TJRR 10061363148
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010 06 136314-8
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR ESTADUAL: FRANCISCO ELITON A. MENEZES
APELADA: MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA
DEFENSORA PÚBLICA: ALINE DIONÍSIO CASTELO BRANCO
RELATOR: DES. LUPERCINO NOGUEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de reexame necessário e de apelação cível interposta pelo ESTADO DE RORAIMA em face de MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA, em virtude de sentença que julgou procedente o pedido constante da ação de obrigação de fazer, determinando ao apelante o custeio de Tratamento Fora do Domicílio (TFD) à apelada, qual seja, eletroneuromiografia, incluindo despesas com alimentação, hospedagem e locomoção (fls. 147/149).
O ESTADO DE RORAIMA almeja a reforma da r. sentença, a fim de que seja decretada a extinção do processo sem análise do mérito por falta de uma das condições da ação (interesse de agir), alegando que: a) o TFD não foi realizado por culpa da própria apelada; b) o Estado recebeu a informação de que a apelada não tinha mais interesse em realizar o exame; c) a Defensoria Pública requereu a extinção do processo e, após, requereu o prosseguimento do feito, operando-se a preclusão lógica.
Sendo intimada a apresentar contrarrazões, a apelante pugnou pelo prosseguimento do feito (fls. 158/159).
A Procuradoria de Justiça deixou de oficiar nos autos (fls. 166/168).
É o relatório.
À douta revisão.
Boa Vista, RR, 23 de novembro de 2010.
Des. Lupercino Nogueira
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010 06 136314-8
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR ESTADUAL: FRANCISCO ELITON A. MENEZES
APELADA: MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA
DEFENSORA PÚBLICA: ALINE DIONÍSIO CASTELO BRANCO
RELATOR: DES. LUPERCINO NOGUEIRA
V O T O
O juízo de admissibilidade é sempre preliminar ao juízo de mérito.
Verifico que estão presentes os pressupostos gerais de recorribilidade (cabimento, legitimação, interesse, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, tempestividade e regularidade formal).
O apelante está dispensado do preparo recursal ante a isenção legal (art. 511, §1º, CPC).
Conheço da apelação e do reexame necessário (475, I, CPC).
Não havendo preliminares, passo ao exame do mérito.
Afirma o ESTADO DE RORAIMA que a ação deve ser extinta sem o julgamento do mérito, eis que inexistente o interesse de agir.
Vejamos.
A autora ingressou com ação de obrigação de fazer c/c tutela antecipada (fls. 02/13), asseverando que se submeteu a uma cirurgia (biopsia) cervical em outubro de 2005 e, desde então, passou a sentir dores na região. Por essa razão, por ser portadora de uma doença degenerativa (fl. 32), foi solicitado pelo médico da paciente o exame de eletroneuromiografia, não disponível no Estado de Roraima, sendo deferida sua inclusão no Tratamento Fora do Domicílio (TFD).
Em 15.05.2006, a tutela antecipada foi concedida à autora (fls. 20/22), porém o Estado nunca cumpriu a ordem judicial, alegando, num primeiro momento, que não foi possível realizar o agendamento do exame (fls. 45/47) e, num segundo momento, que a parte não teria mais interesse em realizá-lo, ocasião em que requereu a extinção do feito sem análise de mérito (fls. 102/103).
É notório que o apelante não envidou os esforços necessários para proporcionar o atendimento à paciente, procrastinando o feito a tal ponto que, entre o deferimento da tutela antecipada (15.05.2006) até o requerimento de extinção pelo Estado (07.08.2007), transcorreram 14 meses. E até o momento, ou seja, após 5 (cinco) anos, não se tem notícia nos autos de que o tratamento tenha sido efetivamente realizado, seja por meio do TFD ou custeado pela própria paciente.
Com efeito, verifico que várias petições da Defensoria Pública foram apresentadas ao magistrado logo após o deferimento da tutela antecipada, buscando a efetividade da decisão judicial (fls. 32/34; fls. 55/56; fls. 112/113), contudo, sem êxito.
