TJPI 2014.0001.002456-8
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. LEGÍTIMA DEFESA. ELEMENTARES OBJETIVAS E SUBJETIVAS NÃO DEMONSTRADAS. INAPLICABILIDADE DA JUSTIFICANTE. RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU OU DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. QUALIFICADORA DEMONSTRADA. MANUTENÇÃO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE CERTIDÃO COMPROVANDO TRÂNSITO EM JULGADO. EXCLUSÃO. CONSEQUÊNCIAS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. FIXAÇÃO RAZOÁVEL DA PENA BASE. CONFISSÃO QUALIFICADA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE. REDUÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES ABSTRATOS DA PENA. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. AGRAVANTE. BIS IN IDEM. DECOTE. REGIME INICIAL FECHADO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - A materialidade do delito se encontra comprovada pelo laudo de exame de corpo de delito, que indica que a vítima foi atingida por dois disparos de arma de fogo, um tendo lhe atingido o rosto, mais precisamente na região orbitária esquerda, e outro tendo lhe atingido as costas, na região lombar direita. O exame pericial na arma na fogo apreendida também comprova sua pontencialidade lesiva, um revólver calibre 38, com capacidade para 6 (seis) projéteis, em perfeito estado de conservação e funcionamento. A autoria do delito, por sua vez, se encontra comprovada pelo próprio auto de prisão em flagrante, bem como pelas declarações das testemunhas ouvidas perante a autoridade policial e em juízo, na primeira fase e perante o plenário do Tribunal do Júri, todas indicando que o apelante foi preso em flagrante com o instrumento do crime.
2 - A alegação do apelante de que teria agido em legítima defesa não encontra respaldo nas provas coligidas aos autos. De fato, o exame de corpo de delito aponta que a vítima foi atingida por dois disparos, um no rosto e um nas costas. O exame pericial indica que o revólver estava
em perfeito estado de funcionamento e que o disparo depende de um mecanismo, acionado apenas mecanicamente, quando o gatilho é apertado. De outro lado, os policiais militares que atenderam a ocorrência, e que presenciaram um dos disparos, apontam que a vítima teria conseguido se libertar do apelante e que teria corrido na direção contrária, tendo sido atingida nas costas por um dos disparos efetuados pela arma, que estava nas mãos do apelante. Tal dinâmica dos fatos, corroborada pelos elementos e provas colecionados, afastam por completo qualquer alegação de legítima defesa, inclusive putativa, sobretudo porque não restaram demonstradas as elementares objetivas e subjetivas do referido tipo permissivo.
3 - Na mesma vereda, também não merece acolhimento a alegação de inexistência da qualificadora referente ao recurso que dificultou a defesa da vítima. Com efeito, a vítima foi atingida por um disparo de arma de fogo pelas costas, após ter se desvencilhado do apelante e ter corrido para longe dele. No ponto, o Conselho de Sentença, por maioria, foi expresso a considerar que “o crime foi cometido mediante o uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, qual seja, de surpresa, atingida nas costas por disparo de arma de fogo”, circunstância esta comprovada nos autos pelo exame de corpo de delito e pelos depoimentos dos policiais militares.
4 - Assim, tendo o Conselho de Sentença vislumbrado no presente caso o homicídio qualificado, descabe a este Tribunal afrontar referida decisão, vez que ela encontra suporte nas provas coligidas aos autos e naquelas expostas durante a sessão do Tribunal Popular do Júri. De fato, sendo a conclusão do Conselho de Sentença plenamente extraível dos autos, a qual encontra um mínimo probatório suficientemente apto a sustentá-la, e sendo razoável a convicção dos jurados, deve ser mantida a decisão soberana do Conselho de Sentença, em respeito ao princípio da soberania dos veredictos. Precedentes.
5 - O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime. No caso, o juízo de primeiro grau considerou desfavoráveis os antecedentes do apelante e as consequências do delito imputado. Todavia, inexiste nos autos qualquer certidão informando se o outro delito de homicídio - pelo qual estaria sendo processado o apelante - já teria sido julgado ou se teria havido o trânsito da decisão. Assim, a
eventual existência de tal ação não pode ser utilizada como circunstância judicial apta a exasperar a pena base, devendo ser decotada da sentença condenatória, nos termos da súmula 444 do STJ.
6 - Todavia, mesmo com sua exclusão, a pena base fixada não se mostra irrazoável ou desproporcional, tendo em vista a existência da outra circunstância judicial, referente às consequências do delito praticado. Realmente, a jurisprudência é pacífica ao estabelecer que a valoração negativa de qualquer das circunstâncias preconizam ao julgador a fixação da pena base acima do mínimo legal. Na sentença impugnada, a pena base do apelante foi fixada em 13 (treze) anos de reclusão, quer dizer, apenas um ano acima do mínimo legal previsto, muito aquém do que seria permitido pela presença da referida circunstância desfavorável. Assim, considerando as especificidades do caso concreto, não se afigura desproporcional ou irrazoável a manutenção da pena base neste patamar.
