TJPI 2016.0001.002185-0
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES. LEGITIMIDADE PASSIVA. FUNDAÇÃO PIAUÍ PREVIDÊNCIA. SUCESSORA OBRIGACIONAL DO ESTADO DO PIAUÍ NO TOCANTE AO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA JUDICIAL DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS NÃO PAGAS. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. REGIME JURÍDICO DOS TABELIÃES EXERCENTES DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO ANTES DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. SERVIDORES PÚBLICOS EQUIPARADOS. VINCULAÇÃO AO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO RPPS ATÉ A EC Nº 20/98. AUSÊNCIA DE OPÇÃO PELA VINCULAÇÃO AO REGIME PREVIDENCIÁRIO GERAL. PRECEDENTES DO STJ. REGRA DA PARIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. DIFERENÇA ENTRE PARIDADE E EQUIPARAÇÃO SALARIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam do Estado do Piauí, já que a pretensão exercida pelas Apelantes tem natureza previdenciária e, na vigência da Lei Estadual nº 6.673/2015, a ele competia as obrigações relacionadas Fundo Estadual do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos, no que foi sucedido pela Fundação Piauí Previdência, após a edição da Lei Estadual nº 6.910/2016.
2. Qualquer pretensão que seja formulada contra a fazenda pública está sujeita a prazo prescricional de 5 (cinco) anos, em decorrência do disposto nos arts. 1º do Decreto 20.910/32 e 2º do Decreto-lei 4.597/42. Entretanto, a incidência deste prazo ocorrerá de modo diferente a depender se a pretensão diz respeito a prestações de trato sucessivo, ou se, de outro modo, decorre de ato denegatório da administração. No primeiro caso, em que há omissão da administração quanto ao pagamento de prestações de trato sucessivo, ou quando a administração se omite de se pronunciar sobre requerimento da parte interessada quanto ao pagamento desta parcela, incide a Súmula 85 do STJ – segundo a qual “nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação”. Já no segundo, em que a administração nega, expressa e formalmente, o pleito da parte, a violação do direito decorre de ato único, que faz surgir a pretensão e dá início à contagem do prazo prescricional quinquenal. Precedentes do STJ e da 3ª Câmara Especializada Cível.
3. In casu, mesmo havendo diferença entre a forma de contagem do prazo prescricional em relação a cada uma das Apelantes, já que uma parte delas formulou pedido administrativo de revisão de suas pensões previdenciárias, mas a outra não, em nenhum dos casos ficou caraterizada a prescrição.
4. Ao ser promulgada, a CF/88 operou profunda modificação quanto ao regime jurídico dos notários e registradores, passando a dispor que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”, com “fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”, na forma da lei, e ingresso na atividade a partir de “concurso público de provas e títulos” (art. 236). Por outro lado, no momento que antecede a promulgação da Constituição Federal de 1988, os serviços que já eram prestados pelos titulares de serventias não foram automaticamente privatizados com a vigência do texto constitucional, pois o constituinte originário incluiu o art. 32 no ADCT, que afasta a incidência do art. 236 da CF quanto aos cartórios já oficializados, antes da promulgação da Constituição. Isso assegura aos notários e registradores oficializados (estatizados) até 05 de outubro de 1988 (data da publicação da CF/88, no DOU), o direito de permanecer sob a regência das disposições normativas anteriores, ou seja, equiparados a servidores públicos.
5. Ao regulamentar os arts. 236 da CF/88 e 32 do ADCT, no que pertine à esfera previdenciária, a Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) também previu o direito adquirido daqueles que já exerciam os serviços notariais e de registro de perceberem seus proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipulada, nos termos de seus arts. 40, caput e parágrafo único, e 51, caput §3º.
6. Como já reconheceu o STF (no julgamento da Petição 2.890-2/SP, em 26/03/2003, voto da Min. Ellen Gracie), somente após a aprovação da EC nº 20/1998, houve a exclusão dos notários e registradores oficializados do âmbito de aplicação das normas constitucionais relativas ao regime próprio de previdência social, já que a redação original do art. 40, caput, da CF/88, aludia, genericamente a “servidor” mas, com a vigência da referida EC, adotou-se a expressão “servidores titulares de cargos efetivos”, mais restritiva que a primeira.
7. Com base nos precedentes do STJ, conclui-se que os notários e registradores oficializados são equiparados a servidores públicos e têm direito adquirido à manutenção de seu regime previdenciário anterior, desde que a) tenham ingressado na atividade antes da promulgação da CF/88; b) até a data da vigência da EC nº 20/98, tenham implementado os requisitos para concessão de benefício previdenciário do regime próprio de previdência; e c) não tenham optado por migrar ao regime previdenciário geral, como ocorreu no caso das Apelantes.
