TJRR 10060053716
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006005371-6
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADA: YACY MEDEIROS DA SILVA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
O ESTADO DE RORAIMA interpôs Apelação Cível em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 8ª Vara Cível da Comarca desta Capital, na Ação de Indenização nº 001004083611-5.
Consta nos autos que a Autora, ora Apelada, propôs referida ação a fim de ver-se ressarcida por danos morais e materiais em face da conduta do agente estatal, no caso, um médico, que esqueceu uma compressa cirúrgica em seu abdômen após um procedimento cirúrgico.
Afirma a Demandante, na petição inicial, que deu entrada no Hospital Geral de Roraima no dia 11/08/03, vítima de acidente de trânsito, apresentando quadro de trauma abdominal, sendo submetida a uma intervenção cirúrgica no mesmo dia.
Alega que, alguns dias após a cirurgia, passou a sentir fortes dores abdominais e vômitos, mas o médico responsável dizia que eram ocorrências normais.
Por último, afirma que foi à Manaus, no mês de dezembro de 2003, e lá detectaram a presença de corpo estranho e submeteram-na a uma cirurgia para a retirada da compressa.
O magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o Estado ao pagamento apenas dos danos morais, arbitrados em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), mais honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.
Inconformado, o Estado de Roraima apela, aduzindo:
Preliminarmente:
a) falta de requisitos essenciais da petição inicial, precisamente os contidos nos arts. 282, VI e 283, ambos do CPC, haja vista que não juntou as provas com que pretendia demonstrar a verdade dos fatos alegados, tampouco trouxe seus documentos pessoais, que seriam indispensáveis à propositura da ação;
b) nulidade da instrução pela falta de realização da audiência preliminar e do saneamento do processo, prejudicando o exercício do direito de ampla defesa. “[...] Além disso, as preliminares levantadas na contestação deveriam ter sido enfrentadas, para que o contestante tivesse conhecimento, antes da realização da instrução processual, se o mérito iria ou não ser apreciado.” (fl. 225);
c) necessidade de denunciação à lide do médico responsável pela cirurgia.
No mérito:
a) é inverídica a informação prestada pela Autora de que não conseguia ter contato com o médico que a operou, pois os próprios prontuários de atendimento juntados pela Apelada demonstram o contrário;
b) os cuidados médicos com a Recorrida foram realizados de forma correta, dentro do que oferece a atual medicina, sendo realizado dois exames de ultrasonografia, não se constatando qualquer corpo estranho no interior do abdômen da Apelada;
c) “Clarividente resta que o fato se deu por culpa exclusiva da vítima não havendo qualquer intervenção por parte do Estado que levasse a autora a sofrer o acidente de que foi vítima e, por conseguinte, passasse dos males pelos quais padeceu. [...] O que se quer demonstrar é que as lesões sofridas na região abdominal da vítima não foram decorrentes de suposta cirurgia realizada no Hospital Geral de Roraima, mas, como evidente, do acidente automobilístico narrado na exordial.” (fl. 238/239).
d) não há comprovação de danos materiais, pelo que devem ser indeferidos;
e) o valor dos danos morais deve ser reduzido, observando-se as condições financeiras da parte e a repercussão do dano sofrido, em especial a condição de ente público do Estado-réu. Além disso, a indenização deve ser fixada sem perder de vista o direito de regresso do Estado, pois, sendo um valor muito alto, o servidor responsável não teria como pagar;
f) caso mantida a condenação do Estado, deve ser reconhecida a sucumbência recíproca, uma vez que a Autora não obteve os danos materiais.
Por fim, requer o conhecimento e provimento do recurso, reformando-se a sentença para julgar inteiramente improcedente o pedido autoral, sendo a Recorrida condenada nos ônus sucumbenciais.
A Apelada apresentou contra-razões às fls. 248/253, pugnando pela manutenção da sentença.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
O Representante do Ministério Público de 2º absteve-se de intervir no feito como custos legis.
Voltaram-me conclusos.
É o relatório.
Encaminhem-se à revisão.
Boa Vista-RR, 09 de junho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006005371-6
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADA: YACY MEDEIROS DA SILVA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
DAS PRELIMINARES
Primeiramente, deve-se ressaltar que o agravo retido interposto às fls. 135/136 não pode ser apreciado, à medida que não foi reiterado nas razões da apelação.
1 – Falta de requisitos essenciais na petição inicial.
O Estado de Roraima aduz que a Apelada não juntou as provas com que pretendia demonstrar a verdade dos fatos, além de não colacionar seus documentos pessoais.
No que tange às provas do fato alegado, entendo que estão representadas pelos documentos de fls. 09/37.
Em relação aos documentos pessoais da Recorrida, estou que sua falta não constitui qualquer vício, tampouco prejudica a defesa do Apelante.
Além disso, não está no rol dos requisitos que devem constar na petição inicial, conforme a regra do art. 282, do CPC.
De mais a mais, se o Recorrente tinha dúvidas em relação à identidade da Recorrida, pôde saná-las na audiência em que compareceu a Autora, quando então fora tomado o seu depoimento (fls. 143/144).
2 – Nulidade da instrução pela falta de realização da audiência preliminar.
Não obstante a regra insculpida no art. 331, do CPC, a jurisprudência pátria tem entendido que a falta da audiência preliminar não acarreta a nulidade do processo quando não restar comprovada a existência de prejuízos às partes ou quando se tratar de direitos indisponíveis, senão vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DA SENTENÇA POR OFENSA À COISA JULGADA E POR CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PRELIMINARES REJEITADAS. INCIDÊNCIA DO CDC. ACIDENTE DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO.
Não há falar-se em nulidade de sentença por ofensa à coisa julgada, pois, ao tratar da ausência de elementos de convicção para embasar a condenação, busca o apelante, inopotunamente, a discussão do meritum causae em sede de preliminar.
Inexistente a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, quando a própria parte, instada a produzir provas, rejeita a oportunidade por considerar suficientes os elementos probatórios dos autos.
A não realização da audiência de conciliação não tem o condão de gerar a nulidade, constituindo sua ausência mera irregularidade.”
(...)
(ApCv nº 20040150043841. TJ/DF. Relator: Carmelita Brasil. J. 27.09.2004.)
***
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AGRESSÃO FÍSICA A REPRESENTANTE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL COMETIDA POR AGENTES PÚBLICOS. DANO MORAL.
ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 300 DO CPC. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
NÃO-DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRELIMINAR DE CONCILIAÇÃO (CPC, ART.
