TJRR 10070084628
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008462-8
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
APELADO: EDIVALDO CLÁUDIO AMARAL
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA interpôs esta Apelação cível em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto da 6ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista nos autos da Ação Civil Pública nº 001003067956-6.
Conforme se extrai da petição inicial, o Ministério Público Estadual pretende, com a demanda, impor ao Réu a obrigação de não construir imóvel residencial em área de preservação permanente (nas margens do Rio Branco), bem como recuperar a área já degradada.
O Magistrado de primeiro grau julgou improcedente o pedido, por entender que não se evidenciou dano ou qualquer conduta perpetrada pelo Réu que fosse contrária ao meio ambiente.
Inconformado com o decisum, o Ministério Público interpôs este recurso, alegando, em síntese, que:
a) o Apelado iniciou as obras de sua residência à revelia dos órgãos competentes, obtendo alvará quando a construção já havia começado;
b) a Instrução Normativa na qual se baseia o Recorrido para obter a permissão de construir, bem como o art. 38, I, do Plano Diretor do Município são inconstitucionais, pois não observam os limites impostos no Código Florestal acerca da área de preservação permanente;
c) O Código Florestal é lei federal, cabendo a ele a imposição de regras gerais, competindo aos Municípios legislar tão-somente sobre matéria de interesse local e suplementar às legislações federal e estadual;
d) “Os parâmetros municipais sobre aérea de preservação permanente deveriam pautar-se pelos critérios expostos, mormente os de cunho técnico-jurídico sob pena de ilegalidade (a inconstitucionalidade já se viu apontada no tópico retro), circunstância não observada pelo douto magistrado ao entender que a malfadada construção não provocou “dano ambiental” e, por isso, desde já admite que é possível a construção no aludido local.”(fl. 462).
e) a construção de residência ou de quaisquer obras de cunho particular não está contemplada no rol das exceções que admitem a utilização de área de preservação permanente;
f) não houve Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, tampouco licença ambiental expedida por órgão competente;
g) “O risco ambiental, social e urbano é muito grande com o passar do tempo. Se se admite uma, mais uma, mais outra e mais outra construção em APP, a pretexto de razoabilidade ou tolerância individual do dano ou que presumivelmente este sequer exista, estaremos condenando todos os curso d’água da Capital, desde os que abastecem a população até os que servem de lazer ou mero deleite para a comunidade.” (fl. 471).
Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso a fim de julgar procedente o pedido autoral.
O Apelado apresentou contra-razões às fls. 478/482, sustentando que agiu de boa-fé em todos os momentos e que assim que teve ciência da “situação”, buscou tomar conhecimento das formalidades que deveria cumprir, tais como a obtenção de alvará de licença para construção e autorização de instalação.
Afirma que “ [...] o procedimento e a postura do Apelado, devem ser levados em consideração, bem como todo o contexto, as circunstâncias, e principalmente, a sua boa-fé. Porquanto, não pretendo o Apelado destruir o meio ambiente, e até se dispõe a contribuir ou participar de Programas ou Projetos, que possam minimizar os impactos ambientais naquela localidade.” (fl. 480).
Alega, ainda, que as testemunhas arroladas pelo Apelante, que são especialistas na aérea ambiental, foram uníssonas em afirmar que não ocorreu nenhum dano ao meio ambiente e que o bairro Calungá é um dos mais antigos de Boa Vista, existindo há mais de trinta anos, não havendo no local, mesmo antes da construção de sua residência, qualquer resquício de mata ciliar.
Por último, aduz que a alegação de inconstitucionalidade da norma municipal não pode ser apreciada porque suscitada extemporaneamente.
Requer, ao final, a manutenção da sentença combatida.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
O Representante do Parquet de 2º grau opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.
Voltaram-me conclusos.
É o relatório.
Encaminhem-se ao Revisor.
Boa Vista-RR, 04 de agosto de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008462-8
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
APELADO: EDIVALDO CLÁUDIO AMARAL
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
O recurso não merece prosperar. Explico.
Com efeito, não se discute quanto à qualificação da área em questão como área de preservação permanente, em que pese o limite estabelecido pelo Plano Diretor do Município de Boa Vista (50 metros).
