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Jurisprudência


TJPI 2016.0001.004097-2

Ementa
CIVIL. CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL DO BANCO. APELAÇÃO CÍVEL DO AUTOR. EMPRÉSTIMO. IDOSO. CONTRATO ASSINADO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. EFEITO MATERIAL DA REVELIA AFASTADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 221, DO CC. CONFIGURADA REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. CORREÇÃO E JUROS DE MORA COM BASE NA TAXA SELIC. RECURSO DO BANCO CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO DO AUTOR CONHECIDO E PROVIDO. 1. Quanto à Apelação do Autor, não houve pagamento do preparo no recurso de Apelação, mas, ao lado disso, este requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita nos seus pedidos recursais, que passo a analisar conforme as provas dos autos. 2. Assim, importante ressaltar o que determina a L 1.060/50, que regulava a assistência judiciária gratuita à época da interposição do recurso: Art. 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei. Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986) (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência); § 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. (Redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986) (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência). 3. Pelo que se observa, os dispositivos transcritos foram revogados pelo CPC/15, que alargou as possibilidades de concessão e confirmou a jurisprudência dominante para permitir que seja formulado no próprio recurso, e apreciado em sede recursal, o pedido de gratuidade, conforme art. 99, §§ 3º e 7º do CPC/2015.Desse modo, com vista a garantir o acesso ao judiciário, defiro a gratuidade de justiça requerida pelo Autor. 4. Cumpre enfrentar a alegação do Autor de que o Banco Réu é revel, em razão de a assinatura do substabelecimento, apresentado junto à peça de contestação, ter se dado de forma escaneada/digitalizada. 5. Acerca do alegado, a jurisprudência pátria é uníssona em considerar a irregularidade de representação quando constatado que o substabelecimento que confere poderes ao subscritor de peça jurídica contém assinatura digitalizada – que não se confunde com assinatura digital, cuja autenticidade e validade são garantidas por meio de certificados de segurança digital. 6. Todavia, há de se considerar que:- a um, o referido vício é “sanável e, uma vez sanado, deve a irregularidade ser afastada” (TJPI | Apelação Cível Nº 2013.0001.003681-5 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 09/12/2015);- a dois, em momento algum da instrução processual, tanto no primeiro quanto no segundo grau, foi oportunizado ao causídico do Banco Réu a regularizar a representação; - a três, o art. 938, § 1º do CPC/15 possibilita ao Relator que, “constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes”;- a quatro, o efeito material da revelia, qual seja, a presunção de veracidade das alegações de fato formuladas pelo autor, não ocorre nas hipóteses do art. 345 do CPC/15, a saber: “I – havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato; IV – as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.”. 7. Dessa forma, com base no exposto, mesmo acolhendo a preliminar de revelia do Banco Réu, afasto a incidência do seu efeito material quanto à presunção de veracidade das alegações de fato do Autor, ao tempo em que íntimo, com a publicação do acórdão deste julgamento, o causídico do Banco Réu a regularizar o referido vício no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de não serem admitidas futuras manifestações subscritas por esse advogado. 8. Inicialmente, cumpre mencionar que os requisitos para a validade do negócio jurídico estão descritos no art. 104 do CC se restringem à agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. 9. O analfabetismo não induz presunção de incapacidade relativa ou total da pessoa, consoante se denota dos artigos 3º e 4º do Código Civil. 10. Mesmo porque, a incapacidade ou redução da capacidade de leitura não impede o analfabeto de exprimir sua vontade, nem mesmo de praticar os atos da vida civil, incluindo, a celebração de contrato. Com o empréstimo bancário não seria diferente, pois, se assim o fosse, estar-se-ia tolhendo o direito de contratação por agente capaz, pelo simples fato de não saber ler e escrever. Em suma, o analfabeto não é incapaz no sentido legal, logo, não está impedido de contratar. 