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Jurisprudência


TJRR 10070081137

Ementa
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL N.º 001007008113-7 APELANTE: BANCO HONDA S/A APELADO: WAGNER MAIA MARTINS RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA RELATÓRIO BANCO HONDA S/A interpôs esta apelação cível contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da 5.ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista, na Ação de Busca e Apreensão n.º 001004079387-8, por meio da qual o pedido foi julgado improcedente. Consta nos autos que WAGNER MAIA MARTINS firmou contrato de alienação fiduciária, envolvendo o BANCO HONDA S/A, para a compra de uma moto. Não pagou parte da dívida e o Credor ajuizou ação de busca e apreensão. A liminar foi deferida e o bem, apreendido. O Réu foi citado por edital, declarado revel e uma Defensora Pública foi nomeada como sua curadora especial. O Magistrado proferiu a sentença, julgando improcedente o pedido e determinando a devolução do veículo ao Recorrido, porque reconheceu a abusividade da cláusula 6.º do contrato. O Recorrente afirma, em síntese, que: (a) o juiz desconheceu questão suscitada no processo, porque o Recorrido pediu perícia judicial para saber o valor correto do débito; (b) “de acordo com a Lei 10.931, que alterou o art. 3º do DL 911/69, parágrafo 1º c/c o 2º, operou-se a consolidação a propriedade e a posse pela exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciante” (fl. 151) e, por isso, o Magistrado não poderia ter determinado a restituição do bem ao devedor; (c) não foram preenchidos os requisitos para a desconstituição da mora; (d) apreciar a abusividade das cláusulas contratuais não é fundamento para desconstituir a mora. Diz, também, que: (e) o Código de Defesa do Consumidor é aplicável desde que não fira direito da parte, previsto na Lei Federal n.º 10.931/04; (f) não podemos presumir abusivas taxas acima de 12% ao ano, sem que haja prova dessa abusividade; (g) a cláusula 6.ª é aplicada apenas aos encargos vencidos; (h) a cobrança da comissão de permanência está prevista na legislação e nas normas editadas pelo Banco Central do Brasil; (i) não há abusividade; (j) não há cumulação de comissão de permanência com correção monetária; (l) essa comissão foi pactuada pelas partes e seus índices são apurados mensalmente e publicados pelo Banco Central do Brasil. Afirma que: (m) o Recorrido sujeitou-se aos encargos do contrato; (n) o mercado financeiro dita as normas a respeito deste tipo de negociação; (o) a instituição financeira aplica os recursos que lhe permitem uma maior rentabilidade e contribui para a estabilidade da economia; (p) a Lei de Usura não se aplica às operações das instituições financeiras; (q) o Julgador apenas presumiu a abusividade do percentual dos juros. Pede a reforma sentença para: “a) seja mantida a mora do devedor; b) mantida a propriedade e a posse plena do bem no patrimônio do recorrente; c) declarar válida a cláusula de encargos financeiros remuneratórios estabelecidos no contrato; d) seja declarada devida comissão de permanência no período da inadimplência, sem cumulação com a correção monetária, com os juros remuneratórios stricto sensu, com os juros de mora e com a multa contratual, ...” (fl. 182 e 183). O Apelado alega, em síntese, que: (a) houve a cobrança de comissão de permanência cumulada com juros de mora, multa contratual e outros encargos; (b) a cláusula é abusiva, porque não traz explicitamente o índice utilizado pelo banco; (c) a taxa de juros fixada é abusiva, porque é superior a qualquer valor que a instituição financeira pratica em outras relações e maior que qualquer investimento disponibilizado aos clientes; (d) a comissão de permanência não pode ser entendida como indenização por lucro cessante, porque sua natureza não é indenizatória; (e) o Magistrado não violou o art. 128 do CPC, porque apenas adequou o caso à lei. Pede a manutenção da sentença. É o relatório. Encaminhem-se os autos à revisão. Boa Vista, 18 de setembro de 2007. Des. ALMIRO PADILHA Relator CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL N.º 001007008113-7 APELANTE: BANCO HONDA S/A APELADO: WAGNER MAIA MARTINS RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA VOTO PRELIMINAR (Não apreciação do pedido de perícia). O pedido de perícia contábil feito pelo Requerido (fl. 75), apesar de não ter sido apreciado pelo Magistrado, não é suficiente para causar a invalidade do feito, porque o resultado da análise do mérito foi favorável ao Réu (CPC, § 2.º do art. 249), faltando-lhe, portanto, o prejuízo justificador da declaração de nulidade. Por essa razão, rejeito esta preliminar. MÉRITO. Não houve falha alguma, quando o Magistrado revogou a medida liminar, porque, ao julgar improcedente o pedido da ação de busca e apreensão, verificou inexistirem os motivos para a sua concessão. Sobre o tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam: “12. Revogação da liminar. A revogação da liminar, expressamente prevista na sentença, produz efeitos imediatos, assemelhando-se à hipótese de mandado de segurança denegado. A STF 405 é aplicável extensivamente, mutatis mutandis, à ação de busca e apreensão da LAF. A liminar concedida na ação de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente é antecipatória do resultado, tal qual as liminares possessórias e as concedidas em MS. É como se o juiz dissesse ser 'procedente' o pedido, provisória e liminarmente, diferente da liminar cautelar, cujo objetivo não é antecipar o julgamento de mérito, mas assegurar o resultado do processo. Pois bem, quando o juiz julga improcedente o MS ou a busca e apreensão na LAF, é porque entendeu insubsistente a liminar e os motivos que autorizaram sua concessão no início do procedimento. Nada mais correto que, com a improcedência da busca e apreensão ou denegação da segurança, seja revogada a liminar, até de modo automático e coerente, consoante dita a STF 405. V., no mesmo sentido, Arruda Alvim, RP 11-12/17; Nery, parecer proferido no MS 429044-2, 1.º TACivSP, 2.10.1989.” Entender de modo diverso (retirar sumariamente a propriedade do bem) seria atentar mortalmente contra a dignidade do suposto devedor, decidindo que ele não é digno de ter o bem em seu patrimônio, mesmo que o pedido seja julgado improcedente. Conforme entendimento já pacificado no Superior Tribunal de Justiça (que adoto), a mora é descaracterizada, quando está relacionada à cobrança de acréscimos indevidos. Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL. INOVAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. COBRANÇA DE ENCARGOS INDEVIDOS. TEMAS PACIFICADOS. RECURSO MANIFESTAMENTE PROCRASTINATÓRIO. MULTA, ART. 557, § 2º, DO CPC. I. Alegativa de dissídio e transcrição de excerto ausentes no recurso especial. Inovação em sede regimental inadmissível. II. A cobrança de acréscimos indevidos importa na descaracterização da mora, de forma a tornar inadmissível a busca e apreensão do bem (2ª Seção, EREsp n. 163.884/RS, Rel. p/ acórdão Min. Ruy Rosado de Aguiar, por maioria, DJU de 24.09.2001, AgR-REsp n. 423.266/RS, REsp 231.319/RS e AgR-AG n. 334.371/RS). Manutenção da improcedência da ação. III. Sendo manifestamente improcedente e procrastinatório o agravo, é de se aplicar a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC, de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de novos recursos sujeita ao prévio recolhimento da penalidade imposta.” (STJ, AgRg no REsp 760.680/RS, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, 4.ª T., j. 01.09.2005, DJ 03.10.2005 p. 283 - destaquei). “AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. COBRANÇA DE ENCARGOS INDEVIDOS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. I. A cobrança de acréscimos indevidos importa na descaracterização da mora, de forma a tornar inadmissível a busca e apreensão do bem (2ª Seção, EREsp n. 163.884/RS, Rel. p/ acórdão Min. Ruy Rosado de Aguiar, por maioria, DJU de 24.09.2001, AgR-REsp n. 423.266/RS, REsp n. 231.319/RS e AgR-AG n. 334.371/RS). Manutenção da improcedência da ação. II. Ressalva do ponto de vista do relator. III. Agravo improvido.” (STJ, AgRg no REsp 765.799/RS, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, 4.ª T., j. 01.09.2005, DJ 03.10.2005 p. 283 - destaquei). “AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. A cobrança de encargos considerados abusivos inibe a mora do devedor e leva à improcedência da ação de busca e apreensão. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no REsp 786.755/RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, 3.