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Jurisprudência


TJPI 2008.0001.002801-0

Ementa
DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. POSSIBILIDADE DE MANEJO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL CONTRA ATO DE QUALQUER AUTORIDADE ESTATAL, OU MESMO DE QUALQUER PESSOA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DE PROMOTOR DE JUSTIÇA. 1. É bem verdade que o texto da Constituição do Estado do Piauí, ao enumerar exemplificativamente, em numerus apertus, algumas das competências deste Eg. Tribunal de Justiça, fez referência, em seu art. 123, inc. III, alínea “m”, à “reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões, quando usurpada ou desobedecida por Juízes de Direito.”. No entanto, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, que é lei em sentido material, editada no exercício da competência que lhe foi outorgada pela Constituição Federal (art. 96, inc. I, alínea “a”), ampliou o âmbito de proteção desse remédio processual, que é a reclamação, de maneira a colocá-la à disposição do jurisdicionado, para a preservação da competência dessa Corte Estadual e para a garantia da autoridade das decisões desta Corte Estadual, sem qualquer referência a quem deva figurar no polo passivo da relação jurídica processual, como se vê em seu art. 340. 2. Estando situada a reclamação, segundo o STF, “no âmbito do direito constitucional de petição” (STF, ADI 2212, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2003, DJ 14-11-2003 PP-00011 EMENT VOL-02132-13 PP-02403), é preciso deixar bem claro que esse direito fundamental também corresponde a um direito a prestação. Mais especificamente, o direito fundamental de petição, e as situações jurídicas dele decorrentes – como a faculdade da propositura de reclamação – se classificam, segundo Robert Alexy, como um direito a prestações normativas, ou seja, como um direito que têm por objeto uma ação positiva estatal, que se realiza no plano normativo e, por isso, nas palavras daquele autor, “são direitos a atos estatais de criação de normas” (Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, 2008, p. 202, nº 4.II.1.1.2). 3. Não é por outro motivo que, ainda segundo aquele autor, “a escala de ações estatais positivas que podem ser objeto de um direito a prestação estende-se desde a proteção do cidadão contra outros cidadãos por meio de normas de direito penal [...]”, e, além disso, “passa [também] pelo estabelecimento de normas organizacionais e procedimentais […]” (Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, 2008, p. 442, nº 9.I.4), sendo certo que, na teoria dos direitos fundamentais do referido autor, o “estabelecimento de normas procedimentais”, que se inclui na “escala de ações estatais positivas que podem ser objeto de um direito a prestação”, está a se referir à disciplina processual dos institutos que viabilizam o exercício das garantias constitucionais, em razão de não se distinguir, nesse contexto, processo de procedimento, porquanto despida de utilidade tal diferenciação, para o estudo dos direitos fundamentais. 4. O direito fundamental de petição, e as situações jurídicas dele decorrentes – como a faculdade da propositura de reclamação –, têm por objeto uma ação estatal positiva, qual seja, a prestação de tutela de direitos, contra ilegalidade ou abuso de poder (CF, art. 5º, inc. XXXIV, alínea “a”), característica necessária e suficiente para que se possa enquadrar o direito fundamental de petição como um direito a prestação. Direito a que prestação? À prestação de tutela de direitos, contra ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do art. 5º, inc. XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal. 5. Sendo assim, porque situada no âmbito de um direito a prestação, a reclamação encontra-se protegida pelo “princípio da proibição do retrocesso”, que, como reconhecido recentemente pelo STF, em precedente histórico, consiste, nas palavras do em. Min. Celso de Mello, em uma “(...) cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado”, e, assim, “traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado” (STF, ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125). 6. Pela aplicação do princípio da vedação do retrocesso à espécie, uma vez tendo sido implementada a regulamentação do direito de petição, pela previsão do amplo cabimento de reclamação para preservação da competência do TJ-PI e para a garantia da autoridade de suas decisões, consagrado em lei material (RITJPI, art. 340), não se pode admitir que tal instrumento processual venha a ser suprimido pelo Estado, como já decidiu o STF (ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125), o que simplesmente inviabiliza qualquer interpretação que atribua ao art. 123, inc. III, alínea “m”, da Constituição do Estado do Piauí um caráter restritivo ao amplo cabimento da reclamação, tal como previsto no art. 340 do RITJPI. 