TJPI 2015.0001.002625-9
APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESSO PENAL. NULIDADE DE PROVAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. DENÚNCIA ANÔNIMA. ALEGADA INVASÃO DE DOMICÍLIO. NÃO ACOLHIMENTO. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CORRUPÇÃO DE MENORES. CONCURSO MATERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA BASE NO MÍNIMO LEGAL. MINORANTE DE TRÁFICO PRIVILEGIADO. PERCENTUAL. QUANTIDADE DE DROGA. GRAU MÍNIMO. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. REGIME SEMIABERTO.
1 – A situação de flagrância é uma das expressas exceções expressas à inviolabilidade do domicílio, legitimando a intervenção policial e validando a apreensão e a prisão do autor, sobretudo no caso de crime permanente, como na espécie, de tráfico de drogas. Ademais, tratando-se de crime permanente, não há se falar em ilegalidade da prisão em flagrante por violação de domicílio, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI, autoriza a entrada da autoridade policial, seja durante o dia, seja durante a noite, independente da expedição de mandado judicial.
2 – No caso dos autos, os policiais somente se dirigiram à residência do apelante, localizada na rural daquele município, por conta das informações dadas pelos membros da própria comunidade, de que o local estava sendo utilizando para a disseminação de drogas. Destaque-se, a propósito, a validade de tais instrumentos de prova, sobretudo considerando o interesse da própria comunidade local em denunciar tais delitos, vez que é a primeira e mais intensamente atingida pela mercancia de drogas, mesmo porque fomenta outros delitos, como furtos e roubos. De fato, esta denunciação popular - sobretudo porque advinda da própria comunidade local, que detém a frontal e direta legitimidade na repressão aos crimes - é mais do que apta para justificar a intervenção policial, visando cessar o tráfico de drogas, cuja gravidade é inconteste.
3 - Ademais, o membro da comunidade local que se dispõe a denunciar a prática de tais delitos, notadamente de tráfico de drogas praticado por uma organização criminosa estruturada e altamente perigosa, como aparenta ser o caso, não o faz por bondade ou simpatia. Ele o faz, não raro correndo severos riscos de vida, visando contribuir para a paz e ordem sociais da sua comunidade, onde vive com sua família e pessoas próximas, o que impõe uma efetiva atuação e repressão de tais condutas pelos órgãos públicos de segurança e Justiça. Assim, não há que se falar em afronta à inviolabilidade do domicílio.
4 - A materialidade do delito de tráfico de drogas, imputado ao apelante e ao corréu, se encontra comprovada pelo auto de apreensão e apresentação, pelo auto de exame preliminar e pelo laudo definitivo de exame em substância entorpecente, indicando que a droga apreendida se constituía em maconha, uma parte já acondicionada em papelotes laminados e outra parte preparada para embalar. Acrescente-se ainda a presença da balança de precisão e ainda do rolo de papel-alumínio, petrechos usualmente utilizados na individualização e no acondicionamento da droga voltada à mercância, o que reforça a materialidade da conduta imputada, de tráfico de drogas, na modalidade “ter em depósito” e “guardar”, para fins de fornecimento para outrem.
5 - A autoria, por seu turno, está sobejamente demonstrada pelo auto do flagrante e pelas declarações colacionadas durante a instrução processual de primeiro grau, sobretudo pelo depoimento dos policiais que adentraram a residência, detalhando como o apelante e os comparsas, um dos quais um adolescente, tentaram fugir, sem sucesso. No ponto, acentuo que o depoimento dos policiais que participaram da prisão pode ser levado em consideração como prova auxiliar para a condenação, quando em harmonia com os demais elementos de prova coligidos aos autos e sobretudo quando a negativa de autoria do tráfico se encontra dissociada do restante do acervo probatório, como ocorre in casu.
6 - O tipo penal previsto no caput do artigo 33 da Lei 11.343/06 é crime de natureza múltipla ou de conteúdo variado e a prática de qualquer das condutas descritas no preceito primário da norma autoriza a condenação pelo crime de tráfico, nas penas de seu preceito secundário. O delito, em verdade, é de natureza permanente, preexistindo ao efetivo exercício da comercialização da ilícita mercadoria, integralizando-se a partir do instante em que o agente a tem consigo para fins de mercância.
7 - A materialidade e a autoria do delito de corrupção de menores, atribuído ao apelante e ao corréu, também se encontram demonstradas pelos mesmos documentos e depoimentos produzidos em juízo e ainda auto de apreensão de adolescente, que estava auxiliando o apelante e seu comparsa na embalagem das drogas encontradas. A propósito, é desnecessária qualquer comprovação de efetiva corrupção do menor, uma vez que se trata de delito formal, cujo bem jurídico tutelado pela norma visa, sobretudo, a impedir que o maior imputável induza ou facilite a inserção ou a manutenção do menor na esfera criminal. Súmula 500 do STJ.
