TJPI 2011.0001.006807-8
APELAÇÃO. CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMODATO DE APARELHOS CELULARES. DESCARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE GRATUIDADE. FIDELIZAÇÃO DE 24 (VINTE E QUATRO) MESES. CONTRATO ATÍPICO, ONEROSO E COMUTATIVO.
1. A doutrina traça os caracteres essenciais do contrato de comodato, quais sejam a gratuidade, a não-fungibilidade e não-consumibilidade da coisa e a temporariedade;
2. Em relação à gratuidade que deve permear o contrato de comodato, Orlando Gomes disserta “É da essência do contrato o uso gratuito da coisa. Do contrário, haverá locação, se a remuneração for em dinheiro, ou contrato atípico, se consistir em prestação de fatos” (GOMES, Orlando. Contartos. Rio de Janeiro: Forense,2008. P. 385);
3. A gratuidade afasta necessariamente a contraprestação, ou seja, a remuneração pelo comodatário ao comodante pelo empréstimo da coisa fungível, ainda que possa existir comodato com encargos;
4. Não há como confundir contraprestação, que é “benefício que reverte em favor de uma das partes em contrapartida por sua prestação. É, por exemplo, o preço que é pago ao vendedor em contrapartida por sua prestação, ou seja, a entrega do produto”, com encargo, que “não é contrapartida por benefício, na medida em que, como regra, não se reverte em favor da parte que realizou a prestação. Só é possível em contratos gratuitos” (FIÚZA, César. Direito Civil – Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 506);
5. No caso em comento, a gratuidade também resta afetada pela obrigação imposta sobre o empréstimo dos aparelhos celulares, visto que não somente a cessão inicial foi condicionada à realização do contrato de prestação de serviços de telefonia como também à permanência da Apelante com os aparelhos dependia da utilização destes serviços pelo prazo mínimo de 24 (vinte e quatro) meses;
6. O prazo excessivo de fidelização afasta o atributo de mero encargo à obrigação imposta, configurando prática abusiva e afronta ao princípio da razoabilidade, caracterizando, por fim, a contraprestação da Apelante pelos aparelhos que lhe foram cedidos;
7. Desnaturado o comodato, resta caracterizado contrato atípico, visto que a contraprestação se deu através da prestação de fatos (contratação dos serviços pelo prazo mínimo de 24 meses), oneroso e comutativo;
APELAÇÃO CÍVEL. REVELIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONTESTAÇÃO APRESENTADA POR OUTRA RÉ. CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE DA FABRICANTE PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA DEMANDA.
8. O artigo 320 do Código de Processo Civil ressalva a aplicação dos efeitos da revelia – presunção de verdadeiros os fatos alegados na inicial – nos casos que que, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
9. A questão da legitimidade de parte diz respeito às condições da ação, comando esse presente no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Importa ressaltar que tais matérias não precluem nunca, pois que são indisponíveis por serem de "ordem pública", podendo ser analisada, de ofício, em qualquer grau de jurisdição;
10. É pacífico na doutrina que “respondem pelo vício do produto todos aqueles que ajudaram a colocá-lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rótulo), o distribuidor, ao comerciante (que contratou com o consumidor). A cada um deles é imputada a responsabilidade pela garantia de qualidade-adequação do produto” (MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. P. 338.). Precedentes do TJPI.
11. Legitimidade da NOKIA para figurar no polo passivo da demanda.
CONSUMIDOR. APARELHO CELULAR DEFEITUOSO. DIREITO À REDIBIÇÃO DO VALOR. CONTRATO DE COMODATO DESCARACTERIZADO. CONTRATO ATIPICO ONEROSO COMUTATIVO.