Isso porque, como bem narrado pelo Apelante, as leis municipais, embora possam instituir limites diversos daquele previsto no art. 2º do Código Florestal (Lei nº 4771/65) para as áreas urbanas, devem respeitar os princípios e limites ali dispostos, por força do parágrafo único do mencionado dispositivo:
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (Grifei).
Todavia, o que se vê, na hipótese em apreço, é que, a despeito de se tratar de área de preservação permanente, a construção da residência do Apelado, conforme dito pelas testemunhas, não trará maiores danos ao meio ambiente.
Confira alguns trechos dos depoimentos:
Testemunha CLIDENOR ANDRADE LEITE, Diretor do Departamento Estadual do Meio Ambiente à época:
[...] que o depoente conhece a área de que trata a presente ação, que a edificação de uma obra no local não causaria danos ao meio ambiente, já que o aludido local encontra-se todo urbanizado, sendo, ainda, insignificante o local do imóvel do réu, que o depoente não sabe dizer se há esgoto naquela área, que o depoente sabe dizer que o sistema de fossa só causaria dano ao meio ambiente, somente se estourar, que o depoente sabe dizer que há infiltração no solo, mas que por si só, não seria suficiente para causar um maior impacto ambiental. [...] que o depoente sabe dizer o que é área de preservação permanente, bem como sabe dizer que o imóvel em tela se encontra em tal área, [...] que o depoente sabe dizer que a construção de uma residência junto com as que já existem no local, com certeza contribui para a degradação do meio ambiente, mas não de modo determinante, que o depoente sabe dizer que, especificamente no caso em tela, se a autorização para a construção do imóvel no local for dada não vai legitimar para que outras pessoas possam construir, já que sequer há espaço para novas construções, salientando o fato de que já havia uma construção anterior, que o depoente afirma, ainda, que no local do imóvel há aproximadamente uns 30 (trinta) anos não existe mata ciliar, [...] (fls. 429/430).
Testemunha JAIME DE AGOSTINHO, professor doutor em Geografia e especialista em meio ambiente da Universidade Federal de Roraima:
[...] que o depoente conhece o local em tela, que o depoente sabe dizer que a área já é degradada há muito tempo, aproximadamente mais de 50 (cinqüenta) anos, que o depoente sabe dizer que a área em tela é toda ocupada, que o depoente sabe dizer que atualmente a construção de uma casa no local em tela não contribuiria com danos significativos ao meio ambiente independentemente de estar a margem do Rio Branco, que o uso de fossa séptica no local não contribuiria para a contaminação do meio ambiente, que a construção de mais uma casa no local não contribuiria para a degradação do meio ambiente. [...] que o depoente trabalha há 25 (vinte e cinco) anos com a questão ambiental no Estado de Roraima, que a área em tela é de preservação permanente, que tal significa 500m da enchente máxima do rio medindo horizontalmente, que não há necessidade de qualquer tipo de autorização do órgão ambiental para a construção de residência na aludida área, que tal é atribuição da prefeitura, que via de regra a construção no local não deveria ser autorizada, que tal não é o que ocorre, á que a prefeitura, por seus órgãos, confere tais autorizações. (fl. 430).
Como se extrai desses depoimentos, embora a construção do imóvel residencial do Recorrido possa trazer algum dano ambiental, tal como descrito no laudo pericial (fl.362), não são danos determinantes ou significativos.
Conforme esclarecido pelo professor Jaime de Agostinho, a área em que há a discutida obra encontra-se degradada há muito tempo e é toda ocupada. Assim, a construção dessa residência não trará danos significativos, levando-se em conta a degradação já ocorrida e a inexistência de mata ciliar(1) mesmo antes de iniciada a obra.
O que se observa, no parecer jurídico do Procurador Ambiental da Prefeitura, o qual serviu de base para a confecção da Instrução Normativa nº 001, de junho de 2003, é que a cidade de Boa Vista se desenvolveu a partir da margem direita do Rio Branco, e há vários prédios públicos e residenciais construídos há muitos anos que se encontram dentro da área de preservação permanente.
