TJPI 2008.0001.002834-3
PROCESSO CIVIL. CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS.
1. RELAÇÃO DE CONSUMO. DESTINATÁRIO FINAL. A expressão destinatário final, de que trata o art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor abrange quem adquire mercadorias para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade.
Aplicam-se ao caso as normas do Código de Defesa do Consumidor, na forma estatuída em seu art. 2º, uma vez que o autor, ainda que tenha adquirido o veículo para uso em atividade comercial, utilizando o veículo para prestar serviços que lhe possibilitariam sua mantença e da sua família, pode ser entendido como “consumidor”.
2. ILEGITIMADADE ATIVA. No contrato de alienação fiduciária ocorre uma transferência da posse do bem, sendo o devedor fiduciário o possuidor direto do objeto, tendo, portanto, legitimidade para pleitear qualquer reparo ou indenização referente ao mesmo, assim como é solidário responsável por danos causados pelo mesmo a terceiros. Comprovado que o veículo estava na posse do autor, estando sob sua responsabilidade, apesar de não ter sido transferida a sua propriedade junto ao Detran/PI, reconhece-se sua legitimidade ativa para figurar na demanda.
3. AGRAVOS RETIDOS
3.1. Tutela cautelar – entrega de cavalo mecânico – multa cominatória - Liminar deferida. Requisitos presentes.
3.1.1. PROVA INEQUÍVOCA. Dos documentos que acompanham à inicial indenizatória identificam-se a prova inequívoca de que o veículo adquirido pelo agravado trata-se de produto essencial para sua atividade de subsistência deste e que a máquina padece de diversos vícios, observados após sua entrega pela concessionária, sendo que tais vícios além de impedirem a atividade econômica exercida pelos consumidor/agravado, demonstram a não confiabilidade do automóvel, bem como o não atendimento das expectativas para o qual foi adquirido. Ademais, pesam em favor do agravado o fato de a própria requerida admitir os defeitos encontrados no veículo e a necessidade de consertos.
3.1.2. PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. Mostra-se lesiva ao patrimônio do agravado/consumidor, a conduta das requeridas, uma vez que, além de ter a atividade econômica e a própria vida postas em risco, despendeu quantia razoável e necessária ao conserto do bem, sem usufruí-lo de modo contínuo e regular.
3.1.3. IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA. É perfeitamente possível a conversão em pecúnia da depreciação do veículo similar entregue ao agravado, com a restituição do valor à recorrente, no caso de eventual improcedência dos pedidos articulados na demanda indenizatória originária.
3.2. PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS AO PERITO – INTEMPESTIVIDADE - OMISSÃO DO MAGISTRADO DE 1º GRAU - NULIDADE GUARDADA. O prazo para apresentação do recurso de agravo é de 10 (dez) dias, contados da decisão atacada, conforme dispõe o art. 522 do CPC. Insurgindo-se a agravante em relação à omissão do magistrado, que na audiência de instrução e julgamento não providenciou a oitiva do perito para esclarecer pontos da perícia realizada, o prazo para interposição do recurso começou na data da realização do ato, conforme interpretação corrente. No caso, o pedido de ordenamento falado, pugnado nesta apelação como Agravo Retido, foi feito em 28.02.2008. Ocorre que a audiência de instrução, na qual o Perito Judicial compareceu (termo de fls. 798/803), aconteceu em 01.02.2008, sem que no referido termo de audiência tenha sido consignado pedido de oitiva do perito ou do assistente técnico presentes, para esclarecimentos dos pontos indicados como obscuros. A intempestividade do agravo retido é evidente, porquanto o lapso entre a decisão agravada (ata de audiência - 01.02.2008) e o agravo retido (de 28.02.2008) ultrapassa o prazo de dez dias estabelecido pelo art. 522 do CPC. A omissão não se perpetua no tempo, evitando-se assim a utilização da chamada “nulidade guardada”.
