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Jurisprudência


TJPI 2014.0001.005843-8

Ementa
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APRRENSÃO. MEIO INIDÔNEO PARA A TUTELA DO CRÉDITO. INÉPCIA DA INICIAL MANTIDA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO PROCESSO. CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO. TEORIA DA BOA FÉ OBJETIVA. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. CONSOLIDAÇÃO PLENA DA PROPRIEDADE. VANTAGEM INDEVIDA PARA CREDOR. PONDERAÇÃO JUDICIAL. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. No Brasil, o silêncio do legislador de 2002 não tem impedido o acolhimento da noção, com base, mais uma vez, na boa-fé objetiva. De fato, afirma-se que, no âmbito da segunda função da boa-fé objetiva, consistente na vedação ao exercício abusivo de posição jurídica, "o exemplo mais significativo é o da proibição do exercício do direito de resolver o contrato por inadimplemento, ou de suscitar a exceção do contrato não cumprido, quando o incumprimento é insignificante em relação ao contrato total” (Ruy Rosado de Aguiar Jr., Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor (Resolução), São Paulo: Aide, 1991, p. 248). 2. Extrai-se, portanto, que se faz necessária uma releitura da disciplina do direito obrigacional, razão pela qual entendo que, no caso específico dos autos, a magistrada de piso, antes de deflagrar a consequencia drástica da resolução da relação obrigacional com a consolidação plena da posse e propriedade ao patrimônio do banco autor, avaliou a gravidade do inadimplemento chegando a conclusão de que a tutela do crédito exige o recurso à cláusula geral de boa-fé objetiva (CC, art. 422). 3. Aliás, a Lei de Introdução à Norma do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4657/1942) em seu art. 4º dispõe que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 4. Tais fórmulas de integração de direito, como se sabe, são taxativas e gradativas e, em assim sendo, como o ordenamento jurídico brasileiro não traz de forma expressa a teoria do adimplemento substancial e como não se trata de norma consuetudinária, entendo que se trata de omissão legislativa que remete ao julgador decidir o caso de acordo com o princípio geral de direito, qual seja, princípio da boa fé objetiva, este sim com previsão expresssa no Código Civil, in verbis: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. 5. Dentro desse contexto, pode-se aferir que a tutela do crédito exige o recurso a alguma norma externa à disciplina do adimplemento, ou seja, uma ponderação judicial entre a utilidade da extinção do contrato para o credor e o prejuízo provocado para o devedor e para terceiros. 6. Com efeito, deve-se perquirir, no caso em comento, se a ação de busca e apreensão do veículo automotor alienado fiduciariamente com a consequente rescisão do contrato e consolidação plena do bem financiado em mãos da autora, após o pagamento de 58 prestações pelo devedor de um total de 70, é o meio legítimo para tutela do crédito do banco recorrente, ou, trata-se de “exercício quase malicioso do direito de resolução em situações que só formalmente não se qualificavam como adimplemento integral”. (Schreiber, Anderson. Direito civil e constituição /Anderson Schreiber. São Paulo: Atlas, 2013, p. 110/111).” 7. Percebe-se que a magistrada de piso realizou um controle judicial de legitimidade no remédio invocado pelo banco apelante (busca e apreensão) para o inadimplemento que deve ser confirmado por este Tribunal, pois transparece que o retorno das partes à situação a quo gera notória vantagem indevida ao banco recorrente (CC, art. 884) que além de ter integrado em seu patrimônio 58 das prestações pagas pelo contratante, adquire também a propriedade plena do bem, enquando o devedor fica sem o bem e sem sua reserva de crédito, desnaturando, a meu sentir, a finalidade do contrato de alienação fiduciária em garantia para um verdadeiro contrato de locação de veículo, onobservando as três premissas básicas do direito, de origem grega: “viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu”. 8. Assim, por força do princípio de conservação dos contratos, foi indeferida a petição inicial e remetido o credor para a postulação de seu crédito por meio de ação de cobrança ou por meio de indenização por perdas e danos, se houver, solução que entendo a mais adequada, não havendo motivo razoável para o acolhimento do pedido de reforma. 10. “Em uma leitura mais contemporânea, contudo, impõe-se reservar ao adimplemento substancial um papel mais abrangente, qual seja, o de impedir que a resolução – e outros efeitos igualmente drásticos que poderiam ser deflagrados pelo inadimplemento - não venham à tona sem uma ponderação judicial entre (i) a utilidade da extinção da relação obrigacional para o credor e (ii) o prejuízo que adviria para o devedor e para terceiros a partir da resolução”.(Anderson Schreiber, na obra Direito civil e constituição, São Paulo: Atlas, 2013, p. 113). (TJPI | Apelação Cível Nº 2014.0001.005843-8 | Relator: Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 16/03/2016 )
Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer da presente Apelação, para, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo o indeferimento da peça exordial, nos termos do voto do Relator. Participaram do julgamento os Exmos. Srs.: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho, Des. Hilo de Almeida Sousa e Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas (Relator). Aos 16 (dezesseis) dias do mês de março do ano de dois mil e dezesseis, reuniu-se, em Sessão Ordinária, a Egrégia 3ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL.

Data do Julgamento : 16/03/2016
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas
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