12. O Código Civil assegura o direito de redibir aos contratantes que receberem produto defeituoso por meio de contrato comutativo, característica que assiste ao contrato em comento, conforme já demonstrado em outra parte deste voto: Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor;
13. Demonstrado o vício no aparelho celular que, mesmo após levado à conserto, conforme Ordem de Serviço de fl. 35, não teve defeito sanado, tampouco foi devolvido em perfeito funcionamento à Apelante, conforme prescreve o artigo 18, da Lei 8.078/90, pode o consumidor exigir a devolução da quantia paga;
14. A natureza do contrato firmado, atípico, oneroso e comutativo determina a restituição do valor do aparelho à Apelante;
CONSUMIDOR. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. DEVER DE COMPROVAÇÃO DE LESÃO À HONRA OBJETIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
15. O art. 52 do Código Civil de 2002 prevê a possibilidade das pessoas jurídicas serem titulares dos direitos da personalidade, no que couber, na medida em que dispõe: “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”, no entanto, a aplicação deste dispositivo “não pode ocorrer de forma irrefletida, mecânica e da mesma maneira que se realiza com a pessoa humana, tendo em vista diferenças conceituais, de natureza jurídica, de titularidade, valorativas, principiológicas e de tutela entre eles.” (CUNHA FROTA, Pablo Malheiros. Responsabilidade Civil Contemporânea, 2011, p. 553);
16. O defeito de um aparelho celular, dentre os 05 (cinco) aparelhos que foram adquiridos para uso pela Apelante junto à segunda Apelada, não é suficiente para inquinar a sua honra objetiva, que é a reputação da pessoa perante terceiros. Precedentes da 3ª Câmara Especializada Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí;
17. Dano moral não configurado;
18. Apelação Cível parcialmente provida.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2011.0001.006807-8 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 28/08/2013 )
Ementa
APELAÇÃO. CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMODATO DE APARELHOS CELULARES. DESCARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE GRATUIDADE. FIDELIZAÇÃO DE 24 (VINTE E QUATRO) MESES. CONTRATO ATÍPICO, ONEROSO E COMUTATIVO.
1. A doutrina traça os caracteres essenciais do contrato de comodato, quais sejam a gratuidade, a não-fungibilidade e não-consumibilidade da coisa e a temporariedade;
2. Em relação à gratuidade que deve permear o contrato de comodato, Orlando Gomes disserta “É da essência do contrato o uso gratuito da coisa. Do contrário, haverá locação, se a remuneração for em dinheiro, ou contrato atípico, se consistir em prestação de fatos” (GOMES, Orlando. Contartos. Rio de Janeiro: Forense,2008. P. 385);
3. A gratuidade afasta necessariamente a contraprestação, ou seja, a remuneração pelo comodatário ao comodante pelo empréstimo da coisa fungível, ainda que possa existir comodato com encargos;
4. Não há como confundir contraprestação, que é “benefício que reverte em favor de uma das partes em contrapartida por sua prestação. É, por exemplo, o preço que é pago ao vendedor em contrapartida por sua prestação, ou seja, a entrega do produto”, com encargo, que “não é contrapartida por benefício, na medida em que, como regra, não se reverte em favor da parte que realizou a prestação. Só é possível em contratos gratuitos” (FIÚZA, César. Direito Civil – Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. P. 506);
5. No caso em comento, a gratuidade também resta afetada pela obrigação imposta sobre o empréstimo dos aparelhos celulares, visto que não somente a cessão inicial foi condicionada à realização do contrato de prestação de serviços de telefonia como também à permanência da Apelante com os aparelhos dependia da utilização destes serviços pelo prazo mínimo de 24 (vinte e quatro) meses;
6. O prazo excessivo de fidelização afasta o atributo de mero encargo à obrigação imposta, configurando prática abusiva e afronta ao princípio da razoabilidade, caracterizando, por fim, a contraprestação da Apelante pelos aparelhos que lhe foram cedidos;
7. Desnaturado o comodato, resta caracterizado contrato atípico, visto que a contraprestação se deu através da prestação de fatos (contratação dos serviços pelo prazo mínimo de 24 meses), oneroso e comutativo;
APELAÇÃO CÍVEL. REVELIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. CONTESTAÇÃO APRESENTADA POR OUTRA RÉ. CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE DA FABRICANTE PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA DEMANDA.
