TJPR 0019351-18.2012.8.16.0001 (Decisão monocrática)
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ17ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDIRUA MAUÁ, 920 - ALTO DA GLORIA - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901Autos nº. 0019351-18.2012.8.16.0001Vanderlei Ferreira da Luz propôs Ação de Revisão de Contrato em face de Banco Finasa S/A, referenteao garantido por Alienação“Contrato de Abertura de Crédito Para Financiamento de Bens e/ou Serviços”Fiduciária (mov. 1.3) celebrado entre as partes.Na inicial o autor defendeu: (I) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a revisão das cláusulascontratuais e a inversão do ônus da prova; (II) o expurgo da capitalização de juros; (III) a ilegalidade dacobrança das tarifa administrativas (tarifa de abertura de crédito – ‘C.O.A’; tarifa de boleto bancário);(IV) a impossibilidade de cumulação da comissão de permanência com os demais encargos moratórios;(V) a aplicação da teoria da lesão contratual; (VI) a exibição de extratos do histórico da evolução dodébito; (VII) a repetição do indébito em dobro; (VIII) a concessão do benefício da justiça gratuita.Foi concedido ao autor, parcialmente (50%), o benefício da justiça gratuita (mov. 17.1).Em contestação (mov. 46.2) a ré alegou: (I) a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios e dacapitalização de juros; (II) a legalidade da cobrança dos encargos moratórios; (III) a impossibilidade darevisão do contrato; (IV) a legalidade da cobrança das tarifas administrativas; (V) a impossibilidade derepetição de indébito e/ou compensação de valores; (VI) a impossibilidade de inversão do ônus da prova;(VII) a improcedência do pedido de exibição de documentos. Requereu a improcedência do pedido eimpugnou a justiça gratuita concedida ao autor.A sentença (mov. 53.1) julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para: “a) manter, emdefinitivo, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, autorizando a consignação do valor referente àsparcelas incontroversas, com elisão da mora; b) revogar a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional,concernente à proibição de inscrição do nome do autor nos cadastros restritivos ao crédito; c) excluir acapitalização de juros do contrato firmado entre as partes; d) condenar a parte ré à restituição, à parte autora,dos valores pagos a maior, após a exclusão dos encargos referidos no item c do presente dispositivo na fase de. Em razão da sucumbência recíproca, condenou cada uma das partes ao pagamentoliquidação de sentença”de 50% das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 (mil reais), admitidaa compensação (Súmula 306 STJ), observada a concessão parcial (50%) do benefício da assistênciajudiciária gratuita ao autor.A ré interpôs apelação em cujas razões (mov. 113.1) sustenta: (I) a impossibilidade de revisão docontrato; (II) a legalidade da capitalização de juros; (III) a impossibilidade de repetição do indébito.Não foram apresentadas contrarrazões (mov. 121).DecidoO julgamento do recurso deve observar a Lei nº 5.869/73, por aplicação da teoria do isolamento dos atosprocessuais, porque a sentença foi proferida ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973.Sobre essa teoria, a doutrina explica:[1]“A exata compreensão da distinção entre efeito imediato e efeito retroativo da legislação leva à necessidadede isolamento dos atos processuais a fim de que saiba se a aplicação da legislação nova importa efeitoimediato ou efeito retroativo. A observação ganha em importância a propósito da aplicação da lei nova asituações pendentes. O que interessa é saber se do ato processual advém ou não direito para qualquer dosparticipantes do processo. Vale dizer: relava saber se há ou não direito adquirido processual.Nesse caso, a lei nova tem de respeitar a eficácia do ato processual já praticado. O exemplo clássicoencontra-se no direito recursal. A lei do recurso é a lei do dia em que se tornou recorrível a decisão. Aabertura de prazo recursal dá lugar a uma situação jurídica pendente – aguarda-se a interposição ou nãodo recurso. O recorrente tem direito à observação do direito vigente à época da abertura do prazo recursal.Fora daí há ofensa a direito processual adquirido e efeito retroativo da legislação.”Assim, conquanto já esteja em vigor um novo Código de Processo Civil, deve ser aplicado o Códigoanterior, vigente ao tempo do ato impugnado.A sistemática processual civil vigente autoriza o relator a dar provimento ao recurso, independentementede manifestação de órgão colegiado, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com acórdãoproferido por Tribunal Superior em julgamento de recurso repetitivo (CPC, art. 557, § 1º-A, Código deProcesso Civil de 1973).