3.3. PONTOS OMISSOS E CONTRADITÓRIOS NA SENTENÇA – (IM) POSSIBILIDADE DESTE TRIBUNAL APRECIAR OMISSÕES, OBSCURIDADES E CONTRADIÇÕES NA SENTENÇA. Nos termos do art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil, podem ser “objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro". Assim, ao julgar as apelações interpostas pelos interessados, este Tribunal de Justiça tem ampla possibilidade de reexaminar os fatos e as provas que permeiam a lide.
3.3.1. DAS OMISSÕES. As omissões que dizem respeito à substância da questão discutida, foram apreciadas no momento oportuno, a saber: ausência de ato ilícito e nexo de causalidade; exclusão da garantia contratual por culpa exclusiva do apelado e vencimento da garantia dos serviços realizados na concessionária.
3.3.1.1. CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGADA OMISSÃO EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS DO PERITO - PRECLUSÃO CONSUMATIVA. Sofre preclusão consumativa alegação de cerceamento de defesa decorrente de negativa do magistrado em deferir pedido de esclarecimentos de perito se tal questão já foi argüida em agravo retido que foi negado seguimento.
3.3.2. DA CONTRADIÇÃO. CONTRADIÇÃO NA SENTENÇA REPRESENTADA POR CONTRARIEDADE ENTRE A MEDIDA DE URGÊNCIA DEFERIDA, NA QUAL FOI DETERMINADA A ENTREGA DE OUTRO VEÍCULO CAVALO-MECÂNICO PARA USO PELO AUTOR, ATÉ RESOLUÇÃO DA LIDE, E A SENTENÇA, QUE, TORNANDO DEFINITIVA A DECISÃO LIMINAR, DETERMINOU A SUBSTITUIÇÃO DO BEM, QUANDO O CORRETO SERIA A SUBSTITUIÇÃO DOS COMPONENTES ENTENDIDOS COMO DEFEITUOSOS, EM MANIFESTO ERRO MATERIAL. Inexiste contradição quando o magistrado, tanto na liminar deferida quanto na sentença que a confirmou, determina a mesma providência, no caso, a substituição do cavalo mecânico defeituoso por outro semelhante, nada falando sobre substituição de componentes. Não há que se falar em contradição por ter sido determinada providência diferente daquela entendida como correta e pretendida pela parte requerida.
4. MÉRITO
4.1. DOS DANOS MATERIAIS - DEFEITOS ORIGINÁRIOS DE FÁBRICA - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE POR EXCLUSIVA CULPA DO AUTOR - NÃO CUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIAS PARA GARANTIA DAS PEÇAS, ENTRE ELAS A UTILIZAÇÃO APENAS DA OFICINA AUTORIZADA - REALIZAÇÃO DAS REVISÕES OBRIGATÓRIAS - ENTRADA DO PEDIDO ADMINISTRATIVO DENTRO DO PRAZO VÁLIDO DA GARANTIA OFERECIDA.
4.1.1. IMPOSSIBILIDADE DE USO DA GARANTIA POR AUSÊNCIA DA REALIZAÇÃO DAS REVISÕES OBRIGATÓRIAS, PREVISTAS NO MANUAL DO VEÍCULO. A prova pericial produzida não é concludente no sentido de que os defeitos identificados no veículo tiveram como causa direta a ausência de revisões periódicas ou utilização de serviços em oficina não autorizada ou que as avarias pudessem ser evitadas em razão de revisões periódicas ou tenham sido causadas por ação de terceiro. Reconhecido que o “calço hidráulico”, especificamente o “travamento do motor” “está associado à presença de um orifício anômalo no cabeçote do compressor” (fls. 719), e indicada que a causa mais provável está ligada à defeito de fábrica, não há que se falar em excludente de responsabilidade por culpa da vítima ou de terceiro. O ato ilícito está consubstanciado na fabricação, utilização e entrega de veículo ao consumidor com presença de componente defeituoso que impossibilita a utilização do bem a finalidade que se destina; o resultado reside na impossibilidade de uso do veículo e no prejuízo advindo desta impossibilidade, considerando que o veículo era usado para a atividade remunerada do consumidor e; o nexo de causalidade encontra-se visível diante de ter sido as requeridas responsáveis pela fabricação, distribuição e entrega de produto defeituoso.
