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Jurisprudência


TJPI 2009.0001.000948-1

Ementa
PROCESSO CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DIREITO À SAÚDE. CIRURGIA BARIÁTRICA. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL E IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR CONTRA O PODER PÚBLICO, QUE ESGOTE, NO TODO OU EM PARTE, O OBJETO DA LIDE. AFASTADAS. SÚMULAS 02 E 06 DO TJPI. MÉRITO. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, E DA RESERVA DO POSSÍVEL. SÚMULA 01 DO TJPI. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. O Sistema Único de Saúde é composto pela União, Estados e Municípios e nas demandas que objetivam realizações de cirurgias, fornecimento de medicamentos, bem como custeios de tratamentos médicos, como o caso em tela, a responsabilidade é solidária entre os referidos entes federativos. 2. Por se tratar de responsabilidade solidária entre os entes federativos, deve ser reconhecida a legitimidade de qualquer deles para figurar no polo passivo da demanda, cabendo ao autor a escolha do demandado. 3. Súmula nº 02 do TJPI: O Estado e os Municípios respondem solidariamente pelo fornecimento de medicamentos para tratamento de saúde das pessoas necessitadas, na forma da lei, podendo ser acionados em juízo em conjunto ou isoladamente. 4. Se o Estado compõe o Sistema Único de Saúde – SUS, não somente porque promove ações, como presta, também, serviços de saúde (art. 198 da CF), como também financia, com recursos próprios, essas ações e serviços (art. 198, §1º e §2º, II, da CF), cumprindo, assim, o dever constitucional de “redução do risco de doença e de outros agravos”, além de garantir o “acesso universal igualitário às ações e serviços para [...] a promoção, proteção e recuperação” dos usuários do Sistema Único de Saúde (art. 196 da CF), então fica claro que a Justiça Estadual, como loans constitucional para as demandas contra o Estado, é o poder competente para processar e julgar causas dessa natureza. 5. Súmula nº 06 do TJPI: A justiça estadual é competente para processar e julgar ação contra o Estado e os municípios piauienses que tenha por objeto o fornecimento de remédio indispensável à promoção, proteção e recuperação da saúde de pessoas necessitadas, na forma da lei. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR CONTRA O PODER PÚBLICO, QUE ESGOTE, NO TODO OU EM PARTE, O OBJETO DA LIDE. 6. O artigo 1º, § 3º, da Lei 8.437/92 veda a concessão de medidas liminares satisfativas irreversíveis, ou seja, aquelas cuja execução produz resultado prático que inviabiliza o retorno ao status quo ante, em caso de sua revogação. 7. O caso em julgamento não se encaixa na vedação em análise, pois não há irreversibilidade no custeio, pelo Agravante, da referida cirurgia de redução de estômago, pleiteada em juízo pela Agravada. 8. Por outro lado, ainda que a medida liminar ora atacada esgotasse o objeto da ação, mesmo assim, não haveria óbice a sua concessão. 9. De fato, os Tribunais Superiores vêm entendendo que deve ser realizada uma interpretação restritiva das vedações de concessão de medidas liminares contra a Fazenda Pública, com o fim de prestigiar-se o direito à vida. 10. Assim, ainda que o artigo 1º, §3º, da Lei 8.437/92 vede a concessão de liminar, há que se considerar que, tratando-se de realização de procedimento cirúrgico indispensável à saúde da parte, impõe-se que seja assegurado o seu direito à vida. MÉRITO. PRESENÇA dos requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada. 11. O instituto da antecipação de tutela, disciplinado pelo art. 273, do Código de Processo Civil, apresenta como requisitos para sua concessão a presença cumulativa dos seguintes elementos: i) a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação; ii) a iminência de dano irreparável ou de difícil reparação e iii) a reversibilidade da medida. 12. No caso em tela, o primeiro requisito resta demonstrado, tendo em vista que a prova documental acostada aos autos, consistente em laudos de exames e pareceres médicos demonstra que a Autora, ora Agravada, já tentou múltiplos tratamentos clínicos, porém falhando em todos, apresentando grande risco de desenvolver outras doenças, tendo, assim, indicação de tratamento cirúrgico para obesidade mórbida segundo os critérios do Conselho Federal de Medicina. 