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Jurisprudência


TJRR 10070080949

Ementa
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007008094-9 APELANTE: ESTADO DE RORAIMA APELADOS: PIGALLE LANCHETERIA LTDA. E OUTROS RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA RELATÓRIO O ESTADO DE RORAIMA interpôs esta apelação contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da 8ª. Vara Cível, na Execução Fiscal nº. 001001015604-9, por meio da qual o processo foi extinto sem apreciação do mérito, em razão da prescrição intercorrente. O Recorrente alega, em síntese, que não houve prescrição e que o Estado de Roraima não pode ser punido pela demora na efetivação da citação. Pede a reforma da sentença. O Recorrido afirma, em síntese, que: (a) o juiz pode reconhecer a prescrição intercorrente de ofício; (b) houve prescrição; (c) a citação por edital apenas suspende a execução; (d) esta Corte deve reconhecer a prescrição neste momento. Pede a manutenção da sentença. É o relatório. Encaminhem-se os autos à revisão. Boa Vista, 10 de dezembro de 2007. Des. ALMIRO PADILHA Relator CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007008094-9 APELANTE: ESTADO DE RORAIMA APELADOS: PIGALLE LANCHETERIA LTDA. E OUTROS RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA VOTO PRELIMINAR – Ausência de um dos pressupostos processuais. Analisando os autos, percebi que os Executados, em momento algum, constituíram Advogado. Após a citação, o processo desenrolou-se normalmente, com a intimação pessoal da Executada PIGALLE LANCHETERIA LTDA., inclusive com a penhora e valores em conta-corrente e outros bens. A representação por advogado é um direito da parte e obrigatoriamente deve ser verificada e garantida pelo juiz, em obediência ao art. 133 da CF que dispõe: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” Esse dispositivo impõe e a inviolabilidade do advogado e a necessidade de representação da parte por ele, exceto se houver alguma outra regra dispensando-o (juizados especiais e Justiça do Trabalho p. ex.). Sobre isso, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior ensinam: “A função do advogado recebeu tratamento especial do constituinte de 1988. Em seu art. 133, a Lei Maior anuncia: 'O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestação no exercício da profissão, nos limites da lei'. A disciplina jurídica veiculada pelo texto constitucional cuida de dois distintos institutos: a indispensabilidade e a inviolabilidade do advogado. A indispensabilidade do advogado indica que, a princípio, o advogado deve participar dos processos judiciais. Aspecto inerente ao devido processo legal, a presença do advogado no processo funciona como autêntica garantia de que os direitos das partes estariam sob a adequada salvaguarda técnica.” (1) No Código de Processo Civil, essa obrigatoriedade enquadra-se como um dos pressupostos processuais, de acordo com a lição de Humberto Theodoro Júnior, que posteriormente menciona exceções à regra da necessidade da representação por advogado: “Não se confunde a capacidade processual, que é a aptidão para ser parte, com a capacidade de postulação, que vem a ser a aptidão para realizar os atos do processo de maneira eficaz. A capacidade de postulação em nosso sistema processual compete exclusivamente aos advogados, de modo que é obrigatória representação da parte em juízo por advogado legalmente habilitado (art. 36). Trata-se de um pressuposto processual, cuja inobservância conduz à nulidade do processo (arts. 1.º e 3.º da Lei n.º 8.906, de 04/07/1994).” (2) No caso em análise, temos um processo de execução fiscal, no qual os Executados foram citados pessoalmente (fls. 10 e 11) e foi feita penhora (fls. 31 e 32, 79 e 80, 87, 139, 148 e 150). Em momento algum, foi constituído advogado para defender os devedores (muitos deles nem foram intimados das penhoras), apesar de sua citação e intimação pessoal de uma deles para alguns atos, o que configura um desrespeito ao princípio do devido processo legal e, conseqüentemente, ao contraditório da e ampla defesa. Apenas após a última penhora realizada é que houve a designação de um Curador Especial para os Executados e, ainda assim, de forma irregular. A Fazenda Pública requereu a intimação pessoal dos Devedores para que tomassem ciência da penhora e embargassem-na (fl. 161), o que foi deferido pelo Magistrado (fl. 163). Contudo, o cartório expediu Edital de