TJRR 10070073712
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007007371-2
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADOS: NAÍZA SOBRAL E OUTRO
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
ESTADO DE RORAIMA interpôs esta apelação em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 8ª. Vara Cível da Comarca de Boa Vista, na Ação de Indenização por Danos Morais nº. 01005106962-2, por meio da qual o pedido foi julgado procedente, condenando-o a pagar a cada um dos Autores a quantia de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais).
Consta nos autos que os Requerentes são pais de Raimundo Santos Sobral, o qual cumpria pena na Penitenciária Agrícola do Estado, local em que fora assassinado.
O Apelante alega, em síntese, que: a) o direito pretendido está prescrito por força do art. 206, §3º, V, do CC; b) o pedido da indenização funda-se em conduta omissiva, que deve ser analisada subjetivamente; c) não houve a comprovação de qualquer modalidade de culpa dos agentes estatais; d) a morte ocorreu de fato imprevisível, causada por terceiro e com culpa exclusiva da vítima; e) “[...] some-se a isso tudo o fato de que a vítima possuía um péssimo comportamento, desentendendo-se com outros presos o que gerou um ‘acerto de contas’ na rebelião” (fl. 109); f) o valor indenizatório é excessivo e inviabiliza o seu direito de regresso.
Requer o conhecimento e provimento do recurso, para julgar totalmente improcedente o pedido, condenando os Apelados nos ônus sucumbenciais, ou, que seja reduzida a quantia indenizatória e ainda a reunião deste processo com o de n° 01005116210-4 para que haja julgamento único.
O recurso foi recebido em seu duplo efeito (fl.115).
Os Apelados, nas contra-razões, dizem que: a) “[...] a sentença guerreada analisou a culpa, o dano e o nexo de causalidade comprovados pela negligência do Apelante que culminou com a morte de um cidadão que estava sob sua tutela e responsabilidade” (fl. 119); b) o valor indenizatório foi fixado corretamente.
Pedem a manutenção da sentença.
O Ministério Público deixou de oficiar no feito (fl.134).
É o relatório.
Encaminhem-se os autos ao Revisor.
Boa Vista – RR, 01 de Julho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007007371-2
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADOS: NAÍZA SOBRAL E OUTRO
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
A alegada prescrição não prospera.
Por se tratar de ação de reparação de dano contra o Estado, o prazo prescricional a ser considerado é o de 5 (cinco) anos contados a partir do evento danoso, conforme diccão do art. 1º. do Decreto nº 20.910/32. Não há que se cogitar a aplicação do prazo previsto no inc. V do § 3º. do art. 206 do CC, uma vez que a lei especial prevalece à lei geral.
Essa é uma regra de Direito Intertemporal expressa no art. 2º. da LICC, na qual, havendo duas normas, uma geral e outra específica, esta deve ser aplicada sem, contudo, tornar aquela sem efeito. As duas continuam vigendo, cumprindo-se, entretanto, a mais específica às situações tratadas por ela.
Sobre a inaplicabilidade do prazo prescricional, previsto no inc. V do § 3º. do art. 206 do CC (3 anos), para os casos de ressarcimento contra a Fazenda Pública, colaciono os seguintes precedentes do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO LEGISLATIVO 20.910/32. APLICAÇÃO. NORMA ESPECIAL.
1. O art. 1º do Decreto nº 20.910/32 dispõe acerca da prescrição qüinqüenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou.
2. In casu, tendo a parte interessada deixado escoar o prazo qüinqüenal para propor a ação objetivando o reconhecimento do seu direito, vez que o dano indenizável ocorrera em 24 de outubro de 1993, enquanto a ação judicial somente fora ajuizada em 17 de abril de 2003, ou seja, quase dez anos após o incidente, impõe-se decretar extinto o processo, com resolução de mérito pela ocorrência da inequívoca prescrição.
3. Deveras, a lei especial convive com a lei geral, por isso que os prazos do Decreto 20.910/32 coexistem com aqueles fixados na lei civil.