7 - Na espécie, o apelante confessa parcialmente os fatos narrados na exordial acusatória, ao apontar que os tiros que atingiram a vítima realmente saíram da arma apreendida consigo, apesar de agregar a tese defensiva de legítima defesa, sustentada em plenário e que foi refutada pelo sinédrio popular. Trata-se, em verdade, de confissão qualificada - ou seja, acompanhada de teses defensivas, descriminantes ou exculpantes – apta a permitir a aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, alínea “d”, na esteira do que vem decidindo recentemente o Superior Tribunal de Justiça, o que impõe a redução da pena ao seu ao seu mínimo legal, nos termos da súmula 231 do STJ.
8 - No caso dos autos, o fato de ter sido o delito praticado mediante recurso de dificultou a defesa da vítima foi utilizado tanto como circunstância qualificadora (primeira fase) como circunstância agravante (segunda fase). Ocorre que a utilização da mesma circunstância como qualificadora e agravante configura em dupla valoração negativa de um mesmo fato, em momentos diversos da aplicação da pena, o que é vedado pelo art. 61 do CP, por se tratar de gravoso bis in idem. Assim, deve tal circunstância ser decotada nesta segunda fase da dosimetria, excluíndo-se, por conseguinte, a majoração dela decorrente, e devendo a pena intermediária ser convertida em definitiva, quer dizer, em 12 (doze) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado, no moldes estabelecidos pelo art. 33, §§ 2o e 3o, do Código Penal.
9 - Apelação conhecida e parcialmente provida, para reconhecer no presente caso a atenuante de confissão espontânea, prevista no art. 65, III, alínea “d”, do Código Penal, bem como para excluir a agravante de recurso que dificultou a defesa da vítima, prevista no art. 61, II, alínea “c”, do Código Penal, reduzindo a pena imposta para 12 anos (doze) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado, em dissonância com o parecer Ministerial Superior.
(TJPI | Apelação Criminal Nº 2014.0001.002456-8 | Relator: Des. Edvaldo Pereira de Moura | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 29/04/2015 )
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. LEGÍTIMA DEFESA. ELEMENTARES OBJETIVAS E SUBJETIVAS NÃO DEMONSTRADAS. INAPLICABILIDADE DA JUSTIFICANTE. RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU OU DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. QUALIFICADORA DEMONSTRADA. MANUTENÇÃO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE CERTIDÃO COMPROVANDO TRÂNSITO EM JULGADO. EXCLUSÃO. CONSEQUÊNCIAS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. FIXAÇÃO RAZOÁVEL DA PENA BASE. CONFISSÃO QUALIFICADA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE. REDUÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES ABSTRATOS DA PENA. RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. AGRAVANTE. BIS IN IDEM. DECOTE. REGIME INICIAL FECHADO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - A materialidade do delito se encontra comprovada pelo laudo de exame de corpo de delito, que indica que a vítima foi atingida por dois disparos de arma de fogo, um tendo lhe atingido o rosto, mais precisamente na região orbitária esquerda, e outro tendo lhe atingido as costas, na região lombar direita. O exame pericial na arma na fogo apreendida também comprova sua pontencialidade lesiva, um revólver calibre 38, com capacidade para 6 (seis) projéteis, em perfeito estado de conservação e funcionamento. A autoria do delito, por sua vez, se encontra comprovada pelo próprio auto de prisão em flagrante, bem como pelas declarações das testemunhas ouvidas perante a autoridade policial e em juízo, na primeira fase e perante o plenário do Tribunal do Júri, todas indicando que o apelante foi preso em flagrante com o instrumento do crime.
2 - A alegação do apelante de que teria agido em legítima defesa não encontra respaldo nas provas coligidas aos autos. De fato, o exame de corpo de delito aponta que a vítima foi atingida por dois disparos, um no rosto e um nas costas. O exame pericial indica que o revólver estava
em perfeito estado de funcionamento e que o disparo depende de um mecanismo, acionado apenas mecanicamente, quando o gatilho é apertado. De outro lado, os policiais militares que atenderam a ocorrência, e que presenciaram um dos disparos, apontam que a vítima teria conseguido se libertar do apelante e que teria corrido na direção contrária, tendo sido atingida nas costas por um dos disparos efetuados pela arma, que estava nas mãos do apelante. Tal dinâmica dos fatos, corroborada pelos elementos e provas colecionados, afastam por completo qualquer alegação de legítima defesa, inclusive putativa, sobretudo porque não restaram demonstradas as elementares objetivas e subjetivas do referido tipo permissivo.
3 - Na mesma vereda, também não merece acolhimento a alegação de inexistência da qualificadora referente ao recurso que dificultou a defesa da vítima. Com efeito, a vítima foi atingida por um disparo de arma de fogo pelas costas, após ter se desvencilhado do apelante e ter corrido para longe dele. No ponto, o Conselho de Sentença, por maioria, foi expresso a considerar que “o crime foi cometido mediante o uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, qual seja, de surpresa, atingida nas costas por disparo de arma de fogo”, circunstância esta comprovada nos autos pelo exame de corpo de delito e pelos depoimentos dos policiais militares.
