TJRR 10060057915
TRIBUNAL PLENO
MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0010.06.005791-5.
Impetrante: Boa Vista Energia S/A.
Advogados: Márcio Wagner Maurício e outros.
Impetrado: Governador do Estado de Roraima.
Procuradora do Estado: Alda Celi A. Boson Schetine.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por BOA VISTA ENERGIA S/A, contra ato do GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA, consistente na edição do Decreto n.º 6.916-E, de 22/02/2006.
Alega a impetrante, em síntese:
a) que é concessionária de serviço público, exercendo as atividades de geração, transmissão e distribuição da energia elétrica adquirida das Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A – ELETRONORTE;
b) que, em decorrência de tais atividades, está sujeita ao recolhimento do ICMS na condição de substituta tributária;
c) que a autoridade coatora, mediante a edição do Decreto n.º 6.916-E/06, alterou a sua condição de substituta tributária, atribuindo-a diretamente ao importador da energia, no caso, a ELETRONORTE;
d) que tal modificação é arbitrária e inconstitucional, uma vez que somente poderia ser procedida através de lei complementar, conforme disciplina o art. 155, § 2.°, XII, “a” e “b”, da CF; e
e) que, além da afronta acima mencionada, a autoridade coatora violou os princípios da estrita legalidade tributária, da anterioridade tributária e da segurança jurídica (arts. 146, III, “a”; 150, III, “b”; e 5.º, XXXVI, todos da CF).
Requer, assim, o deferimento de liminar, para que seja determinada a suspensão do Decreto n.º 6.916-E/06 e de seus efeitos, até o julgamento da presente ação, e, no mérito, a concessão da segurança.
Juntou documentos (fls. 34/56 e 60/63).
O pedido de liminar foi deferido às fls. 65/67.
O impetrado prestou informações às fls. 89/105 e 107/126, suscitando preliminares de ilegitimidade ativa e de ausência de direito líquido e certo, pugnando, no mérito, pela denegação do mandamus.
Em decisão de fl. 128, foi negado o pleito de extensão dos efeitos da liminar à ELETRONORTE.
Em parecer de fls. 131/142, o Ministério Público de 2.º grau opina pelo acolhimento da primeira preliminar e, no mérito, pela denegação da segurança.
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias e distribuídas aos demais Pares.
Designe-se data para julgamento.
Boa Vista, 13 de setembro de 2006.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
TRIBUNAL PLENO
MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0010.06.005791-5.
Impetrante: Boa Vista Energia S/A.
Advogados: Márcio Wagner Maurício e outros.
Impetrado: Governador do Estado de Roraima.
Procuradora do Estado: Alda Celi A. Boson Schetine.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.
VOTO
Preliminares:
a) Ilegitimidade ativa ad causam.
Não merece ser acolhida a preliminar.
Com efeito, a distribuidora de energia elétrica tem legitimidade para a causa em que se discute a legalidade da exigência do recolhimento antecipado do ICMS pela importadora, porquanto é aquela empresa que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto.
Na verdade, o entendimento no sentido de que somente o substituto tributário (no caso, a Eletronorte) seria parte legítima para discutir judicialmente a imposição fiscal implicaria em negar ao substituído – a impetrante, que efetivamente arca com o ônus econômico da imposição – o acesso ao Poder Judiciário. Além disso, “o fato se agrava quando se constata que o substituto não tem qualquer interesse em questionar o tributo, pois não sofre qualquer redução patrimonial” (STJ, REsp. 142.152/PR, Rel. Min. José Delgado).
Nesse contexto, verifico que a impetrante comprovou, às fls. 62/63, que realmente sofreu o ônus econômico da imposição fiscal, na medida em que o custo mensal na aquisição do produto para revenda ao consumidor passou de R$ 4.727.321,10 para R$ 7.614.625,50, com evidente redução na liquidez da empresa.