4.1.2. QUANTUM DO PREJUÍZO MATERIAL - POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DOS COMPONENTES E NÃO DO VEÍCULO COMO UM TODO. Existindo nos autos comprovação de despesas com aquisição de peças, serviços contratados para conserto do veículo e aluguel de outro veículo para continuidade das atividades do autor, são estes os valores que devem compor o quantum, devendo este ser apurado em liquidação. Já relativo à possibilidade de substituição dos componentes e não necessariamente a troca do veículo como um todo, restando evidenciado o defeito no produto e não sendo sanado o vício em prazo razoável, como é o caso dos autos, em que o veículo ficou impossibilitado de uso por período superior a trinta dias após a compra, faculta-se ao consumidor escolher uma dentre as três opções elencadas no parágrafo primeiro do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor ("§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I. A substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II. A restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III. O abatimento proporcional do preço"). Correta, pois, a decisão que determinou a substituição do veículo por outro.
4.1.3. LIMITAÇÃO DO RECONHECIMENTO DO DIREITO A RESSARCIMENTO DO ALUGUEL DE OUTRO VEÍCULO AO PERÍODO DE 6 (SEIS) MESES. O veículo em questão era utilizado para atividade comercial, devendo, portanto, o prejuízo advindo da contratação de outro veículo corresponder exatamente ao valor do aluguel deste outro veículo, utilizado para a mesma finalidade, durante todo o período em que o autor/apelado restou impossibilitado de usufruir o bem, cujo quantum debeatur deve ser apurado através de liquidação de sentença por arbitramento, sem limitações de seis meses como pretendido pela recorrente.
4.2. DOS DANOS MORAIS. O dano moral, quando suficientemente evidenciados a conduta negligente, o dano e o nexo de causalidade, deve ser indenizado. Os transtornos decorrentes da aquisição de veículo e a impossibilidade de usufruir o bem em razão de defeitos de fábrica, ainda que verificados após meses de uso, aliados ao receio de o veículo parar de funcionar a qualquer hora e em qualquer lugar, bem como o desgaste provocado pela necessidade de repetidas vezes recorrer à oficina da concessionária na tentativa de sanar os defeitos, sem sucesso, causam abalos de ordem moral ao consumidor adquirente, devendo, destarte, ser indenizados.
4.2.1 QUANTUM. A indenização por danos morais deve ser fixada levando-se em conta a capacidade econômica das partes, a gravidade e repercussão do dano, os incômodos experimentados pelo autor e o aspecto educativo da sanção, tendo sempre como parâmetros a proporcionalidade e a razoabilidade da condenação. A pouca amplitude do evento danoso experimentado pela parte autora, que, apesar de ter gerado abalos em seu âmbito emocional e íntimo, não causou graves sequelas físicas ou psíquicas, bem como ainda vai ser indenizado pelos danos materiais sofridos, cabível se mostra a manutenção da verba aplicada. Com efeito, considerando o binômio posição social do ofendido e capacidade econômica do ofensor; levando em conta a pouca intensidade do dano sofrido em toda a sua dimensão, e ainda, em atenção ao que preceitua o artigo 944 do Código Civil, nos termos do qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”, hei por bem manter a indenização fixada pelo MM. Juiz a quo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Registre-se, igualmente, que não se pode levar em consideração, para fixação do quantum nos danos morais, o capital consolidado da empresa, ainda que esta seja de grande porte e aparentemente a condenação, em comparação com aquele, não seja elevada.
5. DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. Exigem-se dos profissionais que atuam no feito controle do ânimo e limitação a defesa técnica de seus constituintes, devendo ser evitada ofensas. Litigância de má fé não se caracteriza simplesmente pela alegação de fatos que supostamente são contraditórios. A comprovação da existência de defeito de fábrica não é fato incontroverso, ou mesmo simples de verificar, tanto que foi o objeto mais importante da perícia realizada, apresentando-se, pois, como legítimo exercício de defesa.
6. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. Conforme entendimento já consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça, a correção monetária da indenização por danos morais deverá dar-se a partir da publicação da decisão em que foi arbitrada, reduzida ou majorada, posto que, até então, presume-se atual. Versando o caso dos autos sobre responsabilidade civil extracontratual, de acordo com o disposto na Súmula n. 54, do STJ, os juros moratórios deveriam incidir desde o evento danoso (11.03.2005). O autor se conformando com o tópico do decisum que fixou o termo inicial dos juros moratórios incidentes sobre a indenização por danos como sendo a data de ajuizamento da ação, não interpondo recurso de apelação, torna defeso a esta Corte aplicar o entendimento esposado na Súmula 54 do STJ, uma vez que pioraria a situação das requeridas/apelantes, no tocante aos acessórios (juros moratórios), o que configuraria ofensa ao princípio da non reformatio in pejus. No caso específico dos presentes autos, deverão incidir sobre o valor da indenização por danos morais, como determinou o magistrado a quo, correção monetária, segundo os índices da CGJ/MG e juros moratórios de 1% ao mês, ambos contados da data da prolação da r. sentença de primeiro grau.
7 - Nego provimento aos Agravos Retidos e à Apelação do Autor, e quanto às Apelações das Requeridas, afasto as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento, apenas para alterar o termo inicial da correção monetária referente aos danos morais, fixando-a na data da prolação da sentença.
8. Ínfima a sucumbência do autor, fica mantida a r. sentença primeva, condenando as apelantes ao pagamento da totalidade das custas recursais e honorários arbitrados.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2008.0001.002834-3 | Relator: Des. Hilo de Almeida Sousa | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 04/09/2013 )
Ementa
PROCESSO CIVIL. CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS.
1. RELAÇÃO DE CONSUMO. DESTINATÁRIO FINAL. A expressão destinatário final, de que trata o art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor abrange quem adquire mercadorias para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade.
Aplicam-se ao caso as normas do Código de Defesa do Consumidor, na forma estatuída em seu art. 2º, uma vez que o autor, ainda que tenha adquirido o veículo para uso em atividade comercial, utilizando o veículo para prestar serviços que lhe possibilitariam sua mantença e da sua família, pode ser entendido como “consumidor”.
2. ILEGITIMADADE ATIVA. No contrato de alienação fiduciária ocorre uma transferência da posse do bem, sendo o devedor fiduciário o possuidor direto do objeto, tendo, portanto, legitimidade para pleitear qualquer reparo ou indenização referente ao mesmo, assim como é solidário responsável por danos causados pelo mesmo a terceiros. Comprovado que o veículo estava na posse do autor, estando sob sua responsabilidade, apesar de não ter sido transferida a sua propriedade junto ao Detran/PI, reconhece-se sua legitimidade ativa para figurar na demanda.
3. AGRAVOS RETIDOS
3.1. Tutela cautelar – entrega de cavalo mecânico – multa cominatória - Liminar deferida. Requisitos presentes.
3.1.1. PROVA INEQUÍVOCA. Dos documentos que acompanham à inicial indenizatória identificam-se a prova inequívoca de que o veículo adquirido pelo agravado trata-se de produto essencial para sua atividade de subsistência deste e que a máquina padece de diversos vícios, observados após sua entrega pela concessionária, sendo que tais vícios além de impedirem a atividade econômica exercida pelos consumidor/agravado, demonstram a não confiabilidade do automóvel, bem como o não atendimento das expectativas para o qual foi adquirido. Ademais, pesam em favor do agravado o fato de a própria requerida admitir os defeitos encontrados no veículo e a necessidade de consertos.
3.1.2. PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. Mostra-se lesiva ao patrimônio do agravado/consumidor, a conduta das requeridas, uma vez que, além de ter a atividade econômica e a própria vida postas em risco, despendeu quantia razoável e necessária ao conserto do bem, sem usufruí-lo de modo contínuo e regular.
3.1.3. IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA. É perfeitamente possível a conversão em pecúnia da depreciação do veículo similar entregue ao agravado, com a restituição do valor à recorrente, no caso de eventual improcedência dos pedidos articulados na demanda indenizatória originária.
