TJPI 2011.0001.005843-7
REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO POPULAR. LEI 4717/65. CONDIÇÕES DA AÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. ATO ADMINISTRATIVO DA 1ª CÂMARA DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUE ANULOU OS AUTOS DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA DE LEVISIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ICMS. SAÍDAS DE LEITE FRESCO PARA CONSUMO FINAL. INTERPRETAÇÃO QUE NÃO REVESTE O ATO DE ILEGALIDADE. ALCANCE DA NORMA ISENTIVA AOS SUPERMERCADOS. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Conheço do reexame necessário, pois a sentença que conclui pela improcedência da ação popular “está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, nos termos do art. 19 da Lei nº 4717/65.
2. A parte autora comprovou sua legitimidade ativa, por intermédio da cópia do título de eleitor . Quanto ao sujeito passivo, comprovou enquadrar-se nos liames da Lei de Ação Popular, diante da amplitude da legitimidade passiva prevista no art. 6ª da lei já mencionada.
3. Embora objetivo da Ação Popular seja a tutela dos bens públicos, para o manejo de ação, com a consequente provocação do Judiciário, o autor popular deve atender as chamadas condições da ação, dentre as quais se visualiza o interesse de agir (art. 3º, CPC). Este é analisado sob o binômio necessidade-adequação.
4. Na hipótese, a ação popular foi manejada pelos fiscais da SEFAZ com o intuito de comprovar ilegalidade no ato administrativo que concedeu isenção de ICMS à empresa produtora de leite, subtraindo elevada quantia de tributo aos cofres do Estado.
5. O art. 1º da Lei 4.717/195 prevê que “qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio do Estado”. O art. 2º, da mesma lei, dispõe que são nulos os atos lesivos ao patrimônio, nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos ou desvio de finalidade. Por sua vez, o parágrafo único desse artigo, em sua letra c, define que a ilegalidade do objeto ocorre “quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo”. Acrescente-se que a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5º, XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
6. Dentro desse contexto, reputo cabível o ajuizamento de ação popular para o controle judicial de decisão administrativa — que alcança a decisão administrativa prolatada no âmbito do Conselho de Contribuintes da Sefaz —, desde que presente vício de forma ou demonstrada a ocorrência de ilegalidade, bem como observado o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 21 da Lei 4.717/1965.
7. A matéria de fundo tratada no referido acórdão refere-se à isenção do imposto diferido nas saídas de leite destinados a supermercados, em decorrência de interpretação das cláusulas primeira, segunda e terceira do Convênio ICM 07/77 reproduzidas no Regulamento do ICMS (Decreto 7560/89, em seus art. 7º e 8º).
8. No controle interno da legalidade (autotutela), percebe-se que a interpretação dada pelo órgão competente (Conselho de Contribuintes), diversamente dos fiscais fazendários e ora recorrentes, foi de manter a isenção.
9. Entendo que a extensão da regra contida no Regulamento do ICMS (Decreto 7.560/89, art.s 7º ) o qual dispõe - “não se exigirá o imposto porventura diferido nas operações anteriores em relação às saídas isentas de leite fresco, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, destinado a consumo final” - é no mesmo sentido dado pelo órgão administrativo, ou seja, isenção do produto industrializado para favorecer o consumo do leite, já que se trata de alimento básico e indispensável.
10. No uso da discricionariedade admitida legalmente, portanto, a Administração Pública não extrapolou os limites da razoabilidade, não havendo que se falar em ato administrativo ilegal, tendo o Conselho de Contribuintes atuado segundo os ditames constitucionais (notadamente do art. 37, caput).
11. Até porque há subsunção da hipótese trazida pelo contribuinte à cláusula segunda do Convênio ICM 07/77 que reproduz a norma acima transcrita do art. 7º do Decreto 7.560/89 e trata expressamente de hipótese de isenção, repita-se, do Imposto sobre Circulação e Mercadorias as saídas de leite fresco, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, destinado a consumo final.
12. Não obstante, diversamente do que sustentado na petição inicial, a matéria de fundo tratada no acórdão exarado pela 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes não deriva de disposição literal, mas, ao contrário, admite margem para interpretações divergentes, favoráveis, ou não, ao contribuinte.
13. O fato de haver divergência quanto à interpretação da regra contida no art. 7º do Decreto 7.560/89 — a qual, reitera-se, não é literal como defendem os autores populares —, combinado com a adoção de fundamentação bastante razoável acerca do alcance da norma legal, inclusive por meio de referência a parecer da Procuradoria do Estado, afasta a ilegalidade da decisão administrativa, que poderia ensejar eventual revisão judicial por meio do instrumento da ação popular.
14. O legislador estadual, ao dispor na cláusula segunda do Convênio nº 07/1977 sobre a isenção do ICMS às saídas de leite fresco, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado para consumo final, estendeu o alcance da norma aos supermercados, pois refere-se ao produto que não se submete mais a qualquer tipo de industrialização, estando pronto para consumo.
15. Não há violação, portanto, aos conceitos de consumidor e fornecedor trazidos nos artigos 2º e 3º do CDC, como querem fazer valer os autores, pois, de fato, o legislador cita leite para consumo final e não para consumidor final.
16. Em assim sendo, ante a ausência de demonstração da ilegalidade do objeto, ou de outro vício no acórdão administrativo, passível de impugnação na via da ação popular, negou-se provimento à remessa oficial, para manter a sentença.
