TJPI 2013.0001.004491-5
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELO MAGISTRADO DE COCAL PARA A VARA DO TRABALHO DA COMARCA DE PARNAÍBA. REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE COCAL. PUBLICAÇÃO DO ESTATUTO COM A SUA AFIXAÇÃO NA CÂMARA MUNICIPAL E NA SEDE DA PREFEITURA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ. ESTATUTO VÁLIDO. POSICIONAMENTO INCORRETO DO TRT DA 22ª REGIÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DO PODER JUDICIÁRIO. VÍNCULO ADMINISTRATIVO ESTATUTÁRIO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA DO TRABALHO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM. ADIN N. 3.395/DF. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. À época da publicação do Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais de Cocal, a redação do parágrafo único do artigo 28 da Constituição do Estado do Piauí, garantia que a publicação dos atos da administração onde não havia órgão de imprensa oficial poderia ser feita com a sua afixação, em lugar para esse fim determinado, na Câmara Municipal e na Prefeitura, registrado o fato em livro próprio de ambos os Poderes.
2. Tendo em vista que os Municípios pequenos e distantes dos grandes centros tinham muita dificuldade em tornar públicos suas Leis, Decretos e atos de gestão locais, costumeiramente era feita a publicação destes atos administrativos apenas com a sua afixação na Câmara Municipal e na sede da Prefeitura, sendo após, o ato de publicidade devidamente registrado em livro próprio, costume este que era convalidado pelo parágrafo único do art. 28 da CE/PI.
3. O entendimento do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região se mostra temerário ao declarar a nulidade do Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais de Cocal, posto que viola o ato jurídico perfeito e o direito adquirido dos servidores municipais ao regime estatutário.
4. Ato jurídico perfeito é aquele ato que, realizado durante a égide de determinada lei, satisfez todos os requisitos necessários para tornar-se apto a produzir seus efeitos. Portanto, consagra o princípio da segurança jurídica, protegendo situações que já se constituíram, fazendo com que a lei nova somente projete efeitos ex nunc.
5. Direito adquirido trata-se de direito que já foi definitivamente incorporado pelo titular, ou mesmo que ainda não tenha sido, este já possua os requisitos para a sua incorporação, sendo exigível pela via jurisdicional. Desta forma, tem-se que tal instituto está protegido dos efeitos de uma lei nova, consagrando a segurança jurídica.
6. O direito adquirido e o ato jurídico perfeito são institutos que possuem correlação direta. Desta maneira, existindo o ato jurídico perfeito, posto que tais atos foram constituídos validamente sob a égide de uma lei válida, pode gerar direito adquirido, pois o titular do direito adquirido continuará a gozar dos efeitos jurídicos que lhe forem conferidos por determinada norma, mesmo que surja uma nova que a revogue, porque tal direito já se encontra incorporado ao seu patrimônio jurídico, ainda que este não tenha sido exercitado.
7. A proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada é somente o aspecto objetivo da segurança jurídica, a qual visa manter a estabilidade das relações jurídicas do administrado para com a administração, tendo como base fundamental a legalidade jurídica.
8. O segundo aspecto da segurança jurídica é o subjetivo, que visa à proteção à confiança nas relações jurídicas e na aplicação da lei, tendo por base a boa-fé administrativa. Perante terceiros, os atos praticados pelo Poder Público são considerados lícitos e, nessa condição, deverão ser mantidos e respeitados pela própria Administração, resguardando um direito à estabilidade conferida aos cidadãos.
9. Mesmo que o município tenha vindo a tão somente publicar internamente o Estatuto dos Servidores Municipais, este foi feito nos moldes da legislação vigente, bem como a todos os servidores municipais foi dado conhecimento do novo regime, tendo em vista que foi levantado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS – dos anos de 1993 e 1994, conforme se observa às fls. 28/29, perfazendo-se em ato jurídico perfeito e, via de consequência, gerando aos servidores o direito adquirido ao regime jurídico único estatutário.
