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Jurisprudência


TJPI 2013.0001.006645-5

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. Ação Declaratória de Nulidade Contratual c/c Pedido de Repetição do Indébito e Indenização por Danos Morais. Concessão da gratuidade de justiça. anulação da sentença a quo. extratos bancários desprovidos de utilidade. Inversão do ônus da prova em desfavor do banco. Teoria da causa madura. Contrato de empréstimo celebrado com analfabeto sem procuração pública. Nulidade. Restituição dos valores descontados indevidamente. compensação do valor creditado pelo banco a título de empréstimo. Repetição do indébito calculada sobre o saldo credor. Danos morais. Recurso conhecido e provido. 1. A L 1.060/50, que regulava a assistência judiciária gratuita à época da interposição do recurso determinava que “a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família” e que “presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais”. 2. Desse modo, com vista a garantir o acesso ao judiciário, deferida a gratuidade de justiça requerida pela parte recorrente. 3. A sentença, que extinguiu o processo sem resolução de mérito, em razão do descumprimento da determinação judicial que ordenou a juntada dos extratos bancários da conta da parte Autora, por considerar seu o ônus de comprovar que não recebeu o valor relativo ao empréstimo, não deve prevalecer, por ser, nas circunstâncias da causa, desproporcional, irrazoável e ilegal. 4. Com efeito, o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor - e aqui, destaque-se, que a relação de direito material controvertida é de cunho consumerista - já consagrava, à época da decisão recursada, a inversão do ônus da prova. 5. Foi oportunizada ao Banco Réu, ora Apelado, a juntada do contrato de empréstimo e dos demais documentos comprobatórios da relação contratual, pelo que o presente enquadra-se em hipótese em que é possível a aplicação da teoria da causa madura para julgamento, consoante inteligência dos artigos 355, I, e 1.013, § 3o, III, do CPC/2015. 6.Os requisitos para a validade do negócio jurídico descritos no art. 104 do CPC se restringem à: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. 7. O analfabeto é agente capaz para contratar, já que o analfabetismo não induz em presunção de incapacidade relativa ou total da pessoa, consoante se denota dos artigos 3º e 4º do Código Civil. 8. Quanto ao objeto, a hipótese dos autos se refere a empréstimo bancário, mediante desconto em benefício previdenciário, cuja celebração da avença ocorre por meio de contrato de mútuo celebrado com instituição financeira, mediante aplicação de juros e correção monetária, conforme previsão contida no CC, arts. 586. Desse modo, o objeto é lítico, possível e determinado. 9. No tocante à formalização do contrato, sem a apresentação de procuração pública, faz-se necessária uma análise cum grano salis. 10. O art. 54, parágrafo 3º, do CDC prescreve que “os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”. 11. Isso nos leva à fácil compreensão de que o analfabeto merece uma maior proteção, de modo a permitir que o contratante conheça de forma clara as implicações da negociação, haja vista sua condição de maior vulnerabilidade em detrimento dos demais consumidores. 12. Assim vem se consolidando o entendimento na doutrina e jurisprudência de que o negócio jurídico celebrado com pessoa analfabeta só é válido se mediante procuração pública, considerando referida exigência como essencial para a validade do negócio, e tornando nulo o negócio jurídico se descumprida tal solenidade, nos termos do art. 166, V, do CC. 13. No contrato de empréstimo acostado aos autos, só consta a suposta digital do contratante e assinatura de duas testemunhas, não havendo nos autos a comprovação de que o negócio foi celebrado por escritura pública ou, ainda, por meio de procurador constituído através de instrumento público. 14. Logo, o referido contrato é nulo, razão pela qual deverá o banco apelado devolver o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante. 15. Dessa forma, é devida a restituição do indébito em dobro, na forma do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, compensado o repasse do valor de empréstimo na conta bancária da parte Autora. 16. No que se refere aos danos morais, evidente a incidência na hipótese e, por consequência, presente o dever de indenizar, cuja fixação deve levar em consideração dois parâmetros, a saber: o caráter compensatório para a vítima e o caráter punitivo para o causador do dano. 17. Em razão da reforma da sentença guerreada, faz-se mister inverter os ônus sucumbenciais uma vez que, conforme prevê o art. 85 do CPC/15, “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. 18. Apelação Cível conhecida e provida. (TJPI | Apelação Cível Nº 2013.0001.006645-5 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 23/05/2018 )
Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer do presente recurso e dar-lhe provimento, para reformar a sentença atacada no sentido de: i) decretar a nulidade do contrato de empréstimo nº 216103677, eis que celebrado por analfabeto, sem escritura pública, ou, ainda, por meio de procurador constituído através de instrumento público; ii) condenar o banco Réu, ora apelado, a restituir, em dobro (parágrafo único do art. 42 do CDC), o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante, registrando, no entanto, que a restituição será calculada sobre o saldo remanescente, após a compensação com os valores do empréstimo repassados à parte, sob pena de enriquecimento ilícito, já que não há comprovação, já que não há nos autos comprovação a respeito da devolução do crédito; iii) condenar o banco Réu, ora apelado em danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), com incidência de juros e correção monetária na forma da lei. Mantido o deferimento da gratuidade da justiça à parte Autora, ora Apelante. Invertidos os ônus sucumbenciais em desfavor do Banco Réu, ora Apelado, na forma do voto do Relator.

Data do Julgamento : 23/05/2018
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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