331). NULIDADE (NÃO-COMINADA) INEXISTENTE. PRECLUSÃO. ATO ILÍCITO E NEXO CAUSAL. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DE PROVA. SÚMULA 7/STJ.
1. A suposta ofensa ao art. 300 do CPC é inadmissível, por falta de prequestionamento. Aplicação das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Tratando-se de direitos insuscetíveis de transação, não há obrigatoriedade na designação de audiência preliminar, podendo o juiz, se necessário, sanear o processo por escrito, decidindo eventuais questões pendentes e determinando a produção de provas. Interpretação do art. 331, § 3º, do CPC. Doutrina.
3. A decretação da nulidade não-cominada exige, além do comprometimento da finalidade do ato (CPC, art. 244), a concreta demonstração do prejuízo (CPC, arts. 249, § 1º, e 250, parágrafo único). Aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas e do aproveitamento dos autos processuais.
4. O recorrente não alegou nenhuma nulidade processual durante a instrução, tampouco nos memoriais, limitando-se a reiterar os argumentos da contestação: ausência de prova do ato ilícito e, eventualmente, a existência de responsabilidade pessoal dos servidores públicos denunciados. Somente após a prolação da sentença de procedência da ação principal e de improcedência da secundária (denunciação da lide), suscitou a nulidade do procedimento nos embargos de declaração, quando já preclusa a matéria (CPC, art.245).
5. O julgamento da alegada violação do art. 333, I, do CPC – para fins de se descaracterizar o ato ilícito (agressões físicas), o dano moral e o nexo causal e, assim, afastar a condenação –, depende, necessariamente, do reexame de fatos e provas, atividade cognitiva vedada nesta instância superior (Súmula 7/STJ). Precedente.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(REsp 796.593/RR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19.06.2007, DJ 02.08.2007 p. 359). Grifei.
No vertente caso, o Apelante não foi prejudicado pelo falta da audiência, mormente porque o Magistrado oportunizou a produção de provas e apreciou as preliminares no momento da primeira audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que o Recorrente interpôs inclusive um agravo retido (fls. 135/136).
Ressalte-se que a audiência realizou-se em quatro etapas, e já na primeira, foram apreciadas as preliminares. Ou seja, houve oportunidade do Estado de Roraima interpor eventual recurso. Portanto, não há que se falar em nulidade da instrução.
Não bastasse isso, é cediço que os direitos defendidos pelo Recorrente são indisponíveis, em face da sua própria natureza de ente público.
3 – Da necessidade de denunciação
Com efeito, o art. 70, III, prevê a obrigatoriedade de denunciação daquele que estiver obrigado por lei ou por contrato a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Contudo, doutrina e jurisprudência tendem a não tornar a denunciação obrigatória quando, em função dela, houver a necessidade de se introduzir no processo argumentos diversos daqueles discutidos na ação principal, prejudicando a celeridade do rito.
Exemplo clássico é o que ocorre no caso em debate, ou seja, quando o Estado é demandado em ação de indenização, fundada na responsabilidade objetiva, e denuncia a lide ao agente público, que responde perante o ente público com base na responsabilidade subjetiva. Ou seja, um novo fundamento estaria sendo trazido ao processo, o que acabaria exigindo uma dilação probatória maior.
Nesse sentido:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ART. 70, INC. III, CPC. PROVA DO DANO. SÚMULA Nº 7/STJ. JUROS DE MORA.
INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.494/97.
I - A jurisprudência deste Tribunal Superior se encontra assentada no entendimento de que "nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado (CF/88, art. 37, § 6º), não é obrigatória a denunciação da lide do agente público supostamente responsável pelo ato lesivo (CPC, art. 70, III)" (REsp nº 521434/TO, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 08/06/06).
II - Quanto ao argumento relativo à ausência de prova que justifique a condenação do Estado a reparar o dano, verifica-se a necessidade de reexame do conjunto fático-probatório exposto nos autos para que se possa infirmar os fundamentos do v. aresto recorrido, o que é inviável em sede de recurso especial por força do óbice imposto pela Súmula nº 07/STJ.
III - O disposto no artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97 para fixação da taxa de juros moratórios, não se aplica à hipótese, por ser norma especial, de alcance limitado aos casos de pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos.
Precedente: REsp nº 865.310/RN, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 27/11/06.
IV - Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EDcl no REsp 927.940/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07.08.2007, DJ 03.09.2007 p. 143)
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RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – NÃO-CONHECIMENTO – AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO – DENUNCIAÇÃO À LIDE – DESNECESSIDADE – POSSIBILIDADE DE AÇÃO REGRESSIVA.
1. Recurso não-conhecido quanto à alegada violação do art. 5º, inciso LV, bem como do art. 37, § 6º, ambos da Constituição Federal.
A competência do Superior Tribunal de Justiça refere-se à matéria infraconstitucional, e a discussão sobre preceitos da Carta Maior cabe à Suprema Corte.
2. Não resta evidenciada a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido.
3. Em observância aos princípios da economia e celeridade processuais, a não denunciação à lide de servidor público causador de dano decorrente de acidente de veículo não causa nulidade ao processo. Precedentes.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(REsp 850.251/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27.02.2007, DJ 09.03.2007 p. 300)
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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO SERVIDOR. NÃO-OBRIGATORIEDADE. DIREITO DE REGRESSO ASSEGURADO.
PRECEDENTES DO STJ. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. A denunciação da lide ao servidor público nos casos de indenização fundada na responsabilidade objetiva do Estado não deve ser considerada como obrigatória, pois impõe ao autor manifesto prejuízo à celeridade na prestação jurisdicional. Haveria em um mesmo processo, além da discussão sobre a responsabilidade objetiva referente à lide originária, a necessidade da verificação da responsabilidade subjetiva entre o ente público e o agente causador do dano, a qual é desnecessária e irrelevante para o eventual ressarcimento do particular.
2. Ademais, o direito de regresso do ente público em relação ao servidor, nos casos de dolo ou culpa, é assegurado no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o qual permanece inalterado ainda que inadmitida a denunciação da lide.
3. Orientação pacífica das Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça.
4. Recurso especial desprovido.
(REsp 606.224/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 437)
In casu, considerando que a denunciação provocaria uma dilação probatória mais prolongada e, portanto, mais demorada, prejudicando sobremaneira a Autora, entendo ser desnecessária. Por isso, não há que se falar em nulidade por falta da denunciação.
DO MÉRITO:
No mérito, assiste parcial razão ao Recorrente. Vejamos.