Citação (fls. 167 e 172) e o Juiz de Direito nomeou Curador Especial aos Executados (fl. 174) após a certidão de que não houve manifestação deles (fl. 173). Houve alegação de nulidade da citação e falta de interesse processual (fls. 176-181), mas os pedidos foram indeferidos (fl. 183). A sentença foi proferida (fls. 188 e 189). Entendo importante explicar que, também no processo de execução, por ter que respeitar as regras da Teoria Geral do Processo, é necessária a observância dos pressupostos processuais e das condições da ação. Nesse sentido, é a lição de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini: “Como conseqüência direta da existência de regime geral comum para a atividade jurisdicional cognitiva e executiva, aplicam-se ao processo de execução e à fase de cumprimento da sentença as regras sobre pressupostos processuais e condições da ação (arts. 2.º, 3.º, 6.º, 267, 301), examinadas no vol. 1 deste Curso.”(3) Humberto Theodoro Júnior leciona no mesmo sentido: “Sendo, destarte, a execução forçada uma forma de ação, o seu manejo sofre subordinação aos pressupostos processuais e às condições da ação, tal como se passa com o processo de conhecimento. A relação processual há de ser validamente estabelecida e validamente conduzida até o provimento final, para o que se reclamam a capacidade das partes, a regular representação nos autos por advogado, a competência do órgão judicial e o procedimento legal compatível com o tipo de pretensão deduzida em juízo, além de outros requisitos dessa natureza (v. volume I, nº 54)”(4) Saliento que as execuções fiscais não foram alteradas pelas recentes modificações do Código de Processo Civil. Percebe-se, portanto, que a tramitação do processo de execução fiscal, sem que os Executados tenham advogado constituído para defendê-los no processo (alguns devedores nem sequer foram intimados pessoalmente sobre alguns atos), configura um flagrante desrespeito ao devido processo legal e conseqüentemente aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o que impõe, em tese, sua anulação. Ocorre, entretanto, que o sistema de nulidades processuais, adotado em nosso país, não permite a declaração da nulidade, quando o mérito puder ser julgado em favor daquele a quem ela beneficie. Assim, ensina Teresa Arruda Alvim Wambier (5): “3. Não há nulidade sem prejuízo. É desnecessário, do ponto de vista prático, anular-se ou decretar-se a nulidade de um ato, não tendo havido prejuízo da parte. [...] A doutrina tem chamado de princípio da transcendência àquele de que se origina a regra de que para que a nulidade seja declarada é necessário que esta produza prejuízo, que não se declare a nulidade.” Esse princípio encontra amparo legal no § 2.º do art. 249 do CPC que dispõe: “§ 2.º Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.” Por causa disso, apreciarei a partir de agora a ocorrência ou não da prescrição intercorrente para, ao final, declarar ou não a nulidade parcial do processo. MÉRITO A prescrição intercorrente pressupõe a existência de inércia da Fazenda Pública. É justamente para evitar essa omissão do Estado contra o contribuinte que ela foi criada. Sobre ela, Humberto Theodoro Junior ensina: “Consuma-se a prescrição intercorrente se os autos da execução fiscal permanecem paralisados em cartório por mais de cinco anos, sem que a Fazenda tenha praticado qualquer ato de empenho procedimental” (6) (destaquei). Trago, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto: “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ADMISSÃO. PARALISAÇÃO POR MAIS DE CINCO ANOS. ART. 40 DA LEF. ART 174 DO CTN. 1. As matérias passíveis de serem alegadas em exceção de pré-executividade não são somente as de ordem pública, mas também todos os fatos modificativos ou extintivos do direito do exeqüente, desde que comprovados de plano, sem necessidade de dilação probatória. 2. É possível argüir-se a prescrição intercorrente por meio de exceção de pré-executividade, sempre que demonstrada por prova documental inequívoca constante dos autos ou apresentada juntamente com a petição. 3. Se a execução fiscal, ante a inércia do credor, permanece paralisada por mais de cinco anos, a partir do despacho que ordena a suspensão do feito, deve ser decretada a prescrição intercorrente suscitada pelo devedor. 4. Interrompida a prescrição, com a citação pessoal, e não havendo bens a penhorar, pode o exeqüente valer-se do art. 40 da LEF (Lei n.