Em tal contexto, não há que se falar em perda superveniente do interesse de agir, muito menos em preclusão lógica. É que, embora a Defensoria Pública Estadual tenha pugnado pela extinção do feito, por ter obtido informações de que a paciente estaria realizando tratamento médico fora do Estado, houve, logo em seguida, pedido de desconsideração da petição anterior e prosseguimento do feito, o que foi deferido pelo juízo singular (fls. 127/131).
Dito isso, não me convencem as argumentações do apelante no que tange à impossibilidade de agendamento do exame, pois o mesmo pode ser realizado em qualquer Estado da Federação, considerando que o serviço de saúde brasileiro é um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno. Nesse sentido:
“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – SERVIÇO ÚNICO DE SAÚDE – SISTEMÁTICA DE ATENDIMENTO (LEI 8.080/90) 1. A jurisprudência do STJ caminha no sentido de admitir, em casos excepcionais como, por exemplo, na defesa dos direitos fundamentais, dentro do critério da razoabilidade, a outorga de tutela antecipada contra o Poder Público, afastando a incidência do óbice constante no art. 1º da Lei 9.494/97. 2. Paciente tetraplégico, com possibilidade de bem sucedido tratamento em hospitais da rede do SUS, fora do seu domicílio, tem direito à realização por conta do Estado. 3. A CF, no art. 196, e a Lei 8.080/90 estabelecem um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, União, Estados e Municípios, responsabilizando-os em solidariedade pelos serviços de saúde, o chamado SUS. A divisão de atribuições não pode ser argüida em desfavor do cidadão, pois só tem validade internamente entre eles. 4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 661.821/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/05/2005, DJ 13/06/2005, p. 258) (destacamos)
Sabe-se que o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), instituído pela Portaria nº 55/99 da Secretaria de Assistência à Saúde (Ministério da Saúde), é um instrumento legal que visa garantir, através do Sistema Único de Saúde (SUS), tratamento médico a pacientes portadores de doenças não tratáveis no município de origem por falta de condições técnicas.
Assim é que o Laudo Médico de fl. 15 dispõe, expressamente, que a apelada precisa realizar o exame de eletroneuromiografia, em razão de déficit elevado em braço direito após cirurgia (biobpsia) cervical. Tendo em vista que o exame não é realizado no Estado de Roraima, a Junta Médica autorizou o TFD (fl. 15-v).
Não há dúvidas, portanto, quanto à obrigatoriedade do apelante custear o Tratamento Fora do Domicílio quando não o garante na rede pública de saúde. Vejamos, por oportuno, as principais disposições sobre o assunto na Portaria/SAS/nº 055, de 24 de fevereiro de 1999:
“Art. 1º - Estabelecer que as despesas relativas ao deslocamento de usuários do Sistema Único de Saúde – SUS para tratamento fora do município de residência possam ser cobradas por intermédio do Sistema de Informações Ambulatoriais – SIA/SUS, observado o teto financeiro definido para cada município/estado.
§ 1º - O pagamento das despesas relativas ao deslocamento em TFD só será permitido quando esgotados todos os meios de tratamento no próprio município.
§ 2º - O TFD será concedido, exclusivamente, a pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do SUS.
(...)
Art. 2º - O TFD só será autorizado quando houver garantia de atendimento no município de referência, com horário e data definido previamente.
(...)
Art. 4º - As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado.
(...)
Art. 6º - A solicitação de TFD deverá ser feita pelo médico assistente do paciente nas unidades assistenciais vinculadas ao SUS e autorizada por comissão nomeada pelo respectivo gestor municipal/estadual, que solicitará, se necessário, exames ou documentos que complementem a análise de cada caso.”
A apelada preencheu todos os requisitos estabelecidos na Portaria nº 55/99: paciente atendida na rede pública; impossibilidade de realização do exame no Estado de Roraima e autorização do gestor estadual (fl. 15-v). Portanto, tem direito ao TFD. Nesse sentido:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROGRAMA DE TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DO TRATAMENTO EM OUTRA LOCALIDADE E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. ANTECIPAÇÃO DAAJUDADECUSTO.CABIMENTO. 1. O Programa de Tratamento Fora do Domicílio (TFD) compreende o custeio das despesas necessárias à realização de tratamento em paciente fora da localidade onde reside, conforme Portaria SAS nº. 55/99.
