TJPI 2018.0001.003960-7
CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO JULGADA IMPROCEDENTE. ANALFABETISMO. COMPROVAÇÃO. EXIGÊNCIA DE FORMA ESPECÍFICA. INSTRUMENTO PÚBLICO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. NULIDADE. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. CONFIGURAÇÃO. ART. 14 DO CDC. DESCONTOS MENSAIS NOS PROVENTOS DO APELANTE. ILEGALIDADE. RESTITUIÇÃO DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. OBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. PARÂMETROS LEGAIS E DE EQUIDADE. NULIDADE. RESTABELECIMENTO DO STATUS QUO ANTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO REPASSE DO VALOR CONTRATADO. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I- É incabível a modificação da causa de pedir após a citação do réu, em sede de réplica, de modo que, in casu, a lide cinge-se ao fundamento de nulidade contratual, por inobservância da devida forma para a contratação com analfabetos, qual seja, a celebração por meio de instrumento público.
II- Reconhece-se, ainda, a presença de típica relação de consumo entre as partes, de acordo com o teor do Enunciado nº 297, da Súmula do STJ, razão por que se deve conceder a inversão do ônus probatório, nos moldes do art. 6º, VIII, do CDC.
III- Na sentença recorrida, o Magistrado de piso, mesmo considerando o apelante pessoa analfabeta, julgou válido o contrato celebrado, fundamentando-se na desnecessidade de observância de forma específica para a contratação com analfabetos, qual seja, a veiculação por meio de instrumento público, indo de encontro à posição doutrinária majoritária, assim como à jurisprudência amplamente dominante, inclusive deste TJPI.
IV- Com efeito, é fato inconteste que o Apelante é analfabeto, podendo-se extrair da própria cédula de identidade acostada às fls. 20, que no campo da assinatura do titular contém a informação “não alfabetizado”.
V- Por conseguinte, comprovada a condição de analfabeto do Apelante, a nulidade do contrato é evidente, na medida em que, para a contratação de empréstimo consignado, com pessoa analfabeta, é imprescindível a adoção de forma específica, qual seja, a celebração por meio de instrumento público, forma esta que não foi observada na confecção do contrato sob análise (Contrato de Empréstimo Consignado nº 68437945 – fls. 49/50).
VI- Assim, resta configurada a responsabilidade do Apelado, independentemente da existência de culpa, em relação à celebração de contrato com analfabeto sem perseguir sua forma específica, qual seja, a realização por meio de instrumento público, nos termos do art. 14, do CDC.
VII- Igualmente, à falência da inobservância das formalidades contratuais exigidas na espécie, a denotar a ilegalidade dos descontos realizados sobre os proventos do Apelante, a restituição dos valores cobrados indevidamente está regulamentada pelo art. 42, parágrafo único, do CDC.
VIII- Logo, demonstrada a realização dos efetivos descontos no benefício previdenciário do Apelante, impõe-se a condenação do Banco/Apelado na repetição de indébito, na forma dobrada, das parcelas já descontadas na remuneração mensal, nos termos do dispositivo legal acima mencionado.
IX- Ademais, não se olvida que, além da repetição do indébito, o Apelante faz jus a indenização por danos morais, em decorrência da presunção do abalo psíquico suportado pelo Apelante, sem olvidar que a cobrança das parcelas relativas ao empréstimo, importou em redução dos valores, de caráter alimentar, percebidos por este, consubstanciando o constrangimento ilegal.
X- Em relação ao quantum indenizatório, na fixação do valor da indenização por danos morais, tais como as condições pessoais e econômicas das partes, deve o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e, também, de modo que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
XI- Dessa forma, analisando-se a compatibilidade do valor do ressarcimento com a gravidade da lesão, no caso em comento, reputa-se razoável a fixação do quantum de R$ 3.000,00 (três mil reais) relativo a indenização por dano moral.
