante e a Apelada, visto que, além de tornar irreversível a liminar que concedeu a posse à Apelante impede a futura discussão do contrato, situação que seria própria da extinção do processo sem julgamento do mérito, promovendo, na prática, a rescisão unilateral do contrato de compra e venda com reserva de domínio, uma vez que o objeto da avença não mais está à disposição do comprador,
20. Havendo a alienação do bem litigioso em ação de busca e apreensão de objeto de contrato de alienação fiduciária, o contrato de compra e venda discutido é rescindido unilateralmente pela parte que alienou o bem, não importando se a alienação é judicial ou extrajudicial. Precedentes do TJRS e TJTO;
21. A compra e venda com reserva de domínio em muito se assemelha à alienação fiduciária. Dada a afinidade existente entre os institutos, é possível que o posicionamento de que ocorre rescisão unilateral quando é vendido o bem litigioso objeto de alienação fiduciária também seja aplicado quando são alienados bens litigiosos que tenham sido, inicialmente, objeto de compra e venda de reserva de domínio;
22. Os artigos 526 e 527 do Código Civil, determinam que o credor deve optar pela execução que lhe convier, recuperando a posse ou executando as prestações vencidas e vincendas;
23. Uma vez vendida a coisa litigiosa pela Apelante e rescindido, consequentemente, o contrato de compra e venda com reserva de domínio, não é mais possível a opção pela escolha da cobrança das parcelas vencidas e vincendas, diante da irreversibilidade deste fato, visto que esta seria aplicável se o veículo permanecesse na posse da devedora, somente restando a alternativa da recuperação da posse, o que já ocorreu desde a apreensão liminar do bem;
24. O artigo 462 do Código de Processo Civil determina que ao magistrado cabe considerar fatos modificativos, constitutivos ou extintivos dos direitos invocados nos processos postos ao seu julgamento;
25. Já operada, neste momento, a rescisão do contrato, o pedido inicialmente realizado pela Apelante na exordial deste processo reduziu-se, neste momento, à “condenação da suplicada a pagar a diferença apurada entre a avaliação do veículo e o saldo devedor do contrato, além de perdas e danos (art. 921, I, do CPC), apurados em liquidação de sentença, e ônus da sucumbência, notadamente custas processuais e honorários advocatícios, na base de 20% sobre o valor do saldo remanescente do contrato”;
26. O artigo 527 do Código Civil determina que, se o vendedor recupera a posse do bem objeto de contrato de compra e venda com reserva de domínio, a este é facultado “reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual”;
27. O microônibus foi vendido à Apelada pelo valor de R$ 66.500,00 (sessenta e seis mil e quinhentos reais), enquanto o contrato de compra e venda com reserva de domínio (fls. 15/17) atribuiu à avença o valor total de R$ 91.240,00 (noventa e um mil, duzentos e quarenta reais), do que se deduz que a diferença de R$ 24.740,00 (vinte e quatro mil, setecentos e quarenta reais) é a remuneração prestada pela Apelada à Apelante pelo crédito que lhe foi concedido, denominados juros remuneratórios;
28. Cada prestação avençada paga pela Apelada à Apelante continha, além do preço próprio do veículo adquirido, a remuneração pelo crédito que lhe foi concedido. Assim, tendo a Apelada pago 36,48% (trinta e seis vírgula quarenta e oito por cento) do valor total devido, é de se supor que pagou também a mesma proporção do valor real do veículo, bem como a mesma porção dos juros remuneratórios;
29. Quando do cumprimento da Busca e Apreensão liminar do veículo em 05-10-2005 (fls. 62), não houve avaliação do bem pelo Oficial de Justiça, pelo que trago à colação o preço do veículo constante na Tabela dos preços de veículos usados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, à época da apreensão do bem, outubro/2005, com valor médio de R$ 55.408,00 (cinquenta e cinco mil e quatrocentos e oito reais), a fim de que seja apurada a depreciação do veículo enquanto esteve na posse da Apelante;
