TJPI 2009.0001.000914-6
PROGRAMA DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO. Lei Estadual nº 4.865/1996. ADESÃO. NEGÓCIO JURÍDICO RECEPTÍCIO. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS NÃO PRESTADOS PELO ESTADO DO PIAUÍ. ERRO SUBSTANCIAL, DETERMINANTE E ESCUSÁVEL. PRINCÍPIO DA IGUALDADE REAL OU SUBSTANCIAL. TUTELA DA PESSOA.
1. Se a situação não é de valoração da prova, afasta-se a alegação de violação ao art. 333, I, do CPC, relativo ao ônus da prova, que incumbe ao autor, “quanto ao fato constitutivo de seu direito”.
2. Nos casos em que não se constata coação, isto é, falta de liberdade na prática do negócio, afasta-se a alegação de violação ao art. 151 do CC/02, dispositivo correspondente ao art. 98 do CC/16.
3. Reconhece-se a ocorrência de erro, isto é, de ideia falsa da realidade, ou de falsa noção do objeto da manifestação de vontade, nos casos em que servidores públicos aderiram a Programa de Desligamento Voluntário (PDV), sem que, no entanto, tivessem “conhecimento da verdade em torno dos elementos envolvidos na declaração de vontade”, tais como a indisponibilidade de “recursos financeiros capazes de operacionalizar o Programa não estavam à disposição do Estado”, e que, se algum dos incentivos do desligamento não fosse efetivado, ele deveria, para tanto, “buscar os meios judiciais cabíveis”, a fim de que fossem implementados.
4. Nas hipóteses em que servidores, não conhecendo essa realidade, optaram pela adesão ao PDV, cometeram o mais elementar dos vícios do conhecimento, que é o erro, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, que serviram de ementa a Acórdão do TJ-SC: - “O mais elementar dos vícios do consentimento é o erro. Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede com erro. Há, então, na base do negócio jurídico realizado um estado psíquico decorrente da falsa percepção dos fatos, conduzindo a uma declaração de vontade desconforme com o que deveria ser, se o agente tivesse conhecimento dos seus verdadeiros pressupostos fáticos.” (Instituições de Direito Civil, vol. I, 2004, p. 517, apud TJ-SC, Ap. Cív. nº 2005.006012-0, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 19.12.2006, apud Cristiano Imhof, Código Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2009, p. 144 e 145, nº 1).
5. Nestas circunstâncias, não há confundir o erro, como falta de conhecimento da verdade em torno dos elementos envolvidos na declaração de vontade, com a coação, que é “a falta de liberdade na prática do negócio”, como já decidiu o TJ-MG, ementando o r. Acórdão com lição retirada de Humberto Theodoro Júnior: - “A respeito do erro capaz de levar à anulação do negócio jurídico, são de extrema valia as considerações de Humberto Theodoro Júnior in 'Comentários ao novo Código Civil', coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira, v. III. Forense: Rio de Janeiro, 2003, p. 35: 'O erro como vício de consentimento. O negócio jurídico, para ser perfeito e plenamente válido, reclama, por parte do agente, declaração de vontade livre e consciente. Por isso, a coação e o erro são causas de anulabilidade. Na primeira hipótese, por falta de liberdade na prática do negócio, e, na segunda, por não se ter conhecimento da verdade em torno dos elementos e envolvidos na declaração de vontade. De qualquer maneira, a vontade se acha viciada, seja porque, conhecendo a verdade, a parte se viu compelida a declarar o que realmente não correspondia ao seu querer íntimo, seja porque, não conhecendo a realidade, a declaração só se concretizou à base da falsa noção da causa ou objeto da manifestação de vontade e, assim, fosse conhecida a verdade, o negócio não teria sido praticado, ou tê-lo-ia sido em termos diferentes'” (TJ-MG, Ap. Cív. nº 1.0024.04.371616-7/001, rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha, j. 26.7.2007, apud Cristiano Imhof, Código Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2009, p. 145, nº 2).
6. Os tribunais têm decidido, na linha da doutrina, que o fundamento jurídico do pedido, que, na forma do art. 282, III, do CPC, é um dos requisitos da inicial, não se confunde com o fundamento legal do pedido, porque “a invocação desta ou daquela regra jurídica é argumento, e não a razão da pretensão”, que, transformada em questões, a decisão deve responder. O que importa dizer que “a qualificação jurídica dos fatos pelo autor não é essencial para o sucesso da ação”, porque “o juiz pode conferir aos fatos qualificação jurídica diversa da atribuída pelo autor.”.
7. Por isso, é irrelevante que o acórdão se funde em dispositivo legal diverso daquele indicado pelo autor, desde que os mesmos fatos narrados na inicial tenham sido considerados na decisão judicial.
8. Assim, porque o juiz conhece o direito (jura novit curia), basta que o autor, na inicial da demanda, leve ao conhecimento do juiz o fato, para que dele possa receber o direito (da mihi factum, dabo tibi jus), porque, como também é da jurisprudência, “o juiz aplica o direito ao fato, ainda que aquele não tenha sido invocado.”. Precedentes do STJ.
9. Todos estes brocardos jurídicos, que enunciam verdadeiras regras processuais, são aplicáveis à Ação Rescisória, para admissão da qual não importa a falha na indicação do dispositivo que serve de fundamento legal para a demanda: - “Os brocardos jurídicos jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus são aplicáveis às ações rescisórias. Ao autor cumpre precisar os fatos que autorizam a concessão da providência jurídica reclamada, incumbindo ao juiz conferir-lhe o adequado enquadramento legal. Se o postulante, embora fazendo menção aos incisos III e VI do art. 485, CPC, deduz como causae petendi circunstâncias fáticas que encontram correspondência normativa na disciplina dos incisos V e IX, nada obsta que o julgador, atribuindo correta qualificação jurídica às razões expostas na inicial, acolha a pretensão rescisória. O que não se admite é o decreto de procedência estribado em fundamentos distintos dos alinhados na peça vestibular” (RSTJ 48/136, apud Theotonio Negrão e outros, CPC e Legislação Processual em Vigor, 2011, p. 591, nº 6c). Outros precedentes do STJ.
10. A declaração de vontade dos Autores da adesão ao PDV não é ato administrativo, mas negócio jurídico receptício, porque a declaração negocial dos Autores, como declarantes, deve ser recebida e aceita pelo Estado, como declaratário, para que produza os efeitos jurídicos.
11. E se a adesão ao PDV é declaração negocial, de natureza receptícia, trata-se de negócio jurídico privado, que não goza de presunção de validade, mas deve preencher, para este fim, os requisitos do art. 104, I a III, do CC.
12. Nas hipóteses em que o acórdão rescindendo tiver qualificado o ato de adesão ao PDV como ato administrativo, e o vício da vontade declarada no ato de adesão como coação, impõe-se o reconhecimento de violação literal aos arts. 138 e 139, I, do CC, por ter deixado de aplicá-los ao caso concreto.
13. Trata-se de violação por omissão, como é ressaltado pela doutrina e pela jurisprudência, pois, nas palavras de Elpídio Donizetti, “não se exige, para a propositura da ação rescisória, que o dispositivo legal violado tenha sido expressa ou implicitamente tratado na decisão rescindenda.” (Curso de Direito Processual Civil, 2010, p. 702). Pela jurisprudência, o r. Acórdão subscrito pelo Min. Jorge Scartezzini, ao assinalar que “em se tratando de ação rescisória, a decisão é atacável, ainda que a lei, que venha a ser invocada na ação rescisória, não tenha sido examinada pela decisão rescindenda” (STJ, REsp 741753/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2006, DJ 07/08/2006, p. 234).
14. Impõe-se reconhecer a violação pelo acórdão rescindendo dos arts. 138 e 139, I, do CC, nas hipóteses em que a declaração de vontade de adesão ao PDV está viciada por erro, tanto à luz da inicial da demanda, como à luz da contestação oferecida pelos Réus, além da simples leitura do próprio acórdão rescindendo.
