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Jurisprudência


TJPI 2013.0001.003687-6

Ementa
CIVIL. CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL DA AUTORA. EMPRÉSTIMO. IDOSO. CONTRATO ASSINADO. SENTENÇA IMPROCEDENTE. CONCESSÃO JUSTIÇA GRATUITA. EFEITO MATERIAL DA REVELIA AFASTADO. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. INEXISTÊNCIA DO CONTRATO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO CONFIGURADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.A parte Autora, ora Apelante, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita nos seus pedidos recursais, que passo a analisar conforme as provas dos autos. 2.Assim, importante ressaltar o que determina a L 1.060/50, que regulava a assistência judiciária gratuita à época da interposição do recurso: Art. 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei. Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.(Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986) (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência);§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986) (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência) 3.Pelo que se observa, os dispositivos transcritos foram revogados pelo CPC/15, que alargou as possibilidades de concessão e confirmou a jurisprudência dominante para permitir que seja formulado no próprio recurso, e apreciado em sede recursal, o pedido de gratuidade, conforme art. 99, §§ 3º e 7º do CPC/2015. 4.Desse modo, com vista a garantir o acesso ao judiciário, defiro a gratuidade de justiça requerida pela parte Autora, ora Apelante. 5. Acerca do alegado, a jurisprudência pátria é uníssona em considerar a irregularidade de representação quando constatado que o substabelecimento que confere poderes ao subscritor de peça jurídica contém assinatura digitalizada – que não se confunde com assinatura digital, cuja autenticidade e validade são garantidas por meio de certificados de segurança digital. 6. Todavia, há de se considerar que:- a um, o referido vício é “sanável e, uma vez sanado, deve a irregularidade ser afastada” (TJPI | Apelação Cível Nº 2013.0001.003681-5 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 09/12/2015);- a dois, em momento algum da instrução processual, tanto no primeiro quanto no segundo grau, foi oportunizado ao causídico do Banco Réu, ora Apelado, a regularizar a representação;- a três, o art. 938, § 1º do CPC/15 possibilita ao Relator que, “constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes”;- a quatro, o efeito material da revelia, qual seja, a presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor, não ocorre nas hipóteses do art. 345 do CPC/15, a saber: “I – havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato; IV – as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.”;- e, a cinco, a sentença guerreada deu pela improcedência dos pedidos do Autor justamente por considerar insubsistente as provas carreadas aos autos, hipótese que permite o afastamento do efeito material da revelia com fulcro no art. 269,I do CPC/73. 7. Dessa forma, com base no exposto, mesmo acolhendo a preliminar de revelia do Banco Réu, ora Apelado, afasto a incidência do seu efeito material quanto à presunção de veracidade das alegações de fato do Autor, ora Apelante, ao tempo em que íntimo, com a publicação do acórdão deste julgamento, o causídico do Banco Réu, ora Apelado, a regularizar o referido vício no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de não serem admitidas futuras manifestações subscritas por esse advogado. 8. Essencial verificar a distribuição do ônus probatório para a análise do pleito recursal. Isso porque, apesar de oportunizada ao Banco Réu, ora Apelado, a juntada do contrato e demais documentos comprobatórios da relação de empréstimo, esse manteve-se inerte. 9. Com efeito, o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, - e aqui destaco que a relação de direito material controvertida é de cunho consumerista -, já consagrava, à época da decisão recursada, a inversão do ônus da prova. 10. Assim, ao se atentar para as peculiaridades do caso concreto, em que se tem de um lado, um aposentado do INSS, com renda mínima mensal, e baixa instrução educacional, e, de outro lado, uma instituição bancária reconhecidamente sólida e com grande abrangência nacional, percebe-se que a parte Autora, ora Apelante, tanto é mais hipossuficiente no quesito econômico, quanto o é no quesito técnico, o que justifica, nos termos do CDC, a inversão do ônus da prova. 11. Desse modo, a inversão do ônus da prova a favor da parte Autora, ora Apelante, é a medida jurídica que se impõe. 12. E, ante a inércia do Banco Réu, ora Apelado, em juntar aos autos documentos comprobatórios da relação contratual entre as partes passo a analisar os pontos objeto da presente ação, quais sejam, a existência e legalidade do contrato de empréstimo e suas consequências indenizatórias. 13. In casu, a petição inicial foi instruída “com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito” (art. 311,IV, do CPC/15) da parte Autora, ora Apelante, pois demonstrados os descontos realizados em seu benefício previdenciário, que dizem respeito ao contrato de empréstimo impugnado judicialmente, conforme histórico de consignações do INSS nos autos. 14.Cabia, então, ao Banco Réu, ora Apelado, fazer prova “quanto à existência de fato impeditivo ou extintivo do direito do autor” (art. 373, II, do CPC/15). Ou seja, deveria comprovar, para se eximir da condenação que o contrato impugnado foi legitimamente realizado e que o valor do empréstimo foi creditado em conta bancária titularizada pela parte Autora, ora Apelante, ou entregue pessoalmente, mediante comprovante de entrega. 15.Entretanto, apesar da instituição financeira em questão ter apresentado contestação, não apresentou o contrato de empréstimo. Assim, o Banco Réu, ora Apelado, sequer fez prova da celebração do contrato, tampouco que o fez atendendo as formalidades exigidas para a espécie. 16.Desse modo, forçoso é reconhecer a inexistência do contrato objeto da presente demanda, o que gera o dever do banco Apelado devolver o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte Apelante. 