XII- Outrossim, a fixação de honorários advocatícios deve observar aos parâmetros legais e a equidade, razão em que restam fixados os honorários em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, por se mostrar adequado em função da complexidade da causa, e atender o que disciplina o art. 85, §2º, do CPC.
XIII- Por fim, no caso em tela, infere-se, pelos elementos probatórios dos autos que, não obstante o Apelado alegue que efetivou o repasse do valor contratado, não juntou qualquer documento capaz de corroborar com a aludida alegação, não havendo, inclusive, como apontar o valor efetivamente repassado (se na integralidade do valor contratado ou a menor, tendo vista eventual renegociação de anteriores empréstimos), razão por que deixou-se de efetivar a compensação entre as partes, sem prejuízo de que o Apelado adote a via judicial autônoma adequada à espécie.
XIV- Recurso conhecido e provido para reformar a sentença a quo, declarando nulo o Contrato nº. 68437945, condenando o Apelado à repetição do indébito, em dobro, referente às parcelas efetivamente descontadas do benefício previdenciário do Apelante, bem como ao pagamento de compensação por dano moral, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), devendo a condenação ser corrigida monetariamente a partir do arbitramento (Súmula nº. 362, do STJ), com a incidência de juros a partir da data do evento danoso (Súmula nº. 54, do STJ), e, ainda, ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
XV- Decisão por votação unânime.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2018.0001.003960-7 | Relator: Des. Raimundo Eufrásio Alves Filho | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 07/08/2018 )
Ementa
CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO JULGADA IMPROCEDENTE. ANALFABETISMO. COMPROVAÇÃO. EXIGÊNCIA DE FORMA ESPECÍFICA. INSTRUMENTO PÚBLICO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. NULIDADE. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. CONFIGURAÇÃO. ART. 14 DO CDC. DESCONTOS MENSAIS NOS PROVENTOS DO APELANTE. ILEGALIDADE. RESTITUIÇÃO DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. OBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. PARÂMETROS LEGAIS E DE EQUIDADE. NULIDADE. RESTABELECIMENTO DO STATUS QUO ANTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO REPASSE DO VALOR CONTRATADO. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I- É incabível a modificação da causa de pedir após a citação do réu, em sede de réplica, de modo que, in casu, a lide cinge-se ao fundamento de nulidade contratual, por inobservância da devida forma para a contratação com analfabetos, qual seja, a celebração por meio de instrumento público.
II- Reconhece-se, ainda, a presença de típica relação de consumo entre as partes, de acordo com o teor do Enunciado nº 297, da Súmula do STJ, razão por que se deve conceder a inversão do ônus probatório, nos moldes do art. 6º, VIII, do CDC.
III- Na sentença recorrida, o Magistrado de piso, mesmo considerando o apelante pessoa analfabeta, julgou válido o contrato celebrado, fundamentando-se na desnecessidade de observância de forma específica para a contratação com analfabetos, qual seja, a veiculação por meio de instrumento público, indo de encontro à posição doutrinária majoritária, assim como à jurisprudência amplamente dominante, inclusive deste TJPI.
IV- Com efeito, é fato inconteste que o Apelante é analfabeto, podendo-se extrair da própria cédula de identidade acostada às fls. 20, que no campo da assinatura do titular contém a informação “não alfabetizado”.
V- Por conseguinte, comprovada a condição de analfabeto do Apelante, a nulidade do contrato é evidente, na medida em que, para a contratação de empréstimo consignado, com pessoa analfabeta, é imprescindível a adoção de forma específica, qual seja, a celebração por meio de instrumento público, forma esta que não foi observada na confecção do contrato sob análise (Contrato de Empréstimo Consignado nº 68437945 – fls. 49/50).
VI- Assim, resta configurada a responsabilidade do Apelado, independentemente da existência de culpa, em relação à celebração de contrato com analfabeto sem perseguir sua forma específica, qual seja, a realização por meio de instrumento público, nos termos do art. 14, do CDC.