30. Deduzindo do valor de venda do veículo o valor do veículo à época da apreensão, buscado na Tabela Fipe, se conclui que, enquanto o microônibus esteve na posse da Apelante, a depreciação sofrida pelo bem foi de R$ 11.092,00 (onze mil e noventa e dois reais). Em tese, é este montante concernente à desvalorização do bem litigioso que deve ser retido pela Apelante, nos termos que disciplina o Código Civil;
31. Quando da entrega do veículo à Apelante, proporcionalmente ao tempo que o bem permaneceu com a Apelada e à depreciação sofrida pelo veículo neste interstício, não houve desvalorização da coisa em valor superior à quantia paga pela Apelada, tendo esta, ao revés, pago mais do que o que seria proporcional pelo período que teve a posse direta do veículo. Ora, a depreciação, como dito, foi de R$ 11.092,00 (onze mil e noventa e dois reais) e a Apelada já havia pago R$ 24.256,02 (vinte e quatro mil, duzentos e cinquenta e seis reais e dois centavos);
32. A aplicação ao caso em julgamento do artigo 527 do Código Civil, que assegura que, retomando o credor a posse do veículo, a quantia já paga deverá ser devolvida ao devedor, deduzida a depreciação sofrida pelo bem no período em que este o possuiu, despesas feitas pelo vendedor e o que mais de direito for devido a este;
33. Quando da apreensão do veículo, a parte Apelada já havia pago mais do que a depreciação sofrida pelo bem no período em que permaneceu na posse deste. No momento da apreensão liminar do veículo, a Apelada tinha junto à Apelante crédito de R$ 13.164,02 (treze mil, cento e sessenta e quatro reais e dois centavos), que é o saldo resultante da subtração da depreciação sofrida pelo veículo da quantia paga pela Apelada em relação ao valor real do veículo;
34. Reconhecimento da rescisão do contrato operada pela alienação do veículo e aplicação dos exatos termos do artigo 527 do Código Civil, visto que a credora retomou a posse do veículo, com a determinação de que seja devolvido à Apelada, pela Apelante, o excedente de R$ 13.164,02 (treze mil, cento e sessenta e quatro reais e dois centavos) devidamente corrigido;
35. Utilização do valor depositado judicialmente após a alienação do veículo para o abatimento do débito da Apelante à Apelada.
36. Apelação parcialmente provida.
(TJPI | Apelação Cível Nº 07.001643-7 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 27/11/2013 )
Ementa
APELAÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. AÇÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO E REINTEGRAÇÃO DA POSSE. NULIDADE DA SENTENÇA DE 1º GRAU. CAPÍTULOS DA SENTENÇA. SENTENÇA ULTRA PETITA. NULIDADE PARCIAL RECONHECIDA.
1. Decisão de 1º grau que extinguiu o processo sem julgamento do mérito mas determinou que a Autores devolvesse à parte Ré o valor já pago pelo veículo;
2. É possível a cisão da sentença, em “capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do petitum se atribui capítulo correspondente” (STJ, Resp 203.132, Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Julgamento: 25/03/2003);
3. É a ideia da sentença particionada, que comporta várias decisões distintas, a que se reporta JOSÉ ALBERTO DOS REIS, quando afirma que “capítulos da sentença são, portanto, aquelas questões que as partes submeteram ao juiz (de que fala o art. 458, III, do Código de Processo Civil) e que a sentença soluciona. É, enfim, toda a questão oriunda do litígio e que, decidida na sentença, possa causar gravame a uma das partes, ou a ambos os litigantes.” (JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Instituições de Direito Processual Civil , atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, Vol. IV, 1º ed. atualizada, 2000, n. 946, p. 140).