8. A concessão de benefícios previdenciários dos servidores públicos, no período em que ocorreu a das pensões das Apelantes, devem obedecer à regra da paridade entre ativos e inativos, segundo a qual as vantagens conferidas aos ativos de uma determinada categoria deveriam também ser estendidas automaticamente aos aposentados e pensionistas, na forma dos art. 40, § 4º, na redação original da CF/88, e do art. 40, § 8º, na redação posterior à EC nº 20/98, a qual só veio a ser extinta posteriormente com a EC nº 41/2003, ressalvados os direitos adquiridos.
9. No caso em julgamento, a aplicação da regra de paridade decorre do direito adquirido das Apelantes ao regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais (art. 7º da EC nº 41/2003) e, por isso mesmo, não importa em violação do art. 37, XIII, da CF/88, pelo qual “é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”. Até mesmo porque, a isonomia ou paridade são garantias constitucionais de igualdade de espécies remuneratórias entre cargos de atribuições iguais ou assemelhados, que não se confundem com a equiparação de vencimentos (comparação de cargos de denominação e atribuições diversas, considerando-os iguais para fins de se lhes conferirem os mesmos vencimentos), que, ao contrário daquelas, é inclusive vedada pela CF/88 (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p 671-672).
10. Recurso conhecido e provido.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2016.0001.002185-0 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 22/02/2017 )
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES. LEGITIMIDADE PASSIVA. FUNDAÇÃO PIAUÍ PREVIDÊNCIA. SUCESSORA OBRIGACIONAL DO ESTADO DO PIAUÍ NO TOCANTE AO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA JUDICIAL DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS NÃO PAGAS. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. REGIME JURÍDICO DOS TABELIÃES EXERCENTES DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO ANTES DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. SERVIDORES PÚBLICOS EQUIPARADOS. VINCULAÇÃO AO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO RPPS ATÉ A EC Nº 20/98. AUSÊNCIA DE OPÇÃO PELA VINCULAÇÃO AO REGIME PREVIDENCIÁRIO GERAL. PRECEDENTES DO STJ. REGRA DA PARIDADE. DIREITO ADQUIRIDO. DIFERENÇA ENTRE PARIDADE E EQUIPARAÇÃO SALARIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam do Estado do Piauí, já que a pretensão exercida pelas Apelantes tem natureza previdenciária e, na vigência da Lei Estadual nº 6.673/2015, a ele competia as obrigações relacionadas Fundo Estadual do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos, no que foi sucedido pela Fundação Piauí Previdência, após a edição da Lei Estadual nº 6.910/2016.
2. Qualquer pretensão que seja formulada contra a fazenda pública está sujeita a prazo prescricional de 5 (cinco) anos, em decorrência do disposto nos arts. 1º do Decreto 20.910/32 e 2º do Decreto-lei 4.597/42. Entretanto, a incidência deste prazo ocorrerá de modo diferente a depender se a pretensão diz respeito a prestações de trato sucessivo, ou se, de outro modo, decorre de ato denegatório da administração. No primeiro caso, em que há omissão da administração quanto ao pagamento de prestações de trato sucessivo, ou quando a administração se omite de se pronunciar sobre requerimento da parte interessada quanto ao pagamento desta parcela, incide a Súmula 85 do STJ – segundo a qual “nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação”. Já no segundo, em que a administração nega, expressa e formalmente, o pleito da parte, a violação do direito decorre de ato único, que faz surgir a pretensão e dá início à contagem do prazo prescricional quinquenal. Precedentes do STJ e da 3ª Câmara Especializada Cível.
3. In casu, mesmo havendo diferença entre a forma de contagem do prazo prescricional em relação a cada uma das Apelantes, já que uma parte delas formulou pedido administrativo de revisão de suas pensões previdenciárias, mas a outra não, em nenhum dos casos ficou caraterizada a prescrição.
