TJPI 2017.0001.002433-8
apELAção CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO Declaratória de nulidade/inexistência de relação contratual c/c repetição de indébito e indenização por danos morais. A Validade do negócio jurídico celebrado com analfabeto depende de procuração pública. Inexistindo o referido instrumento público o contrato é nulo. É devida a Restituição dos valores descontados do benefício previdenciário. Todavia, devem ser compensados com os valores repassados pelo banco a título de empréstimo. Repetição do indébito calculada apenas sobre o saldo credor. Danos morais concedidos. recurso conhecido e provido.
1. Os requisitos para a validade do negócio jurídico descritos no art. 104 do CPC se restringem à: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.
2. O analfabetismo não induz em presunção de incapacidade relativa ou total da pessoa, consoante se denota dos artigos 3º e 4º do Código Civil.
3. Mesmo porque, a incapacidade ou redução da capacidade de leitura não impede o analfabeto de exprimir sua vontade, nem mesmo de praticar os atos da vida civil, incluindo, a celebração de contrato.
4. Com o empréstimo bancário não seria diferente, pois, se assim o fosse, estar-se-ia tolhendo o direito de contratação por agente capaz, pelo simples fato de não saber ler e escrever.
5. Em suma, o analfabeto não é incapaz no sentido legal, logo, não está impedido de contratar.
6. Quanto ao objeto, a hipótese dos autos se refere a empréstimo bancário, mediante desconto em benefício previdenciário, cuja celebração da avença ocorre por meio de contrato de mútuo celebrado com instituição financeira, mediante aplicação de juros e correção monetária, conforme previsão contida no CC, arts. 586.
7. Apenas a título de esclarecimento, frise-se que a norma contida no art. 591 do CC, que presume devidos os juros e capitalização anual não se aplica aos empréstimos bancários, conforme decidido em sede de Recurso Repetitivo.
8. Desse modo, verifico que o objeto é lítico, possível e determinado.
9. No tocante à formalização do contrato, reafirmo o entendimento já consolidado pela Súmula 297 do STJ de que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
10. O art. 54, parágrafo 3º, do CDC prescreve que \"os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.\"
11. Isso nos leva à fácil compreensão de que o analfabeto merece uma maior proteção, de modo a permitir que o contratante conheça de forma clara as implicações da negociação, haja vista sua condição de maior vulnerabilidade em detrimento dos demais consumidores.
12. Assim vem se consolidando o entendimento na doutrina e jurisprudência de que o negócio jurídico celebrado com pessoa analfabeta só é válido se mediante procuração pública, considerando referida exigência como essencial para a validade do negócio, e torna nulo o negócio jurídico se descumprida tal solenidade, nos termos do art. 166, V, do CC.
13. Na espécie, verifico através da cópia do contrato acostada pelo Banco, que se trata de contrato de empréstimo, no qual só consta a suposta digital da contratante e assinatura de duas testemunhas, não havendo nos autos a comprovação de que o negócio foi celebrado por escritura pública ou, ainda, por meio de procurador constituído através de instrumento público.
14. Logo, o referido contrato é nulo, razão pela qual deverá o banco apelado devolver o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante.
15. É devida a restituição do indébito em dobro, posto que o ato praticado pela instituição financeira de cobrar empréstimo, com base em contrato nulo, eis que não atendidas as exigências para sua formalização, afronta o direito do consumidor, e, nesse caso, deve devolver em dobro, os valores descontados, na forma do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.
16. Em contrapartida, o banco informa que efetuou o repasse do valor do empréstimo através de TED, na conta de titularidade do apelante, valor este que deverá ser compensado, e, em havendo saldo em favor do credor, sobre este que será aplicado a repetição do indébito, sob pena de enriquecimento ilícito, já que não há nos autos comprovação a respeito da devolução do crédito.
17. No que se refere aos danos morais, evidente a incidência na hipótese e, por consequência, presente o dever de indenizar.
18. A verba indenizatória a título de danos morais deve ser fixada tendo em vista dois parâmetros: o caráter compensatório para a vítima e o caráter punitivo para o causador do dano.
19. A parte apelante sobrevive de renda mínima da previdência social, teve reduzido o valor do seu benefício previdenciário, o que lhe acarretou redução do seu poder de compra, ou seja, alterou sobremaneira a sua renda básica, de caráter alimentar, cuja gravidade interferiu na sua subsistência.
20. Assim, considerando as particularidades do caso concreto, e o parâmetro já adotado nos julgados desta corte, a condenação de danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia razoável e adequada, não implicando ônus excessivo ao réu, tampouco enriquecimento sem causa à demandante, devidamente atualizado com juros e correção monetária na forma da lei.
21. Apelação conhecida e provida.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2017.0001.002433-8 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 08/11/2017 )
Ementa
apELAção CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO Declaratória de nulidade/inexistência de relação contratual c/c repetição de indébito e indenização por danos morais. A Validade do negócio jurídico celebrado com analfabeto depende de procuração pública. Inexistindo o referido instrumento público o contrato é nulo. É devida a Restituição dos valores descontados do benefício previdenciário. Todavia, devem ser compensados com os valores repassados pelo banco a título de empréstimo. Repetição do indébito calculada apenas sobre o saldo credor. Danos morais concedidos. recurso conhecido e provido.