7. Interpretar o art. 123, inc. III, alínea “m”, da Constituição do Estado do Piauí como fator hermenêutico de restrição ao amplo cabimento da reclamação, tal como previsto no art. 340 do RITJPI, se mostra ainda mais inviável diante do já citado precedente do STF, formado em julgamento definitivo de ação direta de inconstitucionalidade, no qual o Tribunal Pleno da Corte Suprema considerou que a previsão da reclamação, para os Tribunais de Justiça dos Estados, não apenas nas Constituições dos respectivos Estados-membros, como também nos seus Regimentos Internos, é compatível com a Constituição Federal, que comporta, em razão do postulado da simetria constitucional, a adoção da reclamação “pelo Estado-membro, pela via legislativa local”, sem que isso implique “invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF)”, até porque a disponibilização da reclamação ao jurisdicionado, “além de estar em sintonia com o princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais.” (STF, ADI 2212, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2003, DJ 14-11-2003 PP-00011 EMENT VOL-02132-13 PP-02403). 8. E como referida decisão do STF sequer menciona – nem mesmo em considerações a título de obiter dictum – qualquer restrição quanto ao cabimento da reclamação, ou quanto à sua legitimidade passiva, não há porque subentender restrições, relativamente a esses aspectos, já que, tradicionalmente, e até hoje, a legislação, a jurisprudência, e a doutrina, ao tratarem do polo passivo da reclamação, sempre se referem, invariavelmente, a “'autoridade' reclamada”, indicando que a reclamação pode ser ajuizada em face de quaisquer autoridades que venham a descumprir decisão do tribunal ao qual se dirige o “interessado”, no exercício do seu direito de petição: - “Considerando as hipóteses em que é cabível a reclamação constitucional, naturalmente figuram no seu polo passivo autoridades judiciais, policiais ou outras integrantes da administração pública, às quais sejam imputados os atos que em tese sejam aptos a configurar a usurpação de competência, o desrespeito à autoridade de julgados ou mesmo a não observância de súmulas vinculantes.” (Ricardo de Barros Leonel, Reclamação Constitucional, 2011, pp. 214 a 216, nº 8.1). 9. No mesmo sentido, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, enfatiza que “a desobediência (…) pode partir de autoridade de qualquer Poder, e não apenas do Judiciário, pois foi nesse sentido – e corretamente, consoante se buscou demonstrar – que se foi assentando a jurisprudência prevalente”, estando “em aberto”, ainda, para aquele autor, “a possibilidade de que o responsável pelo descumprimento sequer seja autoridade, consoante já se teve oportunidade de dizer (…).” (Reclamação Constitucional, em Cristiano Chaves de Farias e Fredie Didier Jr., Procedimentos Especiais Cíveis, 2003, p. 369). Doutrina. 10. A jurisprudência do STJ já pacificou o entendimento de que “a ação reclamatória, que situa-se no âmbito do direito constitucional de petição (artigo 5.º, inciso XXXIV, da CF/1988), constitui o meio adequado para assegurar a garantia da autoridade das decisões desta Corte Superior em face de ato de autoridade administrativa ou judicial (…)” (STJ, Rcl 4.421/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/02/2011, DJe 15/04/2011). 11. A reclamação prevista no art. 340 do RITJPI pode ser manejada em face de ato praticado por qualquer autoridade estatal, ou mesmo por qualquer pessoa. Consequentemente, Promotor de Justiça não é parte ilegítima para figurar no polo passivo da relação jurídica de direito processual instaurada pelo exercício do direito de petição, concebido como garantia constitucional posta à disposição da pessoa humana contra qualquer ato ilegal ou abusivo. 12. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam afastada. DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. INTERESSE DE AGIR. PERFEITO ENQUADRAMENTO DA CAUSA DE PEDIR DA RECLAMAÇÃO A UMA DAS HIPÓTESES QUE AUTORIZAM SEU MANEJO. PRESENÇA DO INTERESSE-ADEQUAÇÃO. AS PARTES DA RECLAMAÇÃO FORAM PARTES NO PROCESSO EM QUE SE PRODUZIU A DECISÃO ALEGADAMENTE DESRESPEITADA E, PORTANTO, SÃO VINCULADAS A UMA DECISÃO REVESTIDA PELA IMUTABILIDADE DA COISA JULGADA. O ATO IMPUGNADO NÃO SE REVESTE DE CARÁTER JURISDICIONAL, AFASTANDO-SE A INADMISSIBILIDADE POR MANUSEIO DA RECLAMAÇÃO COMO RECURSO OU SUCEDÂNEO RECURSAL, OU COMO SUBSTITUTA DA AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO ALEGADAMENTE DESRESPEITADA QUE FOI PRODUZIDA EM PROCESSO SUBJETIVO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO PRÓPRIO TRIBUNAL AO QUAL SE ENDEREÇA A RECLAMAÇÃO. PRESENÇA DO INTERESSE DE AGIR. PRECEDENTE DO STF. 1. A “falta de interesse de agir” para a propositura de reclamação se caracteriza nas hipóteses em que “o fato descrito não se enquadra em um dos fundamentos indicados em numerus clausus”, porque “há[,] nesses casos[,] falta de adequação do instrumento escolhido pelo demandante (reclamação) à finalidade prática (utilidade) que ele pretende obter com o processo” (Ricardo de Barros Leonel, Reclamação Constitucional, 2011, p. 251, nº 8.9). 2. A aferição da legitimidade ad causam tem de ser feita, segundo a jurisprudência do STJ, a partir dos elementos fático-jurídicos deduzidos por meio da petição inicial da demanda, em atenção à teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação devem ser verificadas em estado de asserção, isto é, a partir das asserções ou assertivas, afirmações, alegações, proposições que o autor tenha formulado na inicial da demanda, dispensando-se dilações instrutórias para investigar a presença das condições da ação. Precedentes do STJ. 3. Assim, na reclamação, a verificação da presença do interesse de agir, sob a modalidade adequação, consiste em examinar, segundo a teoria da asserção, se o fato descrito se enquadra “em uma das hipóteses tipificadas como autorizadoras do uso da reclamação” (Ricardo de Barros Leonel, Reclamação Constitucional, 2011, p. 250, nº 8.9). 4. Tais hipóteses autorizadoras do uso da reclamação, perante este Eg. TJ-PI, estão previstas tanto na Constituição do Estado do Piauí, como no Regimento Interno desta Corte, a contemplar a propositura de reclamação com o propósito de i) “preservar a competência do Tribunal” e ii) “garantir a autoridade das suas decisões”. 5. Nas hipóteses em que se verifica um perfeito enquadramento entre os fatos narrados na inicial e uma das hipóteses autorizadoras da propositura de reclamação, isso está a indicar a adequação da via processual eleita, denotando o interesse de agir na propositura da presente Reclamação. 6. Ainda na avaliação do interesse processual, não se pode deixar de considerar que, segundo valiosa advertência doutrinária, em se tratando de reclamação por desrespeito a decisão proferida em processo subjetivo, como acontece na espécie, “é imprescindível que a violação fique caracterizada por parte e em face de quem está vinculado pela autoridade desse julgado, ou seja, por quem figurar no feito de origem, considerando que aqueles que não ostentam tal condição não se vinculam à decisão (assim como a coisa julgada, que vincula só quem foi parte – art. 472 do CPC –, a autoridade da decisão, seja ela coberta ou não pela coisa julgada, também só alcança as partes)” (Ricardo de Barros Leonel, Reclamação Constitucional, 2011, pp. 190, nº 7.4). 7. Esse entendimento se encontra consagrado pela jurisprudência do STF, que, nas palavras do em. Min. Ricardo Lewandowski, “como regra, apenas tem admitido a utilização da reclamação na hipótese de descumprimento, pela decisão reclamada, de julgados proferidos em controle abstrato de constitucionalidade ou em processos subjetivos nos quais o reclamante foi parte” (STF, Rcl 3084, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2009, DJe-121 DIVULG 30-06-2009 PUBLIC 01-07-2009 EMENT VOL-02367-01 PP-00146 RTJ VOL-00210-03 PP-01110 LEXSTF v. 31, n. 367, 2009, p. 167-177). Trata-se de exigência decorrente da realidade de que, em processos subjetivos, a sentença apenas “faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.” (CPC, art. 472). Desse modo, como a sentença apenas vincula as partes, não há interesse processual na propositura de reclamação por desrespeito a decisão, por quem sequer estava vinculado a ela. 8. Se, no processo em que se produziu a decisão alegadamente desrespeitada, tanto reclamante, como reclamado, figuravam como parte, é indiscutível, sob este aspecto, o interesse de agir do Reclamante. 9. Ainda no exame do interesse de agir, deve-se atentar para a verificação de outras duas situações nas quais a jurisprudência reputa impossível o manuseio da reclamação, que são assim sintetizadas por Ricardo de Barros Leonel: i) “(...) não é possível utilizar a reclamação constitucional, nesse caso, como substituto de recurso cabível, ou mesmo como sucedâneo recursal, para obter a reforma de decisão” (Ricardo de Barros Leonel, Reclamação Constitucional, 2011, pp. 190 e 191, nº 7.4), como é do enunciado nº 734 da Súmula do STF; ii) “(…) não é possível, ademais, utilizar a reclamação constitucional se a decisão que configura o desacato já passou em julgado, pois isso equivaleria a utilizá-la como substituto da ação rescisória.” (idem, ibidem), como se vê em vários precedentes do STF (exemplificativamente, Rcl 4644 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2009, DJe-223 DIVULG 26-11-2009 PUBLIC 27-11-2009 EMENT VOL-02384-01 PP-00145). 