É o que ocorre neste processo.A apelante requer a reforma da sentença (mov. 53.1) e, para isso, sustenta: (I) a impossibilidade derevisão do contrato; (II) a legalidade da capitalização de juros; (III) a impossibilidade de repetição doindébito.Possibilidade de revisão do contratoA ré sustenta a impossibilidade de reconhecer a nulidade de qualquer das cláusulas pactuadas, porentender que a revisão do contrato somente é possível em caso de ilegalidade ou abusividade, o que diznão ter ocorrido no caso em exame.A lide em questão envolve relação de consumo e deve ser analisada sob o enfoque da legislaçãoconsumerista, pois o autor e a ré caracterizam-se como consumidora e fornecedora, na forma descritapelos artigos 3º e 2º da referida lei , razão pela qual não se poderia exigir o cumprimento incondicional[2]de cláusulas pactuadas, mormente por se tratar de contrato de adesão.Ademais, a atual interpretação infraconstitucional é de que são aplicáveis às instituições financeiras asregras do Código de Defesa do Consumidor (STJ, Súm. 297), de modo a relativizar o princípio pacta sunt e permitir o pronunciamento judicial, em ação revisional de contrato bancário, sobre aservanda[3]legalidade e/ou abusividade das cláusulas, independentemente de fato extraordinário e imprevisível.Então, há evidente a possibilidade de revisão do contrato, de modo que o recurso não merece ser providoquanto a esse tema.Capitalização de jurosA ré defende a legalidade da capitalização de juros no contrato em questão.Assiste-lhe razão.Nas hipóteses de contratos de empréstimo com parcelas prefixadas, como é o caso dos autos (Contrato deAbertura de Crédito Para Financiamento de Bens ou Serviços - mov. 1.3), o e. Superior Tribunal deJustiça firmou entendimento de que a mera previsão, no contrato, da taxa de juros anual superior aoduodécuplo da taxa de juros mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.Segundo a orientação decorrente do julgamento do REsp 973827 (sob a forma do artigo 543-C do Códigode Processo Civil de 1973), somente há capitalização indevida de juros se, após o vencimento do períodopactuado, os juros que não foram pagos passam a integrar o capital devido, e sobre esse capital – formadopelo capital emprestado e também pelos juros vencidos – incidem novos juros; em tais casos, os juros nãopagos que foram incorporados ao capital passam a integrar o saldo devedor do contrato, e são oneradoscomo se fizessem parte do capital original.Confira-se a ementa do acórdão proferido no referido Recurso Repetitivo:“CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCAE APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COMGARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS.DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.MORA. CARACTERIZAÇÃO.1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um anoe permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem porpressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valorprincipal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de ‘taxa de juros simples’ e ‘taxa dejuros compostos’, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início documprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros nãoimplica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, oque não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - ‘É permitida a capitalização de juros com periodicidadeinferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n.1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada’. - 'A capitalizaçãodos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão nocontrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir acobrança da taxa efetiva anual contratada’.4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada comquaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorreda falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas.6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.”(STJ, 2ª Seção, REsp 973827, Rel. p/ acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 24/09/2012).O e. Superior Tribunal de Justiça, portanto, passou a concluir que não é proibida a utilização da fórmulada matemática financeira para formar a taxa de juros compostos e que, em sentido oposto, é vedada acapitalização de juros em seu sentido estrito (incorporação de juros devidos e vencidos ao capital devido,para efeito da incidência de novos juros), que configura anatocismo.Neste caso resultou evidente que a instituição financeira apenas utilizou no contrato o método compostoquando da formação da taxa efetiva de juros.O método composto é uma função exponencial, em que os juros são elevados à potência análoga aonúmero de meses do contrato, e isso não pode ser afetado pelas circunstâncias peculiares a cada relaçãocontratual. Parte-se da taxa mensal e, com a aplicação do método composto, é elaborado o cálculo da taxaefetiva para o período (tempo) da contratação: quanto maior o prazo do contrato, maior será a taxa efetivade juros.Por isso, é válida a taxa efetiva anual contratada, já que, como visto, o simples fato de haver pactuação detaxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização indevida de juros.Na situação em questão, portanto, a r. sentença deve ser reformada nesse aspecto.Por consequência, com a reforma da sentença nesse aspecto, não há valores a restituir ao autor e, portanto,a sentença também deve ser reformada na parte em que condenou a ré a restituir ao autor os valorescorrespondentes à capitalização de juros.Então, nenhum dos pedidos formulados na inicial deve ser considerado procedente.