2. Havendo a inclusão do indivíduo no Programa TFD, mediante comprovação da necessidade de tratamento fora do domicílio e da insuficiência de recursos, caberá ao ente público instituidor o custeio das despesas relativas ao transporte, alimentação e hospedagem do paciente e, se for o caso, de seu acompanhante. 3. Demonstrada a impossibilidade de o paciente realizar as despesas anteriores à viagem, o pagamento da ajuda de custo deverá ocorrer antecipadamente, e não por meio de reembolso posterior. 4. Apelação e reexame necessário não providos.(TJDFT, Apelação Cível nº 20070110625158APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 03/03/2010, DJ 23/03/2010 p. 74)
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA FÍSICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. GARANTIA CONSTITUCIONAL À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.(...). 2. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, tem natureza indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Não se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência econômica – matéria própria da Defensoria Pública –, mas da qualidade de indisponibilidade jurídica do direito-base (saúde). (...). 4. Recurso Especial não provido.” (STJ, REsp nº 830.904/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/11/2009)
Com efeito, o direito à saúde está assegurado a todos pela Constituição da República de 1988, nos termos do seu artigo 6.º, que dispõe da seguinte forma, in verbis:
“Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (destacamos)
Por essa razão, a saúde constitui dever do Estado, que tem a obrigação de implementar políticas sociais e econômicas que reduzam os riscos de doença e de outros agravos, bem como assegurar o seu acesso universal e igualitário, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (destacamos)
De igual modo, nosso constituinte estabeleceu que compete ao ente público o atendimento integral à saúde, inclusive mediante o fornecimento de serviços assistenciais, conforme artigo 198, inciso II, da Carta Magna, in litteris:
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.”
Nessa esteira, não pode o ESTADO DE RORAIMA mostrar-se indiferente ao problema de saúde da apelada, alegando que o tratamento implica em despesa pública não autorizada ou entrave burocrático (fl. 64), sob pena de incidir em grave comportamento inconstitucional.
Por essas razões, NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo-se íntegra a r. sentença hostilizada.
É o meu voto.
Boa Vista, RR, 14 de dezembro de 2010.
Des. Lupercino Nogueira
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010 06 136314-8
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR ESTADUAL: FRANCISCO ELITON A. MENEZES
APELADA: MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA
DEFENSORA PÚBLICA: ALINE DIONÍSIO CASTELO BRANCO
RELATOR: DES. LUPERCINO NOGUEIRA
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO (TFD) – PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR – HIPÓTESE AFASTADA – COMPROVAÇÃO INEXISTENTE NOS AUTOS DE QUE A PACIENTE TENHA EFETIVAMENTE REALIZADO O EXAME DE ELETRONEUROMIOGRAFIA – PRECLUSÃO LÓGICA – NÃO CONFIGURAÇÃO – PEDIDO DE EXTINÇÃO DO FEITO NÃO APRECIADO, SENDO DEFERIDO PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO E PROSSEGUIMENTO DO FEITO PELO JUÍZO SINGULAR - HAVENDO A INCLUSÃO DA PACIENTE NO PROGRAMA TFD, MEDIANTE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO, CABERÁ AO ENTE PÚBLICO O CUSTEIO DAS DESPESAS RELATIVAS AO TRANSPORTE, ALIMENTAÇÃO E HOSPEDAGEM - APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 0010 06 136314-8, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Turma Cível da colenda Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste Julgado.
Sala de Sessões do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos quatorze dias do mês de dezembro do ano de dois mil e dez.
Des. Lupercino Nogueira
Presidente em exercício e relator
Des. Robério Nunes
Julgador
Des.ª Tânia Vasconcelos Dias
Julgadora
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4453, Boa Vista, 16 de dezembro de 2010, p. 02.