15. O popular PDV é definido pelo art. 1º, § 2º, da Lei Estadual nº 4.865/1996, que o instituiu, como “um conjunto de incentivos de desligamento voluntário do servidor público estadual, tivesse estabilidade ou não no emprego ou cargo público (art. 5º da Lei): - “Art. 1º – Fica instituído o PROGRAMA DE INCENTIVO AO DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL, visando a adequação dos gastos com pessoal aos limites previstos na Lei Complementar Federal nº 82, de 27 de março de 1995 e a otimização da prestação dos serviços públicos. (…) § 2º – O Programa, a que se refere esta Lei, compreende um conjunto de incentivos ao desligamento voluntário do servidor público estadual. (…) Art. 5º – Os servidores públicos estaduais não estáveis poderão requerer seu desligamento voluntário, na mesma forma aplicável aos servidores estáveis, fazendo jus aos benefícios estabelecidos nos incisos II a VIII do art. 4º desta Lei e, segundo o regime jurídico.”.
16. Esse conjunto de incentivos, ou de benefícios, estão elencados pelo art. 4º, incisos I a VIII, da Lei do PDV (Lei Estadual nº 4.865/1996), e consistem em: i) pagamento em dinheiro (arts. 3º e 4º, I, V, VI, VII, VIII); ii) concessão prioritária de financiamento para abertura de atividade produtiva autônoma (art. 4º, II); iii) assistência e treinamento gerencial, visando a preparar o pedevista para o mercado de trabalho ou para estabelecer-se por conta própria (art. 4º, III).
17. A par disso, a Lei do PDV (Lei Estadual nº 4.865/1996) prescreve os meios utilizados para a concessão desses incentivos ou benefícios.
18. Assim, a assistência e treinamento gerencial seriam proporcionados pelo Estado, ou mediante convênios deste com Instituições que fizessem parte de parcerias (art. 8º), e, no art. 8º, parágrafo único, especificou os mecanismos de apoio que seriam utilizados pelo programa de treinamento dos pedevistas.
19. No entanto, o próprio Estado reconhece, em sua contestação, que não cumpriu com estes incentivos ou não concedeu benefícios aos pedevistas, ao alegar que esse treinamento dependia de iniciativa do ex-servidor, quando, pelo art. 8º da Lei do PDV cabia ao Estado proporcionar esse treinamento gerencial, por si mesmo, através de Instituições conveniadas com o Estado para a realização deste objetivo do Programa.
20. De outro lado, os recursos financeiros para o cumprimento do programa seriam oriundos de Instituições Financeiras Internacionais e Nacionais, e, eventualmente, dos Tesouros Nacional e Estadual (art. 9º), quando o próprio reconhece, também em sua contestação, que os recursos financeiros capazes de operacionalizar o programa não foram colocados à disposição do Estado, cabendo aos servidores buscar os meios judiciais cabíveis para garantir o direito a esse financiamento.
21. Por fim, o art. 10 da Lei estabelece que a implantação do PDV deveria ser precedida de campanha de divulgação, visando à conscientização dos servidores.
22. Animados por esses incentivos e benefícios, com promessas, com perspectiva de inserir-se no mercado de trabalho, com “abertura e gerenciamento da atividade privada”, e, para isso, devidamente capacitados pelo Estado (art. 8º, parágrafo único, inciso I, da Lei), tornava-se atraente aderir ao PDV, pois a perda do emprego seria compensada com a chance de ter um lugar no mercado de trabalho com atividade produtiva autônoma.
23. Assinado, o desligamento, incentivos e benefícios não foram concretizados pelo Estado, deixando os Autores numa situação de verdadeira perda de chance, isto é, perda da chance de ter permanecido em seu emprego; perda da chance de capacitar-se para o mercado de trabalho; perda da chance de abrir e gerenciar atividade privada nos setores produtivos da economia.
24. Isto é erro. Erro, que impediu os Autores de se manifestarem livremente na sua opção pelo PDV.
25. Na doutrina do autorizado Antônio Junqueira de Azevedo, de feliz memória, “no processo de formação da declaração (de vontade), podem se distinguir dois momentos: o primeiro, que vai até a formação da vontade, com a deliberação, e o segundo, que vai daí até a expressão dessa vontade, com a declaração.” (V. Negócio Jurídico e Declaração Negocial – noções gerais e formação da declaração negocial, 1986, p. 170).
26. O erro de servidores, nos casos de adesão a Programa de Desligamento Voluntário (PDV), é caracterizadamente erro na formação da vontade, que corresponde ao primeiro momento no aludido processo de formação da declaração de vontade negocial: - “Segue-se (desses dois momentos no processo de declaração de vontade) que, em matéria de negócio jurídico, há dois tipos de erro: a) o erro na formação da vontade, que é uma inadequatio intelectus ad rem, o pensamento não se conforma às coisas, e a pessoa age sob uma ideia falsa da realidade; b) o erro na expressão da vontade, que é uma inadequatio rei ad intelectum, as coisas não se conformam com o que foi pensado, isto é, a declaração não corresponde ao que foi deliberado.”. (V. ob. cit., p. 170).
27. No erro da formação da vontade, como assinala, com propriedade, Antônio Junqueira de Azevedo, no escólio doutrinário acima transcrito, “o pensamento não se conforma às coisas, e a pessoa age sob uma idéia falsa da realidade.” (Idem, ibidem, p. 170), porque, com efeito, ainda nas palavras do mestre, a verdade “(é) a correspondência entre pensamento e realidade, (que) é sempre estabelecida por um juízo”, podendo-se dizer, então, que “haverá conformidade (entre o pensamento e a realidade) se a coisa for o que dela se pensou.” (Idem, ibidem, p. 169).
28. Assim, se a coisa não for o que dela se pensou, estar-se-á diante do erro na formação da vontade, porquanto o pensamento que não se conforma às coisas, é o contrário da verdade, como assinala Antônio Junqueira de Azevedo: - “(...) o erro é o contrário da verdade. É, pois, uma inadequatio rei et intelectus.” (V. ob. cit., p. 170).
29. É exatamente esse vício na declaração da vontade que se caracteriza nos casos em que o PDV não era o que pensaram os servidores que a ele aderiram – que estava na lei, foi objeto de ampla divulgação, e a respeito do que deliberaram quando manifestaram a sua adesão ao programa de desligamento do serviço público estadual.
30. Na lei, o PDV não é o simples ato de desligamento do servidor público do cargo, emprego ou função que desempenha na administração estadual. Ao contrário disso, o PDV é um “conjunto de incentivos” ao desligamento do servidor público estadual, como se lê no art. 1º, § 2º, da Lei Estadual nº 4.805/96.
31. Esse “conjunto de incentivos”, por sua vez, divide-se em dois (2) grandes grupos: a) incentivos a serem pagos em dinheiro (arts. 3º, 4º, I, V, VI, VII e VIII) e b) incentivos a serem prestados in natura (arts. 4º, II, III, IV, 8º e 9º). Os incentivos pagos em dinheiro receberam o nome de indenização e os outros foram chamados de incentivos ou benefícios.
32. Por isso, na declaração de vontade de adesão ao PDV os Autores manifestaram a vontade “em receber, a título de indenização e incentivos(,) o que está estabelecido na legislação supracitada”, isto é, a Lei do PDV (fls. 101, vol. I).
33. Não fica elidido o erro dos servidores, mas resta confirmado que o Programa não era o que dele se pensou, nas hipóteses em que os aderentes ao PDV receberam a indenização, mas, apesar disso, não receberam os incentivos previstos na Lei, que se constituíam em verdadeiros direitos i) à prioridade na concessão de financiamento para a abertura de atividade produtiva autônoma; ii) à assistência e treinamento gerencial proporcionado pelo Estado ou instituição com este conveniada, como é da Lei do PDV. A existência de erro é corroborada, ainda, pelo próprio Estado do Piauí, ao reconhecer, na contestação à inicial da demanda, que se limitou ao pagamento de indenizações em dinheiro, afirmando, quanto aos demais incentivos e benefícios, que os servidores devem procurar o caminho da justiça.
