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Jurisprudência


TJPI 2009.0001.002039-7

Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO CIVIL VOLUNTÁRIA. MANDATO CIVIL. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO MANDANTE DO ATO REALIZADO PELO MANDATÁRIO EM EXCESSO DE MANDATO NÃO RATIFICADO. RESPONSABILIDADE DO MANDATÁRIO. COMPENSAÇÃO DE OBRIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE PODERES COMPENSATÓRIOS. PROIBIÇÃO DE COMPENSAR OBRIGAÇÕES NA HIPÓTESE DO ART. 376 DO CC. NULIDADE PARCIAL DO NEGÓCIO JURÍDICO. CONSERVAÇÃO DA PARTE VÁLIDA DO NEGÓCIO CELEBRADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. In casu, o Apelado, com sua mulher, outorgou ao Apelante, mediante instrumento público de procuração, poderes para proceder à alienação de um imóvel de sua propriedade, tendo ele, na qualidade de mandatário do primeiro, estipulado o negócio jurídico de compra e venda daquele imóvel com o outro Apelante, por quantia previamente estipulada, todavia, na conclusão deste negócio, o primeiro Apelante, com suposto respaldo na procuração que lhe foi outorgada, deixou de receber do comprador parcela daquela quantia, sob a justificativa de que este comprovou ser credor do Apelado (mandante) por dívida aproximadamente equivalente, por entender que seria justo que as mesmas fossem compensadas. 2. A representação civil voluntária é regulada pelo Código Civil em, pelo menos, dois momentos: quando este apresenta normas gerais de disciplina da representação, no Capítulo III, do Título I, de seu Livro III (dos Fatos Jurídicos) – arts. 115 a 120, bem como quando regula o mandato, enquanto espécie contratual, nos arts. 653 a 691. 3. Quanto ao mandato, a própria lei o conceitua, expondo que “opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses”, acrescentando que a “procuração” é seu “instrumento” (art. 653 do CC), ademais, em razão do mandato, o mandatário atuará como se o mandante fosse e sua “manifestação de vontade”, “nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado” (art. 116 do CC). 4. “Encarregar outrem de praticar um ou mais atos por nossa conta e no nosso nome, de modo que todos os efeitos dos atos praticados se liguem diretamente à nossa pessoa como se nós próprios os tivéssemos praticados, é o que tecnicamente se chama conferir ou dar mandato” (ROBERTO DE RUGGIERO. Instituições de Direito Civil. 3ª ed. Trat. de Ary dos Santos. 1973. v. 3. p. 329/330). 5. Sendo de natureza consensual, o mandato não exige requisito formal para sua validade, nem para sua prova e pode, assim, ser tácito ou expresso, e este, verbal ou escrito, nos termos do art. 656, do CC. Sem prejuízo das demais espécies, quando o mandato é escrito, é mais comum que tenha como instrumento a procuração, como indica o art. 653, do CC, já mencionado acima. 6. Em regra, a transferência de poderes para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos, na forma do art. 661, §1º, do CC. 7. No caso em julgamento, o Apelado, com sua mulher, transferiu ao primeiro Apelante “amplos e ilimitados poderes para regularizar, legalizar, cadastrar, gerir, administrar, doar, permutar, hipotecar, alienar, vender e transferir a quem quiser por qualquer preço e condições que convencionar, bem como escriturar e registrar o imóvel rural (...)”, nos termos da procuração constante dos autos, de maneira que a estipulação de compra e venda evidenciada no processo, não padece de vícios de vontade – sendo, portanto, válida – e está apta a produzir seus efeitos entre o vendedor (no caso, o Apelado, representado por seu mandatário) e o comprador, posto que, em sua realização, o primeiro Apelante, na condição de mandatário, agiu amparado pelo referido instrumento de procuração. 8. A compensação é método de extinção de obrigações contratuais que se dá quando ambas as partes são credoras e devedoras entre si, desde que as dívidas sejam líquidas, vencidas e tenham por objeto coisas fungíveis, nos termos dos arts. 368 e 369, do CC. 9. Não há dúvida que a compensação entre credor e devedor pode se dar através de mandato, pois, afinal, estabelece o art. 653, do CC, como regra geral, que “opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses”, por outro lado, para praticar o ato de compensação de dívidas o mandatário precisaria ter poderes expressos no instrumento procuratório. 10. Na forma do art. 376, do CC, “obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever”, de modo que o mandatário, ao obrigar-se pelo mandante, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever. 11. Ao vender o bem, por procuração, ao adquirente do imóvel, o mandatário está se obrigando pela pessoa do mandante, que, assim, na forma do art. 675, do CC, “é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário, na conformidade do mandato conferido”, porém, ainda assim, para atender ao art. 376, do CC, “não pode compensar essa dívida com a que o credor dele [do mandante] lhe dever”, a não ser que, para esse fim, confira-lhe poderes especiais expressos, como se lê no art. 661, §1º, do CC, já que o ato de compensação de dívidas, ou de obrigações, exorbita da administração ordinária de interesses e bens, depende de procuração com poderes especiais e expressos. 12. Considerando os poderes especiais, enumerados pelo art. 661, §1º, do CC, poderia catalogar-se a compensação de obrigações no poder de transigir. 13. O poder de transigir (art. 840 e segs., do CC) não se confunde com os poderes para “regularizar, legalizar, cadastrar, gerir, administrar” (art. 661, do CC), ou para “doar” (art. 538, do CC) e “permutar” (art. 533 c/c 481, do CC), ou “alienar, vender e transferir, escriturar e registrar” (arts. 481 e segs., do CC). 14. Na hipótese em julgamento, a procuração presente nos autos não contém poderes especiais expressos para a celebração do ato compensatório do débito no ato da alienação realizada por meio de mandato. 