4. Ao ser promulgada, a CF/88 operou profunda modificação quanto ao regime jurídico dos notários e registradores, passando a dispor que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”, com “fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”, na forma da lei, e ingresso na atividade a partir de “concurso público de provas e títulos” (art. 236). Por outro lado, no momento que antecede a promulgação da Constituição Federal de 1988, os serviços que já eram prestados pelos titulares de serventias não foram automaticamente privatizados com a vigência do texto constitucional, pois o constituinte originário incluiu o art. 32 no ADCT, que afasta a incidência do art. 236 da CF quanto aos cartórios já oficializados, antes da promulgação da Constituição. Isso assegura aos notários e registradores oficializados (estatizados) até 05 de outubro de 1988 (data da publicação da CF/88, no DOU), o direito de permanecer sob a regência das disposições normativas anteriores, ou seja, equiparados a servidores públicos.
5. Ao regulamentar os arts. 236 da CF/88 e 32 do ADCT, no que pertine à esfera previdenciária, a Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) também previu o direito adquirido daqueles que já exerciam os serviços notariais e de registro de perceberem seus proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipulada, nos termos de seus arts. 40, caput e parágrafo único, e 51, caput §3º.
6. Como já reconheceu o STF (no julgamento da Petição 2.890-2/SP, em 26/03/2003, voto da Min. Ellen Gracie), somente após a aprovação da EC nº 20/1998, houve a exclusão dos notários e registradores oficializados do âmbito de aplicação das normas constitucionais relativas ao regime próprio de previdência social, já que a redação original do art. 40, caput, da CF/88, aludia, genericamente a “servidor” mas, com a vigência da referida EC, adotou-se a expressão “servidores titulares de cargos efetivos”, mais restritiva que a primeira.
7. Com base nos precedentes do STJ, conclui-se que os notários e registradores oficializados são equiparados a servidores públicos e têm direito adquirido à manutenção de seu regime previdenciário anterior, desde que a) tenham ingressado na atividade antes da promulgação da CF/88; b) até a data da vigência da EC nº 20/98, tenham implementado os requisitos para concessão de benefício previdenciário do regime próprio de previdência; e c) não tenham optado por migrar ao regime previdenciário geral, como ocorreu no caso das Apelantes.
8. A concessão de benefícios previdenciários dos servidores públicos, no período em que ocorreu a das pensões das Apelantes, devem obedecer à regra da paridade entre ativos e inativos, segundo a qual as vantagens conferidas aos ativos de uma determinada categoria deveriam também ser estendidas automaticamente aos aposentados e pensionistas, na forma dos art. 40, § 4º, na redação original da CF/88, e do art. 40, § 8º, na redação posterior à EC nº 20/98, a qual só veio a ser extinta posteriormente com a EC nº 41/2003, ressalvados os direitos adquiridos.
9. No caso em julgamento, a aplicação da regra de paridade decorre do direito adquirido das Apelantes ao regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais (art. 7º da EC nº 41/2003) e, por isso mesmo, não importa em violação do art. 37, XIII, da CF/88, pelo qual “é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”. Até mesmo porque, a isonomia ou paridade são garantias constitucionais de igualdade de espécies remuneratórias entre cargos de atribuições iguais ou assemelhados, que não se confundem com a equiparação de vencimentos (comparação de cargos de denominação e atribuições diversas, considerando-os iguais para fins de se lhes conferirem os mesmos vencimentos), que, ao contrário daquelas, é inclusive vedada pela CF/88 (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p 671-672).
10. Recurso conhecido e provido.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2016.0001.002185-0 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 22/02/2017 )Decisão
DECISÃO: Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer da presente Apelação Cível, para reconhecer a legitimidade passiva da Fundação Piauí Previdência, sucessora obrigacional do Estado do Piauí, por força da Lei nº 6.910/2016, no tocante à previdência dos servidores públicos estaduais, e afastar a ocorrência de prescrição parcial, e, no mérito, dar provimento ao recurso, para reformar a sentença de primeiro grau, diante da equiparação das Apelantes a servidores públicas, vinculadas ao regime próprio de previdência social do Estado do Piauí, já que, em razão de atividade notarial e de registro oficializada e prestado desde antes da promulgação da CF/88, demonstraram terem cumprido os requisitos legais para a obtenção de suas aposentadorias e pensões anteriormente à vigência da EC nº 20/1998, na forma da jurisprudência do STF e do STJ, e terem direito adquirido à regra de paridade com o cargo de “Escrivão Judicial, Nível 15, Referência III”; condenando, assim, o Estado do Piauí a incorporar aos proventos das Apelantes as vantagens decorrentes da Lei Estadual nº 6.275/2013, bem como a complementar as diferenças remuneratórias vencidas e pagas a menor, após a vigência desta lei, nos termos do voto do Relator.
Data do Julgamento
:
22/02/2017
Classe/Assunto
:
Apelação Cível
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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