TJRR 10060064060
TRIBUNAL PLENO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006006406-0
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RÉU: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
Trata-se de arguição incidental de inconstitucionalidade suscitada pelo Ministério Público do Estado de Roraima na Ação Civil Pública nº 001006006406-9 em face Municipal nº 774/04, que dispõe sobre a organização administrativa do Poder Executivo do Município de Boa Vista.
Sustenta o Autor que a referida lei, de iniciativa do Prefeito de Boa Vista, fixou, no Anexo II, o subsídio dos Secretários Municipais, o que é vedado pelo ordenamento constitucional, já que a iniciativa de lei para esses casos é privativa da Câmara Municipal.
Com base nisso, o Parquet pleiteiou, por meio da ação civil pública, que fosse determinado ao Réu abster-se de efetuar o pagamento do valor da remuneração do cargo de Secretário Municipal na forma da Lei nº 774/04, aplicando, em seu lugar, o valor previsto na Lei nº 548/00.
O Magistrado de primeiro grau julgou procedente, em parte, o pedido, declarando, de forma incidental, a inconstitucionalidade do valor da remuneração dos Secretários Municipais fixados na Lei nº 774/04 e determinou à Municipalidade que se abstivesse de efetuar o pagamento do referido montante.
Inconformado, o Município de Boa Vista interpôs apelação cível sustentando, em síntese, que a Lei nº 774/04 não fixou o subsídio dos Secretários, mas apenas efetuou o seu reajuste.
Os integrantes da Turma Cível da Câmara Única decidiram submeter a matéria à análise deste Tribunal Pleno em face da inconstitucionalidade alegada nos autos.
O feito foi remetido ao Parquet graduado, cujo representante manifestou-se pela declaração de inconstitucionalidade parcial do texto normativo em debate, por entender que não cabe ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de Lei fixadora do subsídio dos agentes situados no topo da estrutura funcional do município.
Vieram-me conclusos os autos.
É o sucinto relatório.
Inclua-se em pauta para julgamento.
Providenciem-se as cópias necessárias, conforme a regra inserta no art. 217, do RITJRR.
Boa Vista-RR, 08 de março de 2010.
Des. Almiro Padilha
Relator
TRIBUNAL PLENO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006006406-0
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RÉU: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
Merece prosperar a arguição de inconstitucionalidade. Senão vejamos.
Dispõe o art. 29, V, da Constituição Federal:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
[...]
V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Grifei).
Já, o art. 39, § 4º, reza que:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
[...]
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Grifei)
Por sua vez, estabelece o art. 37, X, da CF:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
Como se vê, os subsídios dos Secretários Municipais devem ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa (art. 37, X) que, neste caso, é da Câmara Municipal (art. 29, V).
Ocorre que, conforme se extrai dos autos, a Lei Municipal nº 774/04, que dispõe sobre a reorganização administrativa do Poder Executivo de do Município de Boa Vista, fixou, em seu Anexo II, o novo subsídio dos Secretários. Essa Lei foi de iniciativa da então Prefeita de Boa Vista, consoante se extrai da Justificativa, acostada às fls. 24/25.
Portanto, a inconstitucionalidade mostra-se indiscutível, à medida que uma lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo alterou o subsídio dos Secretários, o que somente poderia ocorrer por intermédio de lei de iniciativa da Câmara Municipal.
Nem se diga que a Lei visava apenas reajustar um valor que há muito estava defasado, haja vista que, como visto, mesmo para alterar o valor do subsídio, é necessária lei de iniciativa da Câmara.
Por essas razões, voto pela inconstitucionalidade parcial da Lei Municipal nº 774/04, no que tange à alteração do valor do subsídio dos Secretários Municipais, em total consonância com o parecer Ministerial.
Confiro efeito pro futuro a esta decisão, fixando o prazo de 3 (três) meses para que seja cumprida, levando em consideração a informação constante nos autos de que a alteração do subsídio dos Secretários Municipais irá alterará a situação salarial de todos os ocupantes de cargo comissionado (fl. 119/120).