10. A segurança jurídica é de importância única para estabelecer determinado grau de estabilidade às relações jurídicas do particular para com o Estado. O poder-dever da Administração Pública de invalidar ou anular seus próprios atos, ou do Judiciário declarar a nulidade dos atos da Administração Pública, com base na legalidade, encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, pela evidente razão de que os administrados não poderão ficar, por tempo indeterminado, sujeitos à instabilidade originada pelo Poder Público.
11. Em regra, os atos nulos e ilegais não geram a produção de relações jurídicas legalmente constituídas. Entretanto, nosso ordenamento jurídico assegura a proteção das situações consolidadas pelo decurso do tempo, em face à preservação da segurança e estabilidade das relações no âmbito jurídico, no sentido de que, algumas vezes, o desfazimento de um ato administrativo poderá causar mais tumultuamento na ordem jurídica do que sua simples manutenção, ainda que seja o mesmo eivado de nulidade ou ilegalidade.
12. Pela conjugação da boa-fé dos interessados com a tolerância e a inércia da Administração Pública e do Judiciário, bem como com o razoável lapso de tempo transcorrido, o princípio da segurança jurídica se impõe até mesmo ao da legalidade estrita.
13. A situação já se encontra consolidada pelo decurso do tempo assegurando, desta forma, a validade do Regime Jurídico Único dos Servidores do Município de Cocal.
14. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395/DF, suspendeu qualquer interpretação que possa ser feita ao art. 114, I, da Constituição Federal, que atribua competência para Justiça do Trabalho apreciar causas entre a Administração e seus servidores, que seja vinculada por típica relação de ordem estatutária, bem assim reitera pelo reconhecimento da competência da Justiça Comum Estadual para apreciação de tais demandas. O Superior Tribunal de Justiça passou a adotar posicionamento semelhante ao do STF no julgamento da ADIn n. 3.395/DF.
15. Recurso conhecido e provido, reformando a decisão agravada para declarar a competência da Justiça Comum Estadual.
(TJPI | Agravo de Instrumento Nº 2013.0001.004491-5 | Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 01/07/2014 )
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELO MAGISTRADO DE COCAL PARA A VARA DO TRABALHO DA COMARCA DE PARNAÍBA. REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE COCAL. PUBLICAÇÃO DO ESTATUTO COM A SUA AFIXAÇÃO NA CÂMARA MUNICIPAL E NA SEDE DA PREFEITURA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ. ESTATUTO VÁLIDO. POSICIONAMENTO INCORRETO DO TRT DA 22ª REGIÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DO PODER JUDICIÁRIO. VÍNCULO ADMINISTRATIVO ESTATUTÁRIO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA DO TRABALHO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM. ADIN N. 3.395/DF. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. À época da publicação do Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais de Cocal, a redação do parágrafo único do artigo 28 da Constituição do Estado do Piauí, garantia que a publicação dos atos da administração onde não havia órgão de imprensa oficial poderia ser feita com a sua afixação, em lugar para esse fim determinado, na Câmara Municipal e na Prefeitura, registrado o fato em livro próprio de ambos os Poderes.
2. Tendo em vista que os Municípios pequenos e distantes dos grandes centros tinham muita dificuldade em tornar públicos suas Leis, Decretos e atos de gestão locais, costumeiramente era feita a publicação destes atos administrativos apenas com a sua afixação na Câmara Municipal e na sede da Prefeitura, sendo após, o ato de publicidade devidamente registrado em livro próprio, costume este que era convalidado pelo parágrafo único do art. 28 da CE/PI.
3. O entendimento do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região se mostra temerário ao declarar a nulidade do Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais de Cocal, posto que viola o ato jurídico perfeito e o direito adquirido dos servidores municipais ao regime estatutário.
4. Ato jurídico perfeito é aquele ato que, realizado durante a égide de determinada lei, satisfez todos os requisitos necessários para tornar-se apto a produzir seus efeitos. Portanto, consagra o princípio da segurança jurídica, protegendo situações que já se constituíram, fazendo com que a lei nova somente projete efeitos ex nunc.
5. Direito adquirido trata-se de direito que já foi definitivamente incorporado pelo titular, ou mesmo que ainda não tenha sido, este já possua os requisitos para a sua incorporação, sendo exigível pela via jurisdicional. Desta forma, tem-se que tal instituto está protegido dos efeitos de uma lei nova, consagrando a segurança jurídica.