4. Recurso especial provido para reconhecer a incidência da prescrição qüinqüenal e declarar extinto o processo com resolução de mérito (art. 269, IV do CPC).” (STJ, REsp 820768/RS, Min. Luiz Fux, 1ª. T., j. 04.10.2007, DJ 05.11.2007 – destaquei).
“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR ESTADUAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. DISCIPLINA DO DECRETO 20.910/32. ACÓRDÃO QUE JULGA VÁLIDA LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI FEDERAL. COMPETÊNCIA DA SUPREMA CORTE. EC 45/04. VIOLAÇÃO INDIRETA A LEI FEDERAL. ANÁLISE EM RECURSO ESPECIAL. NÃO-CABIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Os embargos de declaração têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Não há omissão no acórdão recorrido quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte.
2. A prescrição contra a Fazenda Pública não é disciplinada pelo Código Civil ou Código de Processo Civil, mas pelo Decreto 20.910/32, que prevê o prazo de 5 (cinco) anos para o ajuizamento de ação, contado da data do ato ou do fato do qual se originaram.
3. Se o acórdão recorrido julgou válida lei local contestada em face de lei federal, a solução a ser dada à hipótese compete ao Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário, conforme letra "d" do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, na redação determinada pela Emenda Constitucional 45/04.
4. A violação indireta a dispositivo de lei federal não justifica a interposição de recurso especial. A Constituição Federal não mais prevê a possibilidade de exame de lei local em recurso especial. Na espécie, a análise de suposta contrariedade ao art. 2º, § 1º, da LICC passa necessariamente pela apreciação das Leis Estaduais 2.180/00 e 120/80.
5. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no Ag 899972/MS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª. T., j. 17.12.2007, DJ 10.03.2008 – destaquei).
Para expulsar de uma vez por todas qualquer dúvida que exista sobre o tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam:
“§ 3.º V: 3. Reparação civil. Regra geral subsidiária. A norma estabelece prazo de prescrição para o exercício de pretensão de reparação civil de danos. É norma geral e, portanto, subsidiária. Somente é aplicável quando não houver regra especial determinando outro prazo de prescrição para o exercício da pretensão reparatória. A LPI 225, por exemplo, trata do prazo de prescrição para as pretensões de perdas e danos causados à propriedade industrial que, como regra especial, prevalece sobre a geral do CC 206 § 3.º V.”(1)
O princípio da supremacia do interesse público continua existindo e não será violado pelo entendimento de que o prazo prescricional contra a Fazenda Pública continua sendo de cinco anos, porque ele foi utilizado como fundamento durante anos para justificar um prazo prescricional mais benéfico para o Estado.
Hoje, por opção do próprio Estado, não é mais assim. Quando ele reduziu o prazo prescricional para ações de reparação civil genéricas sem mencionar a situação específica a respeito da Fazenda Pública, abriu mão do benefício de que dispunha e escolheu permanecer tendo cinco anos como prazo de prescrição contra si. Caso quisesse o contrário, teria incluído essa situação no bojo do Código Civil de 2002, ou revogado o Decreto nº. 20.910/32 e o art. 1º.-C da Lei Federal nº. 9.494/97.
Como o óbito de RAIMUNDO SANTOS SOBRAL ocorreu em 17/01/02 (fl. 10) e a ação foi ajuizada em 17/05/05 (fl. 02), a pretensão dos Autores não está prescrita.
Por essas razões, rejeito esta preliminar.
O caso em apreço discute, também, a forma de responsabilização do Estado em razão da morte de um detento por outros na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo.
Apesar de o Estado sustentar que deve ser aplicado ao caso a teoria subjetiva, sob o argumento de que o dano adveio de omissão, trata-se de responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º, da Carta Magna e art. 43 do Código Civil), por se tratar de situação de risco criada pelo próprio Estado. Esse posicionamento é defendido, de forma unânime, pela doutrina e tribunais.