4. Para a análise da nulidade parcial da sentença, cingir-se-á a decisão guerreada em dois capítulos: o primeiro é o que trata da extinção do processo sem julgamento do mérito e o segundo o que determinou à Autora, ora Apelante, a devolução dos valores pagos pela Ré, ora Apelada, pelo veículo objeto do contrato. Isto posto, a nulidade, caso seja atestada, afetará tão somente a segunda parte da sentença;
5. Por força do disposto nos arts. 128 e 460 do CPC é vedado ao juiz proferir sentença favorável ao autor da demanda de natureza diversa da requerida, ou, em quantidade superior, ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, devendo, portanto, ficar adstrito aos limites da lide e da causa de pedir;
6. É evidente que, em razão das normas ora discutidas, “deve haver correlação entre o [seu] pedido e a sentença (CPC 460), sendo defeso ao juiz decidir aquém (citra ou infra petita), fora (extra petita) ou além (ultra petita) do que foi pedido, se para isso a lei exigir a iniciativa das partes” (NELSON NERY JÚNIOR. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY. Código do Processo Civil Comentado. 13ª ed. 2013. p. 472. Notas nº 1 e 2 ao art. 128.);
7. A sentença de 1º grau guerreada é, efetivamente, extra petita na medida em que determina o reembolso dos valores pagos mesmo tendo extinguindo o processo sem julgamento do mérito;
8. Nulidade parcial reconhecida;
COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. VALIDADE. VIA INADEQUADA. APREENSÃO DO VEÍCULO. AUSÊNCIA DE AVALIAÇÃO. VEÍCULO EM BOM ESTADO DE CONSERVAÇÃO. UTILIZAÇÃO DOS PARÂMTROS DA TABELA FIPE. DEPRECIAÇÃO NATURAL DO BEM. ATRIBUIÇÃO À PARTE QUE ESTAVA NA POSSE.
9. O artigo 1.071 do Código de Processo Civil determina que a constituição do devedor em mora, nos casos de compra e venda com reserva de domínio, somente ocorre com o protesto do título;
10. O Código Civil, em seu artigo 525, ao tratar de venda com reserva de domínio, estabelece outra possibilidade de constituição do comprador inadimplente em mora, acrescentando, além do protesto do título, a possibilidade de interpelação judicial;
11. O credor da venda com reserva de domínio tem, então, duas formas para constituir o devedor em mora, quais sejam, o protesto do título e a interpelação judicial;
12. Não há como considerar que a notificação extrajudicial realizada pela Apelante corresponda à interpelação judicial, como pretendeu aduzir nas razões de seu recurso, como tampouco se equipara a outra forma de constituição do devedor em mora, o protesto do título;
13. Superior Tribunal de Justiça já apresentou o posicionamento de que nos casos de compra e venda com reserva de domínio a constituição do devedor em mora pelo protesto do título ou pela interpelação judicial é necessária e não se substitui pela notificação extrajudicial. Precedentes (REsp 556.637/RS e REsp 785.125/SP);
14. Superior Tribunal de Justiça também já apresentou posicionamento diverso, afirmando que a exigência de protesto do título do artigo 1.071 do Código de Processo Civil serve somente à comprovação da mora e que, sendo esta comprovada por outro meio, este será válido para constituir o devedor em mora (REsp 685.906/SP);
15. O posicionamento que aceita como eficaz à constituição em mora tanto o protesto previsto no artigo 1.071 do Código de Processo Civil, quanto a interpelação judicial ou extrajudicial, faz uma interpretação conjunta do referido dispositivo com o artigo 397 do Código Civil, que dispõe que “O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.”;
16. Entretanto, a meu ver, a regra geral imposta pelo artigo 397 do Código Civil não deve ser aplicada quando, a par desta, existem normas específicas disciplinando a situação jurídica, como é o caso da compra e venda com reserva de domínio, sendo não somente disciplinada pelo artigo 1.071 do Código de Processo Civil, como, também, pelo artigo 525 do Código Civil que determina a necessidade de protesto ou interpelação judicial para a constituição do devedor em mora;
17. Urge considerar como correto o posicionamento adotado pelo magistrado de 1º grau ao extinguir o processo sem julgamento do mérito, dada a ausência de comprovação da mora, no entanto, fato superveniente impede que o presente processo seja extinto sem julgamento do mérito;
FATO SUPERVENIENTE. ARTIGO 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALIENAÇÃO DO VEÍCULO LITIGIOSO. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO.