Estabelece o art. 37, § 6º, da CF:
Art. 37. [...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Esse dispositivo consagrou a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, muito embora admita-se, doutrinária e jurisprudencialmente, a responsabilidade subjetiva quando se tratar de conduta omissiva.
No caso sub examine, o ato lesivo foi o “esquecimento” de uma compressa cirúrgica no abdômen da Apelada após a realização de uma cirurgia em virtude de um acidente de trânsito.
Confira trechos do depoimento da Recorrida:
“[...] que foi internada na data indicada na vestibular no HGR; que foi internada em virtude de um acidente de veículo; que a depoente ficou por quase três meses internada; que a água que bebia saía pela abertura cirúrgica após a alta da depoente; que procurou o mesmo médico que fez a cirurgia e este disse que era um procedimento normal da cirurgia; que a depoente foi até Manaus/AM, consultar outro médico, que chegou-se à conclusão que havia um ‘corpo estranho’ no interior da depoente; que o ‘corpo estranho’ foi constatado através de um ultra-som e a conclusão de ser uma compressa cirúrgica se chegou após a realização de uma nova cirurgia. [...] que o médico que fez a cirurgia inicial na autora, ao ser procurado em razão das dores que a mesma sentia, por diversas vezes se ocultava da mesma; que no dia em que conseguiu falar com o médico este teria dito à autora que estaria viajando e que a autora teve surpresa de chegando ao HGR ser este o médico que estava no plantão de sobreaviso, que lá conversando com o médico este disse que era normal o que a autora vinha sentindo como decorrência da cirurgia; que cerca de uma semana após essa consulta a autora teve que ir até Manaus/AM para resolver as complicações; que quando foi para Manaus/AM a autora quase não mais levantava da cama de dores; que a secreção que saía no local da cirurgia era muito fétida; que as pessoas quase nem se aproximavam mais da autora; [...] que após a retirada do ‘corpo estranho’ a autora foi submetida à outras cinco cirurgias; que a depoente como conseqüência das cirurgias tem uma cicatriz que toma todo o seu abdômen; que em decorrência das cirurgias a depoente sofreu conseqüências no sentido em que não mais poderá ter filhos. [...] que quando a depoente sofreu o acidente faziam quarenta dias que a mesma havia se submetido a uma cesariana; [...] (fl. 143)
Trata-se, como se vê, de uma conduta comissiva do agente estatal, pois o médico responsável deixou um corpo estranho no abdômen da Recorrida. Isso a fez viajar para a cidade de Manaus, onde se submeteu a vários outros procedimentos cirúrgicos, em razão da infecção ocasionada pela compressa, conforme depoimento da médica LÚCIA CRISTINA FURTADO GALVÃO:
“[...] que a depoente é médica cirurgia (sic) atendeu (sic) no Hospital Pronto Socorro João Lúcio, nesta cidade; que a depoente foi quem atendeu a Autora, então paciente, em sistema de pronto socorro; que foi ela depoente quem tomou todos os procedimentos médicos e cirúrgicos; que foi ela depoente quem submeteu, realmente, a Autora à cirurgia de laparotomia exploradora; que a paciente chegou no Hospital e se submeteu a exames complementares, entre eles à ultra-sonografia; que foi diagnosticado um abscesso cavitário e a presença de corpo estranho, no caso, compressa cirúrgica; que em razão desse fato, foi indicada a referida cirurgia, sendo que, posteriormente, foram necessárias limpezas cirúrgicas e o uso de uma técnica chamada peritoniostomia com tela inorgânica; que a paciente foi submetida a seis procedimentos até completa normalidade do estado de saúde da paciente; que a depoente não precisar exatamente há quanto tempo a compressa estava no interior do corpo da paciente; [...] que a depoente pode afirmar que a Autora apresentava uma cicatriz cirúrgica, com drenagem de secreção purulenta, anteriormente ao procedimento por ela realizado; [...]” (fls. 186/187).
Como se vê, posteriormente à realização da cirurgia no abdômen da Apelada, esta reclamava seguidamente de dores e da inflamação na cicatriz sem que, contudo, fosse detectada qualquer anormalidade pelo médico que fez a sua cirurgia, tampouco por aquele que realizou um exame de ultra-som (fl. 31).
O fato de ter havido acompanhamento do médico, demonstrado pelos prontuários trazidos com a petição inicial, não exime a responsabilidade do Estado pelo ato lesivo praticado por seu agente.
Isso porque, em que pese o mencionado acompanhamento, ainda, assim, não fora detectado o que, de fato, afetava a saúde da Recorrida, ou seja, a presença de uma compressa cirúrgica em seu abdômen.
Assim é que, demonstrados a conduta, o nexo causal, e o dano, resta configurada a obrigação de reparar imputada ao ente público responsável, haja vista ser desnecessária a prova de culpa, por se tratar de responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º, CF).
A esse propósito:
DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - COMUNICAÇÃO DE RESULTADO EQUIVOCADO POSITIVO DE HIV -CONDENAÇÃO EM MONTANTE RAZOÁVEL E PROPORCIONAL.
1. A responsabilidade objetiva do Estado, com guarida no artigo 37, §6º, da atual Constituição Federal, prescinde da prova do dolo ou da culpa, bastando perquirir o nexo de causalidade entre o dano e a conduta comissiva do ente público.
2. Demonstrado o ato ensejador do dano, bem como o nexo de causalidade, surge a obrigação de indenizar, que deve ser fixada levando-se em conta a razoabilidade e a proporcionalidade em face do dano sofrido, bem como o caráter compensatório e inibidor da medida.
3. Apelação e Remessa Oficial improvidas.(TJDF - 20060110506426APC, Relator CRUZ MACEDO, 4ª Turma Cível, julgado em 07/11/2007, DJ 29/11/2007 p. 99)
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AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ART. 37, § 6.º DA CF - FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL - ERRO MÉDICO - AMPUTAÇÃO DE MEMBRO SUPERIOR. Responde o Município por danos materiais e morais, em decorrência de erro médico que culminou na amputação do membro superior da autora. ( TJMG - APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0145.98.021337-8/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA, RELATOR: EXMO. SR. DES. SILAS VIEIRA, j. 12-08/04, p. 16/12/04).