8 - Ora, como cediço, o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime. Em relação ao tráfico de drogas, ainda devem ser consideradas, como preponderantes, as circunstâncias previstas no art. 42 da lei 11.343/06.
9 - O critério a ser utilizado para a escolha do percentual da minorante prevista no § 4 do art. 33 da Lei de Drogas não se relaciona aos elementos previstos no próprio dispositivo, mas sim à quantidade e à espécie de droga apreendida. Assim, a quantidade elevada de droga e sua natureza lesiva serão utilizadas ora como circunstâncias judiciais (art. 42) ora como fatores que, embora não impeçam a aplicação da causa de diminuição, serão tomados como parâmetro para definir o quantum da referida redução. Os dois delitos atribuídos ao apelante devem ser considerados praticados em concurso material, a fazer incidir a regra insculpida no art. 69 do CP.
10 - A segregação cautelar deverá ser mantida quando evidenciado o fumus comissi delicti e ainda presente o periculum libertatis, fundado no risco que o agente, em liberdade, possa criar à ordem pública/econômica ou à aplicação da lei penal. In casu, o juiz considerou que a liberdade do apelante representa riscos à garantia da ordem pública, notadamente considerando a dinâmica do evento criminoso, com o envolvimento de um adolescente e ainda pelo fato de o apelante utilizar a própria residência para o depósito, guarda e embalamento das drogas, visando sua comercialização.
11 – Apelação conhecida e provida parcialmente, para excluir a natureza da droga como circunstância judicial desfavorável e reduzir a pena privativa de liberdade definitiva do apelante BENEDITO RONILSON COSME para 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, e 500 (quinhentos) dias multa, mantendo a sentença vergastada em todos os seus demais termos, em desacordo com o parecer ministerial, que opinava pelo integral desprovimento.
(TJPI | Apelação Criminal Nº 2015.0001.002625-9 | Relator: Des. Edvaldo Pereira de Moura | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 02/02/2018 )
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESSO PENAL. NULIDADE DE PROVAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. DENÚNCIA ANÔNIMA. ALEGADA INVASÃO DE DOMICÍLIO. NÃO ACOLHIMENTO. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. CORRUPÇÃO DE MENORES. CONCURSO MATERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA BASE NO MÍNIMO LEGAL. MINORANTE DE TRÁFICO PRIVILEGIADO. PERCENTUAL. QUANTIDADE DE DROGA. GRAU MÍNIMO. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. REGIME SEMIABERTO.
1 – A situação de flagrância é uma das expressas exceções expressas à inviolabilidade do domicílio, legitimando a intervenção policial e validando a apreensão e a prisão do autor, sobretudo no caso de crime permanente, como na espécie, de tráfico de drogas. Ademais, tratando-se de crime permanente, não há se falar em ilegalidade da prisão em flagrante por violação de domicílio, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI, autoriza a entrada da autoridade policial, seja durante o dia, seja durante a noite, independente da expedição de mandado judicial.
2 – No caso dos autos, os policiais somente se dirigiram à residência do apelante, localizada na rural daquele município, por conta das informações dadas pelos membros da própria comunidade, de que o local estava sendo utilizando para a disseminação de drogas. Destaque-se, a propósito, a validade de tais instrumentos de prova, sobretudo considerando o interesse da própria comunidade local em denunciar tais delitos, vez que é a primeira e mais intensamente atingida pela mercancia de drogas, mesmo porque fomenta outros delitos, como furtos e roubos. De fato, esta denunciação popular - sobretudo porque advinda da própria comunidade local, que detém a frontal e direta legitimidade na repressão aos crimes - é mais do que apta para justificar a intervenção policial, visando cessar o tráfico de drogas, cuja gravidade é inconteste.
3 - Ademais, o membro da comunidade local que se dispõe a denunciar a prática de tais delitos, notadamente de tráfico de drogas praticado por uma organização criminosa estruturada e altamente perigosa, como aparenta ser o caso, não o faz por bondade ou simpatia. Ele o faz, não raro correndo severos riscos de vida, visando contribuir para a paz e ordem sociais da sua comunidade, onde vive com sua família e pessoas próximas, o que impõe uma efetiva atuação e repressão de tais condutas pelos órgãos públicos de segurança e Justiça. Assim, não há que se falar em afronta à inviolabilidade do domicílio.
