TJPI 2014.0001.000409-0
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. IMPUTAÇÃO FÁTICA. EMENDATIO LIBELI. POSSIBILIDADE. AMEAÇA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. FURTO SIMPLES. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. VALOR PROBATÓRIO. TENTATIVA. OCORRÊNCIA DE FATO ALHEIO À VONTADE DO AGENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. FURTO PRIVILEGIADO. VALOR EXPRESSIVO DA RES FURTIVA. NÃO INCIDÊNCIA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTE E AGRAVANTE. COMPENSAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. REPARAÇÃO MÍNIMA. EXCLUSÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA PARCIALMENTE.
1 – Na exordial acusatória, o Ministério Público descreveu não somente a tentativa de furto supostamente praticada pelo apelante, mas também a agressão desferida contra a vítima, o dono do bar, e ainda as ameaças proferidas contra uma outra vítima. É patente que, no processo penal, o réu não se defende da qualificação jurídica eventualmente imputada na denúncia, diga-se, da classificação do crime (imputatio juris), mas sim dos fatos delituosos lá expostos e das suas circunstâncias (imputação fática).
2 - A materialidade e a autoria do delito de ameaça estão devidamente comprovadas nos autos, pelo registro da ocorrência e notadamente pelo depoimento da vítima, que descreve como o apelante teria lhe ameaçado de morte. O crime de ameaça é um delito de mera conduta, consumando-se no momento em que o agente produz a mensagem intimidatória à vítima, seja verbal, por escrito ou por meros gestos. No caso, o temor da vítima de sofrer o mal injusto e grave prometido pelo apelante foi tão grande que ela foi a uma delegacia no mesmo momento relatar minuciosamente os acontecimentos ocorridos e ainda representou formalmente contra o apelante.
3 - A materialidade do delito de furto tentado também se encontra comprovada pelos autos de apreensão e apresentação e de restituição e pelo laudo de inspeção em local de crime, todos indicando a tentativa de furto praticada contra o estabelecimento da vítima. A autoria, por seu turno, está suficientemente demonstrada nos autos, sobretudo pelo auto de prisão em flagrante e pelo depoimento da vítima e dos policiais militares que chegaram ao local justamente quando o apelante ainda estava na porta do bar, com a res furtiva: um fardo de cerveja em lata, um aparelho de DVD e uma caixa de som amplificada.
4 - As declarações e o reconhecimento feito pela vítima representam elementos probatórios lícitos e devem merecer o devido valor dentro do livre convencimento do magistrado e de sua persuasão racional. A palavra da vítima tem um valor probante deveras importante, pois em muitos casos só esta pode descrever pormenorizadamente como se deu a conduta delituosa, sobretudo em se tratando de crimes clandestinos, praticados sem ou com quase nenhuma testemunha, como no caso. De igual forma, o depoimento dos policiais que participaram da prisão pode ser levado em consideração como prova para a condenação, vez que se constituem em prova idônea, como também o depoimento de qualquer outra testemunha que não esteja impedida ou suspeita.
5 – No caso concreto sob análise, o delito de furto visado pelo apelante somente não foi consumado porque no momento que ele estava colocando os objetos próximo à porta do estabelecimento, houve a chegada dos policiais, que o prenderam em flagrante, quer dizer, por fato alheio à sua vontade. Ato contínuo, em relação ao furto, ao menos três circunstâncias impedem a incidência do referido princípio. Primeiro, a ofensividade e a agressividade da conduta do apelante, que pode ser extraída da sucessão de eventos que culminaram com sua prisão. Segundo, o intenso grau de reprovabilidade do comportamento do recorrente, já que o delito tratado nestes autos não aparenta ser fato isolado em sua vida. Terceiro, a expressiva lesividade de sua conduta, considerando o valor da res furtiva e os danos causados ao estabelecimento, apud laudo de inspeção em local de crime. De igual forma, também não é possível a aplicação da forma privilegiada ao presente delito (§ 2o do art. 155 do CP), sobretudo considerando o valor total da res furtiva e o efetivo prejuízo material causado pela conduta do apelante.
6 - No caso, em relação ao delito de ameaça (art. 147 do CP), o magistrado a quo valorou de forma desfavorável a culpabilidade, a conduta social, a personalidade e as circunstâncias do delito. Destacou que a vítima não reagiu às provocações do apelante, tendo inclusive fugido de sua presença, e que este ainda a perseguiu com uma cadeira, para agredi-la. Já em relação ao furto tentado (art. 155, caput, c/c art. 14, II, do CP), o magistrado considerou desfavoráveis a culpabilidade, a conduta social a personalidade, as circunstâncias e as consequências do delito. Levou em consideração também que a vítima foi agredida enquanto desempenhava seu labor habitual e honesto, o que robustece o desvalor da conduta do apelante. Como se observa da sentença, referidas circunstâncias judiciais foram valoradas negativamente de forma fundamentada, em elementos concretos que não são inerentes ao tipo penal, motivo pelo qual não há como excluir sua aplicação na primeira fase da dosimetria, no sentido de autorizar a fixação da pena base acima do mínimo legal.
