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Jurisprudência


TJRR 10070085179

Ementa
CÂMARA ÚNICA TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008517-9 APELANTE: ESTADO DE RORAIMA APELADO: ROSENI BEZERRA FRANCISCO RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA RELATÓRIO O ESTADO DE RORAIMA interpôs a presente Apelação Cível em face da sentença proferida pela Juíza de Direito da 2ª Vara Cível nos autos da Ação de Indenização nº 001004093216-1. Consta nos autos que a Apelada propôs mencionada ação indenizatória a fim de obter reparação por danos morais e estéticos em virtude de erro médico ocorrido em sua cirurgia cesariana realizada no Hospital e Maternidade Nosssa Senhora de Nazaré. Afirma que logo após a cirurgia passou a sentir fortes dores abdominais, acompanhadas de vômitos e que esse quadro persistiu durante vários meses sem que fosse diagnosticado o problema. Aduz que aproximadamente cinco meses após o parto foi submetida a uma cirurgia para desobstrução intestinal, onde foram retirados 80 cm de seu intestino delgado, em virtude de um processo de inflamação ocasionado por uma compressa cirúrgica deixada em seu abdômen. Alega que, após isso, já realizou outra cirurgia e está agendada uma próxima. A Magistrada de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o Estado de Roraima ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a título de danos morais, julgando improcedente, todavia, o pedido de danos estéticos, porquanto não comprovados. Inconformado com o decisum, o Estado de Roraima interpôs apelação, alegando que: a) o dano suscitado pela Apelada é decorrente de erro médico e, por isso, não se aplica a responsabilidade objetiva, mas sim a responsabilidade subjetiva do Estado, pois a obrigação do médico é uma obrigação de meio, e não de resultado; b) por se tratar de responsabilidade subjetiva, é necessária a comprovação de dolo ou culpa, numa de suas modalidades (negligência, imperícia ou imprudência); c) cabia à Apelada provar que o dano decorreu de um procedimento incorreto dos médicos, mas isso não foi feito, pois não há como afirmar que a compressa cirúrgica encontrada dentro da Apelada foi deixada pelos profissionais do Estado por ocasião do parto; d) “[...] Veja-se que a Apelada foi submetida a dois exames, sendo que em nenhum deles foi encontrado qualquer corpo estranho, apenas reações gasosas em seu estômago, normais para uma mulher recém submetida a parto cesário, conforme declararam os médicos. Se houvesse alguma compressa ali, os exames detectariam.” (fl. 253); e) os documentos juntados aos autos, bem como as declarações prestadas, demonstram que os agentes estatais agiram dentro dos padrões médicos esperados, não havendo que se falar em dolo ou culpa; f) o valor atribuído aos danos morais está elevado. Por fim, requer o provimento do recurso, a fim de prequestionar a matéria constitucional e infraconstitucional incidente e para que seja reformada a sentença, julgando-se improcedente o pedido autoral. Alternativamente, pugna pela redução do quantum arbitrado aos danos morais. Não houve contra-razões (fl. 238v). Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria. O Representante do Ministério Público graduado absteve-se de intervir no feito como fiscal da lei. Voltaram-me conclusos. É o relatório. Encaminhem-se à revisão. Boa Vista-RR, 28 de março de 2008. Des. Almiro Padilha Relator CÂMARA ÚNICA TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008517-9 APELANTE: ESTADO DE RORAIMA APELADO: ROSENI BEZERRA FRANCISCO RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA VOTO Não assiste razão ao Recorrente. Vejamos. Primeiramente, deve-se ressaltar que o agravo retido interposto às fls. 190/197 não pode ser apreciado, à medida que não foi reiterado nas razões da apelação. Passemos ao mérito. O Estado de Roraima alega que a responsabilidade civil no vertente caso é subjetiva, pois decorre de responsabilidade por erro médico e, por essa razão, seria necessária a prova da culpa ou dolo dos médicos. Não é esse, entretanto, meu entendimento. Explico. Com efeito, os danos ocasionados à Apelada decorreram de erro médico. Todavia, os médicos, em questão, estavam agindo como agentes estatais. Esse fato implica na responsabilidade civil do Estado, regulada pelo § 6º do art. 37 da CF, que estabelece: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” No mesmo sentido, confira os seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. VÍTIMA TETRAPLÉGICA EM ESTADO VEGETATIVO. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO NÃO-AUTORIZADA. VALOR RAZOÁVEL. DESPROVIMENTO. 1. O STJ consolidou orientação de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Excepcionalidade não-configurada. 2. Considerando as circunstâncias do caso concreto, as condições econômicas das partes e a finalidade da reparação, a indenização por danos morais de R$ 360.000,00 não é exorbitante nem desproporcional aos danos sofridos pela agravada, que ficou tetraplégica e, atualmente, encontra-se em estado vegetativo, em razão de encefalopatia provocada por erro médico em hospital da rede pública. Ao contrário, os valores foram arbitrados com bom senso, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 853.854/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05.06.2007, DJ 29.06.2007 p. 504) *** ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ERRO MÉDICO – A SIMPLES ALEGAÇÃO DE INFRINGÊNCIA DE DISPOSITIVO DE LEI, SEM HAVER INDIVIDUALIZADA FUNDAMENTAÇÃO, INVIABILIZA A APRECIAÇÃO DE RECURSO ESPECIAL – IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE PROVAS EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ – INADMISSÍVEL A ACOLHIDA DE VIOLAÇÃO DO ART. 333, II, DO CPC, POIS CUMPRE AO RÉU A PROVA DE FATO IMPEDITIVO DO DIREITO DO AUTOR. 