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Jurisprudência


TJPI 2010.0001.002728-0

Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR. INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADE PROCEDIMENTAL QUANTO À SENTENÇA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. INSUSCETIBILIDADE DE PRECLUSÃO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. SENTENÇA INCERTA. ART. 460, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO DE RELAÇÃO JURÍDICA CONDICIONAL NA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA DE HIPÓTESE DE PROLAÇÃO DE DECISÃO PARA O FUTURO. JUÍZO NEGATIVO DE PROBABILIDADE DE REPETIÇÃO DA ILEGALIDADE PELO APELANTE. NULIDADE DA SENTENÇA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA. ART. 515, §3º, DO CPC. NOVO JULGAMENTO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO PRINCIPAL DO AUTOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. No caso em julgamento, a sentença proferida nos autos, pelo juiz de primeira instância, condenou Município ao pagamento de multa diária, no caso de eventual não pagamento em dia da remuneração de seus respectivos servidores públicos, evento este que é incerto de acontecer no futuro, podendo, tanto ocorrer, como não. 2. A inobservância de formalidade procedimental, quanto à sentença, insere-se entre as matérias que dizem respeito à ordem pública, porque o julgamento do mérito, segundo a doutrina de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, “(...) só se torna admissível depois que todo o iter procedimental haja sido percorrido e cada ato do procedimento haja sido realizado de forma regular (…)” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 2009, p. 142, nº 847), e, portanto, é matéria insuscetível de preclusão, uma vez que, “só a matéria sujeita à disponibilidade das partes é suscetível de preclusão(,) e não a que diga respeito à ordem pública.” (V. Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 2009, p. 469, nº 633). Precedente (TJPI, ED no AI 2009.0001.002245-0, Desembargador Relator Francisco Antônio Paes Landim Filho, 3ª Câmara Especializada Cível, j. 21/09/2011). 3. Pelo art. 460, parágrafo único, do CPC, “a sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional”, o que significa dizer que a relação jurídica porventura decidida em juízo poderá ter natureza condicional, mas a sentença deve ser “certa”, é dizer, não pode estabelecer condição para sua eficácia, ou melhor, seus efeitos não podem depender de evento cujo futuro acontecimento se tenha como incerto. 4. Cândido Rangel Dinamarco denomina de sentença condicional aquela que não é “certa”, nos termos daquele dispositivo de lei, na medida em que “submete sua própria eficácia a algum evento futuro e incerto”, considerando, também, que a prolação de sentenças nesta forma constitui a “negação da oferta da segurança jurídica que pela via do exercício da jurisdição o Estado se propõe a fornecer às pessoas ou grupos envolvidos em conflitos” e, a par disso, representaria “um verdadeiro non liquet” (v. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. 6ª ed. 2009. p. 218). 5. É axiomático denominar de condicional a sentença prolatada em desconformidade com a primeira parte do parágrafo único do art. 460, do CPC, porque a incerteza é mesmo característica da condição, em consonância, por exemplo, com o art. 121 do Código Civil, segundo o qual “considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”. 6. O nosso ordenamento jurídico processual expressamente proíbe que um provimento jurisdicional definitivo tutele uma situação jurídica cuja superveniência é possível, mas não pode ser tida como certa, no exato momento em que ele é prolatado, na medida em que, neste caso, a tutela jurisdicional proferida neste padrão instalaria uma situação de insegurança para as partes a quem se dirige, na medida em que estas estariam vinculadas à coisa julgada de uma decisão que não se sabe se produzirá, ou não, efeitos. 7. A preleção do parágrafo único do art. 460, do CPC, não elimina a hipótese de que seja proferido acórdão para o futuro, isto é, aquele que se refere “a situações ou eventos que, no momento da prolação, ainda não se consumaram mas que, segundo uma avaliação probabilística, deverão ocorrer.” (Cândido Rangel Dinamarco. Processo Civil Empresarial, 2010, pp. 386 e 387), caso em que “o sistema aceita que certas relações jurídicas futuras sejam apreciadas e a seu respeito decidam os juízos e tribunais, quando ligadas a situações do presente.” (ob. cit., p. 387). porém, a prolação de decisão judicial neste formato depende de circunstância fática em que se evidencie a “probabilidade de que se projetem no porvir as mesmas situações concretizadas no presente”, que, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, representa “o elo entre o passado e o futuro” (ob. cit., p. 387). 