TJPR 0014563-51.2018.8.16.0000 (Decisão monocrática)
Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL Cód. 1.07.030 CLASSE PROCESSUAL : AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO Nº. : 0014563-51.2018.8.16.0000 AÇÃO ORIGINÁRIA : 0000181-36.2017.8.16.0114 JUÍZO DE ORIGEM : COMARCA DE MARILÂNDIA DO SUL ASSUNTO PRINCIPAL : NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO AGRAVANTE : BATERIAS VENETO LTDA M.E. AGRAVADO : BOREAL SECURITIZADORA S.A. RELATOR : DESEMBARGADOR FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA 1. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por BATERIAS VENETO LTDA M.E. nos autos de Embargos à Execução nº 0000181-36.2017.8.16.0114, opostos pelo ora agravante em face de BOREAL SECURITIZADORA S.A., contra a decisão interlocutória que indeferiu o pedido de produção de prova de testemunhal e documental, anunciando o julgamento antecipado do feito, nos seguintes termos: “I. O cheque é modalidade de título de crédito ao portador, o que significa que não há indicação de seu beneficiário, passível de exigibilidade pelo portador do título, de modo que não há necessidade de apresentação de contrato de cessão de crédito pela exequente., tampouco prévia notificação da cessão, pois o endosso tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar a observância da forma necessária à cessão civil ordinária de crédito, disciplinada pelo Código Civil. Este é o entendimento do STJ: FACTORING E DIREITO CAMBIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CHEQUE À ORDEM. ENDOSSO. EFEITO DE CESSÃO DE CRÉDITO. DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO EXIGIDA, PELO CÓDIGO CIVIL, PARA CESSÃO ORDINÁRIA DE CRÉDITO. RESPONSABILIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING PELO APONTAMENTO DO NOME DA ORA RECORRIDA A ÓRGÃO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, EM VISTA DA PRÉVIA DEVOLUÇÃO DO CHEQUE, PELO BANCO SACADO, POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. INVIABILIDADE. O ENDOSSO É PLENAMENTE APLICÁVEL À AVENÇA MERCANTIL DO FACTORING, NÃO CABENDO RESTRIÇÃO A DIREITOS ASSEGURADOS PELO DIREITO CAMBIÁRIO, SOB PENA DE INCIDÊNCIA EM DOMÍNIO Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 CONSTITUCIONALMENTE RESERVADO AO ÂMBITO DE ATUAÇÃO MATERIAL DA LEI EM SENTIDO FORMAL. ALEGAÇÃO DA AUTORA DE TER EFETUADO O PAGAMENTO AO ENDOSSANTE, POR MEIO DE AÇÃO CONSIGNATÓRIA. O PAGAMENTO FEITO PELO DEVEDOR DE TÍTULO "À ORDEM", SEM QUE A CÁRTULA LHE TIVESSE SIDO DEVOLVIDA, EVIDENTEMENTE, NÃO PODE SER OPOSTO AO ENDOSSATÁRIO PORTADOR DE BOA-FÉ. 1. Como é cediço, o interesse social visa proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição constituindo a inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor a mais importante afirmação do direito moderno em favor da segurança da circulação e negociabilidade dos títulos de crédito. (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27 ed. Saraiva: São Paulo, v. 2, 2010, p. 415-423) 2. Dessarte, o cheque endossado - meio cambiário próprio para transferência dos direitos do título de crédito, que se desvincula da sua causa, conferindo ao endossatário as sensíveis vantagens advindas dos princípios inerentes aos títulos de crédito, notadamente o da autonomia das obrigações cambiais - confere, em benefício do endossatário, ainda em caso de endosso póstumo (art. 27 da Lei do Cheque), os efeitos de cessão de crédito. De fato, a menos que o emitente do cheque tenha aposto a cláusula "não à ordem" - hipótese em que o título somente se transfere pela forma de cessão de crédito -, o endosso, no interesse do endossatário, tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar de observância da forma necessária à cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 288 e 290 do Código Civil. 3. Assim, o art. 20, caput, da Lei do Cheque - no que em nada discrepa da Lei Uniforme de Genebra - esclarece que o endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque. Com efeito, a teor da legislação, fica límpido que "[o] cheque é um título que tem vocação de circular pela simples tradição manual". (MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 313 e 314) 4. Como o endosso é plenamente compatível/aplicável ao fomento mercantil, é bem de ver que o princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, inclusive na sua função jurisdicional, que não se reveste de idoneidade jurídica que lhe permita criar ou restringir direitos conferidos por lei, "sob pena de incidir Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal". (ACO 1048 QO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-134 