Discorrendo sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina(2):
“64. Há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende. Vale dizer: são hipóteses nas quais é o Poder Público quem constituiu, por ato comissivo seu, os fatores que propiciarão decisivamente a emergência de dano. Tais casos, a nosso ver, assimilam-se aos de danos produzidos pela própria ação do Estado e por isso ensejam, tanto quanto estes, a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva.”
E segue:
“68. Por razões e critérios idênticos aos que vêm sendo expostos, a responsabilidade objetiva por danos oriundos de coisas ou pessoas perigosas sob a guarda do Estado aplica-se, também, em relação aos que se encontram sob tal guarda. Assim, se um detento fere ou mutila outro detento, o Estado responde objetivamente, pois cada um dos presidiários está exposto a uma situação de risco inerente à ambiência de uma prisão onde convivem infratores, ademais inquietos pela circunstância de estarem prisioneiros.”(3) (sublinhado nosso)
Não há necessidade, portanto, da comprovação de culpa do Estado de Roraima.
A morte do preso não foi um fato imprevisível, porque o próprio Estado criou a situação do risco de morte, quando o aprisionou, agrupando-o com os demais, e tomou para si a responsabilidade pelo bem estar dele.
Não há outra causa, além da negligência do Estado, apta a produzir o resultado, portanto, o nexo de causalidade está comprovado (art. 927 do CC).
O péssimo comportamento do reeducando morto era apenas mais um forte indício do risco de sua morte. Se o Estado assumiu a segurança do preso, deveria ter considerado sua conduta e tomado as providências para assegurar-lhe a vida. A causa da morte não foi dada pela vítima.
Não há outra causa, além da negligência do Estado, apta a produzir o resultado, portanto, o nexo de causalidade está comprovado.
O Estado tem razão, quanto ao valor da indenização.
Esta Corte tem concedido valores aproximados à R$ 50.000,00 para pais, esposas e filhos dos falecidos, porque esses, presumidamente, têm uma relação afetiva mais forte com aqueles que foram mortos.
Entendo que o valor mais justo e que obedece melhor às funções de reparação da vítima, punição do autor e desestímulo da conduta na sociedade, é R$ 50.000,00 para cada um, conforme os precedentes deste Tribunal.
Por essas razões, conheço e dou provimento parcial ao recurso apenas para reduzir o valor da condenação para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada Autor. No mais, mantenho o julgado.
É como voto.
Boa Vista, 15 de julho de 2008.
Des. ALMIRO PADILHA – Relator
(1) Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª. ed., 2003, p. 265.
(2) Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pg. 823.
(3) Idem item 2, p. 825.
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007007371-2
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADOS: NAÍZA SOBRAL E OUTRO
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – MORTE DE PRESO – PRESCRIÇÃO – O PRAZO PRESCRICIONAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA É DE 5 (CINCO ANOS) – REPONSABILIDADE CIVIL – OBJETIVA – DEMONSTRAÇÃO DE CULPA – DESNECESSIDADE – FATO IMPREVISÍVEL – A ADMINISTRAÇÃO TINHA PLENO CONHECIMENTO DO RISCO DE MORTE, POR CRIAR A SITUAÇÃO – CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA – O DETENTO NÃO FOI ASSASSINADO POR CAUSA DE SEU COMPORTAMENTO, MORREU PORQUE O ESTADO NÃO TOMOU AS CAUTELAS NECESSÁRIAS PARA ASSEGURAR-LHE A VIDA – NEXO DE CAUSALIDADE – PRESENTE – VALOR DA INDENIZAÇÃO – EXCESSIVO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento parcial ao recurso nos termos do voto do Relator que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista, 15 de julho de 2008.
Des. CARLOS HENRIQUES
Presidente
Des. JOSÉ PEDRO
Julgador
Des. ALMIRO PADILHA
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3897, Boa Vista-RR, 05 de Agosto de 2008, p. 03.