Esclarece a jurisprudência:
“TRIBUTÁRIO – ICMS – REVENDA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE – LEGALIDADE – CONCESSIONÁRIA – LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. I. A concessionária, revendedora dos veículos automotores, tem legitimidade para a causa em que se discute sobre a legalidade da exigência do recolhimento antecipado do ICMS, pela empresa fabricante, porquanto é ela que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto. Ofensa aos arts. 3.° e 6.° do CPC não caracterizada. (...)” (STJ, 2.ª Turma, REsp. 38357/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 16.09.1996, p. 33711).
“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – SUBSTITUIÇÃO PARA FRENTE – ANTECIPAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO – SUBSTITUÍDO – PARTE LEGÍTIMA – PRECEDENTES – INCIDÊNCIA SOBRE ESTOQUE – TRANSITORIEDADE. No regime de substituição tributária, o substituído, embora não figure na legislação como responsável pelo pagamento do tributo, é quem arca com o ônus de repassá-lo ao substituto, quando da aquisição da mercadoria. Não se lhe pode negar, portanto, o interesse em discutir a sistemática de recolhimento antecipado. Precedentes. (...) Recurso especial conhecido pelo artigo 105, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, a fim de que retornem os autos ao Tribunal a quo, para que se proceda ao julgamento do mérito no tocante à substituição tributária com recolhimento antecipado, na parte em que o egrégio Tribunal de origem considerou a recorrente parte ilegítima, ilegitimidade ora arredada. Decisão unânime.” (STJ, 2.ª Turma, REsp. 189.034/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 05.02.2001, p. 88).
Ante o exposto, rejeito a preliminar.
b) Ausência de direito líquido e certo.
Também não procede essa preliminar.
Primeiro, porque ela se confunde com o próprio mérito da demanda.
Segundo, porque, de acordo com reiterada jurisprudência, “a controvérsia capaz de afastar a demonstração do direito líquido e certo no mandado de segurança deve ser fática, e não jurídica” (TJRR, Pleno, MS 0010.06.005694-1, Rel. Juiz Conv. Mozarildo Cavalcanti, j. 20.09.2006, DPJ 26.09.2006, p. 01). In casu, a impetrante colacionou prova documental suficiente para comprovar o fato articulado na inicial, não havendo necessidade de anexar cópia integral do Regulamento do ICMS, como alega o impetrado, mas apenas do Decreto n.° 6.916-E/06, que alterou alguns dispositivos daquele estatuto, modificando o regime de substituição tributária. As notas fiscais de fls. 62/63, por sua vez, demonstram os efeitos concretos do mencionado Decreto, sem dependência de dilação probatória.
Afasto, portanto, a preliminar.
Mérito:
No mérito, não assiste razão à impetrante.
O regime de substituição tributária “para frente” ou “antecipada” foi inserido na Constituição Federal através da EC n.° 03, de 17.03.1993, que conferiu a seguinte redação ao art. 150, § 7.º:
“Art. 150 - (...)
§ 7.º - A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
O STF, ao analisar a questão, assentou ser legítima e constitucional a antecipação tributária, porquanto é assegurada a restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TRIBUTÁRIO – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – IMPRESCINDIBILIDADE DE QUE ESSA HIPÓTESE ESTEJA PREVISTA EM LEI – LEGITIMIDADE DO INSTITUTO JURÍDICO (...). 2. É responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte. 3. Legitimidade do regime de substituição tributária, dado que a cobrança antecipada do ICMS por meio de estimativa ‘constitui simples recolhimento cautelar enquanto não há o negócio jurídico de circulação, em que a regra jurídica, quanto ao imposto, incide’. Entendimento doutrinário. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (STF, RE 194382/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, j. 25.04.2003, DJ 25.04.2003, p. 453).
Sob esse enfoque, nos termos do art. 155, § 2.º, XII, “b”, da CF, cabe à lei complementar dispor sobre a substituição tributária. Atendendo a esse mandamento constitucional, foi editada a Lei Complementar Federal n.º 87, de 13.09.1996 (Lei Kandir), a fim de estabelecer normas gerais sobre o ICMS, substituindo os convênios interestaduais autorizados provisoriamente pelo art. 34, § 8.º, do ADCT.