DIVULG 30-10-2007 PUBLIC 31-10-2007 DJ 31-10-2007 PP-00077 EMENTA VOL-02296-01 PP-00001) 5. Embora o contrato de factoring não se encontre sistematizado na legislação pátria, é certo que "liga-se à necessidade de reposição do capital de giro nas empresas, geralmente nas pequenas e médias". Bastante assemelhada ao desconto bancário, "a operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra", que se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring); obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte do devedor da faturizada. (BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 541-546) 6. Em recente precedente da Primeira Seção, EREsp 1.236.002/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, aquele Colegiado pacificou que os escritórios de factoring não precisam ser registrados nos conselhos regionais de administração, pois suas atividades são de natureza eminentemente mercantil - já que não envolve gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento de empresa -, sendo o traço característico da operação a aquisição de um crédito a prazo da faturizada. 7. Por um lado, o art. 905, caput, do Código Civil estabelece que "[o] possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor", e o parágrafo único estipula que a prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente. Por outro lado, não se pode perder de vista que a exigência, sem nenhum supedâneo legal, de que, mesmo com endosso de cheque "à ordem", a factoring endossatária terceira de boa-fé devesse se acautelar - demonstrando ter feito notificação à emitente e/ou procedido à pesquisa acerca de eventual ação judicial a envolver emitente e endossante -, mesmo adquirindo pelo meio próprio crédito de natureza autônoma (cambial), implica restrição a direitos conferidos por lei à recorrente, em manifesta ofensa a diversas regras, institutos e princípios Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 do direito cambiário - e, até mesmo, a direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal (vide o art. 5º, II e XXII) 8. Ademais, a alegação da autora, ora recorrida, de ter feito a consignação em pagamento do crédito ao endossante da cártula (credor originário), não é relevante para afastar o direito do endossatário do título, pois a quitação regular de débito estampado em título de crédito é a que ocorre com o resgate da cártula - tem o devedor, pois, o poder-dever de exigir daquele que se apresenta como credor cambial a entrega do título de crédito (o art. 324 do Código Civil, inclusive, dispõe que a entrega do título ao devedor firma a presunção de pagamento). 9. A "negativação" do nome da autora, ora recorrida, em órgão do sistema de proteção ao crédito constituiu exercício regular de direito da Factoring. Com efeito, o art. 188, I, do Código Civil proclama não constituir ato ilícito os praticados no exercício regular de um direito reconhecido. 10. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1236701-MG, Quarta Turma, Julgado em 05/11/2015, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão). - grifei Desta forma, indefiro o pedido de mov. 23.1. Indefiro a produção de prova testemunhal, uma vez que não se preza ao esclarecimento das questões controvertidas nos autos. II. O presente feito comporta julgamento antecipado, conforme previsão constante do inciso I, do art. 355, do CPC, na medida em que, neste momento processual, não se verifica a necessidade de produção de outras provas. Por conseguinte, dê-se ciência às partes e, preclusa a decisão, venham os autos conclusos para sentença, mediante as anotações necessárias. Diligências necessárias. Intimem-se.”. (mov. 26.1) Nas razões recursais (mov. 1.1), pugna a parte agravante pela nulidade da decisão agravada, diante da ausência de fundamentação e evidente cerceamento de defesa para admitir a produção de prova testemunhal e documental, pedido este que se fundamenta, em síntese, nas seguintes arguições: a) a decisão deve ser reformada a fim de que seja assegurado o direito da recorrente em produzir todas as provas necessárias para a elucidação dos fatos, restando evidente o cerceamento de defesa; b) conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a transferência dos títulos, em operações de factoring, não se perfectibiliza por simples endosso e sim por Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 cessão civil; c) a decisão que nega a produção de provas deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, devendo o Magistrado apontar os motivos que entendeu pela desnecessidade da prova pretendida; d) a controvérsia dos autos não reside apenas no campo do direito, mas no campo fático, de modo que ao obstar a produção de prova, implicou em evidente cerceamento de defesa e nulidade da decisão por ausência de fundamentação. 