8. A prolação de acórdão ou sentença para o futuro depende de circunstância fática em que se evidencie a “probabilidade de que se projetem no porvir as mesmas situações concretizadas no presente”, que, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, representa “o elo entre o passado e o futuro” (ob. cit., p. 387). Precedente (TJPI – Reclamação nº 2008.0001.002801-0 – Tribunal Pleno – Relator Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho. Julgado em 24/05/2012). 9. Na hipótese em julgamento, a sentença dos autos não se trata daquelas que “decida relação jurídica condicional”, nos termos da parte final do art. 460, parágrafo único do CPC, e, além disso, o caso evidenciado não é daqueles habilite o julgador à prolação de um “acórdão para o futuro”, já que a situação de ilegalidade vivenciada pelo município Apelante e que ensejava repressão judicial, foi plenamente reparada, no curso do processo, antes mesmo da prolação da sentença em debate, ou seja, as circunstâncias fáticas que permeiam esta lide não levam a um juízo positivo de probabilidade. 10. A sentença proferida nestes autos é condicional e nula, por vício de forma, no passo em que, o principal efeito decorrente de sua condenação (qual seja a incidência de “multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)” ao município Apelante), somente irá se operar caso haja o inadimplemento do dever de pagar “regularmente em dia todo o quadro de servidores públicos municipais”, sendo óbvio que tal inadimplemento é evento futuro e incerto, e, no caso, é fator subordinante dos efeitos da sentença, pois somente incidirá a citada multa, caso este ocorra em futuro incerto, em contrariedade com o que manda o parágrafo único do art. 460, do CPC. Precedente do STJ (AgRg no AREsp 6.612/RS, Segunda Turma, julgado em 01/09/2011, DJe 09/09/2011. Voto do Relator, Ministro HERMAN BENJAMIN, p.04). 11. Sendo caso em que a demanda comporta julgamento antecipado, na forma do art. 330, do CPC, o novo julgamento da causa na instância recursal que anulou a sentença antes prolatada (mediante a aplicação da Teoria da Causa Madura, incorporada no art. 515, §3º, do CPC), não implicará em ilegalidade ou cerceamento de defesa, ainda que não tenha sido realizada ampla dilação probatória, em primeiro grau de jurisdição. 12. No que tange à verificação da possibilidade de julgamento antecipado da lide, que tem como requisitos ser a questão “exclusivamente de direito” e em “condições de imediato julgamento”, entende a doutrina que “essas exigências legais devem ser interpretadas à luz do art. 330 do CPC, ou seja, sendo hipótese de julgamento antecipado do mérito, o tribunal poderá aplicar o art. 515, §3º, do CPC, ainda que a demanda verse também sobre questões de fato. Não havendo provas a serem produzidas – porque são desnecessárias ou já foram produzidas -, a causa estará “madura” para julgamento, cabendo ao tribunal julgar imediatamente o mérito da demanda” (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil, Vol. Único, 2012, p. 655). 13. No caso em julgamento, o total acolhimento do pedido principal do autor da demanda, importaria em incorrer em vício formal na prolação da sentença, pois não é dado ao juiz proferir sentenças não certas (ou condicionais), mas, ao contrário, isto lhe é expressamente vedado pelo parágrafo único do art. 460, do CPC; ademais, não se mostra possível o acolhimento parcial deste mesmo pedido, apenas excluindo a incidência da multa pleiteada, pois, neste caso, o provimento se esvaziaria em repetir a determinação legal de pagamento, em dia e regularmente, de vencimentos aos servidores públicos municipais, mesmo sem que houvesse, de fato, violação de direito a ser reparada ou conflito a ser tutelado. 14. Recurso conhecido e provido. (TJPI | Apelação / Reexame Necessário Nº 2010.0001.002728-0 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 28/08/2013 )
Decisão
ACORDAM os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conhecer da Apelação Cível e dar-lhe total provimento, para anular a sentença de primeiro grau, que padece de vício formal, na medida em que foi proferida em desconformidade com o parágrafo único, do art. 460, do CPC, bem como para, aplicando o art. 515, §3º, do CPC, julgar o mérito da demanda, dando pela improcedência do pedido principal do Ministério Público do Estado do Piauí, ressalvada a condenação dos réus ao pagamento da multa devida em razão do descumprimento da medida liminar (fls. 30/31), na quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de descumprimento, considerando-se, para o cálculo do montante final, o período entre a data em que estes foram intimados da decisão liminar, qual seja, 03/11/2008 (fls. 32-v/34), e a data da comprovação da totalidade de seu cumprimento (fls. 260/308), isto é, 05/12/2008 (fls. 257-v).

Data do Julgamento : 28/08/2013
Classe/Assunto : Apelação / Reexame Necessário
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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