A LC n.º 87/96, por outro lado, em sintonia com o art. 150, § 7.º, da CF, atribuiu aos Estados a competência para implementar a substituição tributária através de lei ordinária (e não complementar, como sustenta a impetrante), nos seguintes termos:
“Art. 6.º - Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.
§ 1.º - A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.
§ 2.º - A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado.”
“Art. 7.º - Para efeito de exigência do imposto por substituição tributária, inclui-se, também, como fato gerador do imposto, a entrada de mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado.”
“Art. 9.º - A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.
§ 1.º - A responsabilidade a que se refere o art. 6.º poderá ser atribuída:
(...)
II - às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.”
Assim, como consectário da LC n.º 87/96, o Código Tributário do Estado de Roraima (Lei n.º 59, de 28.12.1993) tratou de delinear normas acerca da substituição tributária, in verbis:
“Art. 5.º - Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(...)
XVII - do desembaraço da documentação fiscal, na SEFAZ, da mercadoria ou bem, para efeito de exigência do imposto por antecipação tributária;”
“Art. 6.º - Para os efeitos desta Lei, considera-se:
(...)
V - energia elétrica como mercadoria.”
“Art. 36 - Fica atribuída a condição de substituto tributário ao:
(...)
VI - gerador, importador ou distribuidor de energia elétrica.”
“Art. 178 - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a baixar os atos regulamentares que se fizerem necessários à execução desta Lei.”
O Decreto n.º 6.916-E, de 22.02.2006, por seu turno, com base na lei acima transcrita, atribuiu ao importador (no caso, a Eletronorte) a responsabilidade quanto ao recolhimento do ICMS incidente sobre energia elétrica, na condição de substituto tributário.
Vê-se, portanto, que o Decreto ora impugnado nada mais fez do que regulamentar previsão contida em lei, de modo a não se revestir da qualidade de regulamento autônomo.
Não há que se falar, assim, em violação aos princípios da estrita legalidade tributária, da anterioridade (este por não se cuidar de instituição ou aumento de tributo) e da segurança jurídica, sendo certo que a matéria já se encontra pacificada pelos Tribunais Superiores:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. 2. Substituição tributária. ICMS. Compensação de créditos. Hipótese do art. 150, § 7.º, da CF, ou seja, somente quando não ocorrer o fato gerador presumido. 3. Inexistência de violação dos princípios da capacidade contributiva, da não-cumulatividade, da legalidade, da tipicidade e do não-confisco. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, RE-AgR 340883/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 24.09.2002, DJ 25.10.2002, p. 1195).
“TRIBUTÁRIO. ICMS. RECOLHIMENTO ANTECIPADO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. EXIGÊNCIA LEGÍTIMA.
1. O recolhimento antecipado do ICMS, pelo substituto tributário, não caracteriza pagamento do imposto antes da ocorrência do fato gerador.
2. O momento de incidência da lei para fazer gerar a obrigação não se confunde com o ato de recolhimento do tributo.
3. (...).
4. O regime de recolhimento do ICMS antecipado por substituto tributário não pratica ofensa ao princípio da legalidade, da capacidade contributiva e da não-cumulatividade do tributo. Não caracteriza, também, vinculação do substituto tributário com o fato gerador.” (STJ, REsp. n.º 82.279, 1.ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 08.02.1996, DJ 18.03.1996, p. 7550).
ISTO POSTO, em harmonia com o parecer ministerial, denego a segurança, revogando a liminar.
É como voto.
Boa Vista, 04 de outubro de 2006.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
TRIBUNAL PLENO
MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0010.06.005791-5.
Impetrante: Boa Vista Energia S/A.
Advogados: Márcio Wagner Maurício e outros.
Impetrado: Governador do Estado de Roraima.
Procuradora do Estado: Alda Celi A. Boson Schetine.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS – ENERGIA ELÉTRICA – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E DE AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – REJEIÇÃO – MÉRITO – DECRETO N.° 6.916-E, DE 22.02.2006 – CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE – ORDEM DENEGADA.