( : 14/12/2010 ,
: XIII ,
: 2 ,
Ementa
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010 06 136314-8
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR ESTADUAL: FRANCISCO ELITON A. MENEZES
APELADA: MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA
DEFENSORA PÚBLICA: ALINE DIONÍSIO CASTELO BRANCO
RELATOR: DES. LUPERCINO NOGUEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de reexame necessário e de apelação cível interposta pelo ESTADO DE RORAIMA em face de MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA, em virtude de sentença que julgou procedente o pedido constante da ação de obrigação de fazer, determinando ao apelante o custeio de Tratamento Fora do Domicílio (TFD) à apelada, qual seja, eletroneuromiografia, incluindo despesas com alimentação, hospedagem e locomoção (fls. 147/149).
O ESTADO DE RORAIMA almeja a reforma da r. sentença, a fim de que seja decretada a extinção do processo sem análise do mérito por falta de uma das condições da ação (interesse de agir), alegando que: a) o TFD não foi realizado por culpa da própria apelada; b) o Estado recebeu a informação de que a apelada não tinha mais interesse em realizar o exame; c) a Defensoria Pública requereu a extinção do processo e, após, requereu o prosseguimento do feito, operando-se a preclusão lógica.
Sendo intimada a apresentar contrarrazões, a apelante pugnou pelo prosseguimento do feito (fls. 158/159).
A Procuradoria de Justiça deixou de oficiar nos autos (fls. 166/168).
É o relatório.
À douta revisão.
Boa Vista, RR, 23 de novembro de 2010.
Des. Lupercino Nogueira
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010 06 136314-8
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR ESTADUAL: FRANCISCO ELITON A. MENEZES
APELADA: MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA
DEFENSORA PÚBLICA: ALINE DIONÍSIO CASTELO BRANCO
RELATOR: DES. LUPERCINO NOGUEIRA
V O T O
O juízo de admissibilidade é sempre preliminar ao juízo de mérito.
Verifico que estão presentes os pressupostos gerais de recorribilidade (cabimento, legitimação, interesse, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, tempestividade e regularidade formal).
O apelante está dispensado do preparo recursal ante a isenção legal (art. 511, §1º, CPC).
Conheço da apelação e do reexame necessário (475, I, CPC).
Não havendo preliminares, passo ao exame do mérito.
Afirma o ESTADO DE RORAIMA que a ação deve ser extinta sem o julgamento do mérito, eis que inexistente o interesse de agir.
Vejamos.
A autora ingressou com ação de obrigação de fazer c/c tutela antecipada (fls. 02/13), asseverando que se submeteu a uma cirurgia (biopsia) cervical em outubro de 2005 e, desde então, passou a sentir dores na região. Por essa razão, por ser portadora de uma doença degenerativa (fl. 32), foi solicitado pelo médico da paciente o exame de eletroneuromiografia, não disponível no Estado de Roraima, sendo deferida sua inclusão no Tratamento Fora do Domicílio (TFD).
Em 15.05.2006, a tutela antecipada foi concedida à autora (fls. 20/22), porém o Estado nunca cumpriu a ordem judicial, alegando, num primeiro momento, que não foi possível realizar o agendamento do exame (fls. 45/47) e, num segundo momento, que a parte não teria mais interesse em realizá-lo, ocasião em que requereu a extinção do feito sem análise de mérito (fls. 102/103).
É notório que o apelante não envidou os esforços necessários para proporcionar o atendimento à paciente, procrastinando o feito a tal ponto que, entre o deferimento da tutela antecipada (15.05.2006) até o requerimento de extinção pelo Estado (07.08.2007), transcorreram 14 meses. E até o momento, ou seja, após 5 (cinco) anos, não se tem notícia nos autos de que o tratamento tenha sido efetivamente realizado, seja por meio do TFD ou custeado pela própria paciente.
Com efeito, verifico que várias petições da Defensoria Pública foram apresentadas ao magistrado logo após o deferimento da tutela antecipada, buscando a efetividade da decisão judicial (fls. 32/34; fls. 55/56; fls. 112/113), contudo, sem êxito.
Em tal contexto, não há que se falar em perda superveniente do interesse de agir, muito menos em preclusão lógica. É que, embora a Defensoria Pública Estadual tenha pugnado pela extinção do feito, por ter obtido informações de que a paciente estaria realizando tratamento médico fora do Estado, houve, logo em seguida, pedido de desconsideração da petição anterior e prosseguimento do feito, o que foi deferido pelo juízo singular (fls. 127/131).