4 - A materialidade do delito de tráfico de drogas, imputado ao apelante e ao corréu, se encontra comprovada pelo auto de apreensão e apresentação, pelo auto de exame preliminar e pelo laudo definitivo de exame em substância entorpecente, indicando que a droga apreendida se constituía em maconha, uma parte já acondicionada em papelotes laminados e outra parte preparada para embalar. Acrescente-se ainda a presença da balança de precisão e ainda do rolo de papel-alumínio, petrechos usualmente utilizados na individualização e no acondicionamento da droga voltada à mercância, o que reforça a materialidade da conduta imputada, de tráfico de drogas, na modalidade “ter em depósito” e “guardar”, para fins de fornecimento para outrem.
5 - A autoria, por seu turno, está sobejamente demonstrada pelo auto do flagrante e pelas declarações colacionadas durante a instrução processual de primeiro grau, sobretudo pelo depoimento dos policiais que adentraram a residência, detalhando como o apelante e os comparsas, um dos quais um adolescente, tentaram fugir, sem sucesso. No ponto, acentuo que o depoimento dos policiais que participaram da prisão pode ser levado em consideração como prova auxiliar para a condenação, quando em harmonia com os demais elementos de prova coligidos aos autos e sobretudo quando a negativa de autoria do tráfico se encontra dissociada do restante do acervo probatório, como ocorre in casu.
6 - O tipo penal previsto no caput do artigo 33 da Lei 11.343/06 é crime de natureza múltipla ou de conteúdo variado e a prática de qualquer das condutas descritas no preceito primário da norma autoriza a condenação pelo crime de tráfico, nas penas de seu preceito secundário. O delito, em verdade, é de natureza permanente, preexistindo ao efetivo exercício da comercialização da ilícita mercadoria, integralizando-se a partir do instante em que o agente a tem consigo para fins de mercância.
7 - A materialidade e a autoria do delito de corrupção de menores, atribuído ao apelante e ao corréu, também se encontram demonstradas pelos mesmos documentos e depoimentos produzidos em juízo e ainda auto de apreensão de adolescente, que estava auxiliando o apelante e seu comparsa na embalagem das drogas encontradas. A propósito, é desnecessária qualquer comprovação de efetiva corrupção do menor, uma vez que se trata de delito formal, cujo bem jurídico tutelado pela norma visa, sobretudo, a impedir que o maior imputável induza ou facilite a inserção ou a manutenção do menor na esfera criminal. Súmula 500 do STJ.
8 - Ora, como cediço, o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime. Em relação ao tráfico de drogas, ainda devem ser consideradas, como preponderantes, as circunstâncias previstas no art. 42 da lei 11.343/06.
9 - O critério a ser utilizado para a escolha do percentual da minorante prevista no § 4 do art. 33 da Lei de Drogas não se relaciona aos elementos previstos no próprio dispositivo, mas sim à quantidade e à espécie de droga apreendida. Assim, a quantidade elevada de droga e sua natureza lesiva serão utilizadas ora como circunstâncias judiciais (art. 42) ora como fatores que, embora não impeçam a aplicação da causa de diminuição, serão tomados como parâmetro para definir o quantum da referida redução. Os dois delitos atribuídos ao apelante devem ser considerados praticados em concurso material, a fazer incidir a regra insculpida no art. 69 do CP.
10 - A segregação cautelar deverá ser mantida quando evidenciado o fumus comissi delicti e ainda presente o periculum libertatis, fundado no risco que o agente, em liberdade, possa criar à ordem pública/econômica ou à aplicação da lei penal. In casu, o juiz considerou que a liberdade do apelante representa riscos à garantia da ordem pública, notadamente considerando a dinâmica do evento criminoso, com o envolvimento de um adolescente e ainda pelo fato de o apelante utilizar a própria residência para o depósito, guarda e embalamento das drogas, visando sua comercialização.
11 – Apelação conhecida e provida parcialmente, para excluir a natureza da droga como circunstância judicial desfavorável e reduzir a pena privativa de liberdade definitiva do apelante BENEDITO RONILSON COSME para 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, e 500 (quinhentos) dias multa, mantendo a sentença vergastada em todos os seus demais termos, em desacordo com o parecer ministerial, que opinava pelo integral desprovimento.
(TJPI | Apelação Criminal Nº 2015.0001.002625-9 | Relator: Des. Edvaldo Pereira de Moura | 1ª Câmara Especializada Criminal | Data de Julgamento: 02/02/2018 )Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer do presente recurso e DAR-LHE parcial provimento, para excluir da natureza da droga como circunstância judicial desfavorável e reduzir a pena privativa de liberdade definitiva do Apelante para 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, e 500 (quinhentos) dias-multa, mantendo-se a sentença vergastada em seus demais termos, em dissonância com o parecer do Ministério Público Superior.
Data do Julgamento
:
02/02/2018
Classe/Assunto
:
Apelação Criminal
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Especializada Criminal
Relator(a)
:
Des. Edvaldo Pereira de Moura
Mostrar discussão