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Jurisprudência


TJPI 2014.0001.007820-6

Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL N° 2014.0001.007820-6 (UNIÃO / VARA ÚNICA) APELANTE: RAIMUNDO MOREIRA DA SILVA JÚNIOR DEFENSOR PÚBLICO: JOSÉ WELIGTON DE ANDRADE APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ RELATOR: DES. JOSÉ FRANCISCO DO NASCIMENTO E M E N T A APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO QUALIFICADO – NULIDADE DA SENTENÇA – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PÚBLICO PARA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO – NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC – RÉU QUE, NA OCASIÃO, ACABOU POR CONFESSAR O CRIME – DEFESA TÉCNICA DEFICIENTE – SENTENÇA ANULADA SOMENTE EM RELAÇÃO AO RÉU CONDENADO. 1. A análise dos autos demonstra que o defensor público nomeado para defender os réus não foi intimado para audiência de instrução e julgamento, razão pela qual fora designado um curador ad hoc para a ocasião. 2. Na mesma oportunidade, o réu Raimundo Moreira da Silva Júnior tomou para si a responsabilidade pelos eventos delitivos, confessando o crime. 3. Resta evidente que houve falha na defesa técnica, sendo este fato prejudicial ao réu, uma vez o defensor ad hoc emitiu razões finais em que se posicionou favoravelmente à condenação. 4. A situação se mostra ainda mais crítica quando se tem em vista que nem ao menos houve a entrevista prévia e reservada entre o causídico e os acusados, sendo claro que o referido agente não possuía qualquer conhecimento mínimo acerca do processo. 5. Apelação conhecida e provida para anular o feito tão somente em relação ao réu Raimundo Moreira da Silva Júnior, sendo mantida a absolvição do segundo acusado a fim de evitar reformatio in pejus indireta. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, acolher a preliminar arguida para anular o processo a partir da audiência de instrução e julgamento, somente em relação ao apelante Raimundo Moreira da Silva Júnior, dando por validada no que tange ao outro acusado Marcelo da Silva, absorvido com parecer favorável do Ministério Público oficiante na Comarca, inclusive, devendo outra ser realizada, precedida, evidentemente, da notificação de todos os que nela devam intervir, em dissonância com o parecer do Ministério Público Superior. R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR JOSÉ FRANCISCO DO NASCIMENTO (Relator): O representante do Ministério Público, com serventia junto à Comarca de União, denunciou RAIMUNDO MOREIRA DA SILVA JÚNIOR e MARCELO DA SILVA, qualificados nos autos, por terem praticado o delito tipificado no art. 155, §4º, IV do Código Penal (furto qualificado). Consta dos autos que os réus, no dia 26.08.2009, invadiram a residência da vítima Ossian Nascimento Melo, ocasião em que subtraíram diversos bens móveis. Documentos de fls. 04/43. A denúncia foi recebida nos termos em que foi ofertada, já que veio acompanhada de elementos sólidos que fundamentaram a tipificação (fl. 45). Determinada a citação dos acusados, estes permaneceram inertes em apresentar defesa (fl. 49), razão pela qual foi nomeado defensor público para tal intento (fl. 51). Finda a instrução criminal, a MM. Juíza a quo exarou a sentença de fls. 79/80, condenando unicamente o réu Raimundo Moreira da Silva, nos seguintes termos: “Ponderadas, deste modo, as circunstâncias judiciais, tratando-se de furto qualificado, fixo a pena-base em dez (10) dias-multa, no quantum correspondente a um trigésimo do maior salário-mínimo vigente à época do fato, a ser corrigida quando da execução (art. 49, §2º, CP). A pena de reclusão deverá ser cumprida, desde o início, em regime aberto, na Delegacia local. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos do benefício (art. 77 do CP), suspendo a execução da pena privativa de liberdade, pelo prazo de dois anos, mediante as seguintes condições: 1. Nos primeiros seis (06) meses do prazo, o réu deverá prestar serviços à comunidade; 2. Durante todo o período de prova, deverá comparecer semanalmente em juízo, para informar sobre suas atividades, e não poderá mudar de residência sem comunicar o juízo.” Irresignado com a r. sentença, o condenado interpôs o recurso de apelação de fls. 85/94. Em suas razões, a parte alegou, preliminarmente, a nulidade do processo, haja vista que o defensor dativo não apresentou defesa eficaz, eximindo-se de debater profundamente acerca da inexistência de provas da autoria delitiva. No mérito, arguiu a inexistência de provas que permitam a condenação, eis que tanto o inquérito como a instrução criminal não foram capazes de ligar o réu aos eventos danosos. Por fim, sustentou que, acaso reconhecida autoria e materialidade, o crime deve ser atribuído apenas na sua forma simples, na medida em que não houve qualquer rompimento de barreira. Nas contrarrazões de fls. 97/101, o Ministério Público de primeiro grau requereu o improvimento do recurso e manutenção da sentença em todos os seus termos. Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça, em parecer de fls. 109/117, opinou pelo conhecimento e improvimento do apelo. É o relatório. V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR JOSÉ FRANCISCO DO NASCIMENTO (Relator): 1.DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE O recurso deve ser conhecido, porque se encontram presentes os pressupostos processuais de admissibilidade para tanto. 2. PRELIMINARES 2.1 – Deficiência na Defesa Técnica: O recorrente sustenta, por meio de preliminar, a nulidade procedimental do feito, na medida em que o defensor dativo nomeado pelo juízo quedou-se inerte em apresentar uma defesa eficiente. Sobre este ponto, importante analisar o contexto fático, de modo que é possível sublinhar a seguinte concatenação de atos: os réus foram citados para apresentação de defesa escrita mas sequer chegaram a constituir causídico. Consequentemente, o juízo nomeou defensor público para a representação judicial das partes. Assim, houve manifestação às fls. 52/54 e 55/57, ocasião em que foi apresentada a tese defensiva acerca da inexistência de justa causa para o início da ação penal, vez que ausentes elementos que denotem a autoria e materialidade do crime. Posteriormente, quando da realização da audiência de instrução e julgamento, sequer houve a intimação do defensor nomeado, donde fora designado um curador ad hoc para os acusados. Nesta mesma oportunidade, o réu Raimundo Moreira da Silva Júnior tomou para si a responsabilidade pelos eventos delitivos, confessando o crime. Em alegações finais, formuladas na própria audiência, o representante do Ministério Público promoveu debate pela absolvição do réu Marcelo da Silva, mas pugnando pela condenação do réu Raimundo Moreira da Silva Júnior, sobretudo diante da confissão. Destarte, o defensor constituído para o ato emitiu considerações remissivas ao parecer do órgão de acusação. Consigno que o entendimento dominante assevera que as nulidades processuais, mesmo de ordem absoluta, demandam a comprovação clara e precisa do prejuízo, em atendimento à máxima da instrumentalidade das formas. Aliás, o caso aqui tratado dispõe até mesmo de súmula específica, conforme literalidade do verbete 523 do STF: súmula 523, STF: No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Forte no argumento de que inexistiu prejuízo à defesa, o Ministério Público, tanto de primeiro como de segundo grau, pugnou pelo afastamento da preliminar ora levantada. No entanto, em que pese todo o respeito pelo ilustre órgão ministerial, entendo que a situação realmente denota-se anômala, até mesmo aberrante, donde houve ataque direto ao direito constitucional da ampla defesa, culminando em imediato prejuízo aos direitos e garantias fundamentais que amparam o acusado. O debate acerca das nulidades processuais, notadamente no âmbito penal, é de sensibilidade ímpar dentro da dogmática jurídica. Uma rápida leitura acerca da exposição de motivos do Código de Processo Penal deixa assente a ideologia que inspirou a legislação editada em 1941: II. (...) “As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do individuo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum.” Foi esse o espírito que norteou o legislador singular – Presidente da República investido do poder de legislar – de acordo, aliás, com a carta outorgada em 1937, em que os direitos e garantias individuais