TJPI 2014.0001.002935-9
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIMINAR QUE ESGOTE O PEDIDO PRINCIPAL. REJEITADA. DIREITO À SAÚDE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CUSTEAR A PASSAGEM DA MENOR E DE ACOMPANHANTE. CUSTEIO DE PASSAGEM PARA BRASÍLIA-DF. ATENDIMENTO DA MENOR NO HOSPITAL SARAH KUBITSCHECK. LOCAL MAIS ADEQUADO EM RELAÇÃO A TERESINA-PI. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO FORNECIMENTO DE FRAUDAS PELA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. DESNECESSIDADE DE DOIS ACOMPANHANTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Prevalece o entendimento da possibilidade de deferimento de medida liminar, a depender do caso concreto. A vedação da Lei n. 8.437/92 não pode ter o alcance de vedar toda e qualquer medida liminar, em qualquer circunstância.
2. No caso presente, não há implicação de qualquer efeito da medida liminar que esgote no todo ou em parte o objeto da ação, mas medida simplesmente assecuratória de direito do agravado.
3. Foram aplicados, com muita propriedade, o direito à saúde e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, considerando a garantia plasmada no art. 196 da Constituição Federal c/c art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.080/90. O referido dispositivo legal não necessita de regulamentação, tendo densidade normativa suficiente para ser aplicado imediatamente, não se tratando de norma apenas programática.
4. Este preceito constitucional coaduna-se perfeitamente com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que esta dignidade existe para que o indivíduo possa realizar as necessidades básicas, sendo o direito à vida e à saúde os pilares fundamentais da existência humana.
5. O direito subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz-se como um bem jurídico constitucionalmente tutelado, que representa como consequência lógica a sua indissociabilidade do direito à vida.
6. Sendo a saúde um direito fundamental, indisponível e constitucionalmente protegido, o fornecimento das passagens ao acompanhante e das fraudas à paciente menor não podem ser postergados sem uma justificativa plausível da municipalidade agravada.
7. O cerne da questão gira em torno do local adequado à realização do tratamento médico, visto que o município agravado afirma que a cidade de Teresina-PI é referencia e polo de saúde da região Norte e Nordeste, sendo o local adequado para a realização do tratamento, enquanto o agravado entende que o local mais adequado é o Hospital Sarah Kubistchek, em Brasília-DF, onde a menor paciente já foi até atendida, tendo, inclusive, apresentado significativa melhora no seu quadro clínico.
8. A verificação de urgência, necessidade e adequação do tratamento a ser realizado é de única e exclusiva responsabilidade do médico especializado, porque é o profissional que tem condições de apurar precisamente as verdadeiras condições de saúde da paciente e indicar o procedimento adequado.
9. Em que pesem os documentos colacionados aos autos demonstrarem que a capital piauiense possui centros médicos capacitados à terapia da menor, mormente, às fls. 21/22, o Hospital Infantil Lucídio Portela ratifique que possui especialistas nas áreas precisas ao tratamento da citada doença, e que as especialidades que não são possíveis de serem ali encontradas podem ser realizadas no Centro Integrado de Reabilitação – CEIR –, resta comprovado que houve significativa melhora no quadro clínico da paciente menor, em tratamento iniciado no Hospital Sarah Kubistchek, bem como a descontinuidade do tratamento poderá acarretar problemas mais graves à sua saúde.
10. O direito à vida, como bem jurídico maior protegido pela Constituição Federal, tendo como corolário o direito à saúde, deve sempre preponderar sobre os demais valores assegurados no texto constitucional, que tem como um dos seus fundamentos mais relevantes o princípio da dignidade da pessoa humana.
11. A jurisprudência pátria é pacífica no sentido de que deve ser fornecida a passagem ao paciente e seus acompanhantes para o caso de acompanhamento médico. Versando a lide acerca do direito à vida, preceito fundamental que assiste a todas as pessoas, e comprovada melhoria do tratamento e progresso da paciente, demonstrado por relatório médico do Hospital Sarah Kubistchek, resta patente o direito da menor, sendo a manutenção da decisão agravada em relação ao fornecimento da passagem para o acompanhante, para Brasília-DF, medida que se impõe, face o amparo através de dispositivos e princípios insculpidos na Constituição Federal.