2. O recurso é manifestamente inadmissível, na medida em que a matéria debatida não se amolda àquelas previstas no rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015, acerca das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, in verbis: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 Nas razões recursais, pugna o agravante pela nulidade da decisão agravada, diante da ausência de fundamentação da decisão, a fim de que seja admitida a produção de prova. No caso em apreço, denota-se da decisão agravada que o Magistrado singular indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal e documental, anunciando o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil. Ocorre que a referida decisão não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no rol do citado artigo 1.015 do Código de Processo Civil, razão pela qual inadmissível o conhecimento deste recurso de agravo de instrumento. Neste ponto, cumpre destacar que o ora agravante interpôs o presente recurso com base no art. 1.015, Parágrafo único do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.”. Contudo, como relatado, o presente caso se trata de Embargos à Execução, hipótese que não se amolda as referidas exceções. Além disso, o artigo 1.015, inciso XI do Código de Processo Civil é expresso ao autorizar a interposição de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º, o que também não é o caso dos autos, tendo em vista que o Juízo de origem não redistribuiu a carga probatório, mas indeferiu o pedido de produção de provas e anunciou o julgamento antecipado do feito. Neste sentido, confira-se o entendimento desta Corte Estadual: “DECISÃO MONOCRÁTICA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – INCONFORMISMO DIRIGIDO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PELA QUAL O JUÍZO SINGULAR INDEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVAS PLEITEADAS PELA REQUERIDA – ANÚNCIO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO FEITO – DESCABIMENTO DA INSURGÊNCIA – DECISÃO ATACADA QUE NÃO TRATOU DE QUAISQUER DAS TEMÁTICAS INDICADAS NO ROL DO ARTIGO 1.015 DO CPC/15 – AUSÊNCIA DE JULGAMENTO PARCIAL DE MÉRITO – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, ADMITIDA PELO STJ, QUE TAMBÉM Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 NÃO AUTORIZA O MANEJO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NESTE CASO RECURSO A QUE SE NEGA CONHECIMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 932, III,– DO CPC/15” (TJPR - 18ª C.Cível - 0013611-72.2018.8.16.0000 - Wenceslau Braz - Rel.: Denise Kruger Pereira - J. 17.04.2018) Acerca do tema, leciona a doutrina que:1 “(...) tirando a decisão que redistribui o ônus da prova (art. 1.015, XI, CPC, as decisões sobre prova, proferidas pelo juiz, não são impugnáveis por agravo de instrumento – ou seja, não são recorríveis imediatamente; se o interessado quiser, deverá impugná-las por ocasião do recurso contra a sentença, a apelação. Assim, como não cabe recurso imediato, a preclusão em relação a essas decisões somente pode ser cogitada após o prazo para a apelação ou para as contrarrazões de apelação.”. Ademais, faz-se necessário consignar que a teor do que dispõe o artigo 1.009, § 1º, “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”. Diante de tais considerações, o não conhecimento do recurso de agravo de instrumento é medida que se impõe. 3. Ante o exposto, nos termos do artigo 932, inciso III do Código de Processo Civil, não conheço do presente agravo de instrumento, ante a sua manifesta inadmissibilidade, mantendo, na íntegra, a decisão atacada, nos termos da fundamentação. 4. Intimem-se as partes da presente decisão. 1 DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso se Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa julgada e Tutela Provisória. Editora Juspodivm, 11ª edição. Página 139 Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 5. Oportunamente, remetam-se os presentes autos ao juízo da causa. Curitiba, 27 de abril de 2018. FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA DESEMBARGADOR – RELATOR (assinado digitalmente)
(TJPR - 13ª C.Cível - 0014563-51.2018.8.16.0000 - Marilândia do Sul - Rel.: Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira - J. 03.05.2018)
Ementa
Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL Cód. 1.07.030 CLASSE PROCESSUAL : AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO Nº. : 0014563-51.2018.8.16.0000 AÇÃO ORIGINÁRIA : 0000181-36.2017.8.16.0114 JUÍZO DE ORIGEM : COMARCA DE MARILÂNDIA DO SUL ASSUNTO PRINCIPAL : NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO AGRAVANTE : BATERIAS VENETO LTDA M.E. AGRAVADO : BOREAL SECURITIZADORA S.A. RELATOR : DESEMBARGADOR FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA 1. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por BATERIAS VENETO LTDA M.E. nos autos de Embargos à Execução nº 0000181-36.2017.8.16.0114, opostos pelo ora agravante em face de BOREAL SECURITIZADORA S.A., contra a decisão interlocutória que indeferiu o pedido de produção de prova de testemunhal e documental, anunciando o julgamento antecipado do feito, nos seguintes termos: “I. O cheque é modalidade de título de crédito ao portador, o que significa que não há indicação de seu beneficiário, passível de exigibilidade pelo portador do título, de modo que não há necessidade de apresentação de contrato de cessão de crédito pela exequente., tampouco prévia notificação da cessão, pois o endosso tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar a observância da forma necessária à cessão civil ordinária de crédito, disciplinada pelo Código Civil. Este é o entendimento do STJ: FACTORING E DIREITO CAMBIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CHEQUE À ORDEM. ENDOSSO. EFEITO DE CESSÃO DE CRÉDITO. DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO EXIGIDA, PELO CÓDIGO CIVIL, PARA CESSÃO ORDINÁRIA DE CRÉDITO. RESPONSABILIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING PELO APONTAMENTO DO NOME DA ORA RECORRIDA A ÓRGÃO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, EM VISTA DA PRÉVIA DEVOLUÇÃO DO CHEQUE, PELO BANCO SACADO, POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. INVIABILIDADE. O ENDOSSO É PLENAMENTE APLICÁVEL À AVENÇA MERCANTIL DO FACTORING, NÃO CABENDO RESTRIÇÃO A DIREITOS ASSEGURADOS PELO DIREITO CAMBIÁRIO, SOB PENA DE INCIDÊNCIA EM DOMÍNIO Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 CONSTITUCIONALMENTE RESERVADO AO ÂMBITO DE ATUAÇÃO MATERIAL DA LEI EM SENTIDO FORMAL. ALEGAÇÃO DA AUTORA DE TER EFETUADO O PAGAMENTO AO ENDOSSANTE, POR MEIO DE AÇÃO CONSIGNATÓRIA. O PAGAMENTO FEITO PELO DEVEDOR DE TÍTULO "À ORDEM", SEM QUE A CÁRTULA LHE TIVESSE SIDO DEVOLVIDA, EVIDENTEMENTE, NÃO PODE SER OPOSTO AO ENDOSSATÁRIO PORTADOR DE BOA-FÉ. 1. Como é cediço, o interesse social visa proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição constituindo a inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor a mais importante afirmação do direito moderno em favor da segurança da circulação e negociabilidade dos títulos de crédito. (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 27 ed. Saraiva: São Paulo, v. 2, 2010, p. 415-423) 2. Dessarte, o cheque endossado - meio cambiário próprio para transferência dos direitos do título de crédito, que se desvincula da sua causa, conferindo ao endossatário as sensíveis vantagens advindas dos princípios inerentes aos títulos de crédito, notadamente o da autonomia das obrigações cambiais - confere, em benefício do endossatário, ainda em caso de endosso póstumo (art. 27 da Lei do Cheque), os efeitos de cessão de crédito. De fato, a menos que o emitente do cheque tenha aposto a cláusula "não à ordem" - hipótese em que o título somente se transfere pela forma de cessão de crédito -, o endosso, no interesse do endossatário, tem efeito de cessão de crédito, não havendo cogitar de observância da forma necessária à cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 288 e 290 do Código Civil. 3. Assim, o art. 20, caput, da Lei do Cheque - no que em nada discrepa da Lei Uniforme de Genebra - esclarece que o endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque. Com efeito, a teor da legislação, fica límpido que "[o] cheque é um título que tem vocação de circular pela simples tradição manual". (MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 313 e 314) 4. Como o endosso é plenamente compatível/aplicável ao fomento mercantil, é bem de ver que o princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, inclusive na sua função jurisdicional, que não se reveste de idoneidade jurídica que lhe permita criar ou restringir direitos conferidos por lei, "sob pena de incidir Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal". (ACO 1048 QO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-134 DIVULG 30-10-2007 PUBLIC 31-10-2007 DJ 31-10-2007 PP-00077 EMENTA VOL-02296-01 PP-00001) 5. Embora o contrato de factoring não se encontre sistematizado na legislação pátria, é certo que "liga-se à necessidade de reposição do capital de giro nas empresas, geralmente nas pequenas e médias". Bastante assemelhada ao desconto bancário, "a operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra", que se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring); obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte do devedor da faturizada. (BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 541-546) 6. Em recente precedente da Primeira Seção, EREsp 1.236.002/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, aquele Colegiado pacificou que os escritórios de factoring não precisam ser registrados nos conselhos regionais de administração, pois suas atividades são de natureza eminentemente mercantil - já que não envolve gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento de empresa -, sendo o traço característico da operação a aquisição de um crédito a prazo da faturizada. 7. Por um lado, o art. 905, caput, do Código Civil estabelece que "[o] possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor", e o parágrafo único estipula que a prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente. Por outro lado, não se pode perder de vista que a exigência, sem nenhum supedâneo legal, de que, mesmo com endosso de cheque "à ordem", a factoring endossatária terceira de boa-fé devesse se acautelar - demonstrando ter feito notificação à emitente e/ou procedido à pesquisa acerca de eventual ação judicial a envolver emitente e endossante -, mesmo adquirindo pelo meio próprio crédito de natureza autônoma (cambial), implica restrição a direitos conferidos por lei à recorrente, em manifesta ofensa a diversas regras, institutos e princípios Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 do direito cambiário - e, até mesmo, a direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal (vide o art. 5º, II e XXII) 8. Ademais, a alegação da autora, ora recorrida, de ter feito a consignação em pagamento do crédito ao endossante da cártula (credor originário), não é relevante para afastar o direito do endossatário do título, pois a quitação regular de débito estampado em título de crédito é a que ocorre com o resgate da cártula - tem o devedor, pois, o poder-dever de exigir daquele que se apresenta como credor cambial a entrega do título de crédito (o art. 324 do Código Civil, inclusive, dispõe que a entrega do título ao devedor firma a presunção de pagamento). 9. A "negativação" do nome da autora, ora recorrida, em órgão do sistema de proteção ao crédito constituiu exercício regular de direito da Factoring. Com efeito, o art. 188, I, do Código Civil proclama não constituir ato ilícito os praticados no exercício regular de um direito reconhecido. 10. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1236701-MG, Quarta Turma, Julgado em 05/11/2015, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão). - grifei Desta forma, indefiro o pedido de mov. 23.1. Indefiro a produção de prova testemunhal, uma vez que não se preza ao esclarecimento das questões controvertidas nos autos. II. O presente feito comporta julgamento antecipado, conforme previsão constante do inciso I, do art. 355, do CPC, na medida em que, neste momento processual, não se verifica a necessidade de produção de outras provas. Por conseguinte, dê-se ciência às partes e, preclusa a decisão, venham os autos conclusos para sentença, mediante as anotações necessárias. Diligências necessárias. Intimem-se.”. (mov. 26.1) Nas razões recursais (mov. 1.1), pugna a parte agravante pela nulidade da decisão agravada, diante da ausência de fundamentação e evidente cerceamento de defesa para admitir a produção de prova testemunhal e documental, pedido este que se fundamenta, em síntese, nas seguintes arguições: a) a decisão deve ser reformada a fim de que seja assegurado o direito da recorrente em produzir todas as provas necessárias para a elucidação dos fatos, restando evidente o cerceamento de defesa; b) conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a transferência dos títulos, em operações de factoring, não se perfectibiliza por simples endosso e sim por Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 cessão civil; c) a decisão que nega a produção de provas deve ser fundamentada, sob pena de nulidade, devendo o Magistrado apontar os motivos que entendeu pela desnecessidade da prova pretendida; d) a controvérsia dos autos não reside apenas no campo do direito, mas no campo fático, de modo que ao obstar a produção de prova, implicou em evidente cerceamento de defesa e nulidade da decisão por ausência de fundamentação. 