1. A distribuidora de energia elétrica tem legitimidade para a causa em que se discute a legalidade da exigência do recolhimento antecipado do ICMS pela importadora, porquanto é aquela empresa que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto.
2. A controvérsia capaz de afastar a demonstração do direito líquido e certo no mandado de segurança deve ser fática, e não jurídica.
3. O Decreto n.° 6.916-E, de 22.02.2006, nada mais fez do que regulamentar previsão contida em lei, de modo a não se revestir da qualidade de regulamento autônomo.
4. Não há que se falar, no caso, em violação aos princípios da estrita legalidade tributária, da anterioridade e da segurança jurídica, sendo certo que a matéria já se encontra pacificada pelos Tribunais Superiores.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade, em rejeitar as preliminares e, no mérito, em harmonia com o parecer ministerial, em denegar a segurança, revogando a liminar, nos termos do voto do Relator.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 04 de outubro de 2006.
Des. MAURO CAMPELLO – Presidente
Des. RICARDO OLIVEIRA – Relator
Des. CARLOS HENRIQUES – Julgador
Des. JOSÉ PEDRO – Julgador
Des. LUPERCINO NOGUEIRA – Julgador
Dr. MOZARILDO CAVALCANTI – Juiz Convocado
Dr. ERICK LINHARES – Juiz Convocado
Esteve presente:
Dr. FÁBIO BASTOS STICA
Procurador-Geral de Justiça, em exercício
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO IX - EDIÇÃO 3468, Boa Vista-RR, 18 de outubro de 2006, p. 03.
( : 04/10/2006 ,
: ,
: 0 ,
Ementa
TRIBUNAL PLENO
MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0010.06.005791-5.
Impetrante: Boa Vista Energia S/A.
Advogados: Márcio Wagner Maurício e outros.
Impetrado: Governador do Estado de Roraima.
Procuradora do Estado: Alda Celi A. Boson Schetine.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por BOA VISTA ENERGIA S/A, contra ato do GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA, consistente na edição do Decreto n.º 6.916-E, de 22/02/2006.
Alega a impetrante, em síntese:
a) que é concessionária de serviço público, exercendo as atividades de geração, transmissão e distribuição da energia elétrica adquirida das Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A – ELETRONORTE;
b) que, em decorrência de tais atividades, está sujeita ao recolhimento do ICMS na condição de substituta tributária;
c) que a autoridade coatora, mediante a edição do Decreto n.º 6.916-E/06, alterou a sua condição de substituta tributária, atribuindo-a diretamente ao importador da energia, no caso, a ELETRONORTE;
d) que tal modificação é arbitrária e inconstitucional, uma vez que somente poderia ser procedida através de lei complementar, conforme disciplina o art. 155, § 2.°, XII, “a” e “b”, da CF; e
e) que, além da afronta acima mencionada, a autoridade coatora violou os princípios da estrita legalidade tributária, da anterioridade tributária e da segurança jurídica (arts. 146, III, “a”; 150, III, “b”; e 5.º, XXXVI, todos da CF).
Requer, assim, o deferimento de liminar, para que seja determinada a suspensão do Decreto n.º 6.916-E/06 e de seus efeitos, até o julgamento da presente ação, e, no mérito, a concessão da segurança.
Juntou documentos (fls. 34/56 e 60/63).
O pedido de liminar foi deferido às fls. 65/67.
O impetrado prestou informações às fls. 89/105 e 107/126, suscitando preliminares de ilegitimidade ativa e de ausência de direito líquido e certo, pugnando, no mérito, pela denegação do mandamus.
Em decisão de fl. 128, foi negado o pleito de extensão dos efeitos da liminar à ELETRONORTE.
Em parecer de fls. 131/142, o Ministério Público de 2.º grau opina pelo acolhimento da primeira preliminar e, no mérito, pela denegação da segurança.
É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias e distribuídas aos demais Pares.