Ressalto que o faço subsidiado, em primeiro lugar, na decisão do STF no julgamento do RE 197.917, no qual reduziu o número de vereadores do Município de Mira Estrela de 11 para 9 e determinou que a decisão só atingisse a próxima legislatura, e, em segundo lugar, por analogia, no art. 27, da Lei nº 9.868/99.
Diante da reconhecida inconstitucionalidade, passo, de imediato, à análise do mérito da apelação.
Conforme se disse alhures, os subsídios dos Secretários Municipais somente podem ser fixados ou alterados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, ex vi do art. 29, V c/c art. 37, X, da CF.
Logo, considerando que o subsídio dos Secretários do Município de Boa Vista foi alterado por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, é imperioso obstar a continuidade do pagamento com base nesta lei.
Outrossim, em face da clara e evidente inconstitucionalidade, torna-se descabida qualquer alegação de autonomia do Município em organizar sua estrutura, ou de afronta ao princípio da igualdade entre os servidores municipais, ou ainda de que houve apenas um reajuste de subsídio dos Secretários.
De fato, não se cogita da ausência do poder de auto-organização dos municípios. Aliás, nunca se disse isso no presente feito. O Prefeito pode, e quanto a isso tem amparo legal e constitucional, estabelecer e organizar a estrutura administrativa do Município.
O que não se admite é que uma matéria cuja iniciativa de lei é privativa da Câmara Municipal, seja regulamentada por lei cuja iniciativa foi do Chefe do Poder Executivo.
Tanto é assim que a Lei Municipal nº 774/04 foi declarada apenas parcialmente inconstitucional, abrangendo tão-somente o tópico em que altera o subsídio dos Secretários.
Quanto ao fato de que houve apenas um reajuste do subsídio, repita-se: tanto a lei que estabelece, quanto a lei que altera os subsídios dos Secretários, devem ser de iniciativa da Câmara Municipal, por expressa previsão constitucional.
No concernente à possibilidade de dano irreparável ou e difícil reparação, já que, segundo o Apelante, a sentença produzirá efeitos que atingirá quase toda a totalidade da estrutura administrativa municipal, deve-se atentar ao fato de que toda lei inconstitucional também produz dano irreparável, não sendo possível admitir-se sua permanência no mundo jurídico.
Ora, aceitar que uma lei inconstitucional continue produzindo efeitos é simplesmente ignorar a supremacia da Constituição, retirando-lhe qualquer caráter de obrigatoriedade.
Aliás, foi com o propósito de defender a supremacia da Constituição que se criaram os mecanismos de controle das normas, inclusive com a indicação de um órgão incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a Constituição.
A esse propósito, leciona o Min. Gilmar Mendes (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 4ª ed., p. 1053):
Não se afirma, hoje, o dogma da nulidade com a mesma convicção de outrora. A disciplina emprestada aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo constituinte austríaco (1920-1929) e os desenvolvimentos posteriores do tema no direito constitucional de diversos países parecem recomendar a relativização dessa concepção unitária de inconstitucionalidade.
É inegável, todavia, que a ausência de sanção retira o conteúdo obrigatório da Constituição, convertendo o conceito de inconstitucionalidade em simples manifestação de censura ou crítica.
Nessa linha de entendimento, assenta Kelsen que uma Constituição que não dispõe de garantia para anulação dos atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória. E não se afigura suficiente uma sanção direta ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional, porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico. Faz-se mister a existência de órgãos incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a constituição. [...]
Conclui-se, portanto, que a manutenção de uma norma inconstitucional no ordenamento jurídico traz prejuízos irreparáveis, retirando da Constituição Federal sua força vinculante e criando precedentes de extremo risco à manutenção da ordem social.
De mais a mais, caso o Município de Boa Vista pretenda obstar qualquer instabilidade em seu quadro administrativo, basta que confeccione a lei na forma como previsto na Constituição Federal, isto é, observando a iniciativa privativa da Câmara Municipal.
Além disso, impende ressaltar que este Tribunal Pleno concedeu o prazo de 3 (três) meses para o cumprimento da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade parcial da Lei Municipal nº 774/04, levando em consideração uma possível instabilidade na remuneração dos demais servidores comissionados do Município de Boa Vista.
Por essas razões, conheço o recurso de apelação, mas nego-lhe provimento, mantendo a sentença combatida, ressalvando-se a concessão do prazo 3 (três) meses para cumprimento deste decisum a contar de sua publicação.