Ônus sucumbenciaisPor consequência da reforma da sentença, nenhum dos pedidos deduzidos na inicial da ação em exame éprocedente.Incumbe ao autor, portanto, pagar a integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios,mantido o valor fixado pela sentença.E o presente recurso comporta julgamento por decisão monocrática porque a decisão recorrida émanifestamente contrária à jurisprudência pacificada pelo e. Superior Tribunal de Justiça em sede derecurso repetitivo e adotada por este Tribunal.Do exposto, com fundamento no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil de 1973, dou parcialprovimento ao recurso para reformar a sentença a fim de julgar improcedente o pedido formulado na açãorevisional de contrato, com a condenação do autor ao pagamento das custas processuais e honoráriosadvocatícios, observado o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.Curitiba, data supra.Des. RUI PORTUGAL BACELLAR FILHO – Relator MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. I. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista[1]dos Tribunais, 2016. p. 215. Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.[2] Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, quedesenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercializaçãode produtos ou prestação de serviços. "O princípio do ‘pacta sunt servanda’ cedeu lugar, notadamente nos contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, aos[3]princípios do equilíbrio, da boa-fé e da justiça contratual, donde se conclui ser imperiosa a revisão das cláusulas contratuais que violaremesses ditames, mesmo que se trate de contrato já extinto.” (TJPR, 17ª CCv, ApCv 21791-1, Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin, j.19/05/06).
(TJPR - 17ª C.Cível - 0019351-18.2012.8.16.0001 - São José dos Pinhais - Rel.: Rui Bacellar Filho - J. 12.04.2018)
Ementa
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ17ª CÂMARA CÍVEL - PROJUDIRUA MAUÁ, 920 - ALTO DA GLORIA - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901Autos nº. 0019351-18.2012.8.16.0001Vanderlei Ferreira da Luz propôs Ação de Revisão de Contrato em face de Banco Finasa S/A, referenteao garantido por Alienação“Contrato de Abertura de Crédito Para Financiamento de Bens e/ou Serviços”Fiduciária (mov. 1.3) celebrado entre as partes.Na inicial o autor defendeu: (I) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a revisão das cláusulascontratuais e a inversão do ônus da prova; (II) o expurgo da capitalização de juros; (III) a ilegalidade dacobrança das tarifa administrativas (tarifa de abertura de crédito – ‘C.O.A’; tarifa de boleto bancário);(IV) a impossibilidade de cumulação da comissão de permanência com os demais encargos moratórios;(V) a aplicação da teoria da lesão contratual; (VI) a exibição de extratos do histórico da evolução dodébito; (VII) a repetição do indébito em dobro; (VIII) a concessão do benefício da justiça gratuita.Foi concedido ao autor, parcialmente (50%), o benefício da justiça gratuita (mov. 17.1).Em contestação (mov. 46.2) a ré alegou: (I) a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios e dacapitalização de juros; (II) a legalidade da cobrança dos encargos moratórios; (III) a impossibilidade darevisão do contrato; (IV) a legalidade da cobrança das tarifas administrativas; (V) a impossibilidade derepetição de indébito e/ou compensação de valores; (VI) a impossibilidade de inversão do ônus da prova;(VII) a improcedência do pedido de exibição de documentos. Requereu a improcedência do pedido eimpugnou a justiça gratuita concedida ao autor.A sentença (mov. 53.1) julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para: “a) manter, emdefinitivo, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, autorizando a consignação do valor referente àsparcelas incontroversas, com elisão da mora; b) revogar a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional,concernente à proibição de inscrição do nome do autor nos cadastros restritivos ao crédito; c) excluir acapitalização de juros do contrato firmado entre as partes; d) condenar a parte ré à restituição, à parte autora,dos valores pagos a maior, após a exclusão dos encargos referidos no item c do presente dispositivo na fase de. Em razão da sucumbência recíproca, condenou cada uma das partes ao pagamentoliquidação de sentença”de 50% das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 (mil reais), admitidaa