VII- Igualmente, à falência da inobservância das formalidades contratuais exigidas na espécie, a denotar a ilegalidade dos descontos realizados sobre os proventos do Apelante, a restituição dos valores cobrados indevidamente está regulamentada pelo art. 42, parágrafo único, do CDC.
VIII- Logo, demonstrada a realização dos efetivos descontos no benefício previdenciário do Apelante, impõe-se a condenação do Banco/Apelado na repetição de indébito, na forma dobrada, das parcelas já descontadas na remuneração mensal, nos termos do dispositivo legal acima mencionado.
IX- Ademais, não se olvida que, além da repetição do indébito, o Apelante faz jus a indenização por danos morais, em decorrência da presunção do abalo psíquico suportado pelo Apelante, sem olvidar que a cobrança das parcelas relativas ao empréstimo, importou em redução dos valores, de caráter alimentar, percebidos por este, consubstanciando o constrangimento ilegal.
X- Em relação ao quantum indenizatório, na fixação do valor da indenização por danos morais, tais como as condições pessoais e econômicas das partes, deve o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e, também, de modo que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
XI- Dessa forma, analisando-se a compatibilidade do valor do ressarcimento com a gravidade da lesão, no caso em comento, reputa-se razoável a fixação do quantum de R$ 3.000,00 (três mil reais) relativo a indenização por dano moral.
XII- Outrossim, a fixação de honorários advocatícios deve observar aos parâmetros legais e a equidade, razão em que restam fixados os honorários em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, por se mostrar adequado em função da complexidade da causa, e atender o que disciplina o art. 85, §2º, do CPC.
XIII- Por fim, no caso em tela, infere-se, pelos elementos probatórios dos autos que, não obstante o Apelado alegue que efetivou o repasse do valor contratado, não juntou qualquer documento capaz de corroborar com a aludida alegação, não havendo, inclusive, como apontar o valor efetivamente repassado (se na integralidade do valor contratado ou a menor, tendo vista eventual renegociação de anteriores empréstimos), razão por que deixou-se de efetivar a compensação entre as partes, sem prejuízo de que o Apelado adote a via judicial autônoma adequada à espécie.
XIV- Recurso conhecido e provido para reformar a sentença a quo, declarando nulo o Contrato nº. 68437945, condenando o Apelado à repetição do indébito, em dobro, referente às parcelas efetivamente descontadas do benefício previdenciário do Apelante, bem como ao pagamento de compensação por dano moral, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), devendo a condenação ser corrigida monetariamente a partir do arbitramento (Súmula nº. 362, do STJ), com a incidência de juros a partir da data do evento danoso (Súmula nº. 54, do STJ), e, ainda, ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
XV- Decisão por votação unânime.
(TJPI | Apelação Cível Nº 2018.0001.003960-7 | Relator: Des. Raimundo Eufrásio Alves Filho | 1ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 07/08/2018 )Decisão
Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, CONHECER da APELAÇÃO CÍVEL, por atender aos seus requisitos legais de admissibilidade, e DAR-LHE PROVIMENTO para REFORMAR a SENTENÇA a quo DECLARANDO NULO o CONTRATO nº 68437945 (fls.49/50), CONDENANDO o APELADO À REPETIÇÃO DP INDÉBITO, em DOBRO, referente as parcelas efetivamente descontadas do benefício previdenciário do apelante, bem como ao pagamento de COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL, no valor de R$ 3.000,00( três mil reais), devendo a condenação ser corrigida monetariamente a partir do arbitramento (Súmula nº 362, do STJ), com a incidência de juros a partir da data do evento danoso (Súmula nº. 54, do STJ, e, ainda, ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação. Custas ex legis.
Data do Julgamento
:
07/08/2018
Classe/Assunto
:
Apelação Cível
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Especializada Cível
Relator(a)
:
Des. Raimundo Eufrásio Alves Filho
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