4 - Assim, tendo o Conselho de Sentença vislumbrado no presente caso o homicídio qualificado, descabe a este Tribunal afrontar referida decisão, vez que ela encontra suporte nas provas coligidas aos autos e naquelas expostas durante a sessão do Tribunal Popular do Júri. De fato, sendo a conclusão do Conselho de Sentença plenamente extraível dos autos, a qual encontra um mínimo probatório suficientemente apto a sustentá-la, e sendo razoável a convicção dos jurados, deve ser mantida a decisão soberana do Conselho de Sentença, em respeito ao princípio da soberania dos veredictos. Precedentes.
5 - O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime. No caso, o juízo de primeiro grau considerou desfavoráveis os antecedentes do apelante e as consequências do delito imputado. Todavia, inexiste nos autos qualquer certidão informando se o outro delito de homicídio - pelo qual estaria sendo processado o apelante - já teria sido julgado ou se teria havido o trânsito da decisão. Assim, a
eventual existência de tal ação não pode ser utilizada como circunstância judicial apta a exasperar a pena base, devendo ser decotada da sentença condenatória, nos termos da súmula 444 do STJ.
6 - Todavia, mesmo com sua exclusão, a pena base fixada não se mostra irrazoável ou desproporcional, tendo em vista a existência da outra circunstância judicial, referente às consequências do delito praticado. Realmente, a jurisprudência é pacífica ao estabelecer que a valoração negativa de qualquer das circunstâncias preconizam ao julgador a fixação da pena base acima do mínimo legal. Na sentença impugnada, a pena base do apelante foi fixada em 13 (treze) anos de reclusão, quer dizer, apenas um ano acima do mínimo legal previsto, muito aquém do que seria permitido pela presença da referida circunstância desfavorável. Assim, considerando as especificidades do caso concreto, não se afigura desproporcional ou irrazoável a manutenção da pena base neste patamar.
7 - Na espécie, o apelante confessa parcialmente os fatos narrados na exordial acusatória, ao apontar que os tiros que atingiram a vítima realmente saíram da arma apreendida consigo, apesar de agregar a tese defensiva de legítima defesa, sustentada em plenário e que foi refutada pelo sinédrio popular. Trata-se, em verdade, de confissão qualificada - ou seja, acompanhada de teses defensivas, descriminantes ou exculpantes – apta a permitir a aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, alínea “d”, na esteira do que vem decidindo recentemente o Superior Tribunal de Justiça, o que impõe a redução da pena ao seu ao seu mínimo legal, nos termos da súmula 231 do STJ.
8 - No caso dos autos, o fato de ter sido o delito praticado mediante recurso de dificultou a defesa da vítima foi utilizado tanto como circunstância qualificadora (primeira fase) como circunstância agravante (segunda fase). Ocorre que a utilização da mesma circunstância como qualificadora e agravante configura em dupla valoração negativa de um mesmo fato, em momentos diversos da aplicação da pena, o que é vedado pelo art. 61 do CP, por se tratar de gravoso bis in idem. Assim, deve tal circunstância ser decotada nesta segunda fase da dosimetria, excluíndo-se, por conseguinte, a majoração dela decorrente, e devendo a pena intermediária ser convertida em definitiva, quer dizer, em 12 (doze) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado, no moldes estabelecidos pelo art. 33, §§ 2o e 3o, do Código Penal.
9 - Apelação conhecida e parcialmente provida, para reconhecer no presente caso a atenuante de confissão espontânea, prevista no art. 65, III, alínea “d”, do Código Penal, bem como para excluir a agravante de recurso que dificultou a defesa da vítima, prevista no art. 61, II, alínea “c”, do Código Penal, reduzindo a pena imposta para 12 anos (doze) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado, em dissonância com o parecer Ministerial Superior.
(TJPI | Apelação Criminal Nº 2014.0001.002456-8 | Relator: Des. Edvaldo Pereira de Moura | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 29/04/2015 )Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, pelo conhecimento e parcial provimento da apelação interposta, para reconhecer no presente caso a atenuante de confissão espontânea, prevista no art. 65, III, alínea “d”, do Código Penal, bem como para excluir a agravante de recurso que dificultou a defesa da vítima, prevista no art. 61, II, alínea “c”, do Código Penal, reduzindo a pena imposta para 12 anos (doze) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado, em dissonância com o parecer Ministerial Superior.
SALA DA 1ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, em Teresina, 29 de abril de 2015.
Data do Julgamento
:
29/04/2015
Classe/Assunto
:
Apelação Criminal
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Especializada Criminal
Relator(a)
:
Des. Edvaldo Pereira de Moura
Mostrar discussão