Em vista dessa problemática existente em nossa cidade, estou que é plenamente aplicável ao vertente caso o princípio da razoabilidade. Razoável, nesse sentido, é aquilo que se enquadra como aceitável.
Nesse sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DEMOLITÓRIA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. A proteção ambiental, mercê de sua relevância, encontra hoje seu núcleo normativo no artigo 225 da Constituição Federal, o qual converteu-a em um bem jurídico, definindo-o como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Mas tal não importa tornar intocável o ambiente, ou o meio ambiente; tampouco privar o homem de explorar os recursos naturais, porque isso também melhora a qualidade de vida. Não se permite, isso sim, a sua degradação, a sua desqualificação, que implica ou pode implicar no desequilíbrio e no esgotamento. O Código Florestal ¿ Lei Federal nº. 4.771 preserva a vegetação numa faixa de trinta metros ao longo de cursos d¿água com menos de 10 (dez) metros de largura. Não proíbe, todavia, sua ocupação ou sua utilização. No caso, a construção, ainda que parte dela localizada a menos de trinta metros da faixa marginal, não provocou dano. Primeiro, porque preservada a mata ciliar; depois, porque a construção de fossa séptica e sumidouro para tratamento do esgoto doméstico minimiza os efeitos causados ao meio ambiente, como também refere a perícia. Por último, a distância média da construção até a margem do riacho é de 23,00m. Ora, sete metros a menos não serão capazes de provocar dano, ou de agudizar o impacto da intervenção humana no meio ambiente, não se mostrando razoável por este motivo, demolir obra de valor econômico significativo. Com efeito, o princípio da razoabilidade permite ao juiz graduar o peso da norma, em uma determinada incidência, quando ¿não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito)¿, como pondera Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição ¿ pág. 373 ¿ Saraiva ¿ sexta edição). Com a demolição ganho algum resultará ao meio ambiente, até porque preservada a vegetação; mas há de causar inestimável prejuízo ao Apelante, numa chocante desproporção. Superado o óbice ambiental nada impede seja regularizada a obra, que por iniciada sem projeto aprovado ou licença importa apenas na aplicação de multa, como prevê a legislação municipal - art. 32, I da Lei Complementar Municipal nº. 6/96 ¿ Código de Edificações de Bento Gonçalves. Apelo provido. Unânime. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70024443103, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 09/07/2008)
Assim, convenço-me de que se mostra aceitável a construção pretendida pelo Apelado, considerando todos os aspectos fáticos que circundam o caso.
Isto é, embora a obra se situe em área de preservação permanente, tendo em vista se tratar de área já degradada e levando-se em conta que a construção não produzirá danos significativos a par dos já existentes, tenho que não deve ser imposta ao Apelado qualquer obrigação de não construir ou mesmo de indenizar, ressalvada a possibilidade de futura ação caso se constate danos ambientais significativos provocados por ação do Recorrido.
Por último devo ressaltar que entendo prudente e possível a realização de acordos ou outros meios pertinentes entre a Prefeitura, o Ministério Público e os residentes dessa área, a fim de lançarem mão de ações que visem a preservação do meio ambiente, além de práticas para a recuperação do que eventualmente tenha sido degradado.
Ante o exposto, conheço o recurso e nego-lhe provimento, mantendo íntegra a sentença vergastada.
É como voto.
Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
(1) “Mata ciliar é a designação dada à vegetação que ocorre nas margens de rios e mananciais. O termo refere-se ao fato de que ela pode ser tomada como um espécie de "cílio", que protege os cursos de água do assoreamento”. (Extraído do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Mata_ciliar)
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008462-8
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
APELADO: EDIVALDO CLÁUDIO AMARAL
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INEXISTÊNCIA DE DANOS AMBIENTAIS SIGNIFICATIVOS. LOCAL JÁ DEGRADADO HÁ MUITOS ANOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA OBRA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Embora a construção esteja sendo realizada em área de preservação permanente, constata-se que a obra não provocará danos ambientais significativos, pois o local já se encontra degrado há muitos anos, não havendo mais mata ciliar.
2. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. José Pedro
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3921, Boa Vista-RR, 09 de Setembro de 2008, p. 02.