13. No que tange ao requisito da existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, este também resta configurado no caso em análise, tendo em vista que a Agravada tem a indicação médica e vem tentando a realização do procedimento cirúrgico, através do SUS, desde o ano de 2007, sem sucesso, de forma que a protelação da cirurgia, inegavelmente, só aumenta as chances do desenvolvimento de outras doenças, acarretando riscos concretos à sua saúde. 14. No que tange ao último requisito para a concessão da tutela antecipada, elencado no §2° do artigo 273 do Código de Processo Civil (“não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”), tem-se a exigência de reversibilidade da medida, segundo a qual a antecipação da tutela só poderá ser deferida, quando exista no mundo fático a possibilidade de reversão daquela. Contudo, a interpretação deste requisito deve ser realizada com ressalvas, sob pena de se inviabilizar o próprio instituto da tutela antecipada. 15. Outrossim, é necessário ficar atento a dois fatores: i) probabilidade da Autora, ora Agravada, receber provimento final a seu favor e ii) o dano que a Agravada pode vir a sofrer caso a tutela seja revogada. 16. Nestes termos, a probabilidade de a Autora, ora Agravada receber julgamento final a seu favor, aliado ao fato de que o dano causado ao Agravante, de ordem exclusivamente financeira, é menor que o dano causado à Agravada, isto é, o comprometimento de seu estado de saúde, dá ensejo à manutenção da decisão. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, E DA RESERVA DO POSSÍVEL. 17. O fato de se garantir, na prática, o direito à saúde do cidadão, como ocorreu no caso em análise, não pode jamais ser considerado uma afronta ao princípio da isonomia, posto que o direito garantido na decisão vergastada é universal, merecendo ser acolhido sempre que, no caso concreto, houver uma limitação por parte do poder público (Precedentes). 18. O Princípio da Separação dos Poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, se apresenta como um sistema de freios e contrapesos, estabelecendo uma repartição equilibrada de poderes, visando impedir que qualquer deles ultrapasse seus limites, ou seja, visa coibir o abuso e o arbítrio de qualquer dos poderes da República. 19. A omissão do Agravante em custear a realização de procedimento cirúrgico indispensável à saúde da Agravada se afigura como um abuso do Poder Executivo, suficiente a autorizar a atuação do Poder Judiciário, uma vez que o direito à saúde, consagrado no art. 196, da Constituição Federal, é direito fundamental que integra o mínimo existencial, não podendo sua concretização ficar ao bel-prazer do administrador. 20. Como bem acentuou o MINISTRO CELSO DE MELLO, “(...) é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole constitucional, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa". (STF, AGRG NA SL Nº 47, REL. MIN. GILMAR MENDES, ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO, JULGAMENTO: 17/03/2010). 21. A reserva do possível não se apresenta como óbice ao Poder Executivo em concretizar as ações de saúde, haja vista o seu caráter integrador do mínimo existencial. 22. Súmula nº 01 do TJPI: Os direitos fundamentais de caráter assistencial, como o fornecimento de remédios pelo Poder Público, compreendidos dentro dos direitos constitucionais mínimos, indispensáveis à promoção da existência digna às pessoas necessitadas, na forma da lei, prescindem de previsão orçamentária para terem eficácia jurídica. 23. Assim, a inexistência de previsão orçamentária não justifica a recusa ao custeio de tratamento e realização de procedimento cirúrgico à pessoa que dele necessite, posto se tratar de dever do Estado, e direito fundamental do cidadão. (Precedentes). 24. Recurso conhecido e improvido. (TJPI | Agravo de Instrumento Nº 2009.0001.000948-1 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 10/10/2012 )
Decisão
ACORDAM os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conhecer do recurso, para, rejeitar as preliminares de incompetência da Justiça Estadual, bem como de impossibilidade de concessão de medida liminar contra o poder público, que esgote, no todo ou em parte, o objeto da lide, no mérito, rejeitar as alegações de ausência dos requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada, de violação aos princípios da isonomia, da separação dos poderes e da reserva do possível, negar-lhe provimento, mantendo a decisão agravada, em todos os seus termos.

Data do Julgamento : 10/10/2012
Classe/Assunto : Agravo de Instrumento
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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