Designe-se data para julgamento.
Boa Vista, 13 de setembro de 2006.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
TRIBUNAL PLENO
MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0010.06.005791-5.
Impetrante: Boa Vista Energia S/A.
Advogados: Márcio Wagner Maurício e outros.
Impetrado: Governador do Estado de Roraima.
Procuradora do Estado: Alda Celi A. Boson Schetine.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.
VOTO
Preliminares:
a) Ilegitimidade ativa ad causam.
Não merece ser acolhida a preliminar.
Com efeito, a distribuidora de energia elétrica tem legitimidade para a causa em que se discute a legalidade da exigência do recolhimento antecipado do ICMS pela importadora, porquanto é aquela empresa que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto.
Na verdade, o entendimento no sentido de que somente o substituto tributário (no caso, a Eletronorte) seria parte legítima para discutir judicialmente a imposição fiscal implicaria em negar ao substituído – a impetrante, que efetivamente arca com o ônus econômico da imposição – o acesso ao Poder Judiciário. Além disso, “o fato se agrava quando se constata que o substituto não tem qualquer interesse em questionar o tributo, pois não sofre qualquer redução patrimonial” (STJ, REsp. 142.152/PR, Rel. Min. José Delgado).
Nesse contexto, verifico que a impetrante comprovou, às fls. 62/63, que realmente sofreu o ônus econômico da imposição fiscal, na medida em que o custo mensal na aquisição do produto para revenda ao consumidor passou de R$ 4.727.321,10 para R$ 7.614.625,50, com evidente redução na liquidez da empresa.
Esclarece a jurisprudência:
“TRIBUTÁRIO – ICMS – REVENDA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA FRENTE – LEGALIDADE – CONCESSIONÁRIA – LEGITIMIDADE PARA A CAUSA. I. A concessionária, revendedora dos veículos automotores, tem legitimidade para a causa em que se discute sobre a legalidade da exigência do recolhimento antecipado do ICMS, pela empresa fabricante, porquanto é ela que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto. Ofensa aos arts. 3.° e 6.° do CPC não caracterizada. (...)” (STJ, 2.ª Turma, REsp. 38357/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 16.09.1996, p. 33711).
“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – SUBSTITUIÇÃO PARA FRENTE – ANTECIPAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO – SUBSTITUÍDO – PARTE LEGÍTIMA – PRECEDENTES – INCIDÊNCIA SOBRE ESTOQUE – TRANSITORIEDADE. No regime de substituição tributária, o substituído, embora não figure na legislação como responsável pelo pagamento do tributo, é quem arca com o ônus de repassá-lo ao substituto, quando da aquisição da mercadoria. Não se lhe pode negar, portanto, o interesse em discutir a sistemática de recolhimento antecipado. Precedentes. (...) Recurso especial conhecido pelo artigo 105, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, a fim de que retornem os autos ao Tribunal a quo, para que se proceda ao julgamento do mérito no tocante à substituição tributária com recolhimento antecipado, na parte em que o egrégio Tribunal de origem considerou a recorrente parte ilegítima, ilegitimidade ora arredada. Decisão unânime.” (STJ, 2.ª Turma, REsp. 189.034/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 05.02.2001, p. 88).
Ante o exposto, rejeito a preliminar.
b) Ausência de direito líquido e certo.
Também não procede essa preliminar.
Primeiro, porque ela se confunde com o próprio mérito da demanda.
Segundo, porque, de acordo com reiterada jurisprudência, “a controvérsia capaz de afastar a demonstração do direito líquido e certo no mandado de segurança deve ser fática, e não jurídica” (TJRR, Pleno, MS 0010.06.005694-1, Rel. Juiz Conv. Mozarildo Cavalcanti, j. 20.09.2006, DPJ 26.09.2006, p. 01). In casu, a impetrante colacionou prova documental suficiente para comprovar o fato articulado na inicial, não havendo necessidade de anexar cópia integral do Regulamento do ICMS, como alega o impetrado, mas apenas do Decreto n.° 6.916-E/06, que alterou alguns dispositivos daquele estatuto, modificando o regime de substituição tributária. As notas fiscais de fls. 62/63, por sua vez, demonstram os efeitos concretos do mencionado Decreto, sem dependência de dilação probatória.