( : 26/08/2008 ,
: ,
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Ementa
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APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
APELADO: EDIVALDO CLÁUDIO AMARAL
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA interpôs esta Apelação cível em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto da 6ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista nos autos da Ação Civil Pública nº 001003067956-6.
Conforme se extrai da petição inicial, o Ministério Público Estadual pretende, com a demanda, impor ao Réu a obrigação de não construir imóvel residencial em área de preservação permanente (nas margens do Rio Branco), bem como recuperar a área já degradada.
O Magistrado de primeiro grau julgou improcedente o pedido, por entender que não se evidenciou dano ou qualquer conduta perpetrada pelo Réu que fosse contrária ao meio ambiente.
Inconformado com o decisum, o Ministério Público interpôs este recurso, alegando, em síntese, que:
a) o Apelado iniciou as obras de sua residência à revelia dos órgãos competentes, obtendo alvará quando a construção já havia começado;
b) a Instrução Normativa na qual se baseia o Recorrido para obter a permissão de construir, bem como o art. 38, I, do Plano Diretor do Município são inconstitucionais, pois não observam os limites impostos no Código Florestal acerca da área de preservação permanente;
c) O Código Florestal é lei federal, cabendo a ele a imposição de regras gerais, competindo aos Municípios legislar tão-somente sobre matéria de interesse local e suplementar às legislações federal e estadual;
d) “Os parâmetros municipais sobre aérea de preservação permanente deveriam pautar-se pelos critérios expostos, mormente os de cunho técnico-jurídico sob pena de ilegalidade (a inconstitucionalidade já se viu apontada no tópico retro), circunstância não observada pelo douto magistrado ao entender que a malfadada construção não provocou “dano ambiental” e, por isso, desde já admite que é possível a construção no aludido local.”(fl. 462).
e) a construção de residência ou de quaisquer obras de cunho particular não está contemplada no rol das exceções que admitem a utilização de área de preservação permanente;
f) não houve Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, tampouco licença ambiental expedida por órgão competente;
g) “O risco ambiental, social e urbano é muito grande com o passar do tempo. Se se admite uma, mais uma, mais outra e mais outra construção em APP, a pretexto de razoabilidade ou tolerância individual do dano ou que presumivelmente este sequer exista, estaremos condenando todos os curso d’água da Capital, desde os que abastecem a população até os que servem de lazer ou mero deleite para a comunidade.” (fl. 471).
Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso a fim de julgar procedente o pedido autoral.
O Apelado apresentou contra-razões às fls. 478/482, sustentando que agiu de boa-fé em todos os momentos e que assim que teve ciência da “situação”, buscou tomar conhecimento das formalidades que deveria cumprir, tais como a obtenção de alvará de licença para construção e autorização de instalação.
Afirma que “ [...] o procedimento e a postura do Apelado, devem ser levados em consideração, bem como todo o contexto, as circunstâncias, e principalmente, a sua boa-fé. Porquanto, não pretendo o Apelado destruir o meio ambiente, e até se dispõe a contribuir ou participar de Programas ou Projetos, que possam minimizar os impactos ambientais naquela localidade.” (fl. 480).
Alega, ainda, que as testemunhas arroladas pelo Apelante, que são especialistas na aérea ambiental, foram uníssonas em afirmar que não ocorreu nenhum dano ao meio ambiente e que o bairro Calungá é um dos mais antigos de Boa Vista, existindo há mais de trinta anos, não havendo no local, mesmo antes da construção de sua residência, qualquer resquício de mata ciliar.
Por último, aduz que a alegação de inconstitucionalidade da norma municipal não pode ser apreciada porque suscitada extemporaneamente.
Requer, ao final, a manutenção da sentença combatida.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
O Representante do Parquet de 2º grau opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.
Voltaram-me conclusos.
É o relatório.
Encaminhem-se ao Revisor.
Boa Vista-RR, 04 de agosto de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008462-8
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
APELADO: EDIVALDO CLÁUDIO AMARAL
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
O recurso não merece prosperar. Explico.
Com efeito, não se discute quanto à qualificação da área em questão como área de preservação permanente, em que pese o limite estabelecido pelo Plano Diretor do Município de Boa Vista (50 metros).