15. Em geral, o ato do mandatário somente vincula o mandante e tem repercussão em sua esfera jurídica se exercido dentre dos limites expressamente previstos na procuração que lhe serve de instrumento no caso concreto. 16. Os arts. 662 e 665 do CC consagram que os atos realizados pelo mandatário, que não encontrem amparo na procuração, em regra, não tem efeitos em relação ao mandante, de modo que, em princípio, somente são hábeis a criar obrigações para o mandante os atos do mandatário que correspondam a poderes contidos no mandato, e, caso o mandatário atue sem poderes, ou em excesso aos que lhe foram confiados, o mandante poderá ou impugnar, ou ratificar, os atos realizados. 17. Caso o mandante impugne o ato realizado, em seu nome, mas sem sua permissão, é como se o ato inexistisse para ele, porque não se vincula ao ato excedente, a teor destes artigos, cabendo ao mandatário, ipso facto, responder frente a terceiros pelas obrigações por ele assumidas e perante o próprio mandante pelos prejuízos dali advindos. 18. O art. 663, do CC dispõe que, nos casos em que o mandatário agir em nome próprio, dentre os quais a circunstância em que ele não tenha poderes procuratórios suficientes, ficará responsável, “ainda que o negócio seja de conta do mandante”, por isso, a teor deste dispositivo legal, o negócio realizado pelo mandatário, em seu nome, mas de conta do mandante, obriga pessoalmente ao primeiro, que deverá ser responsabilizado no lugar do mandante, com quem houver estipulado negócio. 19. A lei afirma que, não tendo o mandante ratificado o ato excedente aos poderes procuratórios, o mandatário “será considerado mero gestor de negócios” (caput do art. 665, do CC). 20. A gestão de negócios é regulada nos arts. 861 e segs. do Código Civil, dos quais se extrai que o gestor de negócios – “aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio” – ficará responsável pelo negócio em relação ao seu dono e às pessoas com quem tratar e, por esta razão, o mandatário que exceder os poderes do mandato, sem que haja ratificação do mandante, atuará como gestor de negócios e ficará responsável, pelo negócio realizado em nome próprio perante o mandante, bem como perante as pessoas com quem contratar, por força dos dispositivos legais indicados. 21. Se, no caso em julgamento, o Apelante não tinha poderes procuratórios para realizar compensação de dívidas, mas, a esse despeito o realizou, e tal ato não foi objeto de ulterior ratificação pelo mandante que, contrariamente, o impugna nesta demanda, este, ao realizá-lo, atuou em nome próprio, alcançou parcela do patrimônio do Apelado (mandante), sobre a qual não lhe cabia dispor e, em princípio, fica responsável pelo negócio realizado sem poderes procuratórios tanto perante o mandante, como perante o adquirente do bem imóvel, por força dos arts. 663 e 665 do CC. 22. Por força dos arts. 317 e 376 do CC, salvo na fiança, “o devedor somente pode compensar com o credor o que este [próprio] lhe dever”, de maneira que é proibido que alguém, obrigando-se por terceiro, compense a dívida decorrente desta obrigação com a que o credor lhe dever. 23. O mandatário que se obriga com terceiro pelo mandante está proibido, por lei, de realizar a compensação da respectiva obrigação com a dívida que o terceiro, na condição de credor, lhe dever, por força da norma inserta no art. 376, do CC, isto é, o mandatário que celebrar contrato de compra e venda, em nome do mandante, obrigando-se perante o comprador, mas para extinguir a obrigação decorrente deste contrato, realiza compensação desta obrigação com o crédito que o comprador comprove ter com o mandante, conclui negócio com violação de dispositivo legal. 22. Pelos arts. 104 e 166 do CC, é nulo o negócio jurídico que tenha objeto impossível. 23. A possibilidade do negócio jurídico deve ser não apenas física, mas, sobretudo, jurídica, pois são eivados de nulidade aqueles cujo objeto é juridicamente impossível, assim compreendidos os realizados em contrariedade à disposição legal. Precedentes do STJ. 24. O negócio jurídico compensatório debatido na hipótese em julgamento, muito embora represente negócio realizado por mandatário sem poderes procuratórios, não será apenas ineficaz em relação ao mandante, mas será parcialmente nulo porque, neste ponto, seu objeto contraria disposição expressa de lei, no caso o art. 376, do CC. 25. A nulidade que alcança parcela do negócio jurídico de compra e venda não poderá ser convalidada, ainda que haja requerimento das partes neste sentido, a teor do parágrafo único do art. 168, do CC, segundo o qual “as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes”. 26. Preleciona o art. 184, do CC, que, caso seja possível separar as partes do negócio jurídico, a invalidade parcial dele não prejudicará a parte válida, respeitada a intenção das partes. 27. O STJ assentou que “se deve preferir a interpretação que evita a anulação completa do ato [negocial] praticado, optando-se pela sua redução e recondução aos parâmetros da legalidade” (STJ - REsp 1106625/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2011, DJe 09/09/2011) . 28. In casu, é de se acolher o pleito inicial do Apelado, formulado na inicial da demanda, de que seja cumprido o contrato na forma em que foi inicialmente estipulado, posto que válido nesta parcela, com a exclusão da parte invalidada, em detrimento das razões expostas pelos Apelantes. 29. Recurso de Apelação conhecido e improvido. (TJPI | Apelação Cível Nº 2009.0001.002039-7 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 15/05/2013 )
Decisão
ACORDAM os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conhecer do recurso de Apelação Cível, mas negar-lhe provimento, para manter a sentença recursada em sua integralidade, considerando a parcial nulidade do negócio jurídico de compra e venda debatido nos autos e a necessidade de conservação de sua parcela válida, observados os requisitos no art. 184, do CC.

Data do Julgamento : 15/05/2013
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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