3.2. PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS AO PERITO – INTEMPESTIVIDADE - OMISSÃO DO MAGISTRADO DE 1º GRAU - NULIDADE GUARDADA. O prazo para apresentação do recurso de agravo é de 10 (dez) dias, contados da decisão atacada, conforme dispõe o art. 522 do CPC. Insurgindo-se a agravante em relação à omissão do magistrado, que na audiência de instrução e julgamento não providenciou a oitiva do perito para esclarecer pontos da perícia realizada, o prazo para interposição do recurso começou na data da realização do ato, conforme interpretação corrente. No caso, o pedido de ordenamento falado, pugnado nesta apelação como Agravo Retido, foi feito em 28.02.2008. Ocorre que a audiência de instrução, na qual o Perito Judicial compareceu (termo de fls. 798/803), aconteceu em 01.02.2008, sem que no referido termo de audiência tenha sido consignado pedido de oitiva do perito ou do assistente técnico presentes, para esclarecimentos dos pontos indicados como obscuros. A intempestividade do agravo retido é evidente, porquanto o lapso entre a decisão agravada (ata de audiência - 01.02.2008) e o agravo retido (de 28.02.2008) ultrapassa o prazo de dez dias estabelecido pelo art. 522 do CPC. A omissão não se perpetua no tempo, evitando-se assim a utilização da chamada “nulidade guardada”.
3.3. PONTOS OMISSOS E CONTRADITÓRIOS NA SENTENÇA – (IM) POSSIBILIDADE DESTE TRIBUNAL APRECIAR OMISSÕES, OBSCURIDADES E CONTRADIÇÕES NA SENTENÇA. Nos termos do art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil, podem ser “objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro". Assim, ao julgar as apelações interpostas pelos interessados, este Tribunal de Justiça tem ampla possibilidade de reexaminar os fatos e as provas que permeiam a lide.
3.3.1. DAS OMISSÕES. As omissões que dizem respeito à substância da questão discutida, foram apreciadas no momento oportuno, a saber: ausência de ato ilícito e nexo de causalidade; exclusão da garantia contratual por culpa exclusiva do apelado e vencimento da garantia dos serviços realizados na concessionária.
3.3.1.1. CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGADA OMISSÃO EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS DO PERITO - PRECLUSÃO CONSUMATIVA. Sofre preclusão consumativa alegação de cerceamento de defesa decorrente de negativa do magistrado em deferir pedido de esclarecimentos de perito se tal questão já foi argüida em agravo retido que foi negado seguimento.
3.3.2. DA CONTRADIÇÃO. CONTRADIÇÃO NA SENTENÇA REPRESENTADA POR CONTRARIEDADE ENTRE A MEDIDA DE URGÊNCIA DEFERIDA, NA QUAL FOI DETERMINADA A ENTREGA DE OUTRO VEÍCULO CAVALO-MECÂNICO PARA USO PELO AUTOR, ATÉ RESOLUÇÃO DA LIDE, E A SENTENÇA, QUE, TORNANDO DEFINITIVA A DECISÃO LIMINAR, DETERMINOU A SUBSTITUIÇÃO DO BEM, QUANDO O CORRETO SERIA A SUBSTITUIÇÃO DOS COMPONENTES ENTENDIDOS COMO DEFEITUOSOS, EM MANIFESTO ERRO MATERIAL. Inexiste contradição quando o magistrado, tanto na liminar deferida quanto na sentença que a confirmou, determina a mesma providência, no caso, a substituição do cavalo mecânico defeituoso por outro semelhante, nada falando sobre substituição de componentes. Não há que se falar em contradição por ter sido determinada providência diferente daquela entendida como correta e pretendida pela parte requerida.