( : 15/07/2008 ,
: ,
: 0 ,
Ementa
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APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007007371-2
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADOS: NAÍZA SOBRAL E OUTRO
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
ESTADO DE RORAIMA interpôs esta apelação em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 8ª. Vara Cível da Comarca de Boa Vista, na Ação de Indenização por Danos Morais nº. 01005106962-2, por meio da qual o pedido foi julgado procedente, condenando-o a pagar a cada um dos Autores a quantia de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais).
Consta nos autos que os Requerentes são pais de Raimundo Santos Sobral, o qual cumpria pena na Penitenciária Agrícola do Estado, local em que fora assassinado.
O Apelante alega, em síntese, que: a) o direito pretendido está prescrito por força do art. 206, §3º, V, do CC; b) o pedido da indenização funda-se em conduta omissiva, que deve ser analisada subjetivamente; c) não houve a comprovação de qualquer modalidade de culpa dos agentes estatais; d) a morte ocorreu de fato imprevisível, causada por terceiro e com culpa exclusiva da vítima; e) “[...] some-se a isso tudo o fato de que a vítima possuía um péssimo comportamento, desentendendo-se com outros presos o que gerou um ‘acerto de contas’ na rebelião” (fl. 109); f) o valor indenizatório é excessivo e inviabiliza o seu direito de regresso.
Requer o conhecimento e provimento do recurso, para julgar totalmente improcedente o pedido, condenando os Apelados nos ônus sucumbenciais, ou, que seja reduzida a quantia indenizatória e ainda a reunião deste processo com o de n° 01005116210-4 para que haja julgamento único.
O recurso foi recebido em seu duplo efeito (fl.115).
Os Apelados, nas contra-razões, dizem que: a) “[...] a sentença guerreada analisou a culpa, o dano e o nexo de causalidade comprovados pela negligência do Apelante que culminou com a morte de um cidadão que estava sob sua tutela e responsabilidade” (fl. 119); b) o valor indenizatório foi fixado corretamente.
Pedem a manutenção da sentença.
O Ministério Público deixou de oficiar no feito (fl.134).
É o relatório.
Encaminhem-se os autos ao Revisor.
Boa Vista – RR, 01 de Julho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007007371-2
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADOS: NAÍZA SOBRAL E OUTRO
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
A alegada prescrição não prospera.
Por se tratar de ação de reparação de dano contra o Estado, o prazo prescricional a ser considerado é o de 5 (cinco) anos contados a partir do evento danoso, conforme diccão do art. 1º. do Decreto nº 20.910/32. Não há que se cogitar a aplicação do prazo previsto no inc. V do § 3º. do art. 206 do CC, uma vez que a lei especial prevalece à lei geral.
Essa é uma regra de Direito Intertemporal expressa no art. 2º. da LICC, na qual, havendo duas normas, uma geral e outra específica, esta deve ser aplicada sem, contudo, tornar aquela sem efeito. As duas continuam vigendo, cumprindo-se, entretanto, a mais específica às situações tratadas por ela.
Sobre a inaplicabilidade do prazo prescricional, previsto no inc. V do § 3º. do art. 206 do CC (3 anos), para os casos de ressarcimento contra a Fazenda Pública, colaciono os seguintes precedentes do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO LEGISLATIVO 20.910/32. APLICAÇÃO. NORMA ESPECIAL.
1. O art. 1º do Decreto nº 20.910/32 dispõe acerca da prescrição qüinqüenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou.
2. In casu, tendo a parte interessada deixado escoar o prazo qüinqüenal para propor a ação objetivando o reconhecimento do seu direito, vez que o dano indenizável ocorrera em 24 de outubro de 1993, enquanto a ação judicial somente fora ajuizada em 17 de abril de 2003, ou seja, quase dez anos após o incidente, impõe-se decretar extinto o processo, com resolução de mérito pela ocorrência da inequívoca prescrição.
3. Deveras, a lei especial convive com a lei geral, por isso que os prazos do Decreto 20.910/32 coexistem com aqueles fixados na lei civil.