Isso porque, como bem narrado pelo Apelante, as leis municipais, embora possam instituir limites diversos daquele previsto no art. 2º do Código Florestal (Lei nº 4771/65) para as áreas urbanas, devem respeitar os princípios e limites ali dispostos, por força do parágrafo único do mencionado dispositivo:
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (Grifei).
Todavia, o que se vê, na hipótese em apreço, é que, a despeito de se tratar de área de preservação permanente, a construção da residência do Apelado, conforme dito pelas testemunhas, não trará maiores danos ao meio ambiente.
Confira alguns trechos dos depoimentos:
Testemunha CLIDENOR ANDRADE LEITE, Diretor do Departamento Estadual do Meio Ambiente à época:
[...] que o depoente conhece a área de que trata a presente ação, que a edificação de uma obra no local não causaria danos ao meio ambiente, já que o aludido local encontra-se todo urbanizado, sendo, ainda, insignificante o local do imóvel do réu, que o depoente não sabe dizer se há esgoto naquela área, que o depoente sabe dizer que o sistema de fossa só causaria dano ao meio ambiente, somente se estourar, que o depoente sabe dizer que há infiltração no solo, mas que por si só, não seria suficiente para causar um maior impacto ambiental. [...] que o depoente sabe dizer o que é área de preservação permanente, bem como sabe dizer que o imóvel em tela se encontra em tal área, [...] que o depoente sabe dizer que a construção de uma residência junto com as que já existem no local, com certeza contribui para a degradação do meio ambiente, mas não de modo determinante, que o depoente sabe dizer que, especificamente no caso em tela, se a autorização para a construção do imóvel no local for dada não vai legitimar para que outras pessoas possam construir, já que sequer há espaço para novas construções, salientando o fato de que já havia uma construção anterior, que o depoente afirma, ainda, que no local do imóvel há aproximadamente uns 30 (trinta) anos não existe mata ciliar, [...] (fls. 429/430).
Testemunha JAIME DE AGOSTINHO, professor doutor em Geografia e especialista em meio ambiente da Universidade Federal de Roraima:
[...] que o depoente conhece o local em tela, que o depoente sabe dizer que a área já é degradada há muito tempo, aproximadamente mais de 50 (cinqüenta) anos, que o depoente sabe dizer que a área em tela é toda ocupada, que o depoente sabe dizer que atualmente a construção de uma casa no local em tela não contribuiria com danos significativos ao meio ambiente independentemente de estar a margem do Rio Branco, que o uso de fossa séptica no local não contribuiria para a contaminação do meio ambiente, que a construção de mais uma casa no local não contribuiria para a degradação do meio ambiente. [...] que o depoente trabalha há 25 (vinte e cinco) anos com a questão ambiental no Estado de Roraima, que a área em tela é de preservação permanente, que tal significa 500m da enchente máxima do rio medindo horizontalmente, que não há necessidade de qualquer tipo de autorização do órgão ambiental para a construção de residência na aludida área, que tal é atribuição da prefeitura, que via de regra a construção no local não deveria ser autorizada, que tal não é o que ocorre, á que a prefeitura, por seus órgãos, confere tais autorizações. (fl. 430).
Como se extrai desses depoimentos, embora a construção do imóvel residencial do Recorrido possa trazer algum dano ambiental, tal como descrito no laudo pericial (fl.362), não são danos determinantes ou significativos.
Conforme esclarecido pelo professor Jaime de Agostinho, a área em que há a discutida obra encontra-se degradada há muito tempo e é toda ocupada. Assim, a construção dessa residência não trará danos significativos, levando-se em conta a degradação já ocorrida e a inexistência de mata ciliar(1) mesmo antes de iniciada a obra.
O que se observa, no parecer jurídico do Procurador Ambiental da Prefeitura, o qual serviu de base para a confecção da Instrução Normativa nº 001, de junho de 2003, é que a cidade de Boa Vista se desenvolveu a partir da margem direita do Rio Branco, e há vários prédios públicos e residenciais construídos há muitos anos que se encontram dentro da área de preservação permanente.