1. Os requisitos para a validade do negócio jurídico descritos no art. 104 do CPC se restringem à: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.
2. O analfabetismo não induz em presunção de incapacidade relativa ou total da pessoa, consoante se denota dos artigos 3º e 4º do Código Civil.
3. Mesmo porque, a incapacidade ou redução da capacidade de leitura não impede o analfabeto de exprimir sua vontade, nem mesmo de praticar os atos da vida civil, incluindo, a celebração de contrato.
4. Com o empréstimo bancário não seria diferente, pois, se assim o fosse, estar-se-ia tolhendo o direito de contratação por agente capaz, pelo simples fato de não saber ler e escrever.
5. Em suma, o analfabeto não é incapaz no sentido legal, logo, não está impedido de contratar.
6. Quanto ao objeto, a hipótese dos autos se refere a empréstimo bancário, mediante desconto em benefício previdenciário, cuja celebração da avença ocorre por meio de contrato de mútuo celebrado com instituição financeira, mediante aplicação de juros e correção monetária, conforme previsão contida no CC, arts. 586.
7. Apenas a título de esclarecimento, frise-se que a norma contida no art. 591 do CC, que presume devidos os juros e capitalização anual não se aplica aos empréstimos bancários, conforme decidido em sede de Recurso Repetitivo.
8. Desse modo, verifico que o objeto é lítico, possível e determinado.
9. No tocante à formalização do contrato, reafirmo o entendimento já consolidado pela Súmula 297 do STJ de que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
10. O art. 54, parágrafo 3º, do CDC prescreve que \"os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.\"
11. Isso nos leva à fácil compreensão de que o analfabeto merece uma maior proteção, de modo a permitir que o contratante conheça de forma clara as implicações da negociação, haja vista sua condição de maior vulnerabilidade em detrimento dos demais consumidores.
12. Assim vem se consolidando o entendimento na doutrina e jurisprudência de que o negócio jurídico celebrado com pessoa analfabeta só é válido se mediante procuração pública, considerando referida exigência como essencial para a validade do negócio, e torna nulo o negócio jurídico se descumprida tal solenidade, nos termos do art. 166, V, do CC.
13. Na espécie, verifico através da cópia do contrato acostada pelo Banco, que se trata de contrato de empréstimo, no qual só consta a suposta digital da contratante e assinatura de duas testemunhas, não havendo nos autos a comprovação de que o negócio foi celebrado por escritura pública ou, ainda, por meio de procurador constituído através de instrumento público.
14. Logo, o referido contrato é nulo, razão pela qual deverá o banco apelado devolver o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante.
15. É devida a restituição do indébito em dobro, posto que o ato praticado pela instituição financeira de cobrar empréstimo, com base em contrato nulo, eis que não atendidas as exigências para sua formalização, afronta o direito do consumidor, e, nesse caso, deve devolver em dobro, os valores descontados, na forma do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.
16. Em contrapartida, o banco informa que efetuou o repasse do valor do empréstimo através de TED, na conta de titularidade do apelante, valor este que deverá ser compensado, e, em havendo saldo em favor do credor, sobre este que será aplicado a repetição do indébito, sob pena de enriquecimento ilícito, já que não há nos autos comprovação a respeito da devolução do crédito.
17. No que se refere aos danos morais, evidente a incidência na hipótese e, por consequência, presente o dever de indenizar.
18. A verba indenizatória a título de danos morais deve ser fixada tendo em vista dois parâmetros: o caráter compensatório para a vítima e o caráter punitivo para o causador do dano.
19. A parte apelante sobrevive de renda mínima da previdência social, teve reduzido o valor do seu benefício previdenciário, o que lhe acarretou redução do seu poder de compra, ou seja, alterou sobremaneira a sua renda básica, de caráter alimentar, cuja gravidade interferiu na sua subsistência.
20. Assim, considerando as particularidades do caso concreto, e o parâmetro já adotado nos julgados desta corte, a condenação de danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia razoável e adequada, não implicando ônus excessivo ao réu, tampouco enriquecimento sem causa à demandante, devidamente atualizado com juros e correção monetária na forma da lei.
21. Apelação conhecida e provida.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2017.0001.002433-8 | Relator: Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 08/11/2017 )Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer da presente Apelação Cível e dar-lhe provimento, para reformar a sentença e: i) decretar a nulidade do contrato nº 237721039, eis que celebrado por analfabeto, sem escritura pública, ou, ainda, por meio de procurador constituído através de instrumento público; ii) condenar o banco apelado a restituir, em dobro, o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário da parte apelante, nos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC, deduzidos dessa quantia o crédito por ela percebido e devidamente comprovado pelo banco; iii) condenar o banco apelado em danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais), com incidência de juros e correção monetária, na forma da lei, mantendo, no entanto, o deferimento da gratuidade de justiça à parte autora, nos termos do voto do relator.
Data do Julgamento
:
08/11/2017
Classe/Assunto
:
Apelação Cível
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Francisco Antônio Paes Landim Filho
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