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Jurisprudência


TJPI 2009.0001.003166-8

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. COLISÃO DE DIREITOS. LIBERDADE DE EXPRESSÃO VERSUS DIREITO À IMAGEM, PRIVACIDADE, HONRA E DIGNIDADE HUMANA. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS À LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE ESPONTANEIDADE PARA A CAPTAÇÃO DA IMAGEM. MANIPULAÇÃO DA IMAGEM JORNALÍSTICA. FOTO OBTIDA NO INTERIOR DO DISTRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO DETENTOR DO DIREITO PERSONALÍSSIMO. ATO ILÍCITO. DANO MORAL, A TEOR DOS ARTS. 186, 927 DO CC. DIVULGAÇÃO, SEM EXCESSOS, DE FATO JORNALÍSTICO APURADO PELA POLÍCIA. DIREITO-DEVER DA IMPRENSA. VINCULAÇÃO DE INDIVÍDUO À PRÁTICA DE CRIME. NÃO COMPROVAÇÃO. CALÚNIA. ART. 138, CP. AUSÊNCIA DO ANIMUS NARRANDI. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO NA SENTENÇA A QUO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DO ARBITRAMENTO. JUROS DE MORA A INCIDIR DA DATA DO EVENTO DANOSO. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO. 1. A mesma Constituição que garante a liberdade de expressão, garante também outros direitos fundamentais, como os direitos à inviolabilidade, à privacidade, à honra e à dignidade humana. Para o STF, esses direitos são limitações constitucionais à liberdade de imprensa. E sempre que essas garantias, da mesma estatura constitucional, estiverem em conflito, o Poder Judiciário deverá definir qual dos direitos deverá prevalecer, em cada caso, com base no princípio da proporcionalidade (STF, ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, 30.4.2009). 2. Uma vez acionado para dirimir a referida colisão de direitos, o Judiciário “estará impedido constitucionalmente de restringir quaisquer dos direitos colidentes através da concordância prática ou ponderação de valores no exame do caso sub judice”. (V. Edilson Farias, Restrição de Direitos Fundamentais, artigo publicado in Revista da Justiça Federal no Piauí, vol 1., n.2, jan-jul/2001, p.20) 3. O direito à imagem consiste em “não ver sua efígie exposta em público ou mercantilizada sem seu consenso e o de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano a sua reputação” (RT, 464:226, 497:88, 512;262; 518:210, 519:83, 512:112, 531:230, 550:190, 536:98, 576:249, 600:69, 623:21, 624:65, (...), RSTJ, 104:326 e 68:358). (V. Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, 2008, p. 65). 4. É certo que "em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano, nem a conseqüência do uso, se ofensivo ou não." (REsp 230.268/SP, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04.08.2003). 5. Assim, no tocante ao direito de proteção à imagem, em conflito com o direito de amplo acesso à informação, deverá levar-se em consideração a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade deles, “privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações” (V. THEOTONIO NEGRÃO, Código Civil e legislação em vigor, 2009, p. 52) 6. A divulgação da imagem “quando necessária a fins judiciais ou que interessem à ordem pública”, seria uma das exceções para a dispensa da anuência, pelo detentor de tal direito personalíssimo, para a divulgação de sua imagem. (V. Nestor Duarte, Código Civil Comentado, 2010, p. 41). 7. Se, eventualmente, uma das pessoas integrantes do grupo detido pela ação policial não é criminosa, descabe falar-se em dano a sua imagem, não comportando ser indenizado pela matéria jornalística, na medida em que o veículo de comunicação “apenas atendeu aos anseios da polícia e da sociedade”: (V. Oduvaldo Donnini e Outro, Imprensa Livre, Dano Moral, Dano à Imagem, e sua Quantificação à luz do novo Código Civil, 2002, p. 68). 8. A proteção ao direito de imagem não pode ser resguardada a ponto de impossibilitar toda e qualquer veiculação da imagem de determinada pessoa, devendo encontrar limites nas circunstâncias e peculiaridades em que foi captada. (Precedente do STJ: REsp 58.101/SP, Relator César Asfor Rocha, DJ 09.03.1998). 9. Não há espontaneidade para retratação do fato jornalístico quando a imagem não é obtida no momento do flagrante, em cenário público, mas captada dentro das dependências do Distrito Policial, havendo, assim, manipulação da imagem pelo veículo de comunicação, já que “considera-se qualquer artifício utilizado para alterar esta realidade, antes ou depois do instante fotográfico, uma forma de manipulação da informação.” (V. Phillip Fonseca Zelante, A Manipulação de Imagens no Fotojornalismo, 2004, p.19) 10. Para que a imagem seja captada, dentro das dependências do Distrito Policial, é necessária a anuência do detentor do direito personalíssimo, já que constitui direito do preso a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo, conforme art. 41, VIII, da LEP. 11. Os direitos personalíssimos são intransmissíveis e irrenunciáveis, na linha do art. 11, III, do CC, que determina: “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.” 12. Desse modo, entendo que a veiculação de imagem captada dentro da delegacia, sem a devida autorização, pelo detentor do direito da personalidade, de forma coercitiva, ofende à imagem e ao decoro da pessoa retratada. (Precedentes STJ e TJDFT). 