10. Nenhuma dessas situações de inadmissibilidade da reclamação se caracterizam, em hipóteses nas quais os atos que, segundo o alegado na inicial, desrespeitaram a autoridade da decisão se revestem de caráter administrativo, não sendo impugnáveis por nenhum recurso jurisdicional, nem sucedâneo recursal, o que afasta, de saída, qualquer cogitação sobre a utilização da reclamação, neste caso, como substituto de recurso ou sucedâneo recursal. Igualmente, também não falece interesse de agir nas hipóteses em que os atos impugnados são desvestidos de qualquer caráter jurisdicional, não estando, obviamente, protegidos pela imunização conferida pela garantia constitucional da coisa julgada (CF, art. 5º, inc. XXXVI). 11. O desrespeito a uma decisão produzida em processo subjetivo, de competência originária do tribunal, pode, sim, ser atacado por reclamação, que deve ser conhecida. Desse modo, o fato de a decisão descumprida pela autoridade ter sido proferida pelo próprio tribunal ao qual se dirige a reclamação não indica ausência de interesse de agir (STF, Rcl 501, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/1995, DJ 20-10-1995 PP-35254 EMENT VOL-01805-01 PP-00027). 12. Preliminar de ausência de interesse de agir afastada. DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DOS ATOS DE JULGAMENTO E DOS PROVIMENTOS JUDICIAIS (DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS, SENTENÇAS E ACÓRDÃOS). APLICAÇÃO DOS MÉTODOS DE HERMENÊUTICA JURÍDICA. PROVIMENTOS JURISDICIONAIS PARA O FUTURO. CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER. ABSTENÇÃO DESCUMPRIDA. DESRESPEITO AO JULGADO. 1. Na falta de elementos especificadores do conteúdo do dispositivo veiculado no provimento jurisdicional, “o intérprete recorrerá à prova dos autos, às normas do direito positivo substancial, aos fundamentos e conteúdo da demanda e da defesa etc., em busca de elementos capazes de orientar uma interpretação pelo justo e pelo razoável” (Cândido Rangel Dinamarco, Processo Civil Empresarial, 2010, p. 335, nº 210 - grifei). 2. Nas hipóteses em que o acórdão menciona apenas a “concessão do presente Mandado de Segurança”, para se saber qual o conteúdo da ordem mandamental emitida pelo v. Acórdão, isto é, para se identificar o que foi “concedido”, é preciso voltar os olhos ao pedido, que, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, “é (…) o mais seguro critério de interpretação da sentença, visto que esta é justamente a resposta do juiz ao pedido do autor, não podendo o provimento ficar aquém nem ir além dele, sob pena de nulidade (CPC, art. 128 e 460)”, razão pela qual “as palavras com que o juiz acolheu ou rejeitou o pedido terão seu sentido e alcance clareados pelo que na inicial o autor demandou.” (Execução de sentença – iniciativa do devedor – interpretação de sentença, em Revista Jurídica 299, 2002, pp. 7 e 8, apud Cândido Rangel Dinamarco, Processo Civil Empresarial, 2010, p. 336, nº 210). 3. Cândido Rangel Dinamarco adverte que “se o juiz se limita a condenar o réu a pagar nos termos do pedido, sem ressalvas ou especificações, é imperioso concluir que todos os pedidos apresentados foram acolhidos.” (Processo Civil Empresarial, 2010, p. 336, nº 210). Por isso, nas hipóteses em que o órgão julgador se limita a decidir “quanto ao mérito, pela concessão do presente Mandado de Segurança”, pura e simplesmente, “sem ressalvas ou especificações”, torna-se “imperioso concluir”, na linha da doutrina especializada, “que todos os pedidos apresentados foram acolhidos.” (Cândido Rangel Dinamarco, Processo Civil Empresarial, 2010, p. 336, nº 210). 4. Consequentemente, saber se a decisão concessiva do mandado de segurança foi descumprida, inexoravelmente, terá que tomar como parâmetro os pedidos que foram deferidos pelo órgão julgador. Assim, se um desses pedidos, deferidos com a concessão do mandado de segurança, consistia precisamente no arquivamento de “todo e qualquer procedimento porventura aberto para este fim [fiscalizatório]”, percebe-se que o r. Acórdão concessivo do mandado de segurança, que a Reclamante alega ter sido desrespeitado pelo Reclamado, encerra, em seu dispositivo, uma verdadeira condenação em obrigação de não-fazer, ou, em outras palavras, uma determinação de abstenção, que se reportou não apenas à violação que então ainda era atual, mas também a uma situação ou evento que poderia ocorrer – por exemplo, a deflagração de nova atividade fiscalizatória. 