Afasto, portanto, a preliminar.
Mérito:
No mérito, não assiste razão à impetrante.
O regime de substituição tributária “para frente” ou “antecipada” foi inserido na Constituição Federal através da EC n.° 03, de 17.03.1993, que conferiu a seguinte redação ao art. 150, § 7.º:
“Art. 150 - (...)
§ 7.º - A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
O STF, ao analisar a questão, assentou ser legítima e constitucional a antecipação tributária, porquanto é assegurada a restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TRIBUTÁRIO – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – IMPRESCINDIBILIDADE DE QUE ESSA HIPÓTESE ESTEJA PREVISTA EM LEI – LEGITIMIDADE DO INSTITUTO JURÍDICO (...). 2. É responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte. 3. Legitimidade do regime de substituição tributária, dado que a cobrança antecipada do ICMS por meio de estimativa ‘constitui simples recolhimento cautelar enquanto não há o negócio jurídico de circulação, em que a regra jurídica, quanto ao imposto, incide’. Entendimento doutrinário. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (STF, RE 194382/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, j. 25.04.2003, DJ 25.04.2003, p. 453).
Sob esse enfoque, nos termos do art. 155, § 2.º, XII, “b”, da CF, cabe à lei complementar dispor sobre a substituição tributária. Atendendo a esse mandamento constitucional, foi editada a Lei Complementar Federal n.º 87, de 13.09.1996 (Lei Kandir), a fim de estabelecer normas gerais sobre o ICMS, substituindo os convênios interestaduais autorizados provisoriamente pelo art. 34, § 8.º, do ADCT.
A LC n.º 87/96, por outro lado, em sintonia com o art. 150, § 7.º, da CF, atribuiu aos Estados a competência para implementar a substituição tributária através de lei ordinária (e não complementar, como sustenta a impetrante), nos seguintes termos:
“Art. 6.º - Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.
§ 1.º - A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.
§ 2.º - A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado.”
“Art. 7.º - Para efeito de exigência do imposto por substituição tributária, inclui-se, também, como fato gerador do imposto, a entrada de mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado.”
“Art. 9.º - A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.
§ 1.º - A responsabilidade a que se refere o art. 6.º poderá ser atribuída:
(...)
II - às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.”
Assim, como consectário da LC n.º 87/96, o Código Tributário do Estado de Roraima (Lei n.º 59, de 28.12.1993) tratou de delinear normas acerca da substituição tributária, in verbis:
“Art. 5.º - Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(...)
XVII - do desembaraço da documentação fiscal, na SEFAZ, da mercadoria ou bem, para efeito de exigência do imposto por antecipação tributária;”
“Art. 6.º - Para os efeitos desta Lei, considera-se:
(...)
V - energia elétrica como mercadoria.”
“Art. 36 - Fica atribuída a condição de substituto tributário ao:
(...)
VI - gerador, importador ou distribuidor de energia elétrica.”
“Art. 178 - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a baixar os atos regulamentares que se fizerem necessários à execução desta Lei.”
O Decreto n.º 6.916-E, de 22.02.2006, por seu turno, com base na lei acima transcrita, atribuiu ao importador (no caso, a Eletronorte) a responsabilidade quanto ao recolhimento do ICMS incidente sobre energia elétrica, na condição de substituto tributário.
Vê-se, portanto, que o Decreto ora impugnado nada mais fez do que regulamentar previsão contida em lei, de modo a não se revestir da qualidade de regulamento autônomo.