18. No curso da Apelação a Apelante requereu autorização para alienar o veículo “por sua própria inciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária”, já que este estava em sua posse desde a cumprimento da liminar concedida;
19. A alienação do veículo, sem dúvida modifica a relação existente entre a Apelante e a Apelada, visto que, além de tornar irreversível a liminar que concedeu a posse à Apelante impede a futura discussão do contrato, situação que seria própria da extinção do processo sem julgamento do mérito, promovendo, na prática, a rescisão unilateral do contrato de compra e venda com reserva de domínio, uma vez que o objeto da avença não mais está à disposição do comprador,
20. Havendo a alienação do bem litigioso em ação de busca e apreensão de objeto de contrato de alienação fiduciária, o contrato de compra e venda discutido é rescindido unilateralmente pela parte que alienou o bem, não importando se a alienação é judicial ou extrajudicial. Precedentes do TJRS e TJTO;
21. A compra e venda com reserva de domínio em muito se assemelha à alienação fiduciária. Dada a afinidade existente entre os institutos, é possível que o posicionamento de que ocorre rescisão unilateral quando é vendido o bem litigioso objeto de alienação fiduciária também seja aplicado quando são alienados bens litigiosos que tenham sido, inicialmente, objeto de compra e venda de reserva de domínio;
22. Os artigos 526 e 527 do Código Civil, determinam que o credor deve optar pela execução que lhe convier, recuperando a posse ou executando as prestações vencidas e vincendas;
23. Uma vez vendida a coisa litigiosa pela Apelante e rescindido, consequentemente, o contrato de compra e venda com reserva de domínio, não é mais possível a opção pela escolha da cobrança das parcelas vencidas e vincendas, diante da irreversibilidade deste fato, visto que esta seria aplicável se o veículo permanecesse na posse da devedora, somente restando a alternativa da recuperação da posse, o que já ocorreu desde a apreensão liminar do bem;
24. O artigo 462 do Código de Processo Civil determina que ao magistrado cabe considerar fatos modificativos, constitutivos ou extintivos dos direitos invocados nos processos postos ao seu julgamento;
25. Já operada, neste momento, a rescisão do contrato, o pedido inicialmente realizado pela Apelante na exordial deste processo reduziu-se, neste momento, à “condenação da suplicada a pagar a diferença apurada entre a avaliação do veículo e o saldo devedor do contrato, além de perdas e danos (art. 921, I, do CPC), apurados em liquidação de sentença, e ônus da sucumbência, notadamente custas processuais e honorários advocatícios, na base de 20% sobre o valor do saldo remanescente do contrato”;
26. O artigo 527 do Código Civil determina que, se o vendedor recupera a posse do bem objeto de contrato de compra e venda com reserva de domínio, a este é facultado “reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual”;
27. O microônibus foi vendido à Apelada pelo valor de R$ 66.500,00 (sessenta e seis mil e quinhentos reais), enquanto o contrato de compra e venda com reserva de domínio (fls. 15/17) atribuiu à avença o valor total de R$ 91.240,00 (noventa e um mil, duzentos e quarenta reais), do que se deduz que a diferença de R$ 24.740,00 (vinte e quatro mil, setecentos e quarenta reais) é a remuneração prestada pela Apelada à Apelante pelo crédito que lhe foi concedido, denominados juros remuneratórios;
28. Cada prestação avençada paga pela Apelada à Apelante continha, além do preço próprio do veículo adquirido, a remuneração pelo crédito que lhe foi concedido. Assim, tendo a Apelada pago 36,48% (trinta e seis vírgula quarenta e oito por cento) do valor total devido, é de se supor que pagou também a mesma proporção do valor real do veículo, bem como a mesma porção dos juros remuneratórios;