13. Tratando-se de responsabilidade extracontratual, vale ressaltar que, não basta afirmar-se que o agente é responsável pelo ato. Exige-se a culpa, ou seja, a existência de uma conduta voluntária, que desatenda ao dever de cuidado, imposto legalmente, o que está de acordo, aliás, com a ética jornalística. 14. O veículo de comunicação ao divulgar imagem, que não tenha sido captada, espontaneamente, em cenário público, sem a anuência do detentor do direito personalíssimo, incorre na prática de um ato ilícito, tal como definido no art. 186, e 927 do Código Civil, já que por ação voluntária causa dano a um terceiro, estando, assim, obrigado a repará-lo. 15. A veiculação de matérias jornalísticas, com intuito exclusivamente informativo, não gera direito à indenização, já que constitui como direito-dever da imprensa de informar, conforme previsto no art. 5º, XIV, da CF. 16. A divulgação, pelo veículo de comunicação, de fato que está sendo apurado pela polícia não implica em ato ilícito, a ponto de configurar o dever de indenizar pelo jornal, já que, além de se traduzir em direito e dever da imprensa, reveste-se de patente interesse público. (TJRS, Apelação Cível Nº 597130749, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 21/08/1997). 17. Não há como caracterizar a litigância de má-fé do veículo de comunicação, quando apenas reproduz fatos fornecidos pela autoridade policial, sem qualquer juízo de valor, já que assim, o texto jornalístico está sob a proteção do direito inscrito no art. 220 da Constituição Federal, não podendo ensejar dano moral, pois ausente o abuso do direito de informar. 18. Por outro lado, o veículo de comunicação, ao vincular o nome de um invíduo a um crime, sem a devida comprovação, comete calúnia, na forma do art. 138, do Código Penal. 19. Ao imputar a outrem, falsamente, a prática de crime, o veículo de comunicação comete excesso, na medida em que divulga um fato falso, extrapolando, assim, os limites do direito de informar. (Precedentes do TJRS). 20. Assim, onde não há fato comprovado, estará ausente o animus narrandi, o que não exonera o periódico jornalístico da obrigação de indenizar por danos morais. 21. Se a imprensa não tem o cuidado de averiguar a prova e a certeza do fato, se não tem o cuidado de avaliar a possível repercussão da divulgação; e se também não tem o cuidado com o conteúdo da divulgação, com o modo, a ênfase, o contexto dos fatos, o sensacionalismo com que tal divulgação é feita, então, o jornal será responsável pelos danos que vier a causar com a divulgação de fatos inexistentes. 22. O quantum arbitrado deve ser suficiente para revestir a indenização de um caráter penalizante e profilático para a empresa de comunicação demandada, de modo que, efetivamente atingida em um de seus maiores bens, o patrimônio, seja obrigada a reavaliar o seu menosprezo para com a honra e imagem alheia e a realinhar a sua postura, coibindo que novamente aja de forma negligente, bem como de um caráter compensatório ao ofendido, configurando-se como um lenitivo para a sua dor íntima, na medida em que a indenização lhe servirá como meio para obter uma compensação para as suas aflições. 23. Nos termos do que prescreve o art. 944, caput, do Código Civil “a indenização mede-se pela extensão do dano”, razão pela qual entendo que o dano oriundo da veiculação da imagem do indivíduo preso, bem como a veiculação de uma reportagem contendo informação inverídica, possui graves consequências nas relações sociais. 24. No tocante à correção monetária, a Corte Especial do STJ aprovou a Súmula 362, originada do projeto 775, relatado pelo Min. Fernando Gonçalves, com o seguinte texto: “a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”. 25. Entre os precedentes do novo resumo de entendimentos do Tribunal estão os recursos especiais (REsp) 657.026, 743.075 e o 974.965. No julgamento do REsp 675.026, o relator, Ministro Teori Albino Zavascki aponta que o reajuste em indenizações por dano moral deve ser calculada a partir da data em que o valor foi definido na sentença, e não na data em que a ação foi proposta. 26. Com relação aos juros de mora, quando se trata de relação extracontratual, conta-se a partir do evento danoso, a teor do disposto na Súmula 54 do STJ. 27. Apelação Cível conhecida e improvida. (TJPI | Apelação Cível Nº 2009.0001.003166-8 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 23/02/2011 )
Decisão
“Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado, por votação unânime, em conhecer da Apelação Cível e negar-lhe provimento, para condenar a empresa Apelante a pagar ao Apelado, o valor de 30 (trinta) vezes o valor do salário mínimo vigente à época da prolação da sentença, com correção monetária a incidir a partir do julgamento de 1º grau (Súmula 362, do STJ), acrescido de juros de mora desde a data do evento danoso (súmula 54 do STJ), reformando, parcialmente, neste ponto, a sentença recorrida.”

Data do Julgamento : 23/02/2011
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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