34. Portanto, os servidores que aderiram ao PDV erraram quanto à concessão (art. 4º, II, III, e art. 5º) e quanto à garantia (art. 8º e parágrafo único, I e II) desses direitos pelo Estado do Piauí.
35. Trata-se de erro sobre o objeto da declaração, que tanto pode recair sobre a totalidade do conteúdo negocial, ou, por outra, sobre parte do objeto negocial, como ensina Antônio Junqueira de Azevedo: “(...) pode-se falar, com amplo fundamento em textos romanos, em diversos tipos de erro, correspondente a variadas situações. (…). Assim, temos: a) (…); b) erro sobre o objeto da declaração, podendo ser sobre todo o conteúdo ou sobre parte (erro parcial);” (V. Idem, ibidem, pp. 175/6).
36. Na mesma linha, é a lição de Jayme Landim, ao assinalar que, em matéria de erro, pode ser objeto de declaração negocial tanto a coisa como o direito ou a relação jurídica, isto é, tudo quanto possa ser objeto do negócio jurídico pode ser objeto de erro: – “A fórmula genérica do Código abrange ou se agasalha em vários tipos de êrro (sic). Antes de especificá-los, são convenientes algumas observações propedêuticas. A primeira é a de que por objeto se entende tanto a coisa como qualquer outro bem, direito inclusive. Nem podia deixar de ser assim. Os escopos do contrato outros não são que a criação, modificação ou supressão de um direito ou de uma relação de direito; e o objeto das prestações dandi ou faciendi em direitos podem consistir. Tudo quanto possa ser objeto do ato jurídico é objeto no sentido do art. 87 [CC/16, a que corresponde o art. 139, I, do CC/2002].” (V. Vícios da Vontade – Erro, 1960, p. 178, nº 39).
37. Neste ponto, não se deve prestigiar interpretações voluntaristas da declaração de vontade, para presumir que “o servidor público que adere a programa de desligamento voluntário, como o próprio nome o diz, o faz porque quer.”.
Ora, em princípio, “o que é voluntário deve valer, porque ninguém quer o mal para si mesmo”, como adverte, com perspicácia, Antônio Junqueira de Azevedo. Porém, diz este autor, como “um certo contratualismo persiste: 'quem diz contratual diz justo'. Ora, esse modo de ver exige, naturalmente, a integridade da vontade.” (Idem, ibidem, p. 137).
38. Com efeito, a vontade sã, consciente e livre de qualquer vício, é, nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo, uma decorrência da necessidade de igualdade real das partes negociais.
39. Note-se que se fala em igualdade real e não apenas em igualdade formal entre as partes negociais, porque o que está em causa, em matéria de vícios da declaração de vontade, no negócio jurídico, não é propriamente o respeito à vontade individual dos negociantes, isto é, do declarante (o que faz a declaração de vontade) e do declaratário (o que recebe a declaração de vontade). O que é protegida, em matéria de declaração de vontade do negócio jurídico, não é a vontade, mas é a pessoa, como diz, com surpreendente visão do futuro, Antônio Junqueira de Azevedo, porquanto é a pessoa que está em posição de inferioridade toda vez que manifesta uma vontade viciada no negócio jurídico.
40. De tal modo, que, no pensamento extraordinariamente moderno de Antônio Junqueira de Azevedo, os institutos do erro, dolo e coação não visam propriamente “assegurar que a declaração negocial se forme de modo regular, evitando que alguém, sem querer, ou com uma vontade débil, se obrigue por sua declaração” (Idem, ibidem, p. 137), “e, sim, o fato de que, nessas situações, o errante, ou o coacto, deixa de estar em pé de igualdade, diante do declaratário.” (Idem, ibidem, p. 138), sendo que, nesta situação, “a lei (…) corrige a desigualdade real transferida para o negócio.”: – “Tradicionalmente, os problemas da formação da declaração são encarados sob o ângulo da vontade: para validade do negócio jurídico, a vontade deve existir, ser consciente e livre. Os institutos do erro, dolo e coação, por exemplo, visam assegurar que a declaração negocial se forme de modo regular, evitando que alguém, sem querer, ou com uma vontade débil, se obrigue por sua declaração. As próprias incapacidades são encaradas, muitas vezes, sob o ângulo da vontade. O que é voluntário deve valer, porque ninguém quer o mal para si mesmo. Um certo contratualismo persiste: 'quem diz contratual diz justo'. Ora, esse modo de ver exige, naturalmente, a integridade da vontade. (…) Ora, a concepção do negócio jurídico como modelo social de atitude impõe, mesmo aqui, no campo dos 'vícios do consentimento', uma revolução na explicação das normas sobre os institutos, que giram em torno da formação da declaração negocial: a razão de ser dessas normas está mais na necessidade de igualdade real de declarante e declaratário, que na integridade da vontade. O negócio jurídico não somente é, por definição, ato realizado em nível de igualdade (igualdade formal), como também pede igualdade real entre declarante e declaratário. Não é, pois, propriamente, o respeito à vontade individual, ou uma proteção mítica ao querer consciente e livre, que leva a lei a sancionar com algum tipo de nulidade o ato praticado com erro, ou sob coação, e sim, o fato de que, nessas situações, o errante, ou o coacto, deixa de estar em pé de igualdade, diante do declaratário. Quando se sabe que, normalmente, os atos com 'vícios de consentimento' são sancionados com nulidade relativa, e não, absoluta, vê-se logo que as normas respectivas não estão no ordenamento para 'proteger' a vontade individual, eis que, se o negócio pode, ou não, ser anulado, segundo decisão do interessado, e e a vontade é idêntica, que num caso, quer noutro, o bem jurídico tutelado não pode ser, obviamente, essa vontade; protegida é a pessoa. E, por que esta, e não aquela? Porque esta é que estava em posição de inferioridade e a lei, em matéria de negócio jurídico, corrige a desigualdade real transferida para o negócio.” (V. ob. cit., pp. 137/138).
41. Ora, os servidores, ao errar quanto ao objeto do PDV, quando deliberaram aderir ao Programa de Desligamento Voluntário instituído pela Lei Estadual, colocaram-se em posição de inferioridade, em relação ao Estado do Piauí, que agora os remete, superiormente, para reclamar nas vias judiciais, os incentivos que lhes são concedidos e garantidos, expressamente, pela Lei do PDV (art. 4º, II e III, art. 8º, parágrafo único, I e II, e art. 9º).
42. A rescisão deste r. Acórdão se impõe como forma de corrigir a desigualdade real existente entre as partes negociais, e que foi transferida para o negócio pelo erro dos servidores aderentes, retirando-os, assim, da posição de inferioridade em que se encontram em relação ao Estado do Piauí, como é uma exigência do princípio da igualdade real que preside a celebração de todo negócio jurídico.
43. Trata-se, ademais disso, de erro determinante ou essencial, porque, não fossem esses incentivos e benefícios, que não seriam pagos em dinheiro, mas in natura, e, com certeza, os servidores não teriam se desligado do serviço público estadual em troca de trinta (30) moedas. Não pediriam o seu desligamento simplesmente pelo dinheiro que lhes seria pago a título de indenização, cujo montante se constitui de pequenas parcelas, correspondentes, aliás, a direitos já adquiridos por eles no serviço público – pagamento de salário atualizado (art. 4º, VIII); 13º salário (4º, VII); licença-prêmio não gozada (art. 4º, VI); férias vencidas e não gozadas (art. 4º, V); e indenização por tempo de serviço, calculada com base na metade do salário, por cada ano de serviço trabalhado (art. 5º, § 1º).
44. Não tendo sido contraprestados estes incentivos e benefícios pelo Estado, na forma da lei, os servidores, ao aderirem ao PDV, agiram sob o império de uma falsa representação da realidade, isto é, com erro, que, como diz Fábio Ulhoa Coelho, é “(a) decisão tomada em face de falsa representação da realidade.” (V. Curso de Direito Civil, vol. I, 3ª ed., p. 330).