compensação (Súmula 306 STJ), observada a concessão parcial (50%) do benefício da assistênciajudiciária gratuita ao autor.A ré interpôs apelação em cujas razões (mov. 113.1) sustenta: (I) a impossibilidade de revisão docontrato; (II) a legalidade da capitalização de juros; (III) a impossibilidade de repetição do indébito.Não foram apresentadas contrarrazões (mov. 121).DecidoO julgamento do recurso deve observar a Lei nº 5.869/73, por aplicação da teoria do isolamento dos atosprocessuais, porque a sentença foi proferida ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973.Sobre essa teoria, a doutrina explica:[1]“A exata compreensão da distinção entre efeito imediato e efeito retroativo da legislação leva à necessidadede isolamento dos atos processuais a fim de que saiba se a aplicação da legislação nova importa efeitoimediato ou efeito retroativo. A observação ganha em importância a propósito da aplicação da lei nova asituações pendentes. O que interessa é saber se do ato processual advém ou não direito para qualquer dosparticipantes do processo. Vale dizer: relava saber se há ou não direito adquirido processual.Nesse caso, a lei nova tem de respeitar a eficácia do ato processual já praticado. O exemplo clássicoencontra-se no direito recursal. A lei do recurso é a lei do dia em que se tornou recorrível a decisão. Aabertura de prazo recursal dá lugar a uma situação jurídica pendente – aguarda-se a interposição ou nãodo recurso. O recorrente tem direito à observação do direito vigente à época da abertura do prazo recursal.Fora daí há ofensa a direito processual adquirido e efeito retroativo da legislação.”Assim, conquanto já esteja em vigor um novo Código de Processo Civil, deve ser aplicado o Códigoanterior, vigente ao tempo do ato impugnado.A sistemática processual civil vigente autoriza o relator a dar provimento ao recurso, independentementede manifestação de órgão colegiado, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com acórdãoproferido por Tribunal Superior em julgamento de recurso repetitivo (CPC, art. 557, § 1º-A, Código deProcesso Civil de 1973).É o que ocorre neste processo.A apelante requer a reforma da sentença (mov. 53.1) e, para isso, sustenta: (I) a impossibilidade derevisão do contrato; (II) a legalidade da capitalização de juros; (III) a impossibilidade de repetição doindébito.Possibilidade de revisão do contratoA ré sustenta a impossibilidade de reconhecer a nulidade de qualquer das cláusulas pactuadas, porentender que a revisão do contrato somente é possível em caso de ilegalidade ou abusividade, o que diznão ter ocorrido no caso em exame.A lide em questão envolve relação de consumo e deve ser analisada sob o enfoque da legislaçãoconsumerista, pois o autor e a ré caracterizam-se como consumidora e fornecedora, na forma descritapelos artigos 3º e 2º da referida lei , razão pela qual não se poderia exigir o cumprimento incondicional[2]de cláusulas pactuadas, mormente por se tratar de contrato de adesão.Ademais, a atual interpretação infraconstitucional é de que são aplicáveis às instituições financeiras asregras do Código de Defesa do Consumidor (STJ, Súm. 297), de modo a relativizar o princípio pacta sunt e permitir o pronunciamento judicial, em ação revisional de contrato bancário, sobre aservanda[3]legalidade e/ou abusividade das cláusulas, independentemente de fato extraordinário e imprevisível.Então, há evidente a possibilidade de revisão do contrato, de modo que o recurso não merece ser providoquanto a esse tema.Capitalização de jurosA ré defende a legalidade da capitalização de juros no contrato em questão.Assiste-lhe razão.Nas hipóteses de contratos de empréstimo com parcelas prefixadas, como é o caso dos autos (Contrato deAbertura de Crédito Para Financiamento de Bens ou Serviços - mov. 1.3), o e. Superior Tribunal deJustiça firmou entendimento de que a mera previsão, no contrato, da taxa de juros anual superior aoduodécuplo da taxa de juros mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.Segundo a orientação decorrente do julgamento do REsp 973827 (sob a forma do artigo 543-C do Códigode Processo Civil de 1973), somente há capitalização indevida de juros se, após o vencimento do períodopactuado, os juros que não foram pagos passam a integrar o capital devido, e sobre esse capital – formadopelo capital emprestado e também pelos juros vencidos – incidem novos juros; em tais casos, os juros nãopagos que foram incorporados ao capital passam a integrar o saldo devedor do contrato, e são oneradoscomo se fizessem parte do capital original.Confira-se a ementa do acórdão proferido no referido Recurso Repetitivo:“CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCAE APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COMGARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS.DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.MORA. CARACTERIZAÇÃO.1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um