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Jurisprudência


TJPI 2009.0001.004599-0

Ementa
DIREITO CIVIL. NEGÓCIO JURÍDICO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ALEGAÇÃO DE ESTADO DE PERIGO, NULIDADE POR INOBSERVÂNCIA DO DIREITO DE PREFERÊNCIA PREVISTO NO ART. 1.794 DO CÓDIGO CIVIL (CC) E SIMULAÇÃO. DECADÊNCIA. PRELIMINAR DE MÉRITO AFASTADA. DIFERENÇAS ENTRE ESTADO DE PERIGO E LESÃO. REQUALIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. NEGÓCIOS JURÍDICOS CELEBRADOS SOB PREMENTE NECESSIDADE (OBTENÇÃO DE RECURSOS COM A FINALIDADE DE CUSTEAR TRATAMENTO CONTRA O CÂNCER). PRESTAÇÃO MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONAL AO VALOR DA PRESTAÇÃO OPOSTA (PREÇO MUITO ABAIXO DO VALOR DO MERCADO). 1. Quando se trata de demanda por tutela jurisdicional constitutiva negativa, ou, em outras palavras, ação anulatória, o decurso do tempo pode implicar em decadência. 2. Em tais casos, não há razão para pensar em preclusão, porque essa consiste na “perda da faculdade de praticar ato processual” (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao CPC, 2015, p. 743, n. 2). Esse fenômeno apenas acontece como consequência da própria atividade processual, seja pelo decurso de um prazo processual sem que se tenha praticado o ato (preclusão temporal); seja porque já se praticou o ato e, por isso, ele não pode mais ser repetido (preclusão consumativa); seja porque a parte adotou posturas contraditórias com um ato processual, o que veda a sua prática (preclusão lógica, derivada da vedação de comportamento contraditório – non venire contra factum proprium). Como se vê, a preclusão pressupõe a instauração de um processo, razão pela qual não se verifica tal fenômeno nas hipóteses em que, antes da propositura da demanda, não houve atividade processual. 3. Também não faz sentido discutir se houve prescrição, porque essa apenas atinge a pretensão e, portanto, desse fenômeno apenas se cogita relativamente às demandas por tutela jurisdicional condenatória. Em outras palavras, só se perquire acerca da prescrição naquelas ações que visam à proteção de um direito a uma prestação. 4. Nessas circunstâncias, apenas se pode interpretar a alegação como sendo de decadência, que é o fenômeno a que se sujeitam as demandas constitutivas, como a que levou à instauração do presente processo, em que se pede a desconstituição, ou seja, a anulação de negócios jurídicos supostamente viciados. 5. Segundo o art. 178 do Código Civil de 2002, “é de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado […] no [caso] de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico”. 6. Ao passo em que, no estado de perigo, a necessidade é a de salvar a si ou a outrem (por quem o negociante com vontade viciada tenha afeto digno de tutela jurídica) de grave dano conhecido pela outra parte, na lesão, a premente necessidade pode ser de outra ordem. 7. Enquanto o estado de perigo tem por elemento objetivo que o negociante premido pela necessidade de salvar a si ou a outrem assuma “obrigação excessivamente onerosa” (art. 156 do CC), a lesão se configura quando o negociante premido por necessidade digna de tutela jurídica “se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta” (art. 157 do CC). É claro que a obrigação excessivamente onerosa também é uma prestação manifestamente desproporcional. Entretanto, não se deve presumir que a previsão em lei de dois institutos diversos é inútil. 8. No caso em que uma pessoa diagnosticada com câncer aliena todos os bens economicamente interessantes do seu patrimônio por um valor bem abaixo do de mercado, o desequilíbrio sinalagmático é melhor assimilável à desproporção entre prestação e contraprestação, própria da lesão (art. 157 do CC), do que à assunção de obrigação excessivamente onerosa, peculiar ao estado de perigo (art. 156 do CC). Isso porque o negociante premido pela necessidade de obter recursos para o tratamento de saúde não permaneceu, em consequência dos contratos que celebrou, obrigado a uma prestação excessivamente onerosa a ser futuramente adimplida. Ao contrário, o prejuízo sofrido pelo alienante doente se consumou na própria celebração dos contratos de compra e venda da casa e de cessão dos direitos hereditários sobre os diversos bens. 9. O simples reenquadramento dos fatos narrados na inicial, para qualificá-los juridicamente como um defeito do negócio jurídico diverso daquele sugerido pelo autor, não implica em ofensa à regra da adstrição da sentença ao pedido, ou da coerência entre a tutela jurisdicional demandada e a tutela jurisdicional prestada. Cândido Rangel Dinamarco esclarece que, "entre os limites da demanda, que o art. 128 do Código de Processo Civil [de 1973] manda o juiz observar, estão incluídos os fundamentos de FATOs contidos na petição inicial. O juiz é rigorosamente adstrito aos FATOS trazidos na causa de pedir, não lhe sendo lícito decidir apoiados em fatos ali não narrados nem omitir-se quanto a algum deles. Tais são os fatos constitutivos (...)" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 285). Na sequência, o doutrinador deixa claro que "OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO também integram a causa de pedir (CPC, art. 282, inc. III) MAS NÃO VINCULAM O JUIZ, O QUE É INERENTE AO SISTEMA DA SUBSTANCIAÇÃO, ADOTADO NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO (JURA NOVIT CURIA...)" (ob. cit., loc. cit.). Doutrina e precedentes do STJ. 10. A obtenção de recursos para custear o tratamento de grave doença se constitui em premente necessidade, digna de tutela jurídica. Pouco importa se o negociante doente estava ou não abalado, porque o Código Civil não exige, para a configuração da lesão, um particular estado psicológico assumido pela pessoa diante da premente necessidade. A premente necessidade não precisa vir acompanhada de “abalo psicológico”. Essa dimensão psicológica, para caracterização da lesão, é um irrelevante jurídico. 11. A lesão é defeito do negócio jurídico que impõe a anulação dele, com base no art. 171, II, do CC, de acordo com o qual “é anulável o negócio jurídico […] por vício resultante de […] lesão”. 12. A consequência da anulação do negócio jurídico, que nada mais é do que a desconstituição dele, está prevista no art. 182 do CC, segundo o qual, “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente”. Por incidência desse dispositivo, impõe-se a prestação de tutela jurisdicional constitutiva negativa com efeitos ex tunc. Doutrina e precedente do STJ. 13. Apelação conhecida e improvida. (TJPI | Apelação Cível Nº 2009.0001.004599-0 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 13/04/2016 )
Decisão
ACORDAM os componentes da Egrégia Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por unanimidade, em conhecer da presente Apelação, para afastar a preliminar de decadência e negar-lhe provimento, mantendo o julgamento pela procedência de um dos pedidos formulados na inicial, para anular o negócio jurídico (ainda que por fundamento diverso: lesão, em vez de estado de perigo) e determinar que: i) as frações ideais e os direitos hereditários que a falecida havia alienado retornem ao patrimônio imobiliário do espólio de Evelina Borges Leal, a irmã falecida da autora; e ii) o espólio restitua ao Apelante a quantia paga como preço em razão dos contratos ora anulados, no total de R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais), valor a ser atualizado monetariamente pelo IPCA-e, do IBGE, a partir da data do desembolso, nos termos do voto do Relator.

Data do Julgamento : 13/04/2016
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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