16.Quanto ao pedido de restituição do indébito em dobro, com fulcro no art. 42 do CDC, em razão da fraude, a Corte Superior de Justiça consolidou entendimento de que para que haja a condenação em repetição do indébito, faz-se necessária a demonstração da má-fé. 17.Na hipótese dos autos, como não houve celebração de contrato, tem-se por intencional a conduta do banco em autorizar empréstimo sem a existência de contrato, configurando, sem dúvida, a má-fé da instituição financeira. 18.Assim, impõe-se a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, nos termos do parágrafo único do art. 42, do CDC. 19.Desse modo, caracterizada a má-fé na conduta da instituição financeira em autorizar descontos no benefício do consumidor sem seu real consentimento, e ante a inexistência do contrato de empréstimo entre as partes, condeno o Banco Réu na devolução em dobro das parcelas descontadas indevidamente. 20.Entretanto, em que pese a referida nulidade e a condenação na repetição do indébito, o Banco Réu, ora Apelado, informa e comprova que efetuou o repasse do valor do empréstimo através de TED, na conta de titularidade da parte Autora, ora Apelante. 21.Daí porque esse valor deverá ser compensado, e, em havendo saldo em favor do credor, sobre este que será aplicado a repetição do indébito, sob pena de enriquecimento ilícito, já que não há nos autos comprovação a respeito de prévia devolução do crédito. 22. No que se refere aos danos morais, evidente a incidência na hipótese. Isso porque, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que a responsabilidade do prestador de serviços é objetiva, conforme seu art. 14, in verbis: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 23.E, não há como deixar de reconhecer os danos psíquicos e abalos à honra do cidadão que é posto em situação de dificuldades financeiras, deixando de honrar seus compromissos, por conta de empréstimos que não assumiu. 24.Quanto a isso, importante destacar a lição do prof. Carlos Roberto Gonçalves ao conceituar o dano moral: “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359). 25.Dessa forma, dou pela existência de danos morais no caso concreto e reconheço o dever do Banco Réu, ora Apelado, em indenizar o Autor, ora Apelante. 26.A fixação do valor dos danos morais deve levar em consideração dois parâmetros, a saber: o caráter compensatório para a vítima e o caráter punitivo para o causador do dano. 27.Ou seja, o valor indenizatório deve atender aos fins a que se presta a indenização, considerando as peculiaridades de cada caso concreto, de modo a evitar que se converta em enriquecimento injusto da vítima, ou ainda, que o valor seja tão ínfimo, que se torne inexpressivo. 28.Nesse ínterim, o art. 944 do Código Civil prevê que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. 29.E a extensão do dano, por sua vez, é medida considerando o bem ou interesse jurídico lesado, a gravidade do dano, e a duração do dano. 30.No caso dos autos, a parte Autora, ora Apelante, sobrevive de renda mínima da previdência social, teve reduzido o valor do seu benefício previdenciário, o que lhe acarretou redução do seu poder de compra, ou seja, alterou sobremaneira a sua renda básica, de caráter alimentar, cuja gravidade interferiu na sua subsistência. 31.Em casos semelhantes, este Egrégio Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de ser razoável a fixação do valor da indenização por danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme os seguintes precedentes: Apelação Cível Nº 2014.0001.009270-7, Relator: Des. Hilo de Almeida Sousa, 3ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 07/03/2018; Apelação Cível Nº 2017.0001.001556-8, Relator: Des. Hilo de Almeida Sousa, 3ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 21/06/2017; Apelação Cível Nº 2013.0001.005155-5, Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho, 3ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 06/04/2018; Apelação Cível Nº 2017.0001.012474-6, Relator: Des. Raimundo Nonato da Costa Alencar, 4ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 13/03/2018. 32.Assim, considerando as particularidades do caso concreto, e o parâmetro já adotado nos julgados desta Corte, condeno a instituição financeira Ré, ora Apelada, ao pagamento de danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia razoável e adequada, não implicando ônus excessivo ao réu, tampouco enriquecimento sem causa à demandante, devidamente atualizado com juros e correção monetária na forma da lei. 33.Ademais, em razão da reforma da sentença guerreada, faz-se mister inverter os ônus sucumbenciais em favor da parte Autora, ora Apelante, uma vez que, conforme prevê o art. 85 do CPC/15, “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. 34. Recurso conhecido e provido. (TJPI | Apelação Cível Nº 2013.0001.003687-6 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 01/08/2018 )
Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer do presente recurso e dar-lhe provimento, para reformar a sentença e: i) mesmo acolhendo a preliminar de revelia do Banco Réu, ora Apelado, afastar a incidência do seu efeito material quanto à presunção de veracidade das alegações de fato do Autor, ora Apelante; ii) decretar a nulidade do contrato de empréstimo objeto da lide, eis que não foi juntada a sua cópia pela instituição financeira, não sendo, portanto, comprovada sua existência; iii) condenar o Banco Réu, ora Apelado, a restituir, em dobro, o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante, nos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC; iv) condenar o Banco Réu, ora Apelado, em danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), com incidência de juros e correção monetária na forma da lei. Além disso, invertem as custas e os honorários advocatícios, fixados em 10% na sentença de primeiro grau, e arbitram os honorários recursais em 2% sobre o valor da condenação em favor da parte Autora, ora Apelante, conforme determina o art. 85, parágrafo 11, do CPC/15. Mantido o deferimento da gratuidade da justiça à parte Autora, ora Apelante, na forma do voto do Relator.

Data do Julgamento : 01/08/2018
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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