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Jurisprudência


TJPI 2009.0001.004253-8

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA EXTINTIVA. EMENDA À INICIAL. NÃO INDICAÇÃO DAS QUESTÕES A SEREM ACLARADAS. DEVERES DE CLAREZA E DE GAURDAR A BOA-FÉ. PETIÇÃO INICIAL COMPLETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO FEITO. SENTENÇA EXTINTIVA REFORMADA. CAUSA MADURA. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DO MÉRITO DA AÇÃO. MÉRITO: DIREITO DO CONSUMIDOR ADERENTE DE REVER AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. TEORIA DA BASE OBJETIVA DO CONTRATO. A LEGALIDADE DA CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS REMUNERATÓRIOS NO VALOR FINANCIADO, DESDE QUE PREVISTO CONTRATUALMENTE. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TAXA DE JUROS EM PATAMAR SUPERIOR A 12% AO ANO, DESDE QUE LIMITADO À TAXA MÉDIA DO MERCADO - BACEN. DIREITO DO CONSUMIDOR EM PERMANECER NA POSSE BEM FINANCIADO EM PERMANECER NA POSSE DO BEM ATÉ O FINAL DO LITÍGIO E DE NÃO TER SEU NOME INSCRITO NOS ÓRGÃOS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. INEXISTENTE. JULGAMENTO DESFAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO DAS PARCELAS INCONTROVERSAS. MORA CARACTERIZADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO TÃO SOMENTE PARA REFORMAR A SENTENÇA EXTINTIVA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DA EXORDIAL. 1. Em nome dos deveres de clareza e de guardar a boa-fé, o despacho do juiz que determina a emenda à petição inicial deve indicar corretamente quais pontos devem ser emendados. 2. Não há razão para emendar a petição inicial que preencheu todos os requisitos dos arts. 282 e 283 do CPC/1973 (arts. 319 e 320 do CPC/2015); o autor da revisional não é obrigado a apresentar, prima facie, o contrato a ser revisado, mormente porque não é requisito essencial para a sua propositura a juntada de todas as provas pré-constituídas, uma vez que é possibilitada a dilação probatória no âmbito da instrução processual. Precedentes do TJPI. 3. Reforma a sentença extintiva, é possível continuar no julgamento para resolver o mérito do processo, se este estiver instruído de forma suficiente. Inteligência do art. 1.013, §3º, I, do CPC/2015. 4. MÉRITO. O verbete sumular nº 297, do Superior Tribunal de Justiça, expressamente prevê que \"o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras\". 5. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, em seu art. 6º, V, preceitua, como direito básico do consumidor: \"a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas\". 6. Assim, em sentido estrito, a revisão de cláusulas contratuais tem como pressuposto básico a ocorrência de fatos supervenientes que tornem as prestações devidas excessivamente onerosas. 7. Apesar de ser assegurada, a todos, a liberdade de contratar, deve-se sempre observar a função social do contrato (art. 421, CC/2002) e os princípios de probidade e da boa-fé (art. 422, CC/2002), que devem nortear tanto a celebração quanto a execução dos contratos, sendo que, por expressa previsão legal, as clásulas ambíguas ou contraditórias, em contrato de adesão, devem ser interpretadas de forma mais favorável ao aderente (art. 423, CC/2002) - ou, in casu, ao consumidor. 8. Essa mesma lógica se repete na primeira parte do art. 6º, V, do CDC, que garante aos consumidores, como um direito básico, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais: \"a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas\". 9. Nesses termos, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consignou que \"após o advento da Constituição Federal/88 e do Código de Defesa do Consumidor, os contratos não mais se sujeitam à revisão somente em decorrência de fatos supervenientes, imprevisíveis a um dos contratantes (Teoria da Imprevisão), mas também em razão da necessidade de submissão às diretrizes constitucionais de proteção ao consumidor\" (TJ-MG – AC: 10231120408647001 MG, Relator: José de Carvalho Barbosa, Data de Julgamento: 30/01/2014, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/02/2014). 10. Nesse teor, a simples alegação de ofensa ao Código de Defesa do Consumidor face à exigência de encargos excessivos e abusivos basta para o processamento da ação, sendo que \"a prova da abusividade ou onerosidade excessiva pode ocorrer durante a instrução do feito, não sendo exigível como condição \"sine qua non\", para a propositura da ação, a sua apresentação junto com a inicial\" (TJ-MG – AC: 10231120408647001 MG, Relator: José de Carvalho Barbosa, Data de Julgamento: 30/01/2014, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/02/2014). 11. Seguindo essa lógica, o Superior Tribunal de Justiça cuidou de distinguir a teoria da imprevisão, que justifica a revisão contratual em sentido estrito, da teoria da base objetiva do contrato, que possibilita a revisão contratual em sentido amplo, asseverando que o marco distintivo entre essas duas reside, justamente, na prescindibilidade, ou não, da ocorrência de fatos novos para que haja a revisão. Precedentes do STJ. 12. No âmbito da atividade bancária, os juros correspondem ao preço que o cliente paga, a título de contraprestação, pelos serviços financeiros utilizados. Isso porque o capital/crédito é a principal matéria-prima da atividade bancária e o preço a ser pago, pelos clientes, em razão da sua utilização, se consubstanciam nos juros. 