2. O recurso é manifestamente inadmissível, na medida em que a matéria debatida não se amolda àquelas previstas no rol do art. 1.015 do Código de Processo Civil de 2015, acerca das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, in verbis: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 Nas razões recursais, pugna o agravante pela nulidade da decisão agravada, diante da ausência de fundamentação da decisão, a fim de que seja admitida a produção de prova. No caso em apreço, denota-se da decisão agravada que o Magistrado singular indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal e documental, anunciando o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil. Ocorre que a referida decisão não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no rol do citado artigo 1.015 do Código de Processo Civil, razão pela qual inadmissível o conhecimento deste recurso de agravo de instrumento. Neste ponto, cumpre destacar que o ora agravante interpôs o presente recurso com base no art. 1.015, Parágrafo único do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.”. Contudo, como relatado, o presente caso se trata de Embargos à Execução, hipótese que não se amolda as referidas exceções. Além disso, o artigo 1.015, inciso XI do Código de Processo Civil é expresso ao autorizar a interposição de agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º, o que também não é o caso dos autos, tendo em vista que o Juízo de origem não redistribuiu a carga probatório, mas indeferiu o pedido de produção de provas e anunciou o julgamento antecipado do feito. Neste sentido, confira-se o entendimento desta Corte Estadual: “DECISÃO MONOCRÁTICA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – INCONFORMISMO DIRIGIDO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PELA QUAL O JUÍZO SINGULAR INDEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVAS PLEITEADAS PELA REQUERIDA – ANÚNCIO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO FEITO – DESCABIMENTO DA INSURGÊNCIA – DECISÃO ATACADA QUE NÃO TRATOU DE QUAISQUER DAS TEMÁTICAS INDICADAS NO ROL DO ARTIGO 1.015 DO CPC/15 – AUSÊNCIA DE JULGAMENTO PARCIAL DE MÉRITO – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, ADMITIDA PELO STJ, QUE TAMBÉM Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 NÃO AUTORIZA O MANEJO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NESTE CASO RECURSO A QUE SE NEGA CONHECIMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 932, III,– DO CPC/15” (TJPR - 18ª C.Cível - 0013611-72.2018.8.16.0000 - Wenceslau Braz - Rel.: Denise Kruger Pereira - J. 17.04.2018) Acerca do tema, leciona a doutrina que:1 “(...) tirando a decisão que redistribui o ônus da prova (art. 1.015, XI, CPC, as decisões sobre prova, proferidas pelo juiz, não são impugnáveis por agravo de instrumento – ou seja, não são recorríveis imediatamente; se o interessado quiser, deverá impugná-las por ocasião do recurso contra a sentença, a apelação. Assim, como não cabe recurso imediato, a preclusão em relação a essas decisões somente pode ser cogitada após o prazo para a apelação ou para as contrarrazões de apelação.”. Ademais, faz-se necessário consignar que a teor do que dispõe o artigo 1.009, § 1º, “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”. Diante de tais considerações, o não conhecimento do recurso de agravo de instrumento é medida que se impõe. 3. Ante o exposto, nos termos do artigo 932, inciso III do Código de Processo Civil, não conheço do presente agravo de instrumento, ante a sua manifesta inadmissibilidade, mantendo, na íntegra, a decisão atacada, nos termos da fundamentação. 4. Intimem-se as partes da presente decisão. 1 DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso se Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa julgada e Tutela Provisória. Editora Juspodivm, 11ª edição. Página 139 Estado do Paraná PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 13ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 0014563-51.2018.8.16.0000 Cód. 1.07.030 5. Oportunamente, remetam-se os presentes autos ao juízo da causa. Curitiba, 27 de abril de 2018. FRANCISCO EDUARDO GONZAGA DE OLIVEIRA DESEMBARGADOR – RELATOR (assinado digitalmente)
(TJPR - 13ª C.Cível - 0014563-51.2018.8.16.0000 - Marilândia do Sul - Rel.: Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira - J. 03.05.2018)
Data do Julgamento
:
03/05/2018 00:00:00
Data da Publicação
:
03/05/2018
Órgão Julgador
:
13ª Câmara Cível
Relator(a)
:
Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira
Comarca
:
Marilândia do Sul
Segredo de justiça
:
Não
Comarca
:
Marilândia do Sul
Mostrar discussão