45. E se trata de erro substancial, porque relativo ao objeto do negócio, isto é, incentivos e benefícios, que não foram concedidos, apesar da promessa legal, contida na Lei do PDV, e que os servidores, ao aderirem ao PDV, não tinham condição de saber se seriam descumpridas pelo Estado do Piauí. E a jurisprudência do TJ-MG, que, no particular, cita Maria Helena Diniz na ementa do r. Acórdão: - “Maria Helena Diniz (Código Civil Anotado (p. 141)) tece comentários acerca do erro substancial: 'O erro é uma noção inexata sobre um objeto, que influencia a formação da vontade do declarante, que a emitirá de maneira diversa da que a manifestaria se dele tivesse conhecimento exato (…) Para viciar a vontade e anular o ato negocial, este deverá ser substancial, escusável e real. Escusável, no sentido de que há de ter por fundamento uma razão plausível ou ser de tal monta que qualquer pessoa de atenção ordinária ou de diligência normal (hominus medius) seja capaz de cometê-lo, em face das circunstâncias do negócio (…) Real por importar efetivo dano para o interessado'” (TJ-MG, Ap. Cív. nº 2006.020581-1/0000-00, rel. Des. Rêmolo Letteriello, j. 13.2.2007, apud Cristiano Imhof, Código Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2009, p. 145, nº 3).
46. E erro escusável, porque, naquelas circunstâncias, inclusive de propaganda massiva pela adesão dos servidores ao PDV, em troca de todos os incentivos e benefícios, o homem comum não deixaria de aderir ao referido Programa, pela confiança legítima que nele despertava. É o conceito da jurisprudência do próprio STJ: - “2. O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser inescusável, decorrente da falsa representação da realidade própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria.” (STJ, REsp 744311/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 09/09/2010).
47. Assim, sem a ideia falsa sobre os incentivos e benefícios do PDV, que são objeto do negócio, inteiramente desculpável, tantos servidores não teriam aderido ao PDV para trocar o seus cargos e empregos por nada.
DIREITO PROCESSUAL PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA NO DIREITO PROCESSUAL PÚBLICO. ÔNUS DO RÉU QUANTO À PROVA DOS FATOS DESCONSTITUTIVOS DO DIREITO ALEGADO PELO AUTOR. TEORIA DA CARGA DINÂMICA DAS PROVAS OU TEORIA DA DISTRIBUÍÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS PROVATÓRIO. PROVA DIABÓLICA. MELHORES CONDIÇÕES DA FAZENDA PÚBLICA PARA PRODUZIR PROVAS.
1. Cabe ao Estado fazer prova de que os incentivos e benefícios, de capacitação de caráter assistencial – mão de obra, plano de negócios, financiamento, abertura e gerenciamento de atividade, enfim, inserção dos aderentes ao PDV no mercado de trabalho, por força do cumprimento das promessas legais do programa, teriam sido concedidos aos aderentes, elidindo, assim, a caracterização de erro essencial, substancial, real e escusável na adesão ao PDV. Do contrário, resta violado o art. 333, II, do CPC, segundo o qual o réu deve opor ao autor os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do seu direito.
2. Na forma do art. 333, II, do CPC, cabe ao réu fazer em juízo a prova dos fatos impeditivos de existência do direito do autor. Por isso, escreveram MARINONI e ARENHART que “o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção”, pois “isso deve ser feito por aquele que pretende que o direito não seja reconhecido, isto é, pelo réu” (V. Luiz MARINONI; Sérgio ARENHART, Prova ,p. 159).
3. Isto equivale a dizer que o Réu não está exonerado de fazer prova de suas alegações, à espera de que os Autores provem tudo, inclusive a não existência de fatos impeditivos do seu direito. Ao contrário disso, o réu deve provar também aquilo que afirmou em juízo, demonstrando que não decorrem conseqüências jurídicas das alegações do autor: -”O réu deve provar aquilo que afirmou em juízo, demonstrando que das alegações do autor não decorre as consequências que pretende” (V. Nélson NERY JÚNIOR; Rosa Maria NERY, Código de Processo Civil Comentado, 2010, p. 636, n. II.13). Precedentes do STJ.
4. No casos nos quais o réu não se desincumbiu do ônus legal de provar os fatos impeditivos do direito alegado pelos autores, não pode argumentar com a falta da prova desses fatos, que lhe competia provar em juízo.
5. Ademais disso, deve-se considerar que o Estado do Piauí, como réu, detêm, como Administração Pública, melhores condições de provar todos os fatos impeditivos, opostos à existência do direito dos autores.
6. Por isso mesmo, é de se considerar que a Administração Pública Estadual, como ré, encontra-se em melhores condições de produzir a prova dos fatos impeditivos do que os autores, que, além de não serem titulares desse ônus probatório, não têm consigo os meios de fazer a prova negativa dos fatos que foram opostos à constituição do seu alegado direito: - “Realmente, amiúde, encontra-se a Administração em posição privilegiada para demonstrar ou infirmar o fato alegado pelo administrado, porque detém o controle dos meios de prova. Nestes casos, nada mais justo que o Poder Público apresente as provas necessárias para a elucidação dos fatos.” (V. Fernando Gama de MIRANDA NETO, Ônus da Prova no Direito Processual Público, 2009, p. 185).
7. Assim, como já decidiu o TJ-RS, à luz da teoria ou do princípio da carga dinâmica da prova, “incumbe a quem tem mais condições a prova do fato pertinente ao caso” (TJ/RS. Apelação Cível Nº 70013361043, Des. Rel. Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 21/12/2006).
8. Como já decidiu o STJ, exigir dos autores que produzam as provas dos fatos impeditivos do direito alegado em juízo, seria “impor-lhes a chamada prova diabólica, de produção impossível” (STJ. REsp 823.122/DF. Rel. p/ acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho. DJ 18.02.2008, p. 59).
9. Tratar-se-ia, ainda, de prova diabólica, que se imporia aos autores, porque, na forma do art. 333 do CPC, estes devem provar os fatos por eles afirmados, “mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição” (MARINONI; ARENHART, ob e loc. cit), que, ainda na forma deste mesmo dispositivo legal, é ônus do Estado do Piauí, como réu, já que quem alegar os “fatos impeditivos [...]” do direito do seu adversário tem o ônus de prová-los, nas palavras de Antônio Carlos de ARAÚJO CINTRA: - “O fato negativo também pode ser objeto de prova, desde que singular ou determinado, ou seja, identificado por sua posição no tempo, no espaço, etc. E quem o alega […] como fato impeditivo do direito de seu adversário tem o ônus de prová-lo”. (V. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, 2000, p. 6, n. 4).
10. Nas palavras de Cândido R. DINAMARCO, “fato não provado equivale a fato não alegado” e “fato não alegado é fato irrelevante” (V. Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, p. 71, n. 793). Desse modo, se o réu não se desincumbe do ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor, o fato constitutivo da existência deste direito, que não foi contestado, torna-se incontroverso, na forma do art. 334, III, do CPC.
11. Aliás, outra não pode ser a conclusão, pois, segundo MARINONI e ARENHART, “quando o réu não contesta o fato constitutivo”, mas se limita a opor-lhe um fato impeditivo, que não se desincumbiu de provar, na forma do art. 333, II, do CPC, “não houve contestação ao fato constitutivo” (V. ob. cit, p. 168, n. 13.2).
12. Desconstituído o r. Acórdão rescindendo, e, proferida nova decisão, no juízo rescindente, pela readmissão dos Autores no serviço público estadual, nos cargos, empregos e funções de que se desligaram em razão do PDV.
13. Como a rescisória tem efeito ex nunc, indeferido o pedido de pagamento de salários, vencimentos ou remuneração anteriores a esta decisão.
(TJPI | Ação Rescisória Nº 2009.0001.000914-6 | Relator: Des. José Ribamar Oliveira | Câmaras Reunidas Cíveis | Data de Julgamento: 20/05/2011 )
Ementa
PROGRAMA DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO. Lei Estadual nº 4.865/1996. ADESÃO. NEGÓCIO JURÍDICO RECEPTÍCIO. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS NÃO PRESTADOS PELO ESTADO DO PIAUÍ. ERRO SUBSTANCIAL, DETERMINANTE E ESCUSÁVEL. PRINCÍPIO DA IGUALDADE REAL OU SUBSTANCIAL. TUTELA DA PESSOA.
1. Se a situação não é de valoração da prova, afasta-se a alegação de violação ao art. 333, I, do CPC, relativo ao ônus da prova, que incumbe ao autor, “quanto ao fato constitutivo de seu direito”.
2. Nos casos em que não se constata coação, isto é, falta de liberdade na prática do negócio, afasta-se a alegação de violação ao art. 151 do CC/02, dispositivo correspondente ao art. 98 do CC/16.
3. Reconhece-se a ocorrência de erro, isto é, de ideia falsa da realidade, ou de falsa noção do objeto da manifestação de vontade, nos casos em que servidores públicos aderiram a Programa de Desligamento Voluntário (PDV), sem que, no entanto, tivessem “conhecimento da verdade em torno dos elementos envolvidos na declaração de vontade”, tais como a indisponibilidade de “recursos financeiros capazes de operacionalizar o Programa não estavam à disposição do Estado”, e que, se algum dos incentivos do desligamento não fosse efetivado, ele deveria, para tanto, “buscar os meios judiciais cabíveis”, a fim de que fossem implementados.
4. Nas hipóteses em que servidores, não conhecendo essa realidade, optaram pela adesão ao PDV, cometeram o mais elementar dos vícios do conhecimento, que é o erro, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, que serviram de ementa a Acórdão do TJ-SC: - “O mais elementar dos vícios do consentimento é o erro. Quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede com erro. Há, então, na base do negócio jurídico realizado um estado psíquico decorrente da falsa percepção dos fatos, conduzindo a uma declaração de vontade desconforme com o que deveria ser, se o agente tivesse conhecimento dos seus verdadeiros pressupostos fáticos.” (Instituições de Direito Civil, vol. I, 2004, p. 517, apud TJ-SC, Ap. Cív. nº 2005.006012-0, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. 19.12.2006, apud Cristiano Imhof, Código Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2009, p. 144 e 145, nº 1).
5. Nestas circunstâncias, não há confundir o erro, como falta de conhecimento da verdade em torno dos elementos envolvidos na declaração de vontade, com a coação, que é “a falta de liberdade na prática do negócio”, como já decidiu o TJ-MG, ementando o r. Acórdão com lição retirada de Humberto Theodoro Júnior: - “A respeito do erro capaz de levar à anulação do negócio jurídico, são de extrema valia as considerações de Humberto Theodoro Júnior in 'Comentários ao novo Código Civil', coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira, v. III. Forense: Rio de Janeiro, 2003, p. 35: 'O erro como vício de consentimento. O negócio jurídico, para ser perfeito e plenamente válido, reclama, por parte do agente, declaração de vontade livre e consciente. Por isso, a coação e o erro são causas de anulabilidade. Na primeira hipótese, por falta de liberdade na prática do negócio, e, na segunda, por não se ter conhecimento da verdade em torno dos elementos e envolvidos na declaração de vontade. De qualquer maneira, a vontade se acha viciada, seja porque, conhecendo a verdade, a parte se viu compelida a declarar o que realmente não correspondia ao seu querer íntimo, seja porque, não conhecendo a realidade, a declaração só se concretizou à base da falsa noção da causa ou objeto da manifestação de vontade e, assim, fosse conhecida a verdade, o negócio não teria sido praticado, ou tê-lo-ia sido em termos diferentes'” (TJ-MG, Ap. Cív. nº 1.0024.04.371616-7/001, rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha, j. 26.7.2007, apud Cristiano Imhof, Código Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2009, p. 145, nº 2).
6. Os tribunais têm decidido, na linha da doutrina, que o fundamento jurídico do pedido, que, na forma do art. 282, III, do CPC, é um dos requisitos da inicial, não se confunde com o fundamento legal do pedido, porque “a invocação desta ou daquela regra jurídica é argumento, e não a razão da pretensão”, que, transformada em questões, a decisão deve responder. O que importa dizer que “a qualificação jurídica dos fatos pelo autor não é essencial para o sucesso da ação”, porque “o juiz pode conferir aos fatos qualificação jurídica diversa da atribuída pelo autor.”.
7. Por isso, é irrelevante que o acórdão se funde em dispositivo legal diverso daquele indicado pelo autor, desde que os mesmos fatos narrados na inicial tenham sido considerados na decisão judicial.
8. Assim, porque o juiz conhece o direito (jura novit curia), basta que o autor, na inicial da demanda, leve ao conhecimento do juiz o fato, para que dele possa receber o direito (da mihi factum, dabo tibi jus), porque, como também é da jurisprudência, “o juiz aplica o direito ao fato, ainda que aquele não tenha sido invocado.”. Precedentes do STJ.
9. Todos estes brocardos jurídicos, que enunciam verdadeiras regras processuais, são aplicáveis à Ação Rescisória, para admissão da qual não importa a falha na indicação do dispositivo que serve de fundamento legal para a demanda: - “Os brocardos jurídicos jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus são aplicáveis às ações rescisórias. Ao autor cumpre precisar os fatos que autorizam a concessão da providência jurídica reclamada, incumbindo ao juiz conferir-lhe o adequado enquadramento legal. Se o postulante, embora fazendo menção aos incisos III e VI do art. 485, CPC, deduz como causae petendi circunstâncias fáticas que encontram correspondência normativa na disciplina dos incisos V e IX, nada obsta que o julgador, atribuindo correta qualificação jurídica às razões expostas na inicial, acolha a pretensão rescisória. O que não se admite é o decreto de procedência estribado em fundamentos distintos dos alinhados na peça vestibular” (RSTJ 48/136, apud Theotonio Negrão e outros, CPC e Legislação Processual em Vigor, 2011, p. 591, nº 6c). Outros precedentes do STJ.
10. A declaração de vontade dos Autores da adesão ao PDV não é ato administrativo, mas negócio jurídico receptício, porque a declaração negocial dos Autores, como declarantes, deve ser recebida e aceita pelo Estado, como declaratário, para que produza os efeitos jurídicos.
11. E se a adesão ao PDV é declaração negocial, de natureza receptícia, trata-se de negócio jurídico privado, que não goza de presunção de validade, mas deve preencher, para este fim, os requisitos do art. 104, I a III, do CC.
12. Nas hipóteses em que o acórdão rescindendo tiver qualificado o ato de adesão ao PDV como ato administrativo, e o vício da vontade declarada no ato de adesão como coação, impõe-se o reconhecimento de violação literal aos arts. 138 e 139, I, do CC, por ter deixado de aplicá-los ao caso concreto.
13. Trata-se de violação por omissão, como é ressaltado pela doutrina e pela jurisprudência, pois, nas palavras de Elpídio Donizetti, “não se exige, para a propositura da ação rescisória, que o dispositivo legal violado tenha sido expressa ou implicitamente tratado na decisão rescindenda.” (Curso de Direito Processual Civil, 2010, p. 702). Pela jurisprudência, o r. Acórdão subscrito pelo Min. Jorge Scartezzini, ao assinalar que “em se tratando de ação rescisória, a decisão é atacável, ainda que a lei, que venha a ser invocada na ação rescisória, não tenha sido examinada pela decisão rescindenda” (STJ, REsp 741753/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 09/05/2006, DJ 07/08/2006, p. 234).
14. Impõe-se reconhecer a violação pelo acórdão rescindendo dos arts. 138 e 139, I, do CC, nas hipóteses em que a declaração de vontade de adesão ao PDV está viciada por erro, tanto à luz da inicial da demanda, como à luz da contestação oferecida pelos Réus, além da simples leitura do próprio acórdão rescindendo.