13. Ocorre que, em respeito às diretrizes constitucionais de proteção ao consumidor, devem as instituições financeiras, de uma maneira geral, ao disponibilizarem seus produtos, agir no mercado de forma responsável, uma vez que, \"a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social\" (art. 170 da CRFB/88). 14. Ademais, é dever do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, reprimir \"o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros\" (art. 173, § 4º, da CRFB/88). 15. Isso porque o eventual superendividamento do povo brasileiro acaba por macular os objetivos principais da República Federativa do Brasil, especialmente no tocante à construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CRFB/88), à garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB/88) e à erradicação da pobreza e da marginalização, bem como à redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CRFB/88). 16. Assim, quando da aquisição do crédito, deve o financiado, que é consumidor, ser orientado e informado adequadamente, até porque a transparência é, segundo o Código de Defesa do Consumidor, princípio regente das relações de consumo, tal como previsto no art. 4º, caput, art. 6º, III, e art. 46 do CDC. 17. Daí porque o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese de que \"é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada — artigo 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto\" (Tema de Julgados Repetitivos nº 27 – STJ). 18. In casu, a alegação do autor de que desconhecia os termos da avença não prospera, posto que consta sua assinatura no contrato. 19. Não se aplica, aos financiamentos bancários, as disposições do Decreto nº 22.626/1933 nem se considera abusivadade, apta a ensejar a revisão contratual, o simples fato de se cobrar juros superiores a 12% ao ano ou de haver a capitalização de juros (juros compostos), conforme prevê as Súmulas nº 596 do STF e nº 541 do STJ e precedentes do E. TJPI: Apelação Cível Nº 2011.0001.002782-9 | Relator: Des. Haroldo Oliveira Rehem | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 25/01/2017; Apelação Cível Nº 2012.0001.005414-0 | Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 22/03/2016; Apelação Cível Nº 2011.0001.003038-5 | Relator: Des. Brandão de Carvalho | 2ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 04/10/2016; Apelação Cível Nº 2015.0001.009134-3 | Relator: Des. Fernando Lopes e Silva Neto | 4ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 19/07/2016. 20. Assim, conclui-se que a verificação da abusividade, ou não, dos juros remuneratórios superiores a 12% ao ano passa pela análise dos seguintes requisitos: a um, ter sido o contrato celebrado após a Medida Provisória nº 1.963-17/2000, cuja entrada em vigor se deu em 31.03.2000; a dois, haver expressa previsão contratual sobre a taxa de juros aplicada; e, a três, não ser a taxa de juros superior à praticada pela média do mercado; in casu, estão presentes todos os requisitos. 21. Quanto à necessidade de previsão expressa da capitalização, o STJ já determinou que \"a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada\" (STJ, REsp n. 973.827/RS, Relatora para o acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 8/8/2012, DJe 24/9/2012). 22. O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que os juros remuneratórios em contratos bancários não estão atrelados à taxa SELIC, que não representa a taxa média de mercado. Precedentes do STJ: AgRg no AREsp 287604; AgRg no AREsp 477017/SP. 23. Ademais, conforme o entendimento da Corte Superior, “a inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção” (STJ, REsp 1061530/RS, Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador: S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data do Julgamento: 22/10/2008). 24. Não há direito do devedor de se manter na posse do bem, posto que ficou caracterizada a mora debendi, a qual somente é afastada se ficar configurado o caráter abusivo da cobrança, o que não se verificou na hipótese dos autos. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1402404/RS; AgRg no AREsp 326.567/SCREsp 1421371/SC. 25. Recurso conhecido e provido para reforma a sentença extintiva. Pedidos da exordial julgados improcedentes. (TJPI | Apelação Cível Nº 2009.0001.004253-8 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 21/03/2018 )
Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer do presente recurso e dar-lhe provimento para reformar a sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito. Ao lado disso, com fulcro no art. 1.013, parágrafo 3º, I, do CPC/2015, julgam o mérito da demanda, para: i) dar pela improcedência do pedido de revisão contratual do Autor, ora Apelante, ante a inexistência de juros remuneratórios abusivos; ii) negar o direito do Autor, ora Apelante, de não ter seu nome inscrito em cadastro de inadimplentes e de se manter na posse do bem até o final do processo, ante a caracterização da mora; iii) condenar o Autor, ora Apelante, ao ressarcimento das custas processuais pagas pelo Banco Apelado e ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 10% sobre o valor da causa. Por fim, tendo em vista a alteração do nome social do Banco Réu, ora Apelado, determinam a alteração do polo passivo, a fim de que passe a constar na qualificação do processo “Banco Pan S.A”, na forma do voto do Relator.

Data do Julgamento : 21/03/2018
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho