TJRR 10050048015
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001005004801-5
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
APELADA: ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS BRASILEIROS - ASPBRAS
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA interpôs apelação cível em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto da 4ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista, na Ação Civil Pública nº 001002055332-6, que reconheceu a ilegitimidade ativa ad causam do Apelante e extinguiu o feito, na forma do art. 627, VI, do CPC.
O Recorrente afirma, em síntese, que o interesse tutelado na ação, é um interesse difuso, à medida que o universo de pessoas prejudicadas pela Ré, ora Apelada, não se restringe apenas aos que com que ela celebraram contrato, estendendo-se, ao contrário, a toda a coletividade da Comarca de Boa Vista, que, em tese, é vítima em potencial das atividades da Recorrida.
Ao final, pleiteia o provimento do recurso e o conseqüente julgamento da ação, conforme o estado do processo.
A Apelada apresentou contra-razões às fls. 281/306, pugnando pela manutenção da sentença, com pagamento de honorários advocatícios.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
O Representante do Parquet de 2º grau opinou pelo desprovimento do recurso, mantendo-se integralmente a sentença combatida.
Voltaram-me conclusos.
É o relatório.
Encaminhem-se os autos à revisão.
Boa Vista-RR, 14 de junho de 2007.
Des. Almiro Padilha
Relator
4CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001005004801-5
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
APELADA: ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS BRASILEIROS - ASPBRAS
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
A sentença não merece reparos. Explico.
O Magistrado de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, por entender que o Ministério Público de Roraima não possui legitimidade ativa para pleitear o direito em discussão.
O Apelante relata, na sua petição inicial, que a Apelada, Associação Brasileira dos Servidores Públicos Brasileiros – ASPBRAS, vinha efetuando empréstimos a servidores públicos estaduais, com taxa de juros superiores às do mercado, além de debitar quantia superior ao contratado nos contracheques dos servidores.
Afirma, ainda, que, embora no estatuto da Recorrida conste que a empresa caracteriza-se como sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, as suas finalidades, de fato, podem resumir-se a uma só: “[...] conceder empréstimos a qualquer servidor público que a procure, cobrando juros altíssimos, sem muitos esclarecimentos, debitando as prestações na folha de salários e obtendo o máximo possível de lucros, mesmo que indo além do combinado com o servidor.” (fl. 03)
Na apelação, sustenta que o interesse tutelado na ação é difuso porque o universo de pessoas prejudicadas pela Ré/Apelada, não se restringe apenas aos servidores que com ela contrataram, estendendo-se a toda a coletividade da Comarca de Boa Vista, que, em tese, é vítima em potencial das atividades da Recorrida.
Pois bem. Feito esse breve relato dos fatos postos em exame, vejamos as hipóteses de legitimação do Ministério Público para propor ações coletivas, como esta ação civil pública.
Primeiro, há os chamados direitos ou interesses difusos, os quais, segundo as lições de Fernando Grella Vieira , citando Rodolfo de Camargo Mancuso, “[...] não permitiriam a determinação do objeto quanto aos beneficiários individualmente considerados, dada a impossibilidade de ‘partição e atribuição a pessoas ou grupos’, justamente porque não ‘tem a balizá-los uma norma que lhes confere permanência e estabilidade’, pois ‘estão referenciados a situações de fato’, como ocorre, por exemplo, com o dano ecológico”.
O Código de Defesa do Consumidor conceitua os direitos ou interesses difusos como sendo aqueles “[...] transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;” (art. 81, parágrafo único, I).
Sobre a matéria, esclarece, ainda, o Ministro Athos Gusmão Carneiro :
[...] Os interesses difusos caracterizam-se por pertencerem a pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias apenas de fato, apresentando-se como de natureza transindividual e indivisível.
Assim, v.g., o interesse dos que estão (como moradores ou simples viajantes) na cidade de Cubatão/SP e arredores (e em tantas outras cidades...), de respirar um ar menos poluído pelas emanações industriais. Tal interesse transindividual decorre do direito natural à vida e do direito constitucional à saúde e a um meio ambiente sadio; pertence a uma coletividade, a pessoas indeterminadas (os que têm domicílio, os que residem, os que apenas transitam pela cidade) e é indivisível: não é possível proclamá-lo e efetivá-lo em favor de alguém, sem que todas as pessoas que se encontram na mesma situação seja, ipso facto, igualmente beneficiadas.
[...]
Também vítimas de propaganda enganosa de um determinado produto ou serviço, ou do fornecimento por atacado de remédios falsificados ou alimentos em más condições: não é possível determinar quais e quantas as pessoas efetiva ou potencialmente prejudicadas; e a manutenção da prática danosa a todos em tese prejudica, e sua suspensão a todos e a cada um irá favorecer.
De plano, pode-se concluir que o caso em análise não reflete a tutela de direito ou interesse difuso.
A uma, porque as pessoas prejudicadas são perfeitamente determináveis; a duas, porque o interesse é divisível.
Nem se diga que a atividade da Ré prejudica potencialmente a toda a sociedade boavistense, porque nem todos celebram contrato com ela e somente quem a contrata é que pode ser eventualmente lesado.
Depois, temos os chamados direitos coletivos, que, segundo o CDC, são “[...] os individuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;” (art. 81, parágrafo único, II).
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart destacam a diferença entre direitos difusos e coletivos nos seguintes termos:
[...] a diferença essencial entre os direitos difusos e direitos coletivos (stricto sensu) reside no fato de que os direitos difusos pertencem, naturalmente, a pessoas indeterminadas, dissolvidas na sociedade, e que por meras circunstâncias fáticas estão ligadas entre si, enquanto os direitos coletivos (stricto sensu) têm como titular grupo, categoria ou classe de pessoas que estão ligadas entre si ou com o violador (ou potencial violador) do direito por uma relação jurídica base. Portanto, ao contrário do que ocorre com os direitos difusos, os coletivos permitem que se identifique, em um conjunto de pessoas, um núcleo determinado de sujeitos como “titular”. Não interessa se esse grupo é ou não organizado. O que importa realmente é a existência de um agrupamento identificável, como titular do interesse (por exemplo, os consumidores, os aposentados, os contribuintes etc.), não sendo necessário que todos estejam inseridos em associação, sindicato ou outro órgão representativo. Esse órgão será efetivamente legitimado a propor a ação, mas os efeitos da tutela abrangerão a todos os que pertençam ao grupo, independentemente de estarem ou não vinculados ao organismo.
São exemplos de direitos difusos: o direito ao meio ambiente, o direito à saúde pública ou o direito à cultura. Por outro lado, podem ser considerados como direitos coletivos, porque indivisíveis, mas pertencentes a um grupo determinado: o direito de certa classe de trabalhadores a um ambiente sadio de trabalho, o direito dos índios ao seu território, ou o direito dos consumidores à informação adequada.
Como se vê, os direitos coletivos, assim como os difusos, também refletem interesses indivisíveis, embora pertençam a um grupo ou classe determinável ou determinada.
No caso em apreço os interesses são, como já mencionado, divisíveis, razão pela qual também não integram a classe dos direitos ou interesses coletivos.
Por último, há os direitos individuais homogêneos, os quais, de acordo com o CDC, são decorrentes de origem comum (Art. 81, parágrafo único, III).
Trata-se, assim, de direitos individuais, mas que, por serem idênticos, derivados do mesmo fato, podem ser tutelados de forma coletiva, até mesmo para se evitar decisões conflitantes.
Mas exatamente por serem direitos individuais, têm surgido inúmeras dúvidas de quando poderão ser tutelados por meio de ações coletivas ou não.
Acerca do assunto, discorre o Ministro Athos Gusmão :
Assim, dúvida não resta de que o MP, no alusivo à tutela de direitos individuais, somente é legitimado à promoção da ação coletiva no caso de serem tais direitos não apenas titulados por um número plural de pessoas (quantas?), como ainda de serem provenientes de uma “origem comum” e de se revestirem de “indisponibilidade”.
5. Necessário, todavia, indagar qual o significado, neste contexto, da indisponibilidade referida na lei ordinária. Parece-nos inaplicável, aqui, o conceito de direito indisponível stricto sensu, como direito insuscetível de ser renunciado, em hipótese alguma, pelo respectivo titular; aliás, pouco o são, no âmbito obrigacional e da responsabilidade civil.
Consoante a orientação dominante nos pretórios, o conceito de “direito indisponível”, para efeito de autorizar a atuação do MP em sua defesa, decorre da circunstância de o “interesse coletivo” apresentar-se em primeiro plano, tornando-se, na perspectiva jurídica, menos relevante o interesse privado do titular em sua efetivação.
6. Em que circunstâncias, contudo, estará o interesse coletivo assumindo um “primeiro plano”? Induvidosamente, tal ocorre quando a solução a ser dada ao caso concreto transcende ao interesse patrimonial individual dos titulares na prestação satisfativa, e se projeta no universo jurídico de modo a influenciar, a refletir-se de forma relevante em uma gama de situações análogas.
No caso sub examine, não vislumbro o caráter de indisponibilidade dos direitos dos servidores públicos que contrataram com a Recorrida, haja vista que os interesses tutelados nesta ação, em meu sentir, refletem-se em interesses essencialmente particulares de cada servidor, e não interesses relevantes da sociedade.
Não bastasse isso, a proibição de funcionamento da Apelada pode não ser uma solução desejada por todos os servidores, pelo que não se pode dizer que a solução, neste caso, transcende ao ‘interesse patrimonial individual dos titulares na prestação satisfativa.”
Não se trata, portanto, de interesse social relevante, revestido de natureza de direito indisponível que justifique a legitimação do Ministério Público.
Nesse sentido, confira alguns julgados:
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSÓRCIO - ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ACOLHIMENTO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
-Os contratos particulares de consórcio para aquisição de veículo mostram-se desprovidos de relevância social, carecendo de legitimidade ativa o Ministério Público, para o manejo da ação civil pública.(TJDF – APC nº 20010150047693, Relator DÁCIO VIEIRA, 5ª Turma Cível, julgado em 30/09/2002, DJ 19/08/2004 p. 103)
***
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INDENIZATÓRIA. ILEGITIMIDADE ATIVA. COMPROMISSOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. ATRASO NA ENTREGA DE APARTAMENTOS EM CONSTRUÇÃO. INICIAL INDEFERIDA. PROCESSO EXTINTO.
I. A falta de configuração de real interesse coletivo afasta a legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública objetivando o recebimento de indenização pelo atraso na entrega da obra de imóveis compromissados à venda, mormente quando se identifica verdadeira hipótese de invasão da seara da advocacia particular e, inobstante o limitado grupo de possíveis interessados, de fácil identificação, a instrução da inicial traz à colação apenas dois contratos, sem esforço prévio relevante para a congregação do todo ou de um número mais expressivo, ensejando interpretação de que, na espécie, a lide foi proposta para atender apenas alguns descontentes.
II. Recurso especial não conhecido.
(REsp 236.161/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 06.04.2006, DJ 02.05.2006 p. 333)
***
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
O Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos, quando inexistente relevante interesse social compatível com a finalidade da instituição.
Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 613.493/DF, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 04.08.2005, DJ 20.03.2006 p. 281)
Observa-se, destarte, que o presente caso não se subsume a qualquer das hipóteses de legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública.
Ante o exposto, conheço e nego provimento ao recurso, mantendo incólume a decisão atacada, em total sintonia com o Ministério Público graduado.
É como voto.
Boa Vista-RR, 26 de junho de 2007.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001005004801-5
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
APELADA: ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS BRASILEIROS - ASPBRAS
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE DIREITOS OU INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS OU INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Colenda Câmara Única, integrantes da Turma Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Sala das Sessões da Câmara Única do E. TJRR, em Boa Vista - RR, 26 de junho de 2007.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. Ricardo Oliveira
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Esteve Presente: _____________________________
Procurador-Geral de Justiça
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3640, Boa Vista-RR, 06 de Julho de 2007 – p. 07.
( : 26/06/2007 ,
: ,
: 0 ,
Ementa
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001005004801-5
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
APELADA: ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS BRASILEIROS - ASPBRAS
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA interpôs apelação cível em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto da 4ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista, na Ação Civil Pública nº 001002055332-6, que reconheceu a ilegitimidade ativa ad causam do Apelante e extinguiu o feito, na forma do art. 627, VI, do CPC.
O Recorrente afirma, em síntese, que o interesse tutelado na ação, é um interesse difuso, à medida que o universo de pessoas prejudicadas pela Ré, ora Apelada, não se restringe apenas aos que com que ela celebraram contrato, estendendo-se, ao contrário, a toda a coletividade da Comarca de Boa Vista, que, em tese, é vítima em potencial das atividades da Recorrida.
Ao final, pleiteia o provimento do recurso e o conseqüente julgamento da ação, conforme o estado do processo.
A Apelada apresentou contra-razões às fls. 281/306, pugnando pela manutenção da sentença, com pagamento de honorários advocatícios.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
O Representante do Parquet de 2º grau opinou pelo desprovimento do recurso, mantendo-se integralmente a sentença combatida.
Voltaram-me conclusos.
É o relatório.
Encaminhem-se os autos à revisão.
Boa Vista-RR, 14 de junho de 2007.
Des. Almiro Padilha
Relator
4CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001005004801-5
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
APELADA: ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS BRASILEIROS - ASPBRAS
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
A sentença não merece reparos. Explico.
O Magistrado de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, por entender que o Ministério Público de Roraima não possui legitimidade ativa para pleitear o direito em discussão.
O Apelante relata, na sua petição inicial, que a Apelada, Associação Brasileira dos Servidores Públicos Brasileiros – ASPBRAS, vinha efetuando empréstimos a servidores públicos estaduais, com taxa de juros superiores às do mercado, além de debitar quantia superior ao contratado nos contracheques dos servidores.
Afirma, ainda, que, embora no estatuto da Recorrida conste que a empresa caracteriza-se como sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, as suas finalidades, de fato, podem resumir-se a uma só: “[...] conceder empréstimos a qualquer servidor público que a procure, cobrando juros altíssimos, sem muitos esclarecimentos, debitando as prestações na folha de salários e obtendo o máximo possível de lucros, mesmo que indo além do combinado com o servidor.” (fl. 03)
Na apelação, sustenta que o interesse tutelado na ação é difuso porque o universo de pessoas prejudicadas pela Ré/Apelada, não se restringe apenas aos servidores que com ela contrataram, estendendo-se a toda a coletividade da Comarca de Boa Vista, que, em tese, é vítima em potencial das atividades da Recorrida.
Pois bem. Feito esse breve relato dos fatos postos em exame, vejamos as hipóteses de legitimação do Ministério Público para propor ações coletivas, como esta ação civil pública.
Primeiro, há os chamados direitos ou interesses difusos, os quais, segundo as lições de Fernando Grella Vieira , citando Rodolfo de Camargo Mancuso, “[...] não permitiriam a determinação do objeto quanto aos beneficiários individualmente considerados, dada a impossibilidade de ‘partição e atribuição a pessoas ou grupos’, justamente porque não ‘tem a balizá-los uma norma que lhes confere permanência e estabilidade’, pois ‘estão referenciados a situações de fato’, como ocorre, por exemplo, com o dano ecológico”.
O Código de Defesa do Consumidor conceitua os direitos ou interesses difusos como sendo aqueles “[...] transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;” (art. 81, parágrafo único, I).
Sobre a matéria, esclarece, ainda, o Ministro Athos Gusmão Carneiro :
[...] Os interesses difusos caracterizam-se por pertencerem a pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias apenas de fato, apresentando-se como de natureza transindividual e indivisível.
Assim, v.g., o interesse dos que estão (como moradores ou simples viajantes) na cidade de Cubatão/SP e arredores (e em tantas outras cidades...), de respirar um ar menos poluído pelas emanações industriais. Tal interesse transindividual decorre do direito natural à vida e do direito constitucional à saúde e a um meio ambiente sadio; pertence a uma coletividade, a pessoas indeterminadas (os que têm domicílio, os que residem, os que apenas transitam pela cidade) e é indivisível: não é possível proclamá-lo e efetivá-lo em favor de alguém, sem que todas as pessoas que se encontram na mesma situação seja, ipso facto, igualmente beneficiadas.