anoe permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem porpressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valorprincipal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de ‘taxa de juros simples’ e ‘taxa dejuros compostos’, métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início documprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros nãoimplica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, oque não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - ‘É permitida a capitalização de juros com periodicidadeinferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n.1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada’. - 'A capitalizaçãodos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão nocontrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir acobrança da taxa efetiva anual contratada’.4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada comquaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorreda falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas.6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.”(STJ, 2ª Seção, REsp 973827, Rel. p/ acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 24/09/2012).O e. Superior Tribunal de Justiça, portanto, passou a concluir que não é proibida a utilização da fórmulada matemática financeira para formar a taxa de juros compostos e que, em sentido oposto, é vedada acapitalização de juros em seu sentido estrito (incorporação de juros devidos e vencidos ao capital devido,para efeito da incidência de novos juros), que configura anatocismo.Neste caso resultou evidente que a instituição financeira apenas utilizou no contrato o método compostoquando da formação da taxa efetiva de juros.O método composto é uma função exponencial, em que os juros são elevados à potência análoga aonúmero de meses do contrato, e isso não pode ser afetado pelas circunstâncias peculiares a cada relaçãocontratual. Parte-se da taxa mensal e, com a aplicação do método composto, é elaborado o cálculo da taxaefetiva para o período (tempo) da contratação: quanto maior o prazo do contrato, maior será a taxa efetivade juros.Por isso, é válida a taxa efetiva anual contratada, já que, como visto, o simples fato de haver pactuação detaxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização indevida de juros.Na situação em questão, portanto, a r. sentença deve ser reformada nesse aspecto.Por consequência, com a reforma da sentença nesse aspecto, não há valores a restituir ao autor e, portanto,a sentença também deve ser reformada na parte em que condenou a ré a restituir ao autor os valorescorrespondentes à capitalização de juros.Então, nenhum dos pedidos formulados na inicial deve ser considerado procedente.Ônus sucumbenciaisPor consequência da reforma da sentença, nenhum dos pedidos deduzidos na inicial da ação em exame éprocedente.Incumbe ao autor, portanto, pagar a integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios,mantido o valor fixado pela sentença.E o presente recurso comporta julgamento por decisão monocrática porque a decisão recorrida émanifestamente contrária à jurisprudência pacificada pelo e. Superior Tribunal de Justiça em sede derecurso repetitivo e adotada por este Tribunal.Do exposto, com fundamento no artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil de 1973, dou parcialprovimento ao recurso para reformar a sentença a fim de julgar improcedente o pedido formulado na açãorevisional de contrato, com a condenação do autor ao pagamento das custas processuais e honoráriosadvocatícios, observado o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.Curitiba, data supra.Des. RUI PORTUGAL BACELLAR FILHO – Relator MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. I. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista[1]dos Tribunais, 2016. p. 215. Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.[2] Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, quedesenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercializaçãode produtos ou prestação de serviços. "O princípio do ‘pacta sunt servanda’ cedeu lugar, notadamente nos contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, aos[3]princípios do equilíbrio, da boa-fé e da justiça contratual, donde se conclui ser imperiosa a revisão das cláusulas contratuais que violaremesses ditames, mesmo que se trate de contrato já extinto.” (TJPR, 17ª CCv, ApCv 21791-1, Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin, j.19/05/06).
(TJPR - 17ª C.Cível - 0019351-18.2012.8.16.0001 - São José dos Pinhais - Rel.: Rui Bacellar Filho - J. 12.04.2018)
Data do Julgamento
:
12/04/2018 00:00:00
Data da Publicação
:
12/04/2018
Órgão Julgador
:
17ª Câmara Cível
Relator(a)
:
Rui Bacellar Filho
Comarca
:
São José dos Pinhais
Segredo de justiça
:
Não
Comarca
:
São José dos Pinhais
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