7 – O próprio apelante reconhece, tanto perante a autoridade policial como em juízo, que se lembra de poucas coisas daquela noite, dentre as quais ter sido preso em flagrante quando tentava subtrair os bens do estabelecimento comercial, fazendo incidir a atenuante de confissão. Por outro lado, também incide a circunstância agravante referente ao estado de embriaguez preordenada, vez que os autos revelam que o apelante estava sob a influência de álcool no momento das práticas delitivas imputadas. Ausentes majorantes e minorantes específicas, deve incidir no caso a minorante geral prevista no art. 14, II, do CP, por se tratar de furto tentado, em seu patamar mínimo, vez que ele realizou todos os atos necessários à consumação do delito, sendo preso em flagrante.
8 - Na hipótese dos autos, é incabível a substituição da pena privativa por restritiva de direitos, vez que ausentes os seus pressupostos autorizativos (art. 44 do CP), notadamente a intensa valoração negativa das circunstâncias judiciais prevista no art. 59 do CP. De igual forma, não estão presentes os requisitos exigidos para a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
9 - Desde 2008, o art. 387, IV, do CPP prevê expressamente a possibilidade de o juízo criminal fixar desde logo “o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. Entretanto, a jurisprudência tem entendido que tal pedido deve ter ser feito na exordial acusatória (denúncia/queixa) e ter sido objeto de instrução probatória, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Assim, não tendo sido objeto de pedido específico ou da instrução probatória, se mostra inviável o arbitramento, de ofício, do valor mínimo da reparação pelo julgador de primeiro grau, devendo ser excluída da condenação.
10 – Apelação conhecida e provida parcialmente, para reconhecer a incidência da atenuante de confissão em relação ao delito de furto e reduzir a pena privativa imposta ao apelante para 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 3 (três) meses de detenção, a serem cumpridas inicialmente no regime aberto, bem como para excluir a reparação mínima de danos arbitrada pelo magistrado a quo, mantendo a sentença vergastada em todos os seus demais termos, acordes com o parecer ministerial superior.
(TJPI | Apelação Criminal Nº 2014.0001.000409-0 | Relator: Des. Edvaldo Pereira de Moura | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 28/02/2018 )
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. IMPUTAÇÃO FÁTICA. EMENDATIO LIBELI. POSSIBILIDADE. AMEAÇA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. FURTO SIMPLES. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. VALOR PROBATÓRIO. TENTATIVA. OCORRÊNCIA DE FATO ALHEIO À VONTADE DO AGENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. FURTO PRIVILEGIADO. VALOR EXPRESSIVO DA RES FURTIVA. NÃO INCIDÊNCIA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTE E AGRAVANTE. COMPENSAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. REPARAÇÃO MÍNIMA. EXCLUSÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA PARCIALMENTE.
1 – Na exordial acusatória, o Ministério Público descreveu não somente a tentativa de furto supostamente praticada pelo apelante, mas também a agressão desferida contra a vítima, o dono do bar, e ainda as ameaças proferidas contra uma outra vítima. É patente que, no processo penal, o réu não se defende da qualificação jurídica eventualmente imputada na denúncia, diga-se, da classificação do crime (imputatio juris), mas sim dos fatos delituosos lá expostos e das suas circunstâncias (imputação fática).
2 - A materialidade e a autoria do delito de ameaça estão devidamente comprovadas nos autos, pelo registro da ocorrência e notadamente pelo depoimento da vítima, que descreve como o apelante teria lhe ameaçado de morte. O crime de ameaça é um delito de mera conduta, consumando-se no momento em que o agente produz a mensagem intimidatória à vítima, seja verbal, por escrito ou por meros gestos. No caso, o temor da vítima de sofrer o mal injusto e grave prometido pelo apelante foi tão grande que ela foi a uma delegacia no mesmo momento relatar minuciosamente os acontecimentos ocorridos e ainda representou formalmente contra o apelante.
3 - A materialidade do delito de furto tentado também se encontra comprovada pelos autos de apreensão e apresentação e de restituição e pelo laudo de inspeção em local de crime, todos indicando a tentativa de furto praticada contra o estabelecimento da vítima. A autoria, por seu turno, está suficientemente demonstrada nos autos, sobretudo pelo auto de prisão em flagrante e pelo depoimento da vítima e dos policiais militares que chegaram ao local justamente quando o apelante ainda estava na porta do bar, com a res furtiva: um fardo de cerveja em lata, um aparelho de DVD e uma caixa de som amplificada.
4 - As declarações e o reconhecimento feito pela vítima representam elementos probatórios lícitos e devem merecer o devido valor dentro do livre convencimento do magistrado e de sua persuasão racional. A palavra da vítima tem um valor probante deveras importante, pois em muitos casos só esta pode descrever pormenorizadamente como se deu a conduta delituosa, sobretudo em se tratando de crimes clandestinos, praticados sem ou com quase nenhuma testemunha, como no caso. De igual forma, o depoimento dos policiais que participaram da prisão pode ser levado em consideração como prova para a condenação, vez que se constituem em prova idônea, como também o depoimento de qualquer outra testemunha que não esteja impedida ou suspeita.