15. O popular PDV é definido pelo art. 1º, § 2º, da Lei Estadual nº 4.865/1996, que o instituiu, como “um conjunto de incentivos de desligamento voluntário do servidor público estadual, tivesse estabilidade ou não no emprego ou cargo público (art. 5º da Lei): - “Art. 1º – Fica instituído o PROGRAMA DE INCENTIVO AO DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL, visando a adequação dos gastos com pessoal aos limites previstos na Lei Complementar Federal nº 82, de 27 de março de 1995 e a otimização da prestação dos serviços públicos. (…) § 2º – O Programa, a que se refere esta Lei, compreende um conjunto de incentivos ao desligamento voluntário do servidor público estadual. (…) Art. 5º – Os servidores públicos estaduais não estáveis poderão requerer seu desligamento voluntário, na mesma forma aplicável aos servidores estáveis, fazendo jus aos benefícios estabelecidos nos incisos II a VIII do art. 4º desta Lei e, segundo o regime jurídico.”.
16. Esse conjunto de incentivos, ou de benefícios, estão elencados pelo art. 4º, incisos I a VIII, da Lei do PDV (Lei Estadual nº 4.865/1996), e consistem em: i) pagamento em dinheiro (arts. 3º e 4º, I, V, VI, VII, VIII); ii) concessão prioritária de financiamento para abertura de atividade produtiva autônoma (art. 4º, II); iii) assistência e treinamento gerencial, visando a preparar o pedevista para o mercado de trabalho ou para estabelecer-se por conta própria (art. 4º, III).
17. A par disso, a Lei do PDV (Lei Estadual nº 4.865/1996) prescreve os meios utilizados para a concessão desses incentivos ou benefícios.
18. Assim, a assistência e treinamento gerencial seriam proporcionados pelo Estado, ou mediante convênios deste com Instituições que fizessem parte de parcerias (art. 8º), e, no art. 8º, parágrafo único, especificou os mecanismos de apoio que seriam utilizados pelo programa de treinamento dos pedevistas.
19. No entanto, o próprio Estado reconhece, em sua contestação, que não cumpriu com estes incentivos ou não concedeu benefícios aos pedevistas, ao alegar que esse treinamento dependia de iniciativa do ex-servidor, quando, pelo art. 8º da Lei do PDV cabia ao Estado proporcionar esse treinamento gerencial, por si mesmo, através de Instituições conveniadas com o Estado para a realização deste objetivo do Programa.
20. De outro lado, os recursos financeiros para o cumprimento do programa seriam oriundos de Instituições Financeiras Internacionais e Nacionais, e, eventualmente, dos Tesouros Nacional e Estadual (art. 9º), quando o próprio reconhece, também em sua contestação, que os recursos financeiros capazes de operacionalizar o programa não foram colocados à disposição do Estado, cabendo aos servidores buscar os meios judiciais cabíveis para garantir o direito a esse financiamento.
21. Por fim, o art. 10 da Lei estabelece que a implantação do PDV deveria ser precedida de campanha de divulgação, visando à conscientização dos servidores.
22. Animados por esses incentivos e benefícios, com promessas, com perspectiva de inserir-se no mercado de trabalho, com “abertura e gerenciamento da atividade privada”, e, para isso, devidamente capacitados pelo Estado (art. 8º, parágrafo único, inciso I, da Lei), tornava-se atraente aderir ao PDV, pois a perda do emprego seria compensada com a chance de ter um lugar no mercado de trabalho com atividade produtiva autônoma.
23. Assinado, o desligamento, incentivos e benefícios não foram concretizados pelo Estado, deixando os Autores numa situação de verdadeira perda de chance, isto é, perda da chance de ter permanecido em seu emprego; perda da chance de capacitar-se para o mercado de trabalho; perda da chance de abrir e gerenciar atividade privada nos setores produtivos da economia.
24. Isto é erro. Erro, que impediu os Autores de se manifestarem livremente na sua opção pelo PDV.
25. Na doutrina do autorizado Antônio Junqueira de Azevedo, de feliz memória, “no processo de formação da declaração (de vontade), podem se distinguir dois momentos: o primeiro, que vai até a formação da vontade, com a deliberação, e o segundo, que vai daí até a expressão dessa vontade, com a declaração.” (V. Negócio Jurídico e Declaração Negocial – noções gerais e formação da declaração negocial, 1986, p. 170).
26. O erro de servidores, nos casos de adesão a Programa de Desligamento Voluntário (PDV), é caracterizadamente erro na formação da vontade, que corresponde ao primeiro momento no aludido processo de formação da declaração de vontade negocial: - “Segue-se (desses dois momentos no processo de declaração de vontade) que, em matéria de negócio jurídico, há dois tipos de erro: a) o erro na formação da vontade, que é uma inadequatio intelectus ad rem, o pensamento não se conforma às coisas, e a pessoa age sob uma ideia falsa da realidade; b) o erro na expressão da vontade, que é uma inadequatio rei ad intelectum, as coisas não se conformam com o que foi pensado, isto é, a declaração não corresponde ao que foi deliberado.”. (V. ob. cit., p. 170).
27. No erro da formação da vontade, como assinala, com propriedade, Antônio Junqueira de Azevedo, no escólio doutrinário acima transcrito, “o pensamento não se conforma às coisas, e a pessoa age sob uma idéia falsa da realidade.” (Idem, ibidem, p. 170), porque, com efeito, ainda nas palavras do mestre, a verdade “(é) a correspondência entre pensamento e realidade, (que) é sempre estabelecida por um juízo”, podendo-se dizer, então, que “haverá conformidade (entre o pensamento e a realidade) se a coisa for o que dela se pensou.” (Idem, ibidem, p. 169).
28. Assim, se a coisa não for o que dela se pensou, estar-se-á diante do erro na formação da vontade, porquanto o pensamento que não se conforma às coisas, é o contrário da verdade, como assinala Antônio Junqueira de Azevedo: - “(...) o erro é o contrário da verdade. É, pois, uma inadequatio rei et intelectus.” (V. ob. cit., p. 170).
29. É exatamente esse vício na declaração da vontade que se caracteriza nos casos em que o PDV não era o que pensaram os servidores que a ele aderiram – que estava na lei, foi objeto de ampla divulgação, e a respeito do que deliberaram quando manifestaram a sua adesão ao programa de desligamento do serviço público estadual.
30. Na lei, o PDV não é o simples ato de desligamento do servidor público do cargo, emprego ou função que desempenha na administração estadual. Ao contrário disso, o PDV é um “conjunto de incentivos” ao desligamento do servidor público estadual, como se lê no art. 1º, § 2º, da Lei Estadual nº 4.805/96.
31. Esse “conjunto de incentivos”, por sua vez, divide-se em dois (2) grandes grupos: a) incentivos a serem pagos em dinheiro (arts. 3º, 4º, I, V, VI, VII e VIII) e b) incentivos a serem prestados in natura (arts. 4º, II, III, IV, 8º e 9º). Os incentivos pagos em dinheiro receberam o nome de indenização e os outros foram chamados de incentivos ou benefícios.
32. Por isso, na declaração de vontade de adesão ao PDV os Autores manifestaram a vontade “em receber, a título de indenização e incentivos(,) o que está estabelecido na legislação supracitada”, isto é, a Lei do PDV (fls. 101, vol. I).
33. Não fica elidido o erro dos servidores, mas resta confirmado que o Programa não era o que dele se pensou, nas hipóteses em que os aderentes ao PDV receberam a indenização, mas, apesar disso, não receberam os incentivos previstos na Lei, que se constituíam em verdadeiros direitos i) à prioridade na concessão de financiamento para a abertura de atividade produtiva autônoma; ii) à assistência e treinamento gerencial proporcionado pelo Estado ou instituição com este conveniada, como é da Lei do PDV. A existência de erro é corroborada, ainda, pelo próprio Estado do Piauí, ao reconhecer, na contestação à inicial da demanda, que se limitou ao pagamento de indenizações em dinheiro, afirmando, quanto aos demais incentivos e benefícios, que os servidores devem procurar o caminho da justiça.
34. Portanto, os servidores que aderiram ao PDV erraram quanto à concessão (art. 4º, II, III, e art. 5º) e quanto à garantia (art. 8º e parágrafo único, I e II) desses direitos pelo Estado do Piauí.