Dito isso, não me convencem as argumentações do apelante no que tange à impossibilidade de agendamento do exame, pois o mesmo pode ser realizado em qualquer Estado da Federação, considerando que o serviço de saúde brasileiro é um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno. Nesse sentido:
“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – SERVIÇO ÚNICO DE SAÚDE – SISTEMÁTICA DE ATENDIMENTO (LEI 8.080/90) 1. A jurisprudência do STJ caminha no sentido de admitir, em casos excepcionais como, por exemplo, na defesa dos direitos fundamentais, dentro do critério da razoabilidade, a outorga de tutela antecipada contra o Poder Público, afastando a incidência do óbice constante no art. 1º da Lei 9.494/97. 2. Paciente tetraplégico, com possibilidade de bem sucedido tratamento em hospitais da rede do SUS, fora do seu domicílio, tem direito à realização por conta do Estado. 3. A CF, no art. 196, e a Lei 8.080/90 estabelecem um sistema integrado entre todas as pessoas jurídicas de Direito Público Interno, União, Estados e Municípios, responsabilizando-os em solidariedade pelos serviços de saúde, o chamado SUS. A divisão de atribuições não pode ser argüida em desfavor do cidadão, pois só tem validade internamente entre eles. 4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 661.821/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/05/2005, DJ 13/06/2005, p. 258) (destacamos)
Sabe-se que o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), instituído pela Portaria nº 55/99 da Secretaria de Assistência à Saúde (Ministério da Saúde), é um instrumento legal que visa garantir, através do Sistema Único de Saúde (SUS), tratamento médico a pacientes portadores de doenças não tratáveis no município de origem por falta de condições técnicas.
Assim é que o Laudo Médico de fl. 15 dispõe, expressamente, que a apelada precisa realizar o exame de eletroneuromiografia, em razão de déficit elevado em braço direito após cirurgia (biobpsia) cervical. Tendo em vista que o exame não é realizado no Estado de Roraima, a Junta Médica autorizou o TFD (fl. 15-v).
Não há dúvidas, portanto, quanto à obrigatoriedade do apelante custear o Tratamento Fora do Domicílio quando não o garante na rede pública de saúde. Vejamos, por oportuno, as principais disposições sobre o assunto na Portaria/SAS/nº 055, de 24 de fevereiro de 1999:
“Art. 1º - Estabelecer que as despesas relativas ao deslocamento de usuários do Sistema Único de Saúde – SUS para tratamento fora do município de residência possam ser cobradas por intermédio do Sistema de Informações Ambulatoriais – SIA/SUS, observado o teto financeiro definido para cada município/estado.
§ 1º - O pagamento das despesas relativas ao deslocamento em TFD só será permitido quando esgotados todos os meios de tratamento no próprio município.
§ 2º - O TFD será concedido, exclusivamente, a pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do SUS.
(...)
Art. 2º - O TFD só será autorizado quando houver garantia de atendimento no município de referência, com horário e data definido previamente.
(...)
Art. 4º - As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado.
(...)
Art. 6º - A solicitação de TFD deverá ser feita pelo médico assistente do paciente nas unidades assistenciais vinculadas ao SUS e autorizada por comissão nomeada pelo respectivo gestor municipal/estadual, que solicitará, se necessário, exames ou documentos que complementem a análise de cada caso.”
A apelada preencheu todos os requisitos estabelecidos na Portaria nº 55/99: paciente atendida na rede pública; impossibilidade de realização do exame no Estado de Roraima e autorização do gestor estadual (fl. 15-v). Portanto, tem direito ao TFD. Nesse sentido:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROGRAMA DE TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DO TRATAMENTO EM OUTRA LOCALIDADE E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. ANTECIPAÇÃO DAAJUDADECUSTO.CABIMENTO. 1. O Programa de Tratamento Fora do Domicílio (TFD) compreende o custeio das despesas necessárias à realização de tratamento em paciente fora da localidade onde reside, conforme Portaria SAS nº. 55/99.