[...]
Também vítimas de propaganda enganosa de um determinado produto ou serviço, ou do fornecimento por atacado de remédios falsificados ou alimentos em más condições: não é possível determinar quais e quantas as pessoas efetiva ou potencialmente prejudicadas; e a manutenção da prática danosa a todos em tese prejudica, e sua suspensão a todos e a cada um irá favorecer.
De plano, pode-se concluir que o caso em análise não reflete a tutela de direito ou interesse difuso.
A uma, porque as pessoas prejudicadas são perfeitamente determináveis; a duas, porque o interesse é divisível.
Nem se diga que a atividade da Ré prejudica potencialmente a toda a sociedade boavistense, porque nem todos celebram contrato com ela e somente quem a contrata é que pode ser eventualmente lesado.
Depois, temos os chamados direitos coletivos, que, segundo o CDC, são “[...] os individuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;” (art. 81, parágrafo único, II).
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart destacam a diferença entre direitos difusos e coletivos nos seguintes termos:
[...] a diferença essencial entre os direitos difusos e direitos coletivos (stricto sensu) reside no fato de que os direitos difusos pertencem, naturalmente, a pessoas indeterminadas, dissolvidas na sociedade, e que por meras circunstâncias fáticas estão ligadas entre si, enquanto os direitos coletivos (stricto sensu) têm como titular grupo, categoria ou classe de pessoas que estão ligadas entre si ou com o violador (ou potencial violador) do direito por uma relação jurídica base. Portanto, ao contrário do que ocorre com os direitos difusos, os coletivos permitem que se identifique, em um conjunto de pessoas, um núcleo determinado de sujeitos como “titular”. Não interessa se esse grupo é ou não organizado. O que importa realmente é a existência de um agrupamento identificável, como titular do interesse (por exemplo, os consumidores, os aposentados, os contribuintes etc.), não sendo necessário que todos estejam inseridos em associação, sindicato ou outro órgão representativo. Esse órgão será efetivamente legitimado a propor a ação, mas os efeitos da tutela abrangerão a todos os que pertençam ao grupo, independentemente de estarem ou não vinculados ao organismo.
São exemplos de direitos difusos: o direito ao meio ambiente, o direito à saúde pública ou o direito à cultura. Por outro lado, podem ser considerados como direitos coletivos, porque indivisíveis, mas pertencentes a um grupo determinado: o direito de certa classe de trabalhadores a um ambiente sadio de trabalho, o direito dos índios ao seu território, ou o direito dos consumidores à informação adequada.
Como se vê, os direitos coletivos, assim como os difusos, também refletem interesses indivisíveis, embora pertençam a um grupo ou classe determinável ou determinada.
No caso em apreço os interesses são, como já mencionado, divisíveis, razão pela qual também não integram a classe dos direitos ou interesses coletivos.
Por último, há os direitos individuais homogêneos, os quais, de acordo com o CDC, são decorrentes de origem comum (Art. 81, parágrafo único, III).
Trata-se, assim, de direitos individuais, mas que, por serem idênticos, derivados do mesmo fato, podem ser tutelados de forma coletiva, até mesmo para se evitar decisões conflitantes.
Mas exatamente por serem direitos individuais, têm surgido inúmeras dúvidas de quando poderão ser tutelados por meio de ações coletivas ou não.
Acerca do assunto, discorre o Ministro Athos Gusmão :
Assim, dúvida não resta de que o MP, no alusivo à tutela de direitos individuais, somente é legitimado à promoção da ação coletiva no caso de serem tais direitos não apenas titulados por um número plural de pessoas (quantas?), como ainda de serem provenientes de uma “origem comum” e de se revestirem de “indisponibilidade”.
5. Necessário, todavia, indagar qual o significado, neste contexto, da indisponibilidade referida na lei ordinária. Parece-nos inaplicável, aqui, o conceito de direito indisponível stricto sensu, como direito insuscetível de ser renunciado, em hipótese alguma, pelo respectivo titular; aliás, pouco o são, no âmbito obrigacional e da responsabilidade civil.