35. Trata-se de erro sobre o objeto da declaração, que tanto pode recair sobre a totalidade do conteúdo negocial, ou, por outra, sobre parte do objeto negocial, como ensina Antônio Junqueira de Azevedo: “(...) pode-se falar, com amplo fundamento em textos romanos, em diversos tipos de erro, correspondente a variadas situações. (…). Assim, temos: a) (…); b) erro sobre o objeto da declaração, podendo ser sobre todo o conteúdo ou sobre parte (erro parcial);” (V. Idem, ibidem, pp. 175/6).
36. Na mesma linha, é a lição de Jayme Landim, ao assinalar que, em matéria de erro, pode ser objeto de declaração negocial tanto a coisa como o direito ou a relação jurídica, isto é, tudo quanto possa ser objeto do negócio jurídico pode ser objeto de erro: – “A fórmula genérica do Código abrange ou se agasalha em vários tipos de êrro (sic). Antes de especificá-los, são convenientes algumas observações propedêuticas. A primeira é a de que por objeto se entende tanto a coisa como qualquer outro bem, direito inclusive. Nem podia deixar de ser assim. Os escopos do contrato outros não são que a criação, modificação ou supressão de um direito ou de uma relação de direito; e o objeto das prestações dandi ou faciendi em direitos podem consistir. Tudo quanto possa ser objeto do ato jurídico é objeto no sentido do art. 87 [CC/16, a que corresponde o art. 139, I, do CC/2002].” (V. Vícios da Vontade – Erro, 1960, p. 178, nº 39).
37. Neste ponto, não se deve prestigiar interpretações voluntaristas da declaração de vontade, para presumir que “o servidor público que adere a programa de desligamento voluntário, como o próprio nome o diz, o faz porque quer.”.
Ora, em princípio, “o que é voluntário deve valer, porque ninguém quer o mal para si mesmo”, como adverte, com perspicácia, Antônio Junqueira de Azevedo. Porém, diz este autor, como “um certo contratualismo persiste: 'quem diz contratual diz justo'. Ora, esse modo de ver exige, naturalmente, a integridade da vontade.” (Idem, ibidem, p. 137).
38. Com efeito, a vontade sã, consciente e livre de qualquer vício, é, nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo, uma decorrência da necessidade de igualdade real das partes negociais.
39. Note-se que se fala em igualdade real e não apenas em igualdade formal entre as partes negociais, porque o que está em causa, em matéria de vícios da declaração de vontade, no negócio jurídico, não é propriamente o respeito à vontade individual dos negociantes, isto é, do declarante (o que faz a declaração de vontade) e do declaratário (o que recebe a declaração de vontade). O que é protegida, em matéria de declaração de vontade do negócio jurídico, não é a vontade, mas é a pessoa, como diz, com surpreendente visão do futuro, Antônio Junqueira de Azevedo, porquanto é a pessoa que está em posição de inferioridade toda vez que manifesta uma vontade viciada no negócio jurídico.
40. De tal modo, que, no pensamento extraordinariamente moderno de Antônio Junqueira de Azevedo, os institutos do erro, dolo e coação não visam propriamente “assegurar que a declaração negocial se forme de modo regular, evitando que alguém, sem querer, ou com uma vontade débil, se obrigue por sua declaração” (Idem, ibidem, p. 137), “e, sim, o fato de que, nessas situações, o errante, ou o coacto, deixa de estar em pé de igualdade, diante do declaratário.” (Idem, ibidem, p. 138), sendo que, nesta situação, “a lei (…) corrige a desigualdade real transferida para o negócio.”: – “Tradicionalmente, os problemas da formação da declaração são encarados sob o ângulo da vontade: para validade do negócio jurídico, a vontade deve existir, ser consciente e livre. Os institutos do erro, dolo e coação, por exemplo, visam assegurar que a declaração negocial se forme de modo regular, evitando que alguém, sem querer, ou com uma vontade débil, se obrigue por sua declaração. As próprias incapacidades são encaradas, muitas vezes, sob o ângulo da vontade. O que é voluntário deve valer, porque ninguém quer o mal para si mesmo. Um certo contratualismo persiste: 'quem diz contratual diz justo'. Ora, esse modo de ver exige, naturalmente, a integridade da vontade. (…) Ora, a concepção do negócio jurídico como modelo social de atitude impõe, mesmo aqui, no campo dos 'vícios do consentimento', uma revolução na explicação das normas sobre os institutos, que giram em torno da formação da declaração negocial: a razão de ser dessas normas está mais na necessidade de igualdade real de declarante e declaratário, que na integridade da vontade. O negócio jurídico não somente é, por definição, ato realizado em nível de igualdade (igualdade formal), como também pede igualdade real entre declarante e declaratário. Não é, pois, propriamente, o respeito à vontade individual, ou uma proteção mítica ao querer consciente e livre, que leva a lei a sancionar com algum tipo de nulidade o ato praticado com erro, ou sob coação, e sim, o fato de que, nessas situações, o errante, ou o coacto, deixa de estar em pé de igualdade, diante do declaratário. Quando se sabe que, normalmente, os atos com 'vícios de consentimento' são sancionados com nulidade relativa, e não, absoluta, vê-se logo que as normas respectivas não estão no ordenamento para 'proteger' a vontade individual, eis que, se o negócio pode, ou não, ser anulado, segundo decisão do interessado, e e a vontade é idêntica, que num caso, quer noutro, o bem jurídico tutelado não pode ser, obviamente, essa vontade; protegida é a pessoa. E, por que esta, e não aquela? Porque esta é que estava em posição de inferioridade e a lei, em matéria de negócio jurídico, corrige a desigualdade real transferida para o negócio.” (V. ob. cit., pp. 137/138).
41. Ora, os servidores, ao errar quanto ao objeto do PDV, quando deliberaram aderir ao Programa de Desligamento Voluntário instituído pela Lei Estadual, colocaram-se em posição de inferioridade, em relação ao Estado do Piauí, que agora os remete, superiormente, para reclamar nas vias judiciais, os incentivos que lhes são concedidos e garantidos, expressamente, pela Lei do PDV (art. 4º, II e III, art. 8º, parágrafo único, I e II, e art. 9º).
42. A rescisão deste r. Acórdão se impõe como forma de corrigir a desigualdade real existente entre as partes negociais, e que foi transferida para o negócio pelo erro dos servidores aderentes, retirando-os, assim, da posição de inferioridade em que se encontram em relação ao Estado do Piauí, como é uma exigência do princípio da igualdade real que preside a celebração de todo negócio jurídico.
43. Trata-se, ademais disso, de erro determinante ou essencial, porque, não fossem esses incentivos e benefícios, que não seriam pagos em dinheiro, mas in natura, e, com certeza, os servidores não teriam se desligado do serviço público estadual em troca de trinta (30) moedas. Não pediriam o seu desligamento simplesmente pelo dinheiro que lhes seria pago a título de indenização, cujo montante se constitui de pequenas parcelas, correspondentes, aliás, a direitos já adquiridos por eles no serviço público – pagamento de salário atualizado (art. 4º, VIII); 13º salário (4º, VII); licença-prêmio não gozada (art. 4º, VI); férias vencidas e não gozadas (art. 4º, V); e indenização por tempo de serviço, calculada com base na metade do salário, por cada ano de serviço trabalhado (art. 5º, § 1º).
44. Não tendo sido contraprestados estes incentivos e benefícios pelo Estado, na forma da lei, os servidores, ao aderirem ao PDV, agiram sob o império de uma falsa representação da realidade, isto é, com erro, que, como diz Fábio Ulhoa Coelho, é “(a) decisão tomada em face de falsa representação da realidade.” (V. Curso de Direito Civil, vol. I, 3ª ed., p. 330).