12. Resta patente também a necessidade da menor no fornecimento das fraudas, tendo em vista que possui “quadro neurológico irreversível, que promove alteração na bexiga”, ou seja, problemas no sistema urinário, conforme documento carreado aos autos, razão pela qual deve ser mantida a determinação de fornecimento das 150 (cento e cinquenta) fraudas, mensalmente, pelo Município agravante à menor.
13. O Agravante já arca com as despesas de transporte da menor e seus acompanhantes à capital piauiense, quando respeitados os procedimentos necessários ao referido custeio, podendo arcar com os custos, mesmo que um pouco mais elevados, do deslocamento para a capital federal.
14. Entretanto, o município arca com os custos atualmente das passagens de 02 (dois) acompanhantes, quais sejam, ambos os pais, o que por si só gera um aumento desnecessário nas despesas municipais, posto que não há nos autos documentação que comprove a necessidade do deslocamento de 02 (dois) passageiros para acompanhar a menor, razão pela qual merece ser reformada a decisão para que sejam concedidas as passagens para Brasília-DF somente a 01 (um) acompanhante, para que possa a menor realizar o tratamento no Hospital Sarah Kubistchek.
15. Agravo conhecido e parcialmente provido.
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(TJPI | Agravo de Instrumento Nº 2014.0001.002935-9 | Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 11/08/2015 )
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIMINAR QUE ESGOTE O PEDIDO PRINCIPAL. REJEITADA. DIREITO À SAÚDE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE CUSTEAR A PASSAGEM DA MENOR E DE ACOMPANHANTE. CUSTEIO DE PASSAGEM PARA BRASÍLIA-DF. ATENDIMENTO DA MENOR NO HOSPITAL SARAH KUBITSCHECK. LOCAL MAIS ADEQUADO EM RELAÇÃO A TERESINA-PI. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO FORNECIMENTO DE FRAUDAS PELA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. DESNECESSIDADE DE DOIS ACOMPANHANTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Prevalece o entendimento da possibilidade de deferimento de medida liminar, a depender do caso concreto. A vedação da Lei n. 8.437/92 não pode ter o alcance de vedar toda e qualquer medida liminar, em qualquer circunstância.
2. No caso presente, não há implicação de qualquer efeito da medida liminar que esgote no todo ou em parte o objeto da ação, mas medida simplesmente assecuratória de direito do agravado.
3. Foram aplicados, com muita propriedade, o direito à saúde e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, considerando a garantia plasmada no art. 196 da Constituição Federal c/c art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.080/90. O referido dispositivo legal não necessita de regulamentação, tendo densidade normativa suficiente para ser aplicado imediatamente, não se tratando de norma apenas programática.
4. Este preceito constitucional coaduna-se perfeitamente com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que esta dignidade existe para que o indivíduo possa realizar as necessidades básicas, sendo o direito à vida e à saúde os pilares fundamentais da existência humana.
5. O direito subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz-se como um bem jurídico constitucionalmente tutelado, que representa como consequência lógica a sua indissociabilidade do direito à vida.
6. Sendo a saúde um direito fundamental, indisponível e constitucionalmente protegido, o fornecimento das passagens ao acompanhante e das fraudas à paciente menor não podem ser postergados sem uma justificativa plausível da municipalidade agravada.
7. O cerne da questão gira em torno do local adequado à realização do tratamento médico, visto que o município agravado afirma que a cidade de Teresina-PI é referencia e polo de saúde da região Norte e Nordeste, sendo o local adequado para a realização do tratamento, enquanto o agravado entende que o local mais adequado é o Hospital Sarah Kubistchek, em Brasília-DF, onde a menor paciente já foi até atendida, tendo, inclusive, apresentado significativa melhora no seu quadro clínico.