2. Havendo a inclusão do indivíduo no Programa TFD, mediante comprovação da necessidade de tratamento fora do domicílio e da insuficiência de recursos, caberá ao ente público instituidor o custeio das despesas relativas ao transporte, alimentação e hospedagem do paciente e, se for o caso, de seu acompanhante. 3. Demonstrada a impossibilidade de o paciente realizar as despesas anteriores à viagem, o pagamento da ajuda de custo deverá ocorrer antecipadamente, e não por meio de reembolso posterior. 4. Apelação e reexame necessário não providos.(TJDFT, Apelação Cível nº 20070110625158APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 03/03/2010, DJ 23/03/2010 p. 74)
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA FÍSICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. GARANTIA CONSTITUCIONAL À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.(...). 2. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, tem natureza indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Não se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência econômica – matéria própria da Defensoria Pública –, mas da qualidade de indisponibilidade jurídica do direito-base (saúde). (...). 4. Recurso Especial não provido.” (STJ, REsp nº 830.904/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/11/2009)
Com efeito, o direito à saúde está assegurado a todos pela Constituição da República de 1988, nos termos do seu artigo 6.º, que dispõe da seguinte forma, in verbis:
“Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (destacamos)
Por essa razão, a saúde constitui dever do Estado, que tem a obrigação de implementar políticas sociais e econômicas que reduzam os riscos de doença e de outros agravos, bem como assegurar o seu acesso universal e igualitário, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (destacamos)
De igual modo, nosso constituinte estabeleceu que compete ao ente público o atendimento integral à saúde, inclusive mediante o fornecimento de serviços assistenciais, conforme artigo 198, inciso II, da Carta Magna, in litteris:
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.”
Nessa esteira, não pode o ESTADO DE RORAIMA mostrar-se indiferente ao problema de saúde da apelada, alegando que o tratamento implica em despesa pública não autorizada ou entrave burocrático (fl. 64), sob pena de incidir em grave comportamento inconstitucional.
Por essas razões, NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo-se íntegra a r. sentença hostilizada.
É o meu voto.
Boa Vista, RR, 14 de dezembro de 2010.
Des. Lupercino Nogueira
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010 06 136314-8
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
PROCURADOR ESTADUAL: FRANCISCO ELITON A. MENEZES
APELADA: MÁRCIA ELAINE FERREIRA SILVA
DEFENSORA PÚBLICA: ALINE DIONÍSIO CASTELO BRANCO
RELATOR: DES. LUPERCINO NOGUEIRA
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO (TFD) – PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR – HIPÓTESE AFASTADA – COMPROVAÇÃO INEXISTENTE NOS AUTOS DE QUE A PACIENTE TENHA EFETIVAMENTE REALIZADO O EXAME DE ELETRONEUROMIOGRAFIA – PRECLUSÃO LÓGICA – NÃO CONFIGURAÇÃO – PEDIDO DE EXTINÇÃO DO FEITO NÃO APRECIADO, SENDO DEFERIDO PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO E PROSSEGUIMENTO DO FEITO PELO JUÍZO SINGULAR - HAVENDO A INCLUSÃO DA PACIENTE NO PROGRAMA TFD, MEDIANTE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO, CABERÁ AO ENTE PÚBLICO O CUSTEIO DAS DESPESAS RELATIVAS AO TRANSPORTE, ALIMENTAÇÃO E HOSPEDAGEM - APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 0010 06 136314-8, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Turma Cível da colenda Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste Julgado.
Sala de Sessões do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos quatorze dias do mês de dezembro do ano de dois mil e dez.
Des. Lupercino Nogueira
Presidente em exercício e relator
Des. Robério Nunes
Julgador
Des.ª Tânia Vasconcelos Dias
Julgadora
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4453, Boa Vista, 16 de dezembro de 2010, p. 02.
( : 14/12/2010 ,
: XIII ,
: 2 ,
Data do Julgamento
:
14/12/2010
Data da Publicação
:
16/12/2010
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. LUPERCINO DE SA NOGUEIRA FILHO
Tipo
:
Acórdão
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