foram relegados a planos secundários em prol do Estado Novo. Os tempos são outros. A Constituição Federal de 1988 assegura a todos, em seu art. 5º, o direito ao devido processo legal, sem o que não podem ser privados da liberdade (inciso LIV), assim como, em processo judicial ou administrativo, “o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (inciso LV). A ampla defesa não pode ser tomada como tábula rasa, uma garantia apenas decorativa para o texto da Carta Maior. Como bem alerta o ilustre mestre Noberto Bobbio, a era moderna não carece de direitos mas sim da implementação de direitos. Trazendo o debate para a questão ora posta, não há como acolher a tese de que teria sido respeitado o direito à ampla defesa com a simples designação de um defensor ad hoc para a audiência de instrução, quando o Defensor Público que, de fato, acompanhava a causa não fora intimada para o ato. O Código de Processo Penal é claro ao estabelecer a notificação ou intimação do defensor para acompanhar os atos processuais. Em se tratando de agente designado pelo próprio juízo, tal comunicação deve ser feita de forma pessoal, a teor do art. 370, §4º do código de ritos. Aliás, esta garantia se denota ainda mais forte quando se trata da Defensoria Pública, vez que o art. 128 da LC 80/94 é expresso ao determinar “a intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa”. O digno magistrado de primeiro grau, preocupado com a marcha célere do processo, desconsiderou a ausência de intimação e iniciou os trabalhos instrutivos, designando um defensor ad hoc. Ocorre que o §2º do art. 265 do Código de Processo Penal (Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato) só teria aplicação se o advogado constituído ou designado tivesse ciência formal daquele ato, não sendo possível o atropelo do trâmite procedimental tão somente a título de instrumentalidade das formas. A situação se mostra ainda mais crítica quando se tem em vista que nem ao menos houve a entrevista prévia e reservada entre o causídico e os acusados, sendo claro que o referido agente não possuía qualquer conhecimento mínimo acerca do processo. Ademais, e isso é o mais grave, é de se ver que a condenação foi baseada no fato de que o acusado teria confessado o crime durante a audiência de instrução, ou seja, justamente quando o Defensor Público não estava presente para intervir. Na oportunidade, o parquet posicionou-se pela procedência da pretensão acusatória, posição que foi reiterada pelo curador ad hoc, num total desvirtuamento de suas funções defensivas. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal possui precedente que se amolda especificamente ao presente caso: Habeas corpus. Interrogatório. Falta de citação prévia. Nulidade. Inexistência. Cientificação da imputação na data da audiência. Nomeação de defensor público ao réu que com ele se entrevistou previamente e não requereu o adiamento do ato. Negação da prática do crime pelo paciente. Inexistência de prejuízo a sua defesa. Audiência de instrução. Nulidade. Ocorrência. Ausência de intimação pessoal da defensoria pública para o ato. Prova acusatória, colhida na audiência, utilizada para a condenação. Prejuízo demonstrado. Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Ordem parcialmente concedida. 1. A falta de citação não anula o interrogatório quando o réu, ao início do ato, é cientificado da acusação, entrevista-se, prévia e reservadamente, com a defensora pública nomeada para defendê-lo - que não postula o adiamento do ato -, e nega, ao ser interrogado, a imputação. Ausência, na espécie, de qualquer prejuízo à defesa. 2. É nula, por violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, a audiência de instrução realizada sem a presença da Defensoria Pública, não intimada pessoalmente para o ato, máxime quando a prova acusatória nela colhida tiver embasado a condenação do paciente. 3. A atuação da Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado (art. 134, CF), não pode ser considerada fungível com a desempenhada por qualquer defensor ad hoc, sendo mister zelar pelo respeito a suas prerrogativas institucionais. 