8. O artigo 320 do Código de Processo Civil ressalva a aplicação dos efeitos da revelia – presunção de verdadeiros os fatos alegados na inicial – nos casos que que, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
9. A questão da legitimidade de parte diz respeito às condições da ação, comando esse presente no art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Importa ressaltar que tais matérias não precluem nunca, pois que são indisponíveis por serem de "ordem pública", podendo ser analisada, de ofício, em qualquer grau de jurisdição;
10. É pacífico na doutrina que “respondem pelo vício do produto todos aqueles que ajudaram a colocá-lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rótulo), o distribuidor, ao comerciante (que contratou com o consumidor). A cada um deles é imputada a responsabilidade pela garantia de qualidade-adequação do produto” (MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. P. 338.). Precedentes do TJPI.
11. Legitimidade da NOKIA para figurar no polo passivo da demanda.
CONSUMIDOR. APARELHO CELULAR DEFEITUOSO. DIREITO À REDIBIÇÃO DO VALOR. CONTRATO DE COMODATO DESCARACTERIZADO. CONTRATO ATIPICO ONEROSO COMUTATIVO.
12. O Código Civil assegura o direito de redibir aos contratantes que receberem produto defeituoso por meio de contrato comutativo, característica que assiste ao contrato em comento, conforme já demonstrado em outra parte deste voto: Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor;
13. Demonstrado o vício no aparelho celular que, mesmo após levado à conserto, conforme Ordem de Serviço de fl. 35, não teve defeito sanado, tampouco foi devolvido em perfeito funcionamento à Apelante, conforme prescreve o artigo 18, da Lei 8.078/90, pode o consumidor exigir a devolução da quantia paga;
14. A natureza do contrato firmado, atípico, oneroso e comutativo determina a restituição do valor do aparelho à Apelante;
CONSUMIDOR. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. DEVER DE COMPROVAÇÃO DE LESÃO À HONRA OBJETIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
15. O art. 52 do Código Civil de 2002 prevê a possibilidade das pessoas jurídicas serem titulares dos direitos da personalidade, no que couber, na medida em que dispõe: “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”, no entanto, a aplicação deste dispositivo “não pode ocorrer de forma irrefletida, mecânica e da mesma maneira que se realiza com a pessoa humana, tendo em vista diferenças conceituais, de natureza jurídica, de titularidade, valorativas, principiológicas e de tutela entre eles.” (CUNHA FROTA, Pablo Malheiros. Responsabilidade Civil Contemporânea, 2011, p. 553);
16. O defeito de um aparelho celular, dentre os 05 (cinco) aparelhos que foram adquiridos para uso pela Apelante junto à segunda Apelada, não é suficiente para inquinar a sua honra objetiva, que é a reputação da pessoa perante terceiros. Precedentes da 3ª Câmara Especializada Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí;
17. Dano moral não configurado;
18. Apelação Cível parcialmente provida.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2011.0001.006807-8 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 28/08/2013 )Decisão
ACORDAM os componentes da 3ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por unanimidade, em conhecer do recurso de Apelação Cível e lhe dar PARCIAL PROVIMENTO, reformando a sentença de 1º grau para: i) descaracterizando o contrato como comodato, determinar a reintegração da primeira Apelada, NOKIA, no polo passivo da demanda, reconhecendo sua legitimidade passiva; ii) condenar as Apeladas à restituição do valor do aparelho celular defeituoso, devidamente atualizado, mantendo a sentença de 1º grau quanto aos demais termos, e, em consonância com a Súmula 306 do STJ, determinar que cada parte deva arcar com os honorários dos seus patronos, já que ambos foram sucumbentes na demanda.
Data do Julgamento
:
28/08/2013
Classe/Assunto
:
Apelação Cível
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
Mostrar discussão