29. Quando do cumprimento da Busca e Apreensão liminar do veículo em 05-10-2005 (fls. 62), não houve avaliação do bem pelo Oficial de Justiça, pelo que trago à colação o preço do veículo constante na Tabela dos preços de veículos usados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, à época da apreensão do bem, outubro/2005, com valor médio de R$ 55.408,00 (cinquenta e cinco mil e quatrocentos e oito reais), a fim de que seja apurada a depreciação do veículo enquanto esteve na posse da Apelante;
30. Deduzindo do valor de venda do veículo o valor do veículo à época da apreensão, buscado na Tabela Fipe, se conclui que, enquanto o microônibus esteve na posse da Apelante, a depreciação sofrida pelo bem foi de R$ 11.092,00 (onze mil e noventa e dois reais). Em tese, é este montante concernente à desvalorização do bem litigioso que deve ser retido pela Apelante, nos termos que disciplina o Código Civil;
31. Quando da entrega do veículo à Apelante, proporcionalmente ao tempo que o bem permaneceu com a Apelada e à depreciação sofrida pelo veículo neste interstício, não houve desvalorização da coisa em valor superior à quantia paga pela Apelada, tendo esta, ao revés, pago mais do que o que seria proporcional pelo período que teve a posse direta do veículo. Ora, a depreciação, como dito, foi de R$ 11.092,00 (onze mil e noventa e dois reais) e a Apelada já havia pago R$ 24.256,02 (vinte e quatro mil, duzentos e cinquenta e seis reais e dois centavos);
32. A aplicação ao caso em julgamento do artigo 527 do Código Civil, que assegura que, retomando o credor a posse do veículo, a quantia já paga deverá ser devolvida ao devedor, deduzida a depreciação sofrida pelo bem no período em que este o possuiu, despesas feitas pelo vendedor e o que mais de direito for devido a este;
33. Quando da apreensão do veículo, a parte Apelada já havia pago mais do que a depreciação sofrida pelo bem no período em que permaneceu na posse deste. No momento da apreensão liminar do veículo, a Apelada tinha junto à Apelante crédito de R$ 13.164,02 (treze mil, cento e sessenta e quatro reais e dois centavos), que é o saldo resultante da subtração da depreciação sofrida pelo veículo da quantia paga pela Apelada em relação ao valor real do veículo;
34. Reconhecimento da rescisão do contrato operada pela alienação do veículo e aplicação dos exatos termos do artigo 527 do Código Civil, visto que a credora retomou a posse do veículo, com a determinação de que seja devolvido à Apelada, pela Apelante, o excedente de R$ 13.164,02 (treze mil, cento e sessenta e quatro reais e dois centavos) devidamente corrigido;
35. Utilização do valor depositado judicialmente após a alienação do veículo para o abatimento do débito da Apelante à Apelada.
36. Apelação parcialmente provida.
(TJPI | Apelação Cível Nº 07.001643-7 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 27/11/2013 )Decisão
ACORDAM os componentes da 3ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí,à unanimidade, em conhecer da presente Apelação Cível e lhe dar parcial provimento para: i) anular a sentença de 1º grau quanto à determinação da devolução da quantia já paga pela Apelada referente ao contrato de compra e venda firmado entre as partes; ii) reconhecer a ocorrência de fato superveniente – alienação do veículo- que modifica a relação existente entre a Apelada e a Apelada, considerar rescindido o contrato de Compra e Venda com Reserva de Domínio, e, nos termos do artigo 527 do Código Civil, determinar à Apelante que devolva à Apelada, o excedente de R$ 13.164,02 (treze mil, cento e sessenta e quatro reais e dois centavos), devidamente corrigido, desde a data do ajuizamento da ação até a publicação deste Acórdão; iii) determinar a utilização do saldo de R$ 14.500,00 (quatorze mil e quinhentos reais), obtido com a alienação do veículo, constante na conta vinculada ao processo para o abatimento do débito atualizado pela Apelante junto à Apelada, sendo posteriormente complementada, se insuficiente, ou devolvido àquela, se superior. Custas e honorários a serem pagos pela Apelante.
Data do Julgamento
:
27/11/2013
Classe/Assunto
:
Apelação Cível
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
Mostrar discussão