5 – No caso concreto sob análise, o delito de furto visado pelo apelante somente não foi consumado porque no momento que ele estava colocando os objetos próximo à porta do estabelecimento, houve a chegada dos policiais, que o prenderam em flagrante, quer dizer, por fato alheio à sua vontade. Ato contínuo, em relação ao furto, ao menos três circunstâncias impedem a incidência do referido princípio. Primeiro, a ofensividade e a agressividade da conduta do apelante, que pode ser extraída da sucessão de eventos que culminaram com sua prisão. Segundo, o intenso grau de reprovabilidade do comportamento do recorrente, já que o delito tratado nestes autos não aparenta ser fato isolado em sua vida. Terceiro, a expressiva lesividade de sua conduta, considerando o valor da res furtiva e os danos causados ao estabelecimento, apud laudo de inspeção em local de crime. De igual forma, também não é possível a aplicação da forma privilegiada ao presente delito (§ 2o do art. 155 do CP), sobretudo considerando o valor total da res furtiva e o efetivo prejuízo material causado pela conduta do apelante.
6 - No caso, em relação ao delito de ameaça (art. 147 do CP), o magistrado a quo valorou de forma desfavorável a culpabilidade, a conduta social, a personalidade e as circunstâncias do delito. Destacou que a vítima não reagiu às provocações do apelante, tendo inclusive fugido de sua presença, e que este ainda a perseguiu com uma cadeira, para agredi-la. Já em relação ao furto tentado (art. 155, caput, c/c art. 14, II, do CP), o magistrado considerou desfavoráveis a culpabilidade, a conduta social a personalidade, as circunstâncias e as consequências do delito. Levou em consideração também que a vítima foi agredida enquanto desempenhava seu labor habitual e honesto, o que robustece o desvalor da conduta do apelante. Como se observa da sentença, referidas circunstâncias judiciais foram valoradas negativamente de forma fundamentada, em elementos concretos que não são inerentes ao tipo penal, motivo pelo qual não há como excluir sua aplicação na primeira fase da dosimetria, no sentido de autorizar a fixação da pena base acima do mínimo legal.
7 – O próprio apelante reconhece, tanto perante a autoridade policial como em juízo, que se lembra de poucas coisas daquela noite, dentre as quais ter sido preso em flagrante quando tentava subtrair os bens do estabelecimento comercial, fazendo incidir a atenuante de confissão. Por outro lado, também incide a circunstância agravante referente ao estado de embriaguez preordenada, vez que os autos revelam que o apelante estava sob a influência de álcool no momento das práticas delitivas imputadas. Ausentes majorantes e minorantes específicas, deve incidir no caso a minorante geral prevista no art. 14, II, do CP, por se tratar de furto tentado, em seu patamar mínimo, vez que ele realizou todos os atos necessários à consumação do delito, sendo preso em flagrante.
8 - Na hipótese dos autos, é incabível a substituição da pena privativa por restritiva de direitos, vez que ausentes os seus pressupostos autorizativos (art. 44 do CP), notadamente a intensa valoração negativa das circunstâncias judiciais prevista no art. 59 do CP. De igual forma, não estão presentes os requisitos exigidos para a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
9 - Desde 2008, o art. 387, IV, do CPP prevê expressamente a possibilidade de o juízo criminal fixar desde logo “o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. Entretanto, a jurisprudência tem entendido que tal pedido deve ter ser feito na exordial acusatória (denúncia/queixa) e ter sido objeto de instrução probatória, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Assim, não tendo sido objeto de pedido específico ou da instrução probatória, se mostra inviável o arbitramento, de ofício, do valor mínimo da reparação pelo julgador de primeiro grau, devendo ser excluída da condenação.
10 – Apelação conhecida e provida parcialmente, para reconhecer a incidência da atenuante de confissão em relação ao delito de furto e reduzir a pena privativa imposta ao apelante para 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 3 (três) meses de detenção, a serem cumpridas inicialmente no regime aberto, bem como para excluir a reparação mínima de danos arbitrada pelo magistrado a quo, mantendo a sentença vergastada em todos os seus demais termos, acordes com o parecer ministerial superior.
(TJPI | Apelação Criminal Nº 2014.0001.000409-0 | Relator: Des. Edvaldo Pereira de Moura | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 28/02/2018 )Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer do presente recurso e DAR-LHE parcial provimento, para reconhecer a incidência da atenuante de confissão em relação ao delito de furto e reduzir a pena privativa de liberdade imposta ao apelante para 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 3 (três) meses de detenção, a serem cumpridas inicialmente no regime aberto, bem como para excluir a reparação mínima de danos arbitrada pelo magistrado a quo, mantendo-se a sentença vergastada em seus demais termos, em consonância com o parecer do Ministério Público Superior.
Data do Julgamento
:
28/02/2018
Classe/Assunto
:
Apelação Criminal
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Especializada Criminal
Relator(a)
:
Des. Edvaldo Pereira de Moura
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