4. MÉRITO
4.1. DOS DANOS MATERIAIS - DEFEITOS ORIGINÁRIOS DE FÁBRICA - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE POR EXCLUSIVA CULPA DO AUTOR - NÃO CUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIAS PARA GARANTIA DAS PEÇAS, ENTRE ELAS A UTILIZAÇÃO APENAS DA OFICINA AUTORIZADA - REALIZAÇÃO DAS REVISÕES OBRIGATÓRIAS - ENTRADA DO PEDIDO ADMINISTRATIVO DENTRO DO PRAZO VÁLIDO DA GARANTIA OFERECIDA.
4.1.1. IMPOSSIBILIDADE DE USO DA GARANTIA POR AUSÊNCIA DA REALIZAÇÃO DAS REVISÕES OBRIGATÓRIAS, PREVISTAS NO MANUAL DO VEÍCULO. A prova pericial produzida não é concludente no sentido de que os defeitos identificados no veículo tiveram como causa direta a ausência de revisões periódicas ou utilização de serviços em oficina não autorizada ou que as avarias pudessem ser evitadas em razão de revisões periódicas ou tenham sido causadas por ação de terceiro. Reconhecido que o “calço hidráulico”, especificamente o “travamento do motor” “está associado à presença de um orifício anômalo no cabeçote do compressor” (fls. 719), e indicada que a causa mais provável está ligada à defeito de fábrica, não há que se falar em excludente de responsabilidade por culpa da vítima ou de terceiro. O ato ilícito está consubstanciado na fabricação, utilização e entrega de veículo ao consumidor com presença de componente defeituoso que impossibilita a utilização do bem a finalidade que se destina; o resultado reside na impossibilidade de uso do veículo e no prejuízo advindo desta impossibilidade, considerando que o veículo era usado para a atividade remunerada do consumidor e; o nexo de causalidade encontra-se visível diante de ter sido as requeridas responsáveis pela fabricação, distribuição e entrega de produto defeituoso.
4.1.2. QUANTUM DO PREJUÍZO MATERIAL - POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DOS COMPONENTES E NÃO DO VEÍCULO COMO UM TODO. Existindo nos autos comprovação de despesas com aquisição de peças, serviços contratados para conserto do veículo e aluguel de outro veículo para continuidade das atividades do autor, são estes os valores que devem compor o quantum, devendo este ser apurado em liquidação. Já relativo à possibilidade de substituição dos componentes e não necessariamente a troca do veículo como um todo, restando evidenciado o defeito no produto e não sendo sanado o vício em prazo razoável, como é o caso dos autos, em que o veículo ficou impossibilitado de uso por período superior a trinta dias após a compra, faculta-se ao consumidor escolher uma dentre as três opções elencadas no parágrafo primeiro do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor ("§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I. A substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II. A restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III. O abatimento proporcional do preço"). Correta, pois, a decisão que determinou a substituição do veículo por outro.
4.1.3. LIMITAÇÃO DO RECONHECIMENTO DO DIREITO A RESSARCIMENTO DO ALUGUEL DE OUTRO VEÍCULO AO PERÍODO DE 6 (SEIS) MESES. O veículo em questão era utilizado para atividade comercial, devendo, portanto, o prejuízo advindo da contratação de outro veículo corresponder exatamente ao valor do aluguel deste outro veículo, utilizado para a mesma finalidade, durante todo o período em que o autor/apelado restou impossibilitado de usufruir o bem, cujo quantum debeatur deve ser apurado através de liquidação de sentença por arbitramento, sem limitações de seis meses como pretendido pela recorrente.
4.2. DOS DANOS MORAIS. O dano moral, quando suficientemente evidenciados a conduta negligente, o dano e o nexo de causalidade, deve ser indenizado. Os transtornos decorrentes da aquisição de veículo e a impossibilidade de usufruir o bem em razão de defeitos de fábrica, ainda que verificados após meses de uso, aliados ao receio de o veículo parar de funcionar a qualquer hora e em qualquer lugar, bem como o desgaste provocado pela necessidade de repetidas vezes recorrer à oficina da concessionária na tentativa de sanar os defeitos, sem sucesso, causam abalos de ordem moral ao consumidor adquirente, devendo, destarte, ser indenizados.