4 – Ordem parcialmente concedida, para anular a condenação do paciente. (STF - HC 121682 MG – Rel. Min. Dias Toffoli – Primeira Turma – Julgado em 30.09.2014) Para maior reforço da posição aqui adotada, coleciono o seguinte julgado de autoria deste E. Tribunal de Justiça do Estado do Piauí: APELAÇAO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. NULIDADE DA SENTENÇA. FALTA DE INTIMAÇAO ACERCA DA AUDIÊNCIA REALIZADA NO JUÍZO DEPRECADO. AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA NAS ALEGAÇÕES FINAIS. EXEGESE DO ART. 571, II, DO CPP. PRECLUSAO.. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUDIÊNCIA REALIZADA SEM A PRESENÇA DO ACUSADO E DE SEU ADVOGADO. AUSÊNCIA DE NOMEAÇAO DE DEFENSOR “AD HOC”. OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O RÉU. NULIDADE RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO. 1. Em regra, não se afigura manifestamente nula a ação penal em que a defesa não foi intimada da expedição da carta precatória para oitiva de testemunha de acusação, quando tal nulidade não foi arguida em sede de alegações finais, operando-se a preclusão. 2. Apesar da Súmula n.º 273, do STJ, exigir apenas que seja intimado o réu ou seu defensor por ocasião da expedição da precatória para oitiva de testemunhas, é cediço que a inquirição de qualquer testemunha é ato de instrução do processo, portanto, deve ser garantido ao réu o direito ao contraditório e à ampla defesa. 3. Prescreve o artigo 261, do Código de Processo Penal que: “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”, restando óbvio que a colheita de ato probatório sem que haja defensor para o réu – mesmo que nomeado ad hoc – não se sustenta como ato eficaz à luz do artigo 5.º, LV, da Constituição e da Súmula n.º 523 do STF. 4. Violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa que caracterizam o devido processo legal. 5. Ocorrência de nulidade absoluta à luz do disposto no artigo 564, III, c, do Código de Processo Penal. (TJ/PI – APR 201000010067653 PI – Rel. Des. Sebastião Ribeiro Martins – 2ª Câmara Especializada Criminal – Julgado em 18.12.2012) 3. CONCLUSÃO Face ao exposto, em dissonância com o parecer do Ministério Público Superior, acolho a preliminar arguida para anular o processo somente em relação ao apelante Raimundo Moreira da Silva Júnior, dando por validada no que tange ao outro acusado, Marcelo da Silva, absolvido com parecer favorável do Ministério Público oficiante na comarca. Destarte, a anulação incide a partir da audiência de instrução e julgamento, devendo outra ser realizada, precedida, evidentemente, da notificação de todos os que nela devam intervir. É como voto. D E C I S Ã O Como consta da ata de julgamento, a decisão foi a seguinte: ACORDAM os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, acolher a preliminar arguida para anular o processo a partir da audiência de instrução e julgamento, somente em relação ao apelante Raimundo Moreira da Silva Júnior, dando por validada no que tange ao outro acusado Marcelo da Silva, absorvido com parecer favorável do Ministério Público oficiante na Comarca, inclusive, devendo outra ser realizada, precedida, evidentemente, da notificação de todos os que nela devam intervir, em dissonância com o parecer do Ministério Público Superior. (TJPI | Apelação Criminal Nº 2014.0001.007820-6 | Relator: Des. José Francisco do Nascimento | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 25/03/2015 )
Decisão
Como consta da ata de julgamento, a decisão foi a seguinte: ACORDAM os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, acolher a preliminar arguida para anular o processo a partir da audiência de instrução e julgamento, somente em relação ao apelante Raimundo Moreira da Silva Júnior, dando por validada no que tange ao outro acusado Marcelo da Silva, absorvido com parecer favorável do Ministério Público oficiante na Comarca, inclusive, devendo outra ser realizada, precedida, evidentemente, da notificação de todos os que nela devam intervir, em dissonância com o parecer do Ministério Público Superior.

Data do Julgamento : 25/03/2015
Classe/Assunto : Apelação Criminal
Órgão Julgador : 1ª Câmara Especializada Criminal
Relator(a) : Des. José Francisco do Nascimento
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