8. A verificação de urgência, necessidade e adequação do tratamento a ser realizado é de única e exclusiva responsabilidade do médico especializado, porque é o profissional que tem condições de apurar precisamente as verdadeiras condições de saúde da paciente e indicar o procedimento adequado.
9. Em que pesem os documentos colacionados aos autos demonstrarem que a capital piauiense possui centros médicos capacitados à terapia da menor, mormente, às fls. 21/22, o Hospital Infantil Lucídio Portela ratifique que possui especialistas nas áreas precisas ao tratamento da citada doença, e que as especialidades que não são possíveis de serem ali encontradas podem ser realizadas no Centro Integrado de Reabilitação – CEIR –, resta comprovado que houve significativa melhora no quadro clínico da paciente menor, em tratamento iniciado no Hospital Sarah Kubistchek, bem como a descontinuidade do tratamento poderá acarretar problemas mais graves à sua saúde.
10. O direito à vida, como bem jurídico maior protegido pela Constituição Federal, tendo como corolário o direito à saúde, deve sempre preponderar sobre os demais valores assegurados no texto constitucional, que tem como um dos seus fundamentos mais relevantes o princípio da dignidade da pessoa humana.
11. A jurisprudência pátria é pacífica no sentido de que deve ser fornecida a passagem ao paciente e seus acompanhantes para o caso de acompanhamento médico. Versando a lide acerca do direito à vida, preceito fundamental que assiste a todas as pessoas, e comprovada melhoria do tratamento e progresso da paciente, demonstrado por relatório médico do Hospital Sarah Kubistchek, resta patente o direito da menor, sendo a manutenção da decisão agravada em relação ao fornecimento da passagem para o acompanhante, para Brasília-DF, medida que se impõe, face o amparo através de dispositivos e princípios insculpidos na Constituição Federal.
12. Resta patente também a necessidade da menor no fornecimento das fraudas, tendo em vista que possui “quadro neurológico irreversível, que promove alteração na bexiga”, ou seja, problemas no sistema urinário, conforme documento carreado aos autos, razão pela qual deve ser mantida a determinação de fornecimento das 150 (cento e cinquenta) fraudas, mensalmente, pelo Município agravante à menor.
13. O Agravante já arca com as despesas de transporte da menor e seus acompanhantes à capital piauiense, quando respeitados os procedimentos necessários ao referido custeio, podendo arcar com os custos, mesmo que um pouco mais elevados, do deslocamento para a capital federal.
14. Entretanto, o município arca com os custos atualmente das passagens de 02 (dois) acompanhantes, quais sejam, ambos os pais, o que por si só gera um aumento desnecessário nas despesas municipais, posto que não há nos autos documentação que comprove a necessidade do deslocamento de 02 (dois) passageiros para acompanhar a menor, razão pela qual merece ser reformada a decisão para que sejam concedidas as passagens para Brasília-DF somente a 01 (um) acompanhante, para que possa a menor realizar o tratamento no Hospital Sarah Kubistchek.
15. Agravo conhecido e parcialmente provido.
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(TJPI | Agravo de Instrumento Nº 2014.0001.002935-9 | Relator: Des. Fernando Carvalho Mendes | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 11/08/2015 )Decisão
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer do recurso, uma vez que preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade, rejeitando a preliminar de nulidade da decisão por impossibilidade de concessão de liminar que esgote o pedido principal, para, no mérito, dar-lhe parcial provimento, reformando a decisão agravada, determinando que o município agravado conceda as passagens de ônibus para a cidade de Brasília-DF, para somente 01 (um) acompanhante da menor, conforme o período de tratamento, mantendo a decisão agravada nos seus demais termos, em dissonância com o parecer ministerial superior.
Data do Julgamento
:
11/08/2015
Classe/Assunto
:
Agravo de Instrumento
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Fernando Carvalho Mendes
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