É como voto.
Boa Vista-RR, 02 de junho de 2010.
Des. Almiro Padilha
Relator
TRIBUNAL PLENO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006006406-0
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RÉU: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
E M E N T A
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUBSÍDIO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL ALTERADO POR LEI DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 29, V, DA CF. MATÉRIA CUJA INICIATIVA É PRIVATIVA DA CÂMARA MUNICIPAL. SENTENÇA CONFIRMADA. CONCEDIDO PRAZO DE TRÊS MESES PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO. RECURSO DESPROVIDO.
1. De acordo com a norma inserta nos arts. 29, V e 37, X, da CF, o subsídio dos Secretários Municipais somente pode ser fixado ou alterado por lei de iniciativa da Câmara Municipal.
2. Dessa forma, resta parcialmente inconstitucional a Lei Municipal nº 774/04 no ponto em que altera o valor do subsídio dos Secretários, haja vista que referido diploma foi de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal.
3. Arguição de inconstitucionalidade procedente.
4. Fixação de efeito pro futuro.
5. Recurso de apelação desprovido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do Egrégio Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em declarar parcialmente inconstitucional a Lei Municipal º 774/04, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala das Sessões do Tribunal Pleno do E. TJRR, em Boa Vista - RR, 02 de junho de 2010.
Des. Almiro Padilha
Presidente e relator
Des. Lupercino Nogueira
Vice-Presidente e julgador
Des. José Pedro
Corregedor-Geral de Justiça e Julgador
Des. Robério Nunes
Julgador
Des. Ricardo Oliveira
Julgador
Juíza Convocada Graciete Sotto Mayor
Julgadora
Esteve presente: _________________________________________
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4331, Boa Vista, 9 de junho de 2010, p. 003.
( : 02/06/2010 ,
: XIII ,
: 3 ,
Ementa
TRIBUNAL PLENO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006006406-0
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RÉU: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
Trata-se de arguição incidental de inconstitucionalidade suscitada pelo Ministério Público do Estado de Roraima na Ação Civil Pública nº 001006006406-9 em face Municipal nº 774/04, que dispõe sobre a organização administrativa do Poder Executivo do Município de Boa Vista.
Sustenta o Autor que a referida lei, de iniciativa do Prefeito de Boa Vista, fixou, no Anexo II, o subsídio dos Secretários Municipais, o que é vedado pelo ordenamento constitucional, já que a iniciativa de lei para esses casos é privativa da Câmara Municipal.
Com base nisso, o Parquet pleiteiou, por meio da ação civil pública, que fosse determinado ao Réu abster-se de efetuar o pagamento do valor da remuneração do cargo de Secretário Municipal na forma da Lei nº 774/04, aplicando, em seu lugar, o valor previsto na Lei nº 548/00.
O Magistrado de primeiro grau julgou procedente, em parte, o pedido, declarando, de forma incidental, a inconstitucionalidade do valor da remuneração dos Secretários Municipais fixados na Lei nº 774/04 e determinou à Municipalidade que se abstivesse de efetuar o pagamento do referido montante.
Inconformado, o Município de Boa Vista interpôs apelação cível sustentando, em síntese, que a Lei nº 774/04 não fixou o subsídio dos Secretários, mas apenas efetuou o seu reajuste.
Os integrantes da Turma Cível da Câmara Única decidiram submeter a matéria à análise deste Tribunal Pleno em face da inconstitucionalidade alegada nos autos.
O feito foi remetido ao Parquet graduado, cujo representante manifestou-se pela declaração de inconstitucionalidade parcial do texto normativo em debate, por entender que não cabe ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de Lei fixadora do subsídio dos agentes situados no topo da estrutura funcional do município.
Vieram-me conclusos os autos.
É o sucinto relatório.
Inclua-se em pauta para julgamento.
Providenciem-se as cópias necessárias, conforme a regra inserta no art. 217, do RITJRR.
Boa Vista-RR, 08 de março de 2010.
Des. Almiro Padilha
Relator
TRIBUNAL PLENO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006006406-0
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RÉU: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
Merece prosperar a arguição de inconstitucionalidade. Senão vejamos.