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EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA POR ATO DE PREPOSTO. PLEITO DE PENSIONAMENTO MENSAL. VEROSSIMILHANÇA E PERICULUM IN MORA CONFIGURADOS. SÚMULA 341 DO STF. O ente público pode ser responsabilizado objetivamente por ato ilícito praticado por prepostos nas dependências de hospital sob sua responsabilidade. Desta forma, havendo fortes indícios de que o município não zelara pela qualidade do atendimento da autora Roseli, cuja cirurgia se dera em nosocômio sob a responsabilidade da Administração Municipal, tem-se por presumível a culpa desta. Ademais, a urgência da medida pleiteada é evidente, visto que a família da autora despende vultosas quantias para arcar com o seu tratamento especializado. Assim, justifica-se o restabelecimento de pensionamento anteriormente percebido, mas não a majoração deste ou o pagamento de parcelas vencidas, porquanto tais matérias não foram tratadas pelo magistrado de primeiro grau. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70016292617, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 27/09/2006)
É descabida a alegação de que o fato se deu por culpa exclusiva da vítima, uma vez que as lesões sofridas na região abdominal seriam decorrentes do acidente automobilístico narrado na exordial, e não da compressa cirúrgica deixada em seu abdômen.
Ora, o acidente foi causa apenas da realização da cirurgia. Os danos reclamados pela Apelada são conseqüências de uma conduta imperita do médico, que “esqueceu” um corpo estranho no abdômen da Recorrida, provocando-lhe infecção e obrigando-a a submeter-se a outros procedimentos cirúrgicos.
A tese lançada pelo Apelante levaria ao absurdo de não admitir a responsabilidade civil do Estado nos casos de pacientes que chegassem ao hospital vítimas de acidente de trânsito, ainda que o dano causado fosse oriundo de erro médico!!!
No concernente aos danos materiais, nada há que se combater, haja vista que a sentença não os reconheceu.
No que tange ao quantum arbitrado a título de danos morais, não vislumbro razão para reduzi-lo.
Conforme se extrai dos autos, a Apelada suportou enormes transtornos, pois poucos dias depois de ter um filho, passou a enfrentar sérios problemas de saúde em virtude da conduta lesiva dos agentes estatais após o procedimento cirúrgico realizado em decorrência de um acidente de trânsito.
Sequer pôde dedicar-se com afinco ao filho recém-nascido e ainda foi submetida a uma cirurgia e outros procedimentos, conforme afirmado pela médica responsável.
De mais a mais, há que se ressaltar que o “esquecimento” de uma compressa cirúrgica dentro do organismo de um paciente por um médico é ato de extrema gravidade e altamente reprovável, justificando, portanto o montante fixado pela Juíza de primeiro grau.
Outrossim, deve-se atentar para a dupla função dos danos morais: reparação e punição. A reparação é a compensação pela dor suportada pela vítima; a punição é uma reprimenda ao responsável, inibindo-o de reincidir na prática da conduta lesiva.
Assim, levando-se em consideração a situação socioeconômica das partes, a conduta do agente do Apelante, o dano e sua repercussão, entendo suficiente e adequado o valor fixado na sentença.
Por derradeiro, estou que, de fato, deve ser reconhecida a sucumbência recíproca.
A Apelada, na petição inicial, elaborou os seguintes pedidos:
“Pleiteia a Autora, com a presente ação, ser indenizada pelos danos morais intensos que lhe foram causados devido ao erro médico decorrente da negligência do agente do Requerido, deixando o quantum de tal indenização ao prudente arbítrio de Vossa Excelência.
Deseja ainda que o Requerido seja compelido a custear as despesas necessárias à correção da estética de seu abdome, mesmo que para tanto seja necessário tratamento fora de Boa Vista-RR.” (fls. 05/06).
Como se nota, além dos danos morais, a Recorrida requereu danos materiais, consistentes no pagamento das despesas com a correção estética de seu abdômen.
No entanto, o Juiz a quo somente reconheceu os danos morais, entendendo inexistir provas dos danos materiais.
Conclui-se, portanto, que a Autora sucumbiu em parte do seu pedido, haja vista que não obteve êxito em todos os seus pleitos. Impõe-se, portanto, o reconhecimento da sucumbência recíproca.
Por essas razões, conheço o recurso e lhe dou parcial provimento apenas para reconhecer a sucumbência recíproca.
Condeno o Apelante e a Apelada ao pagamento dos honorários advocatícios, no valor fixado na sentença, o qual deve ser compensado.
Custas proporcionais (50%).
O Estado é isento de custas.
A Recorrida deverá pagar sua parte na forma do art. 12 da Lei Federal nº 1.060/50.
É como voto.
Boa Vista-RR, 17 de junho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006005371-6
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADA: YACY MEDEIROS DA SILVA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO - COMPRESSA CIRÚRGICA DEIXADA NA PACIENTE APÓS A REALIZAÇÃO DE UMA CIRURGIA EM HOSPITAL PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CF. COMPROVAÇÃO DA CONDUTA, DO DANO E DO NEXO CAUSAL. INOCORRÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. OBRIGAÇÃO DE REPARAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM PATAMAR RAZOÁVEL E ADEQUADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. OCORRÊNCIA. DANOS MATERIAIS REJEITADOS PELA DECISÃO PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA RECONHECER A SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
1. A Autora trouxe aos autos todas as provas com que pretendia demonstrar a verdade dos fatos, não sendo imprescindível a juntada de seus documentos pessoais.
2. A falta de audiência preliminar não configura nulidade se não restar comprovado qualquer prejuízo para as partes.
3. Nas ações de indenização fundadas na responsabilidade objetiva do Estado, a denunciação da lide do agente público responsável pelo ato lesivo não é obrigatória, não havendo que se falar em nulidade.
4. Tendo sido demonstrados o dano, o nexo causal e a conduta lesiva, resta configurada a responsabilidade objetiva do Estado, na forma do art. 37, § 6º, da CF.
5. Não constitui culpa exclusiva da vítima o fato de a lesão no abdômen ter sido provocada por acidente de trânsito. O dano, na verdade, advém da conduta imperita e negligente do médico que esqueceu a compressa cirúrgica.
6. Dano moral fixado em valor razoável e adequado ao caso concreto.
7. Impõe-se o reconhecimento da sucumbência recíproca, haja vista que a sentença julgou improcedente o pedido de danos materiais.
8. Recurso conhecido e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista-RR, 17 de junho de 2008.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. Ricardo Oliveira
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3874, Boa Vista-RR, 02 de julho de 2008, p. 05.