ª T., j. 28.06.2007, DJ 03.09.2007 p. 171). O Código de Defesa do Consumidor surte efeitos também sobre as instituições financeiras (Súmula 297-STJ e ADI 2591/DF, com acórdão modificado pelos Embargos de Declaração ADI-ED 2591/DF), isso não se discute mais. O CDC obriga que todos os envolvidos na relação de consumo respeitem a boa-fé (objetiva) e não incluam em seus contratos cláusulas abusivas, entendidas como aqueles que ponham o consumidor em desvantagem em relação ao fornecedor. Essa é a disposição do inc. III do art. 4º. da L.F. nº. 8.078/90: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;” Sobre isso, Nelson Nery Júnior comenta: “O comportamento das partes de acordo com a boa-fé tem como conseqüência a possibilidade de revisão do contrato celebrado entre elas, pela incidência da clausula rebus sic stantibus, a possibilidade de argüir-se a exceptio doli, a proteção contra as cláusulas abusivas enunciadas no art. 51 do CDC, entre outras aplicações do princípio. No sistema brasileiro das relações de consumo, houve opção explícita do legislador pelo primado da boa-fé. Com a menção expressa do art. 4º., nº. III, do CDC à 'boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores', como princípio básico das relações de consumo – além da proibição das cláusulas que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, nº. IV) -, o microssistema do Direito das Relações de Consumo está informado pelo princípio geral da boa-fé, que deve reger toda e qualquer espécie de relação de consumo, de contrato de consumo etc. No que respeita ao aspecto contratual das relações de consumo, objeto de nossa análise nesta Introdução, verifica-se que a boa-fé na conclusão do contrato de consumo é requisito que se exige do fornecedor e do consumidor (art. 4º., nº. III, CDC), de modo a fazer com que haja 'transparência' e harmonia nas relações de consumo' (art. 4º., caput, CDC), mantido o equilíbrio entre os contratantes.” A jurisprudência, incluindo a do Superior Tribunal de Justiça, reconhecem a necessidade da observância do princípio da boa-fé (objetiva) nos contratos de consumo. Como exemplo bem recente: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE TELEFONIA. COBRANÇA DE "ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL". NATUREZA JURÍDICA: TARIFA. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO. EDITAL DE DESESTATIZAÇÃO DAS EMPRESAS FEDERAIS DE TELECOMUNICAÇÕES MC/BNDES N. 01/98 CONTEMPLANDO A PERMISSÃO DA COBRANÇA DA TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA. CONTRATO DE CONCESSÃO QUE AUTORIZA A MESMA EXIGÊNCIA. RESOLUÇÕES N. 42/04 E 85/98, DA ANATEL, ADMITINDO A COBRANÇA. DISPOSIÇÃO NA LEI N. 8.987/95. POLÍTICA TARIFÁRIA. LEI 9.472/97. AUSÊNCIA DE OFENSA A NORMAS E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DA CORTE ADMITINDO O PAGAMENTO DE TARIFA MÍNIMA EM CASOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ARESTO A QUO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC REPELIDA. DESNECESSIDADE DA PRESENÇA DA ANATEL NA LIDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. LEGALIDADE DA COBRANÇA DA ASSINATURA BÁSICA DE TELEFONIA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. [...] 22. O conceito de abusividade no Código de Defesa do Consumidor envolve cobrança ilícita, excessiva, possibilitadora de vantagem desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da eqüidade, valores negativos não presentes na situação em exame. [...]” (STJ, REsp 984.028/PB, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, 1ª. T., j. 06.11.2007, DJ 26.11.2007). Lembro, para destacar esse entendimento, que o Supremo Tribunal Federal decidiu ser constitucional a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre as instituições financeiras na ADI nº. 2591/DF, cuja ementa foi corrigida por embargos de declaração e restou a seguinte: “ EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL LIMITADA ÀS PARTES. NÃO CABIMENTO DE RECURSO INTERPOSTO POR AMICI CURIAE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA CONHECIDOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. ALTERAÇÃO DA EMENTA DO JULGADO. RESTRIÇÃO. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC. 4. Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os demais que compõem o acórdão. 5. Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente.” (STF, ADI-ED 2591/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. EROS GRAU, j. 14/12/2006, DJ 13/04/2007). A constitucionalidade da defesa do consumidor pelo Estado brasileiro reside principalmente no inc. V do art. 170 da CF que diz: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor;” Salvo melhor juízo, o entendimento de que as regras de proteção ao consumidor estão afastadas, quando se tratar de taxa de juros fixadas por instituições financeiras, mostra-se expressamente contrário à Constituição Federal, porque sujeita o consumidor aos abusos que possam ser praticados. Entendo que, neste caso, o art. 4º. da Lei Federal nº. 4.595/64, que estabelece que o Conselho Monetário Nacional limitará a taxa de juros entre outros, não pode ter efeitos sobre a própria Constituição