4. Recurso especial provido para reconhecer a incidência da prescrição qüinqüenal e declarar extinto o processo com resolução de mérito (art. 269, IV do CPC).” (STJ, REsp 820768/RS, Min. Luiz Fux, 1ª. T., j. 04.10.2007, DJ 05.11.2007 – destaquei).
“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR ESTADUAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. DISCIPLINA DO DECRETO 20.910/32. ACÓRDÃO QUE JULGA VÁLIDA LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI FEDERAL. COMPETÊNCIA DA SUPREMA CORTE. EC 45/04. VIOLAÇÃO INDIRETA A LEI FEDERAL. ANÁLISE EM RECURSO ESPECIAL. NÃO-CABIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Os embargos de declaração têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Não há omissão no acórdão recorrido quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte.
2. A prescrição contra a Fazenda Pública não é disciplinada pelo Código Civil ou Código de Processo Civil, mas pelo Decreto 20.910/32, que prevê o prazo de 5 (cinco) anos para o ajuizamento de ação, contado da data do ato ou do fato do qual se originaram.
3. Se o acórdão recorrido julgou válida lei local contestada em face de lei federal, a solução a ser dada à hipótese compete ao Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário, conforme letra "d" do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, na redação determinada pela Emenda Constitucional 45/04.
4. A violação indireta a dispositivo de lei federal não justifica a interposição de recurso especial. A Constituição Federal não mais prevê a possibilidade de exame de lei local em recurso especial. Na espécie, a análise de suposta contrariedade ao art. 2º, § 1º, da LICC passa necessariamente pela apreciação das Leis Estaduais 2.180/00 e 120/80.
5. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no Ag 899972/MS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª. T., j. 17.12.2007, DJ 10.03.2008 – destaquei).
Para expulsar de uma vez por todas qualquer dúvida que exista sobre o tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam:
“§ 3.º V: 3. Reparação civil. Regra geral subsidiária. A norma estabelece prazo de prescrição para o exercício de pretensão de reparação civil de danos. É norma geral e, portanto, subsidiária. Somente é aplicável quando não houver regra especial determinando outro prazo de prescrição para o exercício da pretensão reparatória. A LPI 225, por exemplo, trata do prazo de prescrição para as pretensões de perdas e danos causados à propriedade industrial que, como regra especial, prevalece sobre a geral do CC 206 § 3.º V.”(1)
O princípio da supremacia do interesse público continua existindo e não será violado pelo entendimento de que o prazo prescricional contra a Fazenda Pública continua sendo de cinco anos, porque ele foi utilizado como fundamento durante anos para justificar um prazo prescricional mais benéfico para o Estado.
Hoje, por opção do próprio Estado, não é mais assim. Quando ele reduziu o prazo prescricional para ações de reparação civil genéricas sem mencionar a situação específica a respeito da Fazenda Pública, abriu mão do benefício de que dispunha e escolheu permanecer tendo cinco anos como prazo de prescrição contra si. Caso quisesse o contrário, teria incluído essa situação no bojo do Código Civil de 2002, ou revogado o Decreto nº. 20.910/32 e o art. 1º.-C da Lei Federal nº. 9.494/97.
Como o óbito de RAIMUNDO SANTOS SOBRAL ocorreu em 17/01/02 (fl. 10) e a ação foi ajuizada em 17/05/05 (fl. 02), a pretensão dos Autores não está prescrita.
Por essas razões, rejeito esta preliminar.
O caso em apreço discute, também, a forma de responsabilização do Estado em razão da morte de um detento por outros na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo.
Apesar de o Estado sustentar que deve ser aplicado ao caso a teoria subjetiva, sob o argumento de que o dano adveio de omissão, trata-se de responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º, da Carta Magna e art. 43 do Código Civil), por se tratar de situação de risco criada pelo próprio Estado. Esse posicionamento é defendido, de forma unânime, pela doutrina e tribunais.