5. Portanto, está-se diante de um acórdão para o futuro, que se caracteriza, segundo a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco, por se referir “a situações ou eventos que[,] no momento da prolação[,] ainda não se consumaram mas que, segundo uma avaliação probabilística, deverão ocorrer.” (Processo Civil Empresarial, 2010, pp. 386 e 387), as quais decorrem do fato de que “o sistema aceita que certas relações jurídicas futuras sejam apreciadas e a seu respeito decidam os juízos e tribunais, quando ligadas a situações do presente.” (ob. cit., p. 387). 6. Diante da “probabilidade de que se projetem no porvir as mesmas situações concretizadas no presente”, que, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, representa “o elo entre o passado e o futuro” (ob. cit., p. 387), o órgão julgador se vê na típica situação que outorga legitimidade sistemática para a prolação de provimentos jurisdicionais para o futuro, podendo determinar que, dali em diante, o demandado não torne a praticar atos marcados pelos mesmos traços de ilegalidade. 7. Nas hipóteses em que o ato decisório impõe a obediência ou a observância às “formalidades legais”, tal ressalva só pode ser explicada pelo reconhecimento de que tal decisão se volta para disciplinar acontecimentos futuros prováveis. como é elementar, o direito objetivo incide aos acontecimentos da vida social, disciplinando-os, constituindo situações jurídicas novas, modificando-as extinguindo-as, etc., sem que se faça imprescindível que um provimento jurisdicional declare que este ou aquele indivíduo deve obediências às normas jurídicas, impostas em caráter genérico e abstrato a todos os sujeitos e a todas as situações que se enquadrem nas hipóteses normativas. 8. Contudo, é claro que se aplica à interpretação dos provimentos jurisdicionais o postulado hermenêutico segundo o qual se deve preferir as interpretações que confiram aos dispositivos um significado útil, de maneira a não se presumir que contenha palavras descartáveis, como atesta Cândido Rangel Dinamarco, ao asseverar que, “como em geral tudo quanto se diz sobre interpretação de textos jurídicos, tem plena aplicação a esta [à sentença e outros provimentos judiciais]”, segue-se que “a interpretação das sentenças [e, obviamente, também dos demais provimentos judiciais] é comandada por normas gerais de interpretação de textos e por outras que lhe são peculiares”, de maneira que “entre os métodos apontados como critérios interpretativos daquelas [das leis] existem os que são propícios a uma ampliação e portanto valem também para estas [as sentenças, ou outros provimentos judiciais]” (Cândido Rangel Dinamarco, Processo Civil Empresarial, 2010, p. 335, nº 210 – grifei). 9. Assim, devendo o intérprete do provimento jurisdicional, diante de sua parte dispositiva, encontrar o significado útil das palavras que o compõem, isso se faz justamente pela compreensão de que, no trecho em que a decisão impõe a observância às “formalidades legais”, se contém um mandamento para o futuro, permitido pelo sistema em casos como o presente, em que se vislumbrou a “probabilidade de que se projetem no porvir as mesmas situações concretizadas no presente” (ob. cit., p. 387). 10. Nos casos em que o provimento jurisdicional determina a abstenção de determinados atos ilegais, mas o agente coator volta a reiterar os mesmo atos anteriormente tidos por ilegais e, consequentemente, proibidos, há de se reconhecer o desrespeito à autoridade do julgado, com a anulação dos atos que o afrontam. 11. Reclamação conhecida e julgada integralmente procedente. (TJPI | Reclamação Nº 2008.0001.002801-0 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | Tribunal Pleno | Data de Julgamento: 24/05/2012 )
Decisão
ACORDAM os componentes do Egrégio Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em rejeitar as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam e de ausência de interesse de agir. No mérito, à unanimidade, em conhecer da presente Reclamação e julgá-la integralmente procedente, para anular o ato de instauração do Inquérito Civil, pela Portaria nº 08/PJFEIS, de 18 de agosto de 2008, publicada no Diário da Justiça do Estado do Piauí nº 6.162, daquela data, contrariamente ao parecer do Ministério Público Superior.

Data do Julgamento : 24/05/2012
Classe/Assunto : Reclamação
Órgão Julgador : Tribunal Pleno
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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