6. O direito adquirido e o ato jurídico perfeito são institutos que possuem correlação direta. Desta maneira, existindo o ato jurídico perfeito, posto que tais atos foram constituídos validamente sob a égide de uma lei válida, pode gerar direito adquirido, pois o titular do direito adquirido continuará a gozar dos efeitos jurídicos que lhe forem conferidos por determinada norma, mesmo que surja uma nova que a revogue, porque tal direito já se encontra incorporado ao seu patrimônio jurídico, ainda que este não tenha sido exercitado.
7. A proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada é somente o aspecto objetivo da segurança jurídica, a qual visa manter a estabilidade das relações jurídicas do administrado para com a administração, tendo como base fundamental a legalidade jurídica.
8. O segundo aspecto da segurança jurídica é o subjetivo, que visa à proteção à confiança nas relações jurídicas e na aplicação da lei, tendo por base a boa-fé administrativa. Perante terceiros, os atos praticados pelo Poder Público são considerados lícitos e, nessa condição, deverão ser mantidos e respeitados pela própria Administração, resguardando um direito à estabilidade conferida aos cidadãos.
9. Mesmo que o município tenha vindo a tão somente publicar internamente o Estatuto dos Servidores Municipais, este foi feito nos moldes da legislação vigente, bem como a todos os servidores municipais foi dado conhecimento do novo regime, tendo em vista que foi levantado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS – dos anos de 1993 e 1994, conforme se observa às fls. 28/29, perfazendo-se em ato jurídico perfeito e, via de consequência, gerando aos servidores o direito adquirido ao regime jurídico único estatutário.
10. A segurança jurídica é de importância única para estabelecer determinado grau de estabilidade às relações jurídicas do particular para com o Estado. O poder-dever da Administração Pública de invalidar ou anular seus próprios atos, ou do Judiciário declarar a nulidade dos atos da Administração Pública, com base na legalidade, encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, pela evidente razão de que os administrados não poderão ficar, por tempo indeterminado, sujeitos à instabilidade originada pelo Poder Público.
11. Em regra, os atos nulos e ilegais não geram a produção de relações jurídicas legalmente constituídas. Entretanto, nosso ordenamento jurídico assegura a proteção das situações consolidadas pelo decurso do tempo, em face à preservação da segurança e estabilidade das relações no âmbito jurídico, no sentido de que, algumas vezes, o desfazimento de um ato administrativo poderá causar mais tumultuamento na ordem jurídica do que sua simples manutenção, ainda que seja o mesmo eivado de nulidade ou ilegalidade.
12. Pela conjugação da boa-fé dos interessados com a tolerância e a inércia da Administração Pública e do Judiciário, bem como com o razoável lapso de tempo transcorrido, o princípio da segurança jurídica se impõe até mesmo ao da legalidade estrita.
13. A situação já se encontra consolidada pelo decurso do tempo assegurando, desta forma, a validade do Regime Jurídico Único dos Servidores do Município de Cocal.
14. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395/DF, suspendeu qualquer interpretação que possa ser feita ao art. 114, I, da Constituição Federal, que atribua competência para Justiça do Trabalho apreciar causas entre a Administração e seus servidores, que seja vinculada por típica relação de ordem estatutária, bem assim reitera pelo reconhecimento da competência da Justiça Comum Estadual para apreciação de tais demandas. O Superior Tribunal de Justiça passou a adotar posicionamento semelhante ao do STF no julgamento da ADIn n. 3.395/DF.
15. Recurso conhecido e provido, reformando a decisão agravada para declarar a competência da Justiça Comum Estadual.
(TJPI | Agravo de Instrumento Nº 2013.0001.004491-5 | Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 01/07/2014 )Decisão
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por votação unânime, conhecer do presente recurso, para, no mérito, dar-lhe provimento, reformando a decisão agravada para declarar a competência da Justiça Comum Estadual para o regular processamento do feito.
Data do Julgamento
:
01/07/2014
Classe/Assunto
:
Agravo de Instrumento
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Fernando Carvalho Mendes
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