4.2.1 QUANTUM. A indenização por danos morais deve ser fixada levando-se em conta a capacidade econômica das partes, a gravidade e repercussão do dano, os incômodos experimentados pelo autor e o aspecto educativo da sanção, tendo sempre como parâmetros a proporcionalidade e a razoabilidade da condenação. A pouca amplitude do evento danoso experimentado pela parte autora, que, apesar de ter gerado abalos em seu âmbito emocional e íntimo, não causou graves sequelas físicas ou psíquicas, bem como ainda vai ser indenizado pelos danos materiais sofridos, cabível se mostra a manutenção da verba aplicada. Com efeito, considerando o binômio posição social do ofendido e capacidade econômica do ofensor; levando em conta a pouca intensidade do dano sofrido em toda a sua dimensão, e ainda, em atenção ao que preceitua o artigo 944 do Código Civil, nos termos do qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”, hei por bem manter a indenização fixada pelo MM. Juiz a quo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Registre-se, igualmente, que não se pode levar em consideração, para fixação do quantum nos danos morais, o capital consolidado da empresa, ainda que esta seja de grande porte e aparentemente a condenação, em comparação com aquele, não seja elevada.
5. DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. Exigem-se dos profissionais que atuam no feito controle do ânimo e limitação a defesa técnica de seus constituintes, devendo ser evitada ofensas. Litigância de má fé não se caracteriza simplesmente pela alegação de fatos que supostamente são contraditórios. A comprovação da existência de defeito de fábrica não é fato incontroverso, ou mesmo simples de verificar, tanto que foi o objeto mais importante da perícia realizada, apresentando-se, pois, como legítimo exercício de defesa.
6. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. Conforme entendimento já consolidado no colendo Superior Tribunal de Justiça, a correção monetária da indenização por danos morais deverá dar-se a partir da publicação da decisão em que foi arbitrada, reduzida ou majorada, posto que, até então, presume-se atual. Versando o caso dos autos sobre responsabilidade civil extracontratual, de acordo com o disposto na Súmula n. 54, do STJ, os juros moratórios deveriam incidir desde o evento danoso (11.03.2005). O autor se conformando com o tópico do decisum que fixou o termo inicial dos juros moratórios incidentes sobre a indenização por danos como sendo a data de ajuizamento da ação, não interpondo recurso de apelação, torna defeso a esta Corte aplicar o entendimento esposado na Súmula 54 do STJ, uma vez que pioraria a situação das requeridas/apelantes, no tocante aos acessórios (juros moratórios), o que configuraria ofensa ao princípio da non reformatio in pejus. No caso específico dos presentes autos, deverão incidir sobre o valor da indenização por danos morais, como determinou o magistrado a quo, correção monetária, segundo os índices da CGJ/MG e juros moratórios de 1% ao mês, ambos contados da data da prolação da r. sentença de primeiro grau.
7 - Nego provimento aos Agravos Retidos e à Apelação do Autor, e quanto às Apelações das Requeridas, afasto as preliminares e, no mérito, dou parcial provimento, apenas para alterar o termo inicial da correção monetária referente aos danos morais, fixando-a na data da prolação da sentença.
8. Ínfima a sucumbência do autor, fica mantida a r. sentença primeva, condenando as apelantes ao pagamento da totalidade das custas recursais e honorários arbitrados.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2008.0001.002834-3 | Relator: Des. Hilo de Almeida Sousa | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 04/09/2013 )Decisão
acordam os componentes da 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em negar provimento aos Agravos Retidos e à Apelação do Autor, e quanto às Apelações das requeridas, à unanimidade, afastar as preliminares, e, no mérito, dar parcial provimento, apenas para alterar o termo inicial da correção monetária referente aos danos morais, fixando-a na data da prolação da sentença. Quanto ao mais, fica mantida a r. sentença primeva, inclusive em relação ao ônus da sucumbência. Ademais, em sendo ínfima a sucumbência do autor/apelado, condenar as apelantes ao pagamento da totalidade das custas recursais.
Data do Julgamento
:
04/09/2013
Classe/Assunto
:
Apelação Cível
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Hilo de Almeida Sousa
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