(TJPI | Reexame Necessário Nº 2011.0001.005843-7 | Relator: Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 19/11/2014 )
Ementa
REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO POPULAR. LEI 4717/65. CONDIÇÕES DA AÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. ATO ADMINISTRATIVO DA 1ª CÂMARA DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES QUE ANULOU OS AUTOS DE INFRAÇÃO. AUSÊNCIA DE LEVISIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ICMS. SAÍDAS DE LEITE FRESCO PARA CONSUMO FINAL. INTERPRETAÇÃO QUE NÃO REVESTE O ATO DE ILEGALIDADE. ALCANCE DA NORMA ISENTIVA AOS SUPERMERCADOS. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Conheço do reexame necessário, pois a sentença que conclui pela improcedência da ação popular “está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, nos termos do art. 19 da Lei nº 4717/65.
2. A parte autora comprovou sua legitimidade ativa, por intermédio da cópia do título de eleitor . Quanto ao sujeito passivo, comprovou enquadrar-se nos liames da Lei de Ação Popular, diante da amplitude da legitimidade passiva prevista no art. 6ª da lei já mencionada.
3. Embora objetivo da Ação Popular seja a tutela dos bens públicos, para o manejo de ação, com a consequente provocação do Judiciário, o autor popular deve atender as chamadas condições da ação, dentre as quais se visualiza o interesse de agir (art. 3º, CPC). Este é analisado sob o binômio necessidade-adequação.
4. Na hipótese, a ação popular foi manejada pelos fiscais da SEFAZ com o intuito de comprovar ilegalidade no ato administrativo que concedeu isenção de ICMS à empresa produtora de leite, subtraindo elevada quantia de tributo aos cofres do Estado.
5. O art. 1º da Lei 4.717/195 prevê que “qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio do Estado”. O art. 2º, da mesma lei, dispõe que são nulos os atos lesivos ao patrimônio, nos casos de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos ou desvio de finalidade. Por sua vez, o parágrafo único desse artigo, em sua letra c, define que a ilegalidade do objeto ocorre “quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo”. Acrescente-se que a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5º, XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
6. Dentro desse contexto, reputo cabível o ajuizamento de ação popular para o controle judicial de decisão administrativa — que alcança a decisão administrativa prolatada no âmbito do Conselho de Contribuintes da Sefaz —, desde que presente vício de forma ou demonstrada a ocorrência de ilegalidade, bem como observado o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 21 da Lei 4.717/1965.
7. A matéria de fundo tratada no referido acórdão refere-se à isenção do imposto diferido nas saídas de leite destinados a supermercados, em decorrência de interpretação das cláusulas primeira, segunda e terceira do Convênio ICM 07/77 reproduzidas no Regulamento do ICMS (Decreto 7560/89, em seus art. 7º e 8º).
8. No controle interno da legalidade (autotutela), percebe-se que a interpretação dada pelo órgão competente (Conselho de Contribuintes), diversamente dos fiscais fazendários e ora recorrentes, foi de manter a isenção.
9. Entendo que a extensão da regra contida no Regulamento do ICMS (Decreto 7.560/89, art.s 7º ) o qual dispõe - “não se exigirá o imposto porventura diferido nas operações anteriores em relação às saídas isentas de leite fresco, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, destinado a consumo final” - é no mesmo sentido dado pelo órgão administrativo, ou seja, isenção do produto industrializado para favorecer o consumo do leite, já que se trata de alimento básico e indispensável.
10. No uso da discricionariedade admitida legalmente, portanto, a Administração Pública não extrapolou os limites da razoabilidade, não havendo que se falar em ato administrativo ilegal, tendo o Conselho de Contribuintes atuado segundo os ditames constitucionais (notadamente do art. 37, caput).
11. Até porque há subsunção da hipótese trazida pelo contribuinte à cláusula segunda do Convênio ICM 07/77 que reproduz a norma acima transcrita do art. 7º do Decreto 7.560/89 e trata expressamente de hipótese de isenção, repita-se, do Imposto sobre Circulação e Mercadorias as saídas de leite fresco, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado, destinado a consumo final.
12. Não obstante, diversamente do que sustentado na petição inicial, a matéria de fundo tratada no acórdão exarado pela 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes não deriva de disposição literal, mas, ao contrário, admite margem para interpretações divergentes, favoráveis, ou não, ao contribuinte.
13. O fato de haver divergência quanto à interpretação da regra contida no art. 7º do Decreto 7.560/89 — a qual, reitera-se, não é literal como defendem os autores populares —, combinado com a adoção de fundamentação bastante razoável acerca do alcance da norma legal, inclusive por meio de referência a parecer da Procuradoria do Estado, afasta a ilegalidade da decisão administrativa, que poderia ensejar eventual revisão judicial por meio do instrumento da ação popular.
14. O legislador estadual, ao dispor na cláusula segunda do Convênio nº 07/1977 sobre a isenção do ICMS às saídas de leite fresco, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado para consumo final, estendeu o alcance da norma aos supermercados, pois refere-se ao produto que não se submete mais a qualquer tipo de industrialização, estando pronto para consumo.
15. Não há violação, portanto, aos conceitos de consumidor e fornecedor trazidos nos artigos 2º e 3º do CDC, como querem fazer valer os autores, pois, de fato, o legislador cita leite para consumo final e não para consumidor final.
16. Em assim sendo, ante a ausência de demonstração da ilegalidade do objeto, ou de outro vício no acórdão administrativo, passível de impugnação na via da ação popular, negou-se provimento à remessa oficial, para manter a sentença.
(TJPI | Reexame Necessário Nº 2011.0001.005843-7 | Relator: Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 19/11/2014 )Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer o presente recurso, mas NEGAR-LHES provimento, ante a ausência de demonstração da ilegalidade do objeto, ou de outro vício no acórdão demonstrativo da ilegalidade do objeto, ou de outro vício no acórdão administrativo, passível de impugnação na via da ação popular, mantendo a sentença todos os seus termos.
Data do Julgamento
:
19/11/2014
Classe/Assunto
:
Reexame Necessário
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas
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