Em vista dessa problemática existente em nossa cidade, estou que é plenamente aplicável ao vertente caso o princípio da razoabilidade. Razoável, nesse sentido, é aquilo que se enquadra como aceitável.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DEMOLITÓRIA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. A proteção ambiental, mercê de sua relevância, encontra hoje seu núcleo normativo no artigo 225 da Constituição Federal, o qual converteu-a em um bem jurídico, definindo-o como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Mas tal não importa tornar intocável o ambiente, ou o meio ambiente; tampouco privar o homem de explorar os recursos naturais, porque isso também melhora a qualidade de vida. Não se permite, isso sim, a sua degradação, a sua desqualificação, que implica ou pode implicar no desequilíbrio e no esgotamento. O Código Florestal ¿ Lei Federal nº. 4.771 preserva a vegetação numa faixa de trinta metros ao longo de cursos d¿água com menos de 10 (dez) metros de largura. Não proíbe, todavia, sua ocupação ou sua utilização. No caso, a construção, ainda que parte dela localizada a menos de trinta metros da faixa marginal, não provocou dano. Primeiro, porque preservada a mata ciliar; depois, porque a construção de fossa séptica e sumidouro para tratamento do esgoto doméstico minimiza os efeitos causados ao meio ambiente, como também refere a perícia. Por último, a distância média da construção até a margem do riacho é de 23,00m. Ora, sete metros a menos não serão capazes de provocar dano, ou de agudizar o impacto da intervenção humana no meio ambiente, não se mostrando razoável por este motivo, demolir obra de valor econômico significativo. Com efeito, o princípio da razoabilidade permite ao juiz graduar o peso da norma, em uma determinada incidência, quando ¿não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito)¿, como pondera Luís Roberto Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição ¿ pág. 373 ¿ Saraiva ¿ sexta edição). Com a demolição ganho algum resultará ao meio ambiente, até porque preservada a vegetação; mas há de causar inestimável prejuízo ao Apelante, numa chocante desproporção. Superado o óbice ambiental nada impede seja regularizada a obra, que por iniciada sem projeto aprovado ou licença importa apenas na aplicação de multa, como prevê a legislação municipal - art. 32, I da Lei Complementar Municipal nº. 6/96 ¿ Código de Edificações de Bento Gonçalves. Apelo provido. Unânime. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70024443103, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 09/07/2008)
Assim, convenço-me de que se mostra aceitável a construção pretendida pelo Apelado, considerando todos os aspectos fáticos que circundam o caso.
Isto é, embora a obra se situe em área de preservação permanente, tendo em vista se tratar de área já degradada e levando-se em conta que a construção não produzirá danos significativos a par dos já existentes, tenho que não deve ser imposta ao Apelado qualquer obrigação de não construir ou mesmo de indenizar, ressalvada a possibilidade de futura ação caso se constate danos ambientais significativos provocados por ação do Recorrido.
Por último devo ressaltar que entendo prudente e possível a realização de acordos ou outros meios pertinentes entre a Prefeitura, o Ministério Público e os residentes dessa área, a fim de lançarem mão de ações que visem a preservação do meio ambiente, além de práticas para a recuperação do que eventualmente tenha sido degradado.
Ante o exposto, conheço o recurso e nego-lhe provimento, mantendo íntegra a sentença vergastada.
É como voto.
Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
(1) “Mata ciliar é a designação dada à vegetação que ocorre nas margens de rios e mananciais. O termo refere-se ao fato de que ela pode ser tomada como um espécie de "cílio", que protege os cursos de água do assoreamento”. (Extraído do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Mata_ciliar)
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008462-8
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA
APELADO: EDIVALDO CLÁUDIO AMARAL
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INEXISTÊNCIA DE DANOS AMBIENTAIS SIGNIFICATIVOS. LOCAL JÁ DEGRADADO HÁ MUITOS ANOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA OBRA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Embora a construção esteja sendo realizada em área de preservação permanente, constata-se que a obra não provocará danos ambientais significativos, pois o local já se encontra degrado há muitos anos, não havendo mais mata ciliar.
2. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. José Pedro
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3921, Boa Vista-RR, 09 de Setembro de 2008, p. 02.
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Data do Julgamento
:
26/08/2008
Data da Publicação
:
09/09/2008
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. ALMIRO PADILHA
Tipo
:
Acórdão
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