( : 17/06/2008 ,
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Ementa
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006005371-6
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADA: YACY MEDEIROS DA SILVA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
O ESTADO DE RORAIMA interpôs Apelação Cível em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 8ª Vara Cível da Comarca desta Capital, na Ação de Indenização nº 001004083611-5.
Consta nos autos que a Autora, ora Apelada, propôs referida ação a fim de ver-se ressarcida por danos morais e materiais em face da conduta do agente estatal, no caso, um médico, que esqueceu uma compressa cirúrgica em seu abdômen após um procedimento cirúrgico.
Afirma a Demandante, na petição inicial, que deu entrada no Hospital Geral de Roraima no dia 11/08/03, vítima de acidente de trânsito, apresentando quadro de trauma abdominal, sendo submetida a uma intervenção cirúrgica no mesmo dia.
Alega que, alguns dias após a cirurgia, passou a sentir fortes dores abdominais e vômitos, mas o médico responsável dizia que eram ocorrências normais.
Por último, afirma que foi à Manaus, no mês de dezembro de 2003, e lá detectaram a presença de corpo estranho e submeteram-na a uma cirurgia para a retirada da compressa.
O magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o Estado ao pagamento apenas dos danos morais, arbitrados em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), mais honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.
Inconformado, o Estado de Roraima apela, aduzindo:
Preliminarmente:
a) falta de requisitos essenciais da petição inicial, precisamente os contidos nos arts. 282, VI e 283, ambos do CPC, haja vista que não juntou as provas com que pretendia demonstrar a verdade dos fatos alegados, tampouco trouxe seus documentos pessoais, que seriam indispensáveis à propositura da ação;
b) nulidade da instrução pela falta de realização da audiência preliminar e do saneamento do processo, prejudicando o exercício do direito de ampla defesa. “[...] Além disso, as preliminares levantadas na contestação deveriam ter sido enfrentadas, para que o contestante tivesse conhecimento, antes da realização da instrução processual, se o mérito iria ou não ser apreciado.” (fl. 225);
c) necessidade de denunciação à lide do médico responsável pela cirurgia.
No mérito:
a) é inverídica a informação prestada pela Autora de que não conseguia ter contato com o médico que a operou, pois os próprios prontuários de atendimento juntados pela Apelada demonstram o contrário;
b) os cuidados médicos com a Recorrida foram realizados de forma correta, dentro do que oferece a atual medicina, sendo realizado dois exames de ultrasonografia, não se constatando qualquer corpo estranho no interior do abdômen da Apelada;
c) “Clarividente resta que o fato se deu por culpa exclusiva da vítima não havendo qualquer intervenção por parte do Estado que levasse a autora a sofrer o acidente de que foi vítima e, por conseguinte, passasse dos males pelos quais padeceu. [...] O que se quer demonstrar é que as lesões sofridas na região abdominal da vítima não foram decorrentes de suposta cirurgia realizada no Hospital Geral de Roraima, mas, como evidente, do acidente automobilístico narrado na exordial.” (fl. 238/239).
d) não há comprovação de danos materiais, pelo que devem ser indeferidos;
e) o valor dos danos morais deve ser reduzido, observando-se as condições financeiras da parte e a repercussão do dano sofrido, em especial a condição de ente público do Estado-réu. Além disso, a indenização deve ser fixada sem perder de vista o direito de regresso do Estado, pois, sendo um valor muito alto, o servidor responsável não teria como pagar;
f) caso mantida a condenação do Estado, deve ser reconhecida a sucumbência recíproca, uma vez que a Autora não obteve os danos materiais.
Por fim, requer o conhecimento e provimento do recurso, reformando-se a sentença para julgar inteiramente improcedente o pedido autoral, sendo a Recorrida condenada nos ônus sucumbenciais.
A Apelada apresentou contra-razões às fls. 248/253, pugnando pela manutenção da sentença.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
O Representante do Ministério Público de 2º absteve-se de intervir no feito como custos legis.
Voltaram-me conclusos.
É o relatório.
Encaminhem-se à revisão.
Boa Vista-RR, 09 de junho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006005371-6
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADA: YACY MEDEIROS DA SILVA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
DAS PRELIMINARES
Primeiramente, deve-se ressaltar que o agravo retido interposto às fls. 135/136 não pode ser apreciado, à medida que não foi reiterado nas razões da apelação.
1 – Falta de requisitos essenciais na petição inicial.
O Estado de Roraima aduz que a Apelada não juntou as provas com que pretendia demonstrar a verdade dos fatos, além de não colacionar seus documentos pessoais.
No que tange às provas do fato alegado, entendo que estão representadas pelos documentos de fls. 09/37.
Em relação aos documentos pessoais da Recorrida, estou que sua falta não constitui qualquer vício, tampouco prejudica a defesa do Apelante.
Além disso, não está no rol dos requisitos que devem constar na petição inicial, conforme a regra do art. 282, do CPC.
De mais a mais, se o Recorrente tinha dúvidas em relação à identidade da Recorrida, pôde saná-las na audiência em que compareceu a Autora, quando então fora tomado o seu depoimento (fls. 143/144).
2 – Nulidade da instrução pela falta de realização da audiência preliminar.
Não obstante a regra insculpida no art. 331, do CPC, a jurisprudência pátria tem entendido que a falta da audiência preliminar não acarreta a nulidade do processo quando não restar comprovada a existência de prejuízos às partes ou quando se tratar de direitos indisponíveis, senão vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DA SENTENÇA POR OFENSA À COISA JULGADA E POR CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PRELIMINARES REJEITADAS. INCIDÊNCIA DO CDC. ACIDENTE DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO.
Não há falar-se em nulidade de sentença por ofensa à coisa julgada, pois, ao tratar da ausência de elementos de convicção para embasar a condenação, busca o apelante, inopotunamente, a discussão do meritum causae em sede de preliminar.
Inexistente a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, quando a própria parte, instada a produzir provas, rejeita a oportunidade por considerar suficientes os elementos probatórios dos autos.
A não realização da audiência de conciliação não tem o condão de gerar a nulidade, constituindo sua ausência mera irregularidade.”
(...)
(ApCv nº 20040150043841. TJ/DF. Relator: Carmelita Brasil. J. 27.09.2004.)
***
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AGRESSÃO FÍSICA A REPRESENTANTE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL COMETIDA POR AGENTES PÚBLICOS. DANO MORAL.
ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 300 DO CPC. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
NÃO-DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRELIMINAR DE CONCILIAÇÃO (CPC, ART.