Não há que se falar, assim, em violação aos princípios da estrita legalidade tributária, da anterioridade (este por não se cuidar de instituição ou aumento de tributo) e da segurança jurídica, sendo certo que a matéria já se encontra pacificada pelos Tribunais Superiores:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. 2. Substituição tributária. ICMS. Compensação de créditos. Hipótese do art. 150, § 7.º, da CF, ou seja, somente quando não ocorrer o fato gerador presumido. 3. Inexistência de violação dos princípios da capacidade contributiva, da não-cumulatividade, da legalidade, da tipicidade e do não-confisco. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, RE-AgR 340883/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 24.09.2002, DJ 25.10.2002, p. 1195).
“TRIBUTÁRIO. ICMS. RECOLHIMENTO ANTECIPADO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. EXIGÊNCIA LEGÍTIMA.
1. O recolhimento antecipado do ICMS, pelo substituto tributário, não caracteriza pagamento do imposto antes da ocorrência do fato gerador.
2. O momento de incidência da lei para fazer gerar a obrigação não se confunde com o ato de recolhimento do tributo.
3. (...).
4. O regime de recolhimento do ICMS antecipado por substituto tributário não pratica ofensa ao princípio da legalidade, da capacidade contributiva e da não-cumulatividade do tributo. Não caracteriza, também, vinculação do substituto tributário com o fato gerador.” (STJ, REsp. n.º 82.279, 1.ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 08.02.1996, DJ 18.03.1996, p. 7550).
ISTO POSTO, em harmonia com o parecer ministerial, denego a segurança, revogando a liminar.
É como voto.
Boa Vista, 04 de outubro de 2006.
Des. RICARDO OLIVEIRA
Relator
TRIBUNAL PLENO
MANDADO DE SEGURANÇA N.º 0010.06.005791-5.
Impetrante: Boa Vista Energia S/A.
Advogados: Márcio Wagner Maurício e outros.
Impetrado: Governador do Estado de Roraima.
Procuradora do Estado: Alda Celi A. Boson Schetine.
Relator: Des. Ricardo Oliveira.
MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS – ENERGIA ELÉTRICA – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA – PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM E DE AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – REJEIÇÃO – MÉRITO – DECRETO N.° 6.916-E, DE 22.02.2006 – CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE – ORDEM DENEGADA.
1. A distribuidora de energia elétrica tem legitimidade para a causa em que se discute a legalidade da exigência do recolhimento antecipado do ICMS pela importadora, porquanto é aquela empresa que desembolsa, por antecipação, o dinheiro destinado ao pagamento do imposto.
2. A controvérsia capaz de afastar a demonstração do direito líquido e certo no mandado de segurança deve ser fática, e não jurídica.
3. O Decreto n.° 6.916-E, de 22.02.2006, nada mais fez do que regulamentar previsão contida em lei, de modo a não se revestir da qualidade de regulamento autônomo.
4. Não há que se falar, no caso, em violação aos princípios da estrita legalidade tributária, da anterioridade e da segurança jurídica, sendo certo que a matéria já se encontra pacificada pelos Tribunais Superiores.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do Pleno do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade, em rejeitar as preliminares e, no mérito, em harmonia com o parecer ministerial, em denegar a segurança, revogando a liminar, nos termos do voto do Relator.
Sala das Sessões, em Boa Vista, 04 de outubro de 2006.
Des. MAURO CAMPELLO – Presidente
Des. RICARDO OLIVEIRA – Relator
Des. CARLOS HENRIQUES – Julgador
Des. JOSÉ PEDRO – Julgador
Des. LUPERCINO NOGUEIRA – Julgador
Dr. MOZARILDO CAVALCANTI – Juiz Convocado
Dr. ERICK LINHARES – Juiz Convocado
Esteve presente:
Dr. FÁBIO BASTOS STICA
Procurador-Geral de Justiça, em exercício
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO IX - EDIÇÃO 3468, Boa Vista-RR, 18 de outubro de 2006, p. 03.
( : 04/10/2006 ,
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Data do Julgamento
:
04/10/2006
Data da Publicação
:
18/10/2006
Classe/Assunto
:
Mandado de Segurança )
Relator(a)
:
DES. RICARDO DE AGUIAR OLIVEIRA
Tipo
:
Acórdão
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