Consoante a orientação dominante nos pretórios, o conceito de “direito indisponível”, para efeito de autorizar a atuação do MP em sua defesa, decorre da circunstância de o “interesse coletivo” apresentar-se em primeiro plano, tornando-se, na perspectiva jurídica, menos relevante o interesse privado do titular em sua efetivação.
6. Em que circunstâncias, contudo, estará o interesse coletivo assumindo um “primeiro plano”? Induvidosamente, tal ocorre quando a solução a ser dada ao caso concreto transcende ao interesse patrimonial individual dos titulares na prestação satisfativa, e se projeta no universo jurídico de modo a influenciar, a refletir-se de forma relevante em uma gama de situações análogas.
No caso sub examine, não vislumbro o caráter de indisponibilidade dos direitos dos servidores públicos que contrataram com a Recorrida, haja vista que os interesses tutelados nesta ação, em meu sentir, refletem-se em interesses essencialmente particulares de cada servidor, e não interesses relevantes da sociedade.
Não bastasse isso, a proibição de funcionamento da Apelada pode não ser uma solução desejada por todos os servidores, pelo que não se pode dizer que a solução, neste caso, transcende ao ‘interesse patrimonial individual dos titulares na prestação satisfativa.”
Não se trata, portanto, de interesse social relevante, revestido de natureza de direito indisponível que justifique a legitimação do Ministério Público.
Nesse sentido, confira alguns julgados:
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSÓRCIO - ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ACOLHIMENTO - EXTINÇÃO DO FEITO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
-Os contratos particulares de consórcio para aquisição de veículo mostram-se desprovidos de relevância social, carecendo de legitimidade ativa o Ministério Público, para o manejo da ação civil pública.(TJDF – APC nº 20010150047693, Relator DÁCIO VIEIRA, 5ª Turma Cível, julgado em 30/09/2002, DJ 19/08/2004 p. 103)
***
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INDENIZATÓRIA. ILEGITIMIDADE ATIVA. COMPROMISSOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. ATRASO NA ENTREGA DE APARTAMENTOS EM CONSTRUÇÃO. INICIAL INDEFERIDA. PROCESSO EXTINTO.
I. A falta de configuração de real interesse coletivo afasta a legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública objetivando o recebimento de indenização pelo atraso na entrega da obra de imóveis compromissados à venda, mormente quando se identifica verdadeira hipótese de invasão da seara da advocacia particular e, inobstante o limitado grupo de possíveis interessados, de fácil identificação, a instrução da inicial traz à colação apenas dois contratos, sem esforço prévio relevante para a congregação do todo ou de um número mais expressivo, ensejando interpretação de que, na espécie, a lide foi proposta para atender apenas alguns descontentes.
II. Recurso especial não conhecido.
(REsp 236.161/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 06.04.2006, DJ 02.05.2006 p. 333)
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
O Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos, quando inexistente relevante interesse social compatível com a finalidade da instituição.
Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 613.493/DF, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 04.08.2005, DJ 20.03.2006 p. 281)
Observa-se, destarte, que o presente caso não se subsume a qualquer das hipóteses de legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública.
Ante o exposto, conheço e nego provimento ao recurso, mantendo incólume a decisão atacada, em total sintonia com o Ministério Público graduado.
É como voto.
Boa Vista-RR, 26 de junho de 2007.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001005004801-5
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
APELADA: ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS BRASILEIROS - ASPBRAS
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE DIREITOS OU INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS OU INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Colenda Câmara Única, integrantes da Turma Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Sala das Sessões da Câmara Única do E. TJRR, em Boa Vista - RR, 26 de junho de 2007.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. Ricardo Oliveira
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Esteve Presente: _____________________________
Procurador-Geral de Justiça
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3640, Boa Vista-RR, 06 de Julho de 2007 – p. 07.
( : 26/06/2007 ,
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Data do Julgamento
:
26/06/2007
Data da Publicação
:
06/07/2007
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. ALMIRO PADILHA
Tipo
:
Acórdão
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