º 6.830/80), requerendo a suspensão do processo e, conseqüentemente, do prazo prescricional por um ano, ao término do qual recomeça a fluir a contagem até que se complete o lustro. 5. A regra do art. 40 da LEF não tem o condão de tornar imprescritível a dívida fiscal, já que não resiste ao confronto com o art. 174 do CTN. 6. Recurso especial improvido” (STJ, REsp 613.685/MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, 2.ª T., j. 27.04.2004, DJ 07.03.2005 – destaquei). A prescrição intercorrente não existe pelo simples decurso do tempo. Esse período deve ter sido de inércia e não de duração do processo simplesmente. Este Tribunal já manifestou o entendimento de que a omissão está presente, quando não há uma tramitação relevante do processo. Ou seja, quando o feito não muda de situação processual. Por ex.: a citação é feita em 1999, os autos vem e vão da Procuradoria do Estado com pedidos diversos (arquivamento, diligências etc.), mas a penhora só é feita em 2007. Apesar dos autos transitarem, não houve uma mudança relavante na situação processual. No caso em análise, a ação foi ajuizada em 18/08/01 (fl. 02); as citações foram feitas em 08/02/01 (fls. 10 e 11); desde esse tempo até a data da sentença, o Estado de Roraima vem diligenciando, requerendo nos autos, ininterruptamente, a busca por bens a penhorar, tendo encontrado e efetuado a penhora de valores em conta-corrente (fls. 31 e 32, 139, 148 e 150) e outros bens (fls. 79 e 80, 87). Não se pode aqui dizer que houve inércia da Fazenda Pública e, conseqüentemente a prescrição intercorrente, porque claramente o Estado de Roraima não permaneceu inerte e seus atos geraram frutos neste caso. A conclusão, após a análise da alegação de prescrição, não foi favorável à Executada, portanto, pelas razões já expostas na apreciação preliminar, torna-se necessária a anulação parcial do processo, por causa do cerceamento do direito de defesa da Devedora. Em síntese: inocorreu a prescrição intercorrente, porque não houve inércia do Estado de Roraima; o processo é parcialmente nulo, porque os Executados não constituíram advogado, apesar de terem sido devidamente citados pessoalmente e uma deles intimada pessoalmente. Por essas razões, conheço do recurso e declaro a nulidade parcial do processo (dos atos imediatamente posteriores à primeira penhora em diante, incluindo a sentença), em razão da ausência da representação por advogado (pressuposto processual). É como voto. Boa Vista, 12 de fevereiro de 2008. Des. ALMIRO PADILHA Relator 1 - ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9.ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 406. 2 - THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. I. 47.ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 114. 3 - WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil – Execução. Vol. 2. 9.ª ed.. São Paulo: RT, 2007, p. 56. 4 - THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. I. 47.ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 29. 5 - WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. 5ª. ed.. São Paulo: RT, 2004, ps. 178 e 179. 6 - THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 466. CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº. 001007008094-9 APELANTE: ESTADO DE RORAIMA APELADOS: PIGALLE LANCHETERIA LTDA. E OUTROS RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA EMENTA EXECUÇÃO FISCAL – NÃO HOUVE INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA, PORTANTO, NÃO OCORREU A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – O PROCESSO É PARCIALMENTE NULO, PORQUE A EXECUTADA NÃO CONSTITUIU ADVOGADO – HÁ NECESSIDADE DA OBSERVÂNCIA DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO NOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO – RECURSO CONHECIDO E PROCESSO ANULADO PARCIALMENTE. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e anular o processo parcialmente, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado. Sala de Sessões, em Boa Vista, 12 de fevereiro de 2008. Des. CARLOS HENRIQUES Presidente Des. JOSÉ PEDRO Julgador Des. ALMIRO PADILHA Relator Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3794, Boa Vista-RR, 29 de fevereiro de 2008, p. 03. ( : 12/02/2008 , : , : 0 ,

Data do Julgamento : 12/02/2008
Data da Publicação : 29/02/2008
Classe/Assunto : Apelação Cível )
Relator(a) : DES. ALMIRO PADILHA
Tipo : Acórdão
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