Federal (é exatamente o contrário) e demais normas infraconstitucionais brasileiras. Penso, portanto, que essa norma deveria ser lida da seguinte forma, por exemplo: Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República, limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, SEMPRE RESPEITAS AS DISPOSIÇÕES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DENTRE AS QUAIS A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E EQUILÍBRIO NAS RELAÇÕES ENTRE CONSUMIDORES E FORNECEDORES. Qualquer interpretação que afaste a obrigação estatal de proteger o consumidor é absolutamente inconstitucional. Sendo assim, no caso em análise, o BANCO HONDA S/A impôs ao consumidor-contratante uma obrigação excessiva (com fixação de juros abusivos – 50,47% a.a.), aproveitando-se de seu desconhecimento sobre as taxas do mercado financeiro. Ora, são pouquíssimas as pessoas, em todo esse país, que possuem conhecimentos técnicos e informações sobre a situação financeira dos bancos suficientes para perceber, de plano, se um percentual de juros é ou não abusivo. Em decorrência disso, uma pessoa comum está sujeita a todos os tipos de abuso, restando-lhe apenas o socorro da L.F. nº. 8.078/90. É verdade que o limite de 12%, previsto na lei de usura não se aplica às instituições financeiras (Súmula 596 - STF), contudo, isso não autoriza o desrespeito flagrante ao inc. V do art. 170 da Constituição Federal, liberando as instituições para fixarem juros compensatórios da forma que mais lhes favoreça, muitas vezes abusando da confiança e do pouco conhecimento do consumidor médio. Como já disse, as regras do Código de Defesa do Consumidor são aplicadas a todas as relações de consumo, e é necessário sabermos qual limite, permitido pelo princípio da boa-fé, seria melhor para o consumidor e para a instituição. O Superior Tribunal de Justiça admite a limitação dos juros, quando houver demonstração cabal de que são excessivos. O que aquela Corte não permite é a aplicação, pura e simples, da Lei de Usura para isso. Quanto ao assunto, trago os seguintes precedentes: “AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. REVISÃO. POSSIBILIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. TAXA DE JUROS. LIMITAÇÃO. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO. CABIMENTO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA. ADMISSIBILIDADE. CADASTRO DE INADIMPLENTES. INSCRIÇÃO. POSSIBILIDADE. I - Os contratos bancários são passíveis de revisão judicial, ainda que tenham sido objeto de novação, pois não se pode validar obrigações nulas. II - Embora incidente o diploma consumerista nos contratos bancários, os juros pactuados em limite superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, exceto quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado, após vencida a obrigação. III - A capitalização mensal dos juros é possível quando pactuada e desde que haja legislação específica que a autorize. IV - Vencido o prazo para pagamento da dívida, admite-se a cobrança de comissão de permanência. A taxa, porém, será a média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, desde que limitada ao percentual do contrato, não se permitindo cumulação com juros remuneratórios ou moratórios, correção monetária ou multa contratual. V - Em princípio, cumpridas as formalidades legais, é lícita a inscrição do nome do devedor inadimplente nos cadastros de proteção ao crédito. Agravo improvido.” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 604.470/RS, Rel. Min. CASTRO FILHO, 3ª. T., j. 23.08.2007, DJ 10.09.2007 p. 225 - destaquei). Numa economia em que a inflação alcança menos de 1% (um por cento) ao mês, totalizando um percentual de, aproximadamente, 8% (oito por cento) ao ano, torna-se óbvio dizer que uma cobrança de uma taxa de juros de 50,47% ao ano é, evidentemente, abusiva. Entendo, assim, que no caso concreto há a necessidade da intervenção do Estado-Juiz para sanar a abusividade. O Juiz de Direito está correto, quando limitou a taxa de juros compensatórios em 12% (doze por cento) ao ano, porque, de fato, instituição financeira alguma disponibiliza algo próximo a esse percentual contratado em favor dos consumidores, quando eles fazem investimento. O Magistrado de 1º. Grau acertou também sobre a cumulação da comissão de permanência com outros encargos contratuais. Tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto esta Corte, já firmaram o entendimento de que, pela razão da existência da comissão de permanência, ela não pode ser cumulada com juros de mora, ou compensatórios, multa moratória e correção monetária. Nesse sentido: “CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PREQUESTIONAMENTO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. - Falta prequestionamento quando o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão recorrido. - Impossível, nos contratos bancários, a cobrança cumulada da comissão de permanência com juros remuneratórios, correção monetária, juros de mora e multa contratual.” (STJ, AgRg no Ag 841.852/SC, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, 3ª. T., j. 23.08.2007, DJ 10.09.2007 p. 233). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS. IMPOSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO E COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO BEM NA POSSE DO DEVEDOR. DISCUSSÃO POSSESSÓRIA. AÇÃO REVISIONAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Esta Corte já se manifestou, reiteradamente, no sentido de que a comissão de permanência é admitida durante o período de inadimplemento contratual, não podendo, contudo, ser cumulada com a correção monetária (Súmula 30/STJ), com os juros remuneratórios (Súmula 296/STJ) e moratórios, nem com a multa contratual; na espécie, diante da incidência de outros encargos moratórios, deve ser afastada a comissão de permanência. 2. A compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis sempre que verificado o pagamento indevido, em repúdio ao enriquecimento ilícito de quem o receber, independentemente da comprovação do erro. 3. Não se admite, nos autos de ação revisional, discussão acerca da manutenção do devedor na posse do bem (AgRg no Resp 831.780, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 14.08.06). 4. Agravo regimental parcialmente provido, apenas para dar provimento ao recurso especial também para afastar a manutenção do bem na posse do devedor.” (STJ, AgRg no REsp 921.174/RS, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 4ª. T., j. 07.08.2007, DJ 27.08.2007 p. 275 – destaquei). Destaco que não estou negando a possibilidade de cobrança da comissão de permanência. Apenas digo, de acordo com diversos precedentes, que ela não pode ser cumulada com os encargos contratuais mencionados. E, também, que a comissão de permanência não pode ser entendida como indenização por lucro cessante, porque não é essa a sua natureza, e entender assim, de forma prejudicial ao consumidor, viola o art. 47 do CDC, que diz: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Por essas razões, conheço e nego provimento ao recurso. É como voto. Boa Vista, 12 de fevereiro de 2008. Des. ALMIRO PADILHA Relator CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL N.º 001007008113-7 APELANTE: BANCO HONDA S/A APELADO: WAGNER MAIA MARTINS RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA EMENTA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – SENTENÇA – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE, PROIBIÇÃO DE CUMULAÇÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM JUROS DE MORA, MULTA CONTRATUAL, E OUTROS ENCARGOS – LIMITAÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS EM 12% - APELAÇÃO CÍVEL – NÃO-APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE PERÍCIA – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O RÉU – MORA RELACIONADA À COBRANÇA DE ACRÉSCIMOS INDEVIDOS – DESCARACTERIZADA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – APLICAÇÃO ÀS INSTITUIÇÃO FINANCEIRAS - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CLÁUSULAS E DE INTERVENÇÃO ESTATAL SEMPRE EM PROL DO CONSUMIDOR, ASSEGURADA COMO UM DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA – LIMITAÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS – OCORRÊNCIA EM CASO DE ABUSIVIDADE – NO CASO EM ANÁLISE, 50,47% AO ANO - EXCESSIVO – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO – CUMULAÇÃO DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM JUROS DE MORA OU REMUNERATÓRIOS, MULTA MORATÓRIA E CORREÇÃO MONETÁRIA – IMPOSSIBILIDADE – NATUREZA DE INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES – VIOLAÇÃO AO ART. 47 DO CDC – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso nos termos do voto do Relator, que integra este julgado. Sala das Sessões, em Boa Vista, 12 de fevereiro de 2008. Des. CARLOS HENRIQUES Presidente Des. JOSÉ PEDRO Julgador Des. ALMIRO PADILHA Relator Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3793, Boa Vista-RR, 28 de fevereiro de 2008, p. 12. ( : 12/02/2008 , : , : 0 ,

Data do Julgamento : 12/02/2008
Data da Publicação : 28/02/2008
Classe/Assunto : Apelação Cível )
Relator(a) : DES. ALMIRO PADILHA
Tipo : Acórdão