331). NULIDADE (NÃO-COMINADA) INEXISTENTE. PRECLUSÃO. ATO ILÍCITO E NEXO CAUSAL. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DE PROVA. SÚMULA 7/STJ.
1. A suposta ofensa ao art. 300 do CPC é inadmissível, por falta de prequestionamento. Aplicação das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Tratando-se de direitos insuscetíveis de transação, não há obrigatoriedade na designação de audiência preliminar, podendo o juiz, se necessário, sanear o processo por escrito, decidindo eventuais questões pendentes e determinando a produção de provas. Interpretação do art. 331, § 3º, do CPC. Doutrina.
3. A decretação da nulidade não-cominada exige, além do comprometimento da finalidade do ato (CPC, art. 244), a concreta demonstração do prejuízo (CPC, arts. 249, § 1º, e 250, parágrafo único). Aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas e do aproveitamento dos autos processuais.
4. O recorrente não alegou nenhuma nulidade processual durante a instrução, tampouco nos memoriais, limitando-se a reiterar os argumentos da contestação: ausência de prova do ato ilícito e, eventualmente, a existência de responsabilidade pessoal dos servidores públicos denunciados. Somente após a prolação da sentença de procedência da ação principal e de improcedência da secundária (denunciação da lide), suscitou a nulidade do procedimento nos embargos de declaração, quando já preclusa a matéria (CPC, art.245).
5. O julgamento da alegada violação do art. 333, I, do CPC – para fins de se descaracterizar o ato ilícito (agressões físicas), o dano moral e o nexo causal e, assim, afastar a condenação –, depende, necessariamente, do reexame de fatos e provas, atividade cognitiva vedada nesta instância superior (Súmula 7/STJ). Precedente.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(REsp 796.593/RR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19.06.2007, DJ 02.08.2007 p. 359). Grifei.
No vertente caso, o Apelante não foi prejudicado pelo falta da audiência, mormente porque o Magistrado oportunizou a produção de provas e apreciou as preliminares no momento da primeira audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que o Recorrente interpôs inclusive um agravo retido (fls. 135/136).
Ressalte-se que a audiência realizou-se em quatro etapas, e já na primeira, foram apreciadas as preliminares. Ou seja, houve oportunidade do Estado de Roraima interpor eventual recurso. Portanto, não há que se falar em nulidade da instrução.
Não bastasse isso, é cediço que os direitos defendidos pelo Recorrente são indisponíveis, em face da sua própria natureza de ente público.
3 – Da necessidade de denunciação
Com efeito, o art. 70, III, prevê a obrigatoriedade de denunciação daquele que estiver obrigado por lei ou por contrato a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Contudo, doutrina e jurisprudência tendem a não tornar a denunciação obrigatória quando, em função dela, houver a necessidade de se introduzir no processo argumentos diversos daqueles discutidos na ação principal, prejudicando a celeridade do rito.
Exemplo clássico é o que ocorre no caso em debate, ou seja, quando o Estado é demandado em ação de indenização, fundada na responsabilidade objetiva, e denuncia a lide ao agente público, que responde perante o ente público com base na responsabilidade subjetiva. Ou seja, um novo fundamento estaria sendo trazido ao processo, o que acabaria exigindo uma dilação probatória maior.
Nesse sentido:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ART. 70, INC. III, CPC. PROVA DO DANO. SÚMULA Nº 7/STJ. JUROS DE MORA.
INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.494/97.
I - A jurisprudência deste Tribunal Superior se encontra assentada no entendimento de que "nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado (CF/88, art. 37, § 6º), não é obrigatória a denunciação da lide do agente público supostamente responsável pelo ato lesivo (CPC, art. 70, III)" (REsp nº 521434/TO, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 08/06/06).
II - Quanto ao argumento relativo à ausência de prova que justifique a condenação do Estado a reparar o dano, verifica-se a necessidade de reexame do conjunto fático-probatório exposto nos autos para que se possa infirmar os fundamentos do v. aresto recorrido, o que é inviável em sede de recurso especial por força do óbice imposto pela Súmula nº 07/STJ.
III - O disposto no artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97 para fixação da taxa de juros moratórios, não se aplica à hipótese, por ser norma especial, de alcance limitado aos casos de pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos.
Precedente: REsp nº 865.310/RN, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 27/11/06.
IV - Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EDcl no REsp 927.940/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07.08.2007, DJ 03.09.2007 p. 143)
***
RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – NÃO-CONHECIMENTO – AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO – DENUNCIAÇÃO À LIDE – DESNECESSIDADE – POSSIBILIDADE DE AÇÃO REGRESSIVA.
1. Recurso não-conhecido quanto à alegada violação do art. 5º, inciso LV, bem como do art. 37, § 6º, ambos da Constituição Federal.
A competência do Superior Tribunal de Justiça refere-se à matéria infraconstitucional, e a discussão sobre preceitos da Carta Maior cabe à Suprema Corte.
2. Não resta evidenciada a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido.
3. Em observância aos princípios da economia e celeridade processuais, a não denunciação à lide de servidor público causador de dano decorrente de acidente de veículo não causa nulidade ao processo. Precedentes.
Recurso especial conhecido em parte e improvido.
(REsp 850.251/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27.02.2007, DJ 09.03.2007 p. 300)
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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO SERVIDOR. NÃO-OBRIGATORIEDADE. DIREITO DE REGRESSO ASSEGURADO.
PRECEDENTES DO STJ. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. A denunciação da lide ao servidor público nos casos de indenização fundada na responsabilidade objetiva do Estado não deve ser considerada como obrigatória, pois impõe ao autor manifesto prejuízo à celeridade na prestação jurisdicional. Haveria em um mesmo processo, além da discussão sobre a responsabilidade objetiva referente à lide originária, a necessidade da verificação da responsabilidade subjetiva entre o ente público e o agente causador do dano, a qual é desnecessária e irrelevante para o eventual ressarcimento do particular.
2. Ademais, o direito de regresso do ente público em relação ao servidor, nos casos de dolo ou culpa, é assegurado no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o qual permanece inalterado ainda que inadmitida a denunciação da lide.
3. Orientação pacífica das Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça.
4. Recurso especial desprovido.
(REsp 606.224/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 437)
In casu, considerando que a denunciação provocaria uma dilação probatória mais prolongada e, portanto, mais demorada, prejudicando sobremaneira a Autora, entendo ser desnecessária. Por isso, não há que se falar em nulidade por falta da denunciação.
DO MÉRITO:
No mérito, assiste parcial razão ao Recorrente. Vejamos.