Dispõe o art. 29, V, da Constituição Federal:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
[...]
V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Grifei).
Já, o art. 39, § 4º, reza que:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
[...]
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Grifei)
Por sua vez, estabelece o art. 37, X, da CF:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
Como se vê, os subsídios dos Secretários Municipais devem ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa (art. 37, X) que, neste caso, é da Câmara Municipal (art. 29, V).
Ocorre que, conforme se extrai dos autos, a Lei Municipal nº 774/04, que dispõe sobre a reorganização administrativa do Poder Executivo de do Município de Boa Vista, fixou, em seu Anexo II, o novo subsídio dos Secretários. Essa Lei foi de iniciativa da então Prefeita de Boa Vista, consoante se extrai da Justificativa, acostada às fls. 24/25.
Portanto, a inconstitucionalidade mostra-se indiscutível, à medida que uma lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo alterou o subsídio dos Secretários, o que somente poderia ocorrer por intermédio de lei de iniciativa da Câmara Municipal.
Nem se diga que a Lei visava apenas reajustar um valor que há muito estava defasado, haja vista que, como visto, mesmo para alterar o valor do subsídio, é necessária lei de iniciativa da Câmara.
Por essas razões, voto pela inconstitucionalidade parcial da Lei Municipal nº 774/04, no que tange à alteração do valor do subsídio dos Secretários Municipais, em total consonância com o parecer Ministerial.
Confiro efeito pro futuro a esta decisão, fixando o prazo de 3 (três) meses para que seja cumprida, levando em consideração a informação constante nos autos de que a alteração do subsídio dos Secretários Municipais irá alterará a situação salarial de todos os ocupantes de cargo comissionado (fl. 119/120).
Ressalto que o faço subsidiado, em primeiro lugar, na decisão do STF no julgamento do RE 197.917, no qual reduziu o número de vereadores do Município de Mira Estrela de 11 para 9 e determinou que a decisão só atingisse a próxima legislatura, e, em segundo lugar, por analogia, no art. 27, da Lei nº 9.868/99.
Diante da reconhecida inconstitucionalidade, passo, de imediato, à análise do mérito da apelação.
Conforme se disse alhures, os subsídios dos Secretários Municipais somente podem ser fixados ou alterados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, ex vi do art. 29, V c/c art. 37, X, da CF.
Logo, considerando que o subsídio dos Secretários do Município de Boa Vista foi alterado por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, é imperioso obstar a continuidade do pagamento com base nesta lei.
Outrossim, em face da clara e evidente inconstitucionalidade, torna-se descabida qualquer alegação de autonomia do Município em organizar sua estrutura, ou de afronta ao princípio da igualdade entre os servidores municipais, ou ainda de que houve apenas um reajuste de subsídio dos Secretários.
De fato, não se cogita da ausência do poder de auto-organização dos municípios. Aliás, nunca se disse isso no presente feito. O Prefeito pode, e quanto a isso tem amparo legal e constitucional, estabelecer e organizar a estrutura administrativa do Município.
O que não se admite é que uma matéria cuja iniciativa de lei é privativa da Câmara Municipal, seja regulamentada por lei cuja iniciativa foi do Chefe do Poder Executivo.
Tanto é assim que a Lei Municipal nº 774/04 foi declarada apenas parcialmente inconstitucional, abrangendo tão-somente o tópico em que altera o subsídio dos Secretários.
Quanto ao fato de que houve apenas um reajuste do subsídio, repita-se: tanto a lei que estabelece, quanto a lei que altera os subsídios dos Secretários, devem ser de iniciativa da Câmara Municipal, por expressa previsão constitucional.
No concernente à possibilidade de dano irreparável ou e difícil reparação, já que, segundo o Apelante, a sentença produzirá efeitos que atingirá quase toda a totalidade da estrutura administrativa municipal, deve-se atentar ao fato de que toda lei inconstitucional também produz dano irreparável, não sendo possível admitir-se sua permanência no mundo jurídico.
Ora, aceitar que uma lei inconstitucional continue produzindo efeitos é simplesmente ignorar a supremacia da Constituição, retirando-lhe qualquer caráter de obrigatoriedade.