11. O art. 54, parágrafo 3º, do CDC prescreve que “os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.” 12.Isso leva à fácil compreensão de que o analfabeto merece uma maior proteção, de modo a permitir que o contratante conheça de forma clara as implicações da negociação, haja vista sua condição de maior vulnerabilidade em detrimento dos demais consumidores. 13.Assim, vem se consolidando o entendimento na doutrina e jurisprudência de que o negócio jurídico celebrado com pessoa analfabeta só é válido mediante procuração pública, considerando referida exigência como essencial para a validade do negócio, o que resulta a nulidade do negócio jurídico, caso descumprida tal solenidade, nos termos do art. 166, V do CC. 13.O art. 221, do Código Civil dispõe que “o instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público”. 14.Na espécie, verifico, através da cópia do contrato acostada pelo Banco às fls. 226/230, que se trata de contrato de empréstimo, no qual consta a suposta assinatura do contratante. Ocorre que, compulsando os autos, verifico que a conta bancária do Autor é uma conta benefício, utilizada única e exclusivamente para o recebimento no benefício do INSS, no valor de um salário mínimo, de modo que, seria extremamente improvável a contratação de dois empréstimos que totalizam o vultoso valor de R$18.000,00 (dezoito mil reais). 15.Logo, ante o evidente indício de fraude à lei imperativa e a ausência de consentimento do Autor, o referido contrato é nulo, razão pela qual deverá o banco apelado devolver o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante. 16.Quanto ao pedido de restituição do indébito em dobro, com fulcro no art. 42 do CDC, em razão do ato praticado pela instituição financeira de cobrar empréstimo, com base em contrato nulo, a Corte Superior de Justiça consolidou entendimento de que para que haja a condenação em repetição do indébito, faz-se necessária a demonstração da má-fé. 14. Como se trata de contrato nulo, eis que celebrado sem a observância das formalidades necessárias ao ato, uma vez que, em se tratando de analfabeto, exige-se escritura pública para dar validade ao negócio jurídico, tem-se por intencional a conduta do banco em autorizar empréstimo com base em contrato nulo, gerando descontos nos proventos de aposentadoria da parte autora/apelada, sem o consentimento da parte contratante, configurando, nesse caso, a má-fé da instituição financeira. 15. Desse modo, caracterizada a má-fé na conduta do banco em autorizar descontos, sem o real consentimento da parte contratante, já que o contrato não se reveste das formalidades necessárias, sendo, portanto, nulo, condeno o banco na repetição do indébito das parcelas descontadas indevidamente. 16.No que se refere aos danos morais, evidente a incidência na hipótese e, por consequência, presente o dever de indenizar. A verba indenizatória a título de danos morais deve ser fixada tendo em vista dois parâmetros: o caráter compensatório para a vítima e o caráter punitivo para o causador do dano. 17.Ou seja, o valor indenizatório deve atender aos fins a que se presta a indenização, considerando as peculiaridades de cada caso concreto, de modo a evitar que se converta em enriquecimento injusto da vítima, ou ainda, que o valor seja tão ínfimo, que se torne inexpressivo. 18.Segundo dispõe o art. 944 do Código Civil, “a indenização mede-se pela extensão do dano”. 19.A extensão do dano, por sua vez, é medida considerando o bem ou interesse jurídico lesado, a gravidade do dano, e a duração do dano. 20.Na espécie, a apelante sobrevive de renda mínima da previdência social, teve reduzido o valor do seu benefício previdenciário, o que lhe acarretou redução do seu poder de compra, ou seja, alterou sobremaneira a sua renda básica, de caráter alimentar, cuja gravidade interferiu na sua subsistência. 