Estabelece o art. 37, § 6º, da CF:
Art. 37. [...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Esse dispositivo consagrou a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, muito embora admita-se, doutrinária e jurisprudencialmente, a responsabilidade subjetiva quando se tratar de conduta omissiva.
No caso sub examine, o ato lesivo foi o “esquecimento” de uma compressa cirúrgica no abdômen da Apelada após a realização de uma cirurgia em virtude de um acidente de trânsito.
Confira trechos do depoimento da Recorrida:
“[...] que foi internada na data indicada na vestibular no HGR; que foi internada em virtude de um acidente de veículo; que a depoente ficou por quase três meses internada; que a água que bebia saía pela abertura cirúrgica após a alta da depoente; que procurou o mesmo médico que fez a cirurgia e este disse que era um procedimento normal da cirurgia; que a depoente foi até Manaus/AM, consultar outro médico, que chegou-se à conclusão que havia um ‘corpo estranho’ no interior da depoente; que o ‘corpo estranho’ foi constatado através de um ultra-som e a conclusão de ser uma compressa cirúrgica se chegou após a realização de uma nova cirurgia. [...] que o médico que fez a cirurgia inicial na autora, ao ser procurado em razão das dores que a mesma sentia, por diversas vezes se ocultava da mesma; que no dia em que conseguiu falar com o médico este teria dito à autora que estaria viajando e que a autora teve surpresa de chegando ao HGR ser este o médico que estava no plantão de sobreaviso, que lá conversando com o médico este disse que era normal o que a autora vinha sentindo como decorrência da cirurgia; que cerca de uma semana após essa consulta a autora teve que ir até Manaus/AM para resolver as complicações; que quando foi para Manaus/AM a autora quase não mais levantava da cama de dores; que a secreção que saía no local da cirurgia era muito fétida; que as pessoas quase nem se aproximavam mais da autora; [...] que após a retirada do ‘corpo estranho’ a autora foi submetida à outras cinco cirurgias; que a depoente como conseqüência das cirurgias tem uma cicatriz que toma todo o seu abdômen; que em decorrência das cirurgias a depoente sofreu conseqüências no sentido em que não mais poderá ter filhos. [...] que quando a depoente sofreu o acidente faziam quarenta dias que a mesma havia se submetido a uma cesariana; [...] (fl. 143)
Trata-se, como se vê, de uma conduta comissiva do agente estatal, pois o médico responsável deixou um corpo estranho no abdômen da Recorrida. Isso a fez viajar para a cidade de Manaus, onde se submeteu a vários outros procedimentos cirúrgicos, em razão da infecção ocasionada pela compressa, conforme depoimento da médica LÚCIA CRISTINA FURTADO GALVÃO:
“[...] que a depoente é médica cirurgia (sic) atendeu (sic) no Hospital Pronto Socorro João Lúcio, nesta cidade; que a depoente foi quem atendeu a Autora, então paciente, em sistema de pronto socorro; que foi ela depoente quem tomou todos os procedimentos médicos e cirúrgicos; que foi ela depoente quem submeteu, realmente, a Autora à cirurgia de laparotomia exploradora; que a paciente chegou no Hospital e se submeteu a exames complementares, entre eles à ultra-sonografia; que foi diagnosticado um abscesso cavitário e a presença de corpo estranho, no caso, compressa cirúrgica; que em razão desse fato, foi indicada a referida cirurgia, sendo que, posteriormente, foram necessárias limpezas cirúrgicas e o uso de uma técnica chamada peritoniostomia com tela inorgânica; que a paciente foi submetida a seis procedimentos até completa normalidade do estado de saúde da paciente; que a depoente não precisar exatamente há quanto tempo a compressa estava no interior do corpo da paciente; [...] que a depoente pode afirmar que a Autora apresentava uma cicatriz cirúrgica, com drenagem de secreção purulenta, anteriormente ao procedimento por ela realizado; [...]” (fls. 186/187).
Como se vê, posteriormente à realização da cirurgia no abdômen da Apelada, esta reclamava seguidamente de dores e da inflamação na cicatriz sem que, contudo, fosse detectada qualquer anormalidade pelo médico que fez a sua cirurgia, tampouco por aquele que realizou um exame de ultra-som (fl. 31).
O fato de ter havido acompanhamento do médico, demonstrado pelos prontuários trazidos com a petição inicial, não exime a responsabilidade do Estado pelo ato lesivo praticado por seu agente.
Isso porque, em que pese o mencionado acompanhamento, ainda, assim, não fora detectado o que, de fato, afetava a saúde da Recorrida, ou seja, a presença de uma compressa cirúrgica em seu abdômen.
Assim é que, demonstrados a conduta, o nexo causal, e o dano, resta configurada a obrigação de reparar imputada ao ente público responsável, haja vista ser desnecessária a prova de culpa, por se tratar de responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º, CF).
A esse propósito:
DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - COMUNICAÇÃO DE RESULTADO EQUIVOCADO POSITIVO DE HIV -CONDENAÇÃO EM MONTANTE RAZOÁVEL E PROPORCIONAL.
1. A responsabilidade objetiva do Estado, com guarida no artigo 37, §6º, da atual Constituição Federal, prescinde da prova do dolo ou da culpa, bastando perquirir o nexo de causalidade entre o dano e a conduta comissiva do ente público.
2. Demonstrado o ato ensejador do dano, bem como o nexo de causalidade, surge a obrigação de indenizar, que deve ser fixada levando-se em conta a razoabilidade e a proporcionalidade em face do dano sofrido, bem como o caráter compensatório e inibidor da medida.
3. Apelação e Remessa Oficial improvidas.(TJDF - 20060110506426APC, Relator CRUZ MACEDO, 4ª Turma Cível, julgado em 07/11/2007, DJ 29/11/2007 p. 99)
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AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ART. 37, § 6.º DA CF - FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL - ERRO MÉDICO - AMPUTAÇÃO DE MEMBRO SUPERIOR. Responde o Município por danos materiais e morais, em decorrência de erro médico que culminou na amputação do membro superior da autora. ( TJMG - APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0145.98.021337-8/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA, RELATOR: EXMO. SR. DES. SILAS VIEIRA, j. 12-08/04, p. 16/12/04).