Aliás, foi com o propósito de defender a supremacia da Constituição que se criaram os mecanismos de controle das normas, inclusive com a indicação de um órgão incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a Constituição.
A esse propósito, leciona o Min. Gilmar Mendes (Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 4ª ed., p. 1053):
Não se afirma, hoje, o dogma da nulidade com a mesma convicção de outrora. A disciplina emprestada aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo constituinte austríaco (1920-1929) e os desenvolvimentos posteriores do tema no direito constitucional de diversos países parecem recomendar a relativização dessa concepção unitária de inconstitucionalidade.
É inegável, todavia, que a ausência de sanção retira o conteúdo obrigatório da Constituição, convertendo o conceito de inconstitucionalidade em simples manifestação de censura ou crítica.
Nessa linha de entendimento, assenta Kelsen que uma Constituição que não dispõe de garantia para anulação dos atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória. E não se afigura suficiente uma sanção direta ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional, porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico. Faz-se mister a existência de órgãos incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a constituição. [...]
Conclui-se, portanto, que a manutenção de uma norma inconstitucional no ordenamento jurídico traz prejuízos irreparáveis, retirando da Constituição Federal sua força vinculante e criando precedentes de extremo risco à manutenção da ordem social.
De mais a mais, caso o Município de Boa Vista pretenda obstar qualquer instabilidade em seu quadro administrativo, basta que confeccione a lei na forma como previsto na Constituição Federal, isto é, observando a iniciativa privativa da Câmara Municipal.
Além disso, impende ressaltar que este Tribunal Pleno concedeu o prazo de 3 (três) meses para o cumprimento da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade parcial da Lei Municipal nº 774/04, levando em consideração uma possível instabilidade na remuneração dos demais servidores comissionados do Município de Boa Vista.
Por essas razões, conheço o recurso de apelação, mas nego-lhe provimento, mantendo a sentença combatida, ressalvando-se a concessão do prazo 3 (três) meses para cumprimento deste decisum a contar de sua publicação.
É como voto.
Boa Vista-RR, 02 de junho de 2010.
Des. Almiro Padilha
Relator
TRIBUNAL PLENO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO CÍVEL Nº 001006006406-0
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
RÉU: MUNICÍPIO DE BOA VISTA
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
E M E N T A
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUBSÍDIO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL ALTERADO POR LEI DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 29, V, DA CF. MATÉRIA CUJA INICIATIVA É PRIVATIVA DA CÂMARA MUNICIPAL. SENTENÇA CONFIRMADA. CONCEDIDO PRAZO DE TRÊS MESES PARA CUMPRIMENTO DA DECISÃO. RECURSO DESPROVIDO.
1. De acordo com a norma inserta nos arts. 29, V e 37, X, da CF, o subsídio dos Secretários Municipais somente pode ser fixado ou alterado por lei de iniciativa da Câmara Municipal.
2. Dessa forma, resta parcialmente inconstitucional a Lei Municipal nº 774/04 no ponto em que altera o valor do subsídio dos Secretários, haja vista que referido diploma foi de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal.
3. Arguição de inconstitucionalidade procedente.
4. Fixação de efeito pro futuro.
5. Recurso de apelação desprovido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do Egrégio Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em declarar parcialmente inconstitucional a Lei Municipal º 774/04, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala das Sessões do Tribunal Pleno do E. TJRR, em Boa Vista - RR, 02 de junho de 2010.
Des. Almiro Padilha
Presidente e relator
Des. Lupercino Nogueira
Vice-Presidente e julgador
Des. José Pedro
Corregedor-Geral de Justiça e Julgador
Des. Robério Nunes
Julgador
Des. Ricardo Oliveira
Julgador
Juíza Convocada Graciete Sotto Mayor
Julgadora
Esteve presente: _________________________________________
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4331, Boa Vista, 9 de junho de 2010, p. 003.
( : 02/06/2010 ,
: XIII ,
: 3 ,
Data do Julgamento
:
02/06/2010
Data da Publicação
:
09/06/2010
Classe/Assunto
:
Arguição de Inconstitucionalidade )
Relator(a)
:
DES. ALMIRO PADILHA
Tipo
:
Acórdão
Mostrar discussão