21.Em casos semelhantes, este Egrégio Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de ser razoável a fixação do valor da indenização por danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais), conforme os seguintes precedentes: Apelação Cível Nº 2014.0001.009270-7, Relator: Des. Hilo de Almeida Sousa, 3ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 07/03/2018; Apelação Cível Nº 2017.0001.001556-8, Relator: Des. Hilo de Almeida Sousa, 3ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 21/06/2017; Apelação Cível Nº 2013.0001.005155-5, Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho, 3ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 06/04/2018; Apelação Cível Nº 2017.0001.012474-6, Relator: Des. Raimundo Nonato da Costa Alencar, 4ª Câmara Especializada Cível, Data de Julgamento: 13/03/2018. 22.Assim, considerando as particularidades do caso concreto, e o parâmetro já adotado nos julgados desta corte, condeno a instituição financeira ao pagamento de danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia razoável e adequada, não implicando ônus excessivo ao réu, tampouco enriquecimento sem causa à demandante, devidamente atualizado com juros e correção monetária. 23. Esclareço, por fim, que, seguindo a mesma orientação do STJ, a correção monetária e juros de mora deverão ser calculados com base na taxa SELIC, nos termos do art. 406 do CC. 24. Vale ressaltar que a taxa SELIC deve ser aplicada tanto para os danos materiais como morais, a título de correção monetária e juros de mora, sendo que para os danos materiais, aplica-se a partir da data da citação (art. 405 do Código Civil); e, no tocante aos danos morais, adota-se a partir da data do arbitramento, porque só a partir de então se configura a mora. Isto é, só então a obrigação de reparar se torna certa, líquida e exigível. 25. Assim, não se poderia aplicar, por exemplo, sobre o dano moral, correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora a partir do evento danoso, já que a citada taxa SELIC já engloba ambas as modalidades. Por isso, inaplicável à espécie, o verbete sumular nº 54 do STJ, conforme já votado por esta 3ª Câmara Especializada Cível, em voto de minha relatoria. 26. Assim, determino a aplicação da TAXA SELIC no cálculo dos danos materiais e morias, quanto aos danos materiais, deve incidir a partir da citação (art. 405 do CC), quanto os danos morais, a partir do arbitramento, consoante entendimento do STJ, e como na referida taxa, já estão embutidos correção monetária e juros de mora legais, não se pode aplicá-los em momentos distintos, sendo incompatível a aplicação simultânea dos enunciados n. 54 e 362 da Súmula do STJ, porque cada uma delas impõe diferentes termos iniciais para correção monetária e juros de mora. 27.Saliento, por fim, que deixo de fixar honorários recursais, porque “somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento (…), na forma do art. 85, § 11, do novo CPC.” (Enunciado Administrativo nº 07 do STJ). 28.Recurso do Banco conhecido e improvido. Recurso do Autor conhecido e provido. (TJPI | Apelação Cível Nº 2016.0001.004097-2 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 01/08/2018 )
Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer da Apelação Cível do Banco e negar-lhe provimento. Ao passo que conhecem da Apelação Cível do Autor para dar-lhe provimento, no sentido de reformar a sentença para: i) mesmo acolhendo a preliminar de revelia do Banco Réu, afastar a incidência do seu efeito material quanto à presunção de veracidade das alegações de fato do Autor, ao tempo em que intimam, com a publicação do acórdão deste julgamento, o causídico do Banco Réu a regularizar o referido vício no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de não serem admitidas futuras manifestações subscritas por esse advogado; ii) condenar o Banco Réu em danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), com incidência de juros e correção monetária, cujo índice a ser aplicado deverá ser a TAXA SELIC (que já engloba ambos), para os danos morais, a partir do arbitramento, porque só a partir de então se configura a mora, consoante entendimento do STJ. Prevalência do termo inicial indicado no enunciado nº 362 da Súmula do STJ. Inaplicabilidade do verbete sumular n. 54 do STJ. Ademas, deixam de arbitrar honorários advocatícios recursais, conforme o Enunciado Administrativo nº 07 do STJ, na forma do voto do Relator.

Data do Julgamento : 01/08/2018
Classe/Assunto : Apelação Cível
Órgão Julgador : 3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a) : Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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