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AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA POR ATO DE PREPOSTO. PLEITO DE PENSIONAMENTO MENSAL. VEROSSIMILHANÇA E PERICULUM IN MORA CONFIGURADOS. SÚMULA 341 DO STF. O ente público pode ser responsabilizado objetivamente por ato ilícito praticado por prepostos nas dependências de hospital sob sua responsabilidade. Desta forma, havendo fortes indícios de que o município não zelara pela qualidade do atendimento da autora Roseli, cuja cirurgia se dera em nosocômio sob a responsabilidade da Administração Municipal, tem-se por presumível a culpa desta. Ademais, a urgência da medida pleiteada é evidente, visto que a família da autora despende vultosas quantias para arcar com o seu tratamento especializado. Assim, justifica-se o restabelecimento de pensionamento anteriormente percebido, mas não a majoração deste ou o pagamento de parcelas vencidas, porquanto tais matérias não foram tratadas pelo magistrado de primeiro grau. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70016292617, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 27/09/2006)
É descabida a alegação de que o fato se deu por culpa exclusiva da vítima, uma vez que as lesões sofridas na região abdominal seriam decorrentes do acidente automobilístico narrado na exordial, e não da compressa cirúrgica deixada em seu abdômen.
Ora, o acidente foi causa apenas da realização da cirurgia. Os danos reclamados pela Apelada são conseqüências de uma conduta imperita do médico, que “esqueceu” um corpo estranho no abdômen da Recorrida, provocando-lhe infecção e obrigando-a a submeter-se a outros procedimentos cirúrgicos.
A tese lançada pelo Apelante levaria ao absurdo de não admitir a responsabilidade civil do Estado nos casos de pacientes que chegassem ao hospital vítimas de acidente de trânsito, ainda que o dano causado fosse oriundo de erro médico!!!
No concernente aos danos materiais, nada há que se combater, haja vista que a sentença não os reconheceu.
No que tange ao quantum arbitrado a título de danos morais, não vislumbro razão para reduzi-lo.
Conforme se extrai dos autos, a Apelada suportou enormes transtornos, pois poucos dias depois de ter um filho, passou a enfrentar sérios problemas de saúde em virtude da conduta lesiva dos agentes estatais após o procedimento cirúrgico realizado em decorrência de um acidente de trânsito.
Sequer pôde dedicar-se com afinco ao filho recém-nascido e ainda foi submetida a uma cirurgia e outros procedimentos, conforme afirmado pela médica responsável.
De mais a mais, há que se ressaltar que o “esquecimento” de uma compressa cirúrgica dentro do organismo de um paciente por um médico é ato de extrema gravidade e altamente reprovável, justificando, portanto o montante fixado pela Juíza de primeiro grau.
Outrossim, deve-se atentar para a dupla função dos danos morais: reparação e punição. A reparação é a compensação pela dor suportada pela vítima; a punição é uma reprimenda ao responsável, inibindo-o de reincidir na prática da conduta lesiva.
Assim, levando-se em consideração a situação socioeconômica das partes, a conduta do agente do Apelante, o dano e sua repercussão, entendo suficiente e adequado o valor fixado na sentença.
Por derradeiro, estou que, de fato, deve ser reconhecida a sucumbência recíproca.
A Apelada, na petição inicial, elaborou os seguintes pedidos:
“Pleiteia a Autora, com a presente ação, ser indenizada pelos danos morais intensos que lhe foram causados devido ao erro médico decorrente da negligência do agente do Requerido, deixando o quantum de tal indenização ao prudente arbítrio de Vossa Excelência.
Deseja ainda que o Requerido seja compelido a custear as despesas necessárias à correção da estética de seu abdome, mesmo que para tanto seja necessário tratamento fora de Boa Vista-RR.” (fls. 05/06).
Como se nota, além dos danos morais, a Recorrida requereu danos materiais, consistentes no pagamento das despesas com a correção estética de seu abdômen.
No entanto, o Juiz a quo somente reconheceu os danos morais, entendendo inexistir provas dos danos materiais.
Conclui-se, portanto, que a Autora sucumbiu em parte do seu pedido, haja vista que não obteve êxito em todos os seus pleitos. Impõe-se, portanto, o reconhecimento da sucumbência recíproca.
Por essas razões, conheço o recurso e lhe dou parcial provimento apenas para reconhecer a sucumbência recíproca.
Condeno o Apelante e a Apelada ao pagamento dos honorários advocatícios, no valor fixado na sentença, o qual deve ser compensado.
Custas proporcionais (50%).
O Estado é isento de custas.
A Recorrida deverá pagar sua parte na forma do art. 12 da Lei Federal nº 1.060/50.
É como voto.
Boa Vista-RR, 17 de junho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006005371-6
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADA: YACY MEDEIROS DA SILVA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO - COMPRESSA CIRÚRGICA DEIXADA NA PACIENTE APÓS A REALIZAÇÃO DE UMA CIRURGIA EM HOSPITAL PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CF. COMPROVAÇÃO DA CONDUTA, DO DANO E DO NEXO CAUSAL. INOCORRÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. OBRIGAÇÃO DE REPARAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM PATAMAR RAZOÁVEL E ADEQUADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. OCORRÊNCIA. DANOS MATERIAIS REJEITADOS PELA DECISÃO PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA RECONHECER A SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
1. A Autora trouxe aos autos todas as provas com que pretendia demonstrar a verdade dos fatos, não sendo imprescindível a juntada de seus documentos pessoais.
2. A falta de audiência preliminar não configura nulidade se não restar comprovado qualquer prejuízo para as partes.
3. Nas ações de indenização fundadas na responsabilidade objetiva do Estado, a denunciação da lide do agente público responsável pelo ato lesivo não é obrigatória, não havendo que se falar em nulidade.
4. Tendo sido demonstrados o dano, o nexo causal e a conduta lesiva, resta configurada a responsabilidade objetiva do Estado, na forma do art. 37, § 6º, da CF.
5. Não constitui culpa exclusiva da vítima o fato de a lesão no abdômen ter sido provocada por acidente de trânsito. O dano, na verdade, advém da conduta imperita e negligente do médico que esqueceu a compressa cirúrgica.
6. Dano moral fixado em valor razoável e adequado ao caso concreto.
7. Impõe-se o reconhecimento da sucumbência recíproca, haja vista que a sentença julgou improcedente o pedido de danos materiais.
8. Recurso conhecido e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista-RR, 17 de junho de 2008.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. Ricardo Oliveira
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3874, Boa Vista-RR, 02 de julho de 2008, p. 05.
( : 17/06/2008 ,
: ,
: 0 ,
Data do Julgamento
:
17/06/2008
Data da Publicação
:
02/07/2008
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. ALMIRO PADILHA
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