45. E se trata de erro substancial, porque relativo ao objeto do negócio, isto é, incentivos e benefícios, que não foram concedidos, apesar da promessa legal, contida na Lei do PDV, e que os servidores, ao aderirem ao PDV, não tinham condição de saber se seriam descumpridas pelo Estado do Piauí. E a jurisprudência do TJ-MG, que, no particular, cita Maria Helena Diniz na ementa do r. Acórdão: - “Maria Helena Diniz (Código Civil Anotado (p. 141)) tece comentários acerca do erro substancial: 'O erro é uma noção inexata sobre um objeto, que influencia a formação da vontade do declarante, que a emitirá de maneira diversa da que a manifestaria se dele tivesse conhecimento exato (…) Para viciar a vontade e anular o ato negocial, este deverá ser substancial, escusável e real. Escusável, no sentido de que há de ter por fundamento uma razão plausível ou ser de tal monta que qualquer pessoa de atenção ordinária ou de diligência normal (hominus medius) seja capaz de cometê-lo, em face das circunstâncias do negócio (…) Real por importar efetivo dano para o interessado'” (TJ-MG, Ap. Cív. nº 2006.020581-1/0000-00, rel. Des. Rêmolo Letteriello, j. 13.2.2007, apud Cristiano Imhof, Código Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2009, p. 145, nº 3).
46. E erro escusável, porque, naquelas circunstâncias, inclusive de propaganda massiva pela adesão dos servidores ao PDV, em troca de todos os incentivos e benefícios, o homem comum não deixaria de aderir ao referido Programa, pela confiança legítima que nele despertava. É o conceito da jurisprudência do próprio STJ: - “2. O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser inescusável, decorrente da falsa representação da realidade própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria.” (STJ, REsp 744311/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 09/09/2010).
47. Assim, sem a ideia falsa sobre os incentivos e benefícios do PDV, que são objeto do negócio, inteiramente desculpável, tantos servidores não teriam aderido ao PDV para trocar o seus cargos e empregos por nada.
DIREITO PROCESSUAL PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA NO DIREITO PROCESSUAL PÚBLICO. ÔNUS DO RÉU QUANTO À PROVA DOS FATOS DESCONSTITUTIVOS DO DIREITO ALEGADO PELO AUTOR. TEORIA DA CARGA DINÂMICA DAS PROVAS OU TEORIA DA DISTRIBUÍÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS PROVATÓRIO. PROVA DIABÓLICA. MELHORES CONDIÇÕES DA FAZENDA PÚBLICA PARA PRODUZIR PROVAS.
1. Cabe ao Estado fazer prova de que os incentivos e benefícios, de capacitação de caráter assistencial – mão de obra, plano de negócios, financiamento, abertura e gerenciamento de atividade, enfim, inserção dos aderentes ao PDV no mercado de trabalho, por força do cumprimento das promessas legais do programa, teriam sido concedidos aos aderentes, elidindo, assim, a caracterização de erro essencial, substancial, real e escusável na adesão ao PDV. Do contrário, resta violado o art. 333, II, do CPC, segundo o qual o réu deve opor ao autor os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do seu direito.
2. Na forma do art. 333, II, do CPC, cabe ao réu fazer em juízo a prova dos fatos impeditivos de existência do direito do autor. Por isso, escreveram MARINONI e ARENHART que “o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção”, pois “isso deve ser feito por aquele que pretende que o direito não seja reconhecido, isto é, pelo réu” (V. Luiz MARINONI; Sérgio ARENHART, Prova ,p. 159).
3. Isto equivale a dizer que o Réu não está exonerado de fazer prova de suas alegações, à espera de que os Autores provem tudo, inclusive a não existência de fatos impeditivos do seu direito. Ao contrário disso, o réu deve provar também aquilo que afirmou em juízo, demonstrando que não decorrem conseqüências jurídicas das alegações do autor: -”O réu deve provar aquilo que afirmou em juízo, demonstrando que das alegações do autor não decorre as consequências que pretende” (V. Nélson NERY JÚNIOR; Rosa Maria NERY, Código de Processo Civil Comentado, 2010, p. 636, n. II.13). Precedentes do STJ.
4. No casos nos quais o réu não se desincumbiu do ônus legal de provar os fatos impeditivos do direito alegado pelos autores, não pode argumentar com a falta da prova desses fatos, que lhe competia provar em juízo.
5. Ademais disso, deve-se considerar que o Estado do Piauí, como réu, detêm, como Administração Pública, melhores condições de provar todos os fatos impeditivos, opostos à existência do direito dos autores.
6. Por isso mesmo, é de se considerar que a Administração Pública Estadual, como ré, encontra-se em melhores condições de produzir a prova dos fatos impeditivos do que os autores, que, além de não serem titulares desse ônus probatório, não têm consigo os meios de fazer a prova negativa dos fatos que foram opostos à constituição do seu alegado direito: - “Realmente, amiúde, encontra-se a Administração em posição privilegiada para demonstrar ou infirmar o fato alegado pelo administrado, porque detém o controle dos meios de prova. Nestes casos, nada mais justo que o Poder Público apresente as provas necessárias para a elucidação dos fatos.” (V. Fernando Gama de MIRANDA NETO, Ônus da Prova no Direito Processual Público, 2009, p. 185).
7. Assim, como já decidiu o TJ-RS, à luz da teoria ou do princípio da carga dinâmica da prova, “incumbe a quem tem mais condições a prova do fato pertinente ao caso” (TJ/RS. Apelação Cível Nº 70013361043, Des. Rel. Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 21/12/2006).
8. Como já decidiu o STJ, exigir dos autores que produzam as provas dos fatos impeditivos do direito alegado em juízo, seria “impor-lhes a chamada prova diabólica, de produção impossível” (STJ. REsp 823.122/DF. Rel. p/ acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho. DJ 18.02.2008, p. 59).
9. Tratar-se-ia, ainda, de prova diabólica, que se imporia aos autores, porque, na forma do art. 333 do CPC, estes devem provar os fatos por eles afirmados, “mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição” (MARINONI; ARENHART, ob e loc. cit), que, ainda na forma deste mesmo dispositivo legal, é ônus do Estado do Piauí, como réu, já que quem alegar os “fatos impeditivos [...]” do direito do seu adversário tem o ônus de prová-los, nas palavras de Antônio Carlos de ARAÚJO CINTRA: - “O fato negativo também pode ser objeto de prova, desde que singular ou determinado, ou seja, identificado por sua posição no tempo, no espaço, etc. E quem o alega […] como fato impeditivo do direito de seu adversário tem o ônus de prová-lo”. (V. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, 2000, p. 6, n. 4).
10. Nas palavras de Cândido R. DINAMARCO, “fato não provado equivale a fato não alegado” e “fato não alegado é fato irrelevante” (V. Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, p. 71, n. 793). Desse modo, se o réu não se desincumbe do ônus de provar o fato impeditivo do direito do autor, o fato constitutivo da existência deste direito, que não foi contestado, torna-se incontroverso, na forma do art. 334, III, do CPC.
11. Aliás, outra não pode ser a conclusão, pois, segundo MARINONI e ARENHART, “quando o réu não contesta o fato constitutivo”, mas se limita a opor-lhe um fato impeditivo, que não se desincumbiu de provar, na forma do art. 333, II, do CPC, “não houve contestação ao fato constitutivo” (V. ob. cit, p. 168, n. 13.2).
12. Desconstituído o r. Acórdão rescindendo, e, proferida nova decisão, no juízo rescindente, pela readmissão dos Autores no serviço público estadual, nos cargos, empregos e funções de que se desligaram em razão do PDV.
13. Como a rescisória tem efeito ex nunc, indeferido o pedido de pagamento de salários, vencimentos ou remuneração anteriores a esta decisão.
(TJPI | Ação Rescisória Nº 2009.0001.000914-6 | Relator: Des. José Ribamar Oliveira | Câmaras Reunidas Cíveis | Data de Julgamento: 20/05/2011 )
Data do Julgamento
:
20/05/2011
Classe/Assunto
:
Ação Rescisória
Órgão Julgador
:
Câmaras Reunidas Cíveis
Relator(a)
:
Des. José Ribamar Oliveira
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