Discorrendo sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina(2):
“64. Há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende. Vale dizer: são hipóteses nas quais é o Poder Público quem constituiu, por ato comissivo seu, os fatores que propiciarão decisivamente a emergência de dano. Tais casos, a nosso ver, assimilam-se aos de danos produzidos pela própria ação do Estado e por isso ensejam, tanto quanto estes, a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva.”
E segue:
“68. Por razões e critérios idênticos aos que vêm sendo expostos, a responsabilidade objetiva por danos oriundos de coisas ou pessoas perigosas sob a guarda do Estado aplica-se, também, em relação aos que se encontram sob tal guarda. Assim, se um detento fere ou mutila outro detento, o Estado responde objetivamente, pois cada um dos presidiários está exposto a uma situação de risco inerente à ambiência de uma prisão onde convivem infratores, ademais inquietos pela circunstância de estarem prisioneiros.”(3) (sublinhado nosso)
Não há necessidade, portanto, da comprovação de culpa do Estado de Roraima.
A morte do preso não foi um fato imprevisível, porque o próprio Estado criou a situação do risco de morte, quando o aprisionou, agrupando-o com os demais, e tomou para si a responsabilidade pelo bem estar dele.
Não há outra causa, além da negligência do Estado, apta a produzir o resultado, portanto, o nexo de causalidade está comprovado (art. 927 do CC).
O péssimo comportamento do reeducando morto era apenas mais um forte indício do risco de sua morte. Se o Estado assumiu a segurança do preso, deveria ter considerado sua conduta e tomado as providências para assegurar-lhe a vida. A causa da morte não foi dada pela vítima.
Não há outra causa, além da negligência do Estado, apta a produzir o resultado, portanto, o nexo de causalidade está comprovado.
O Estado tem razão, quanto ao valor da indenização.
Esta Corte tem concedido valores aproximados à R$ 50.000,00 para pais, esposas e filhos dos falecidos, porque esses, presumidamente, têm uma relação afetiva mais forte com aqueles que foram mortos.
Entendo que o valor mais justo e que obedece melhor às funções de reparação da vítima, punição do autor e desestímulo da conduta na sociedade, é R$ 50.000,00 para cada um, conforme os precedentes deste Tribunal.
Por essas razões, conheço e dou provimento parcial ao recurso apenas para reduzir o valor da condenação para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada Autor. No mais, mantenho o julgado.
É como voto.
Boa Vista, 15 de julho de 2008.
Des. ALMIRO PADILHA – Relator
(1) Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª. ed., 2003, p. 265.
(2) Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pg. 823.
(3) Idem item 2, p. 825.
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007007371-2
APELANTE: ESTADO DE RORAIMA
APELADOS: NAÍZA SOBRAL E OUTRO
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – MORTE DE PRESO – PRESCRIÇÃO – O PRAZO PRESCRICIONAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA É DE 5 (CINCO ANOS) – REPONSABILIDADE CIVIL – OBJETIVA – DEMONSTRAÇÃO DE CULPA – DESNECESSIDADE – FATO IMPREVISÍVEL – A ADMINISTRAÇÃO TINHA PLENO CONHECIMENTO DO RISCO DE MORTE, POR CRIAR A SITUAÇÃO – CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA – O DETENTO NÃO FOI ASSASSINADO POR CAUSA DE SEU COMPORTAMENTO, MORREU PORQUE O ESTADO NÃO TOMOU AS CAUTELAS NECESSÁRIAS PARA ASSEGURAR-LHE A VIDA – NEXO DE CAUSALIDADE – PRESENTE – VALOR DA INDENIZAÇÃO – EXCESSIVO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento parcial ao recurso nos termos do voto do Relator que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista, 15 de julho de 2008.
Des. CARLOS HENRIQUES
Presidente
Des. JOSÉ PEDRO
Julgador
Des. ALMIRO PADILHA
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3897, Boa Vista-RR, 05 de Agosto de 2008, p. 03.
( : 15/07/2008 ,
: ,
: 0 ,
Data do Julgamento
:
15/07/2008
Data da Publicação
:
05/08/2008
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. ALMIRO PADILHA
Tipo
:
Acórdão
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