1 - A mera alegação de violação de dispositivos de lei federal não viabiliza a apreciação de recurso especial. 2 - Os dispositivos legais tidos por violados não foram enfrentados, ocorrendo, portanto, ausência de prequestionamento. Inteligência das Súmulas 282 e 356 do STF. 3 - A situação descrita nos presentes autos desafia o óbice da Súmula 7 desta Corte. Isso porque, a análise da suposta inexistência de nexo causal entre o dano e a conduta do agente público envolvem amplo exame de questões de fato, observadas as peculiaridades do caso concreto. 4 - Consoante cediço entendimento desta Corte, a responsabilidade objetiva do Estado em indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular. Recurso especial improvido. (REsp 692.010/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17.08.2006, DJ 31.08.2006 p. 306) *** AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA POR ATO DE PREPOSTO. PLEITO DE PENSIONAMENTO MENSAL. VEROSSIMILHANÇA E PERICULUM IN MORA CONFIGURADOS. SÚMULA 341 DO STF. O ente público pode ser responsabilizado objetivamente por ato ilícito praticado por prepostos nas dependências de hospital sob sua responsabilidade. Desta forma, havendo fortes indícios de que o município não zelara pela qualidade do atendimento da autora Roseli, cuja cirurgia se dera em nosocômio sob a responsabilidade da Administração Municipal, tem-se por presumível a culpa desta. Ademais, a urgência da medida pleiteada é evidente, visto que a família da autora despende vultosas quantias para arcar com o seu tratamento especializado. Assim, justifica-se o restabelecimento de pensionamento anteriormente percebido, mas não a majoração deste ou o pagamento de parcelas vencidas, porquanto tais matérias não foram tratadas pelo magistrado de primeiro grau. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70016292617, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 27/09/2006) A pergunta que se faz é: o caso retrata responsabilidade objetiva ou subjetiva? É pacífico na doutrina e na jurisprudência, que o Estado responderá subjetivamente quando a conduta lesiva for decorrente de um ato omissivo, e, objetivamente, quando decorrer de um ato comissivo. Pois bem. No caso em apreço, a conduta foi o “esquecimento” de uma compressa cirúrgica na Recorrida, após a realização de seu parto cesário. Vê-se, claramente, que se trata de uma conduta comissiva. Os médicos deixaram um corpo estranho dentro da Apelada, vindo a provocar a retirada de parte de seu intestino delgado, por conta de um processo inflamatório. Confira o depoimento do médico que fez a cirurgia no intestino da Recorrida: “é médico cirurgião e recebeu a autora com um quadro de “abdome agudo”; que este significa infecção e faz-se necessária cirurgia para verificar do que se trata; que ao ser feita a cirurgia na autora verificou-se a presença de compressa cirúrgica e uma rotura intestinal no intestino delgado, sendo necessária a retirada de parte do intestino; que a autora estava com um quadro infeccioso avançado e se não fosse feito a cirurgia poderia levar a uma septicemia que poderia ser fatal; que a autora ficou algum tempo na UTI; que este tipo de material as vezes pode ser detectado em ultrassom. [...] a infecção com certeza foi causada pelo corpo estranho.” (fl. 212). Como se nota, a compressa cirúrgica esquecida na autora foi a causadora do dano sofrido, não havendo que se questionar nada quanto a isso. No que concerne ao atendimento prestado na Maternidade, onde o Estado alega ter sido oferecido o tratamento devido, extrai-se dos depoimentos do médicos que fizeram os dois “ultrasons”, que esse tipo de exame não é o mais aconselhável para detectar corpos estranhos e que o ultrasom feita na Apelada não foi satisfatório, vejamos: Depoimento de Marcos Antônio Chaves Cavalcanti Albuquerque: “que é médico e realizou ultrason no pronto socorro, cuja cópia está às fls. 126; que o ultrason verificou distensão gasosa intestinal, a ser identificada a origem pelo médico; que compressas cirúrgicas em abdome são identificáveis mais em raio-x e tomografia do que em ultrason, devido aos gases.” (fl. 214). Depoimento de Murilo Moraes Melo: “que é médico e que fez ultrason na autora; que o exame da autora foi inconclusivo e inclusive a observação referida ao final do exame às fls. 43, diz respeito ao reparo para a realização de novo exame.” (fl. 215). Como se vê, nem mesmo é possível afirmar que o tratamento oferecido à Apelada foi satisfatório, pois os próprios médicos afirmam que os exames de ultrasom feitos na Recorrida não eram totalmente confiáveis para detectar corpos estranhos. Não bastasse isso, é totalmente descabida a alegação de que a Recorrida deve ter sido submetida a outro tipo de intervenção cirúrgica após o parto cesário, não realizada pelo Estado e que aí então esqueceram a compressa cirúrgica. Isso porque, conforme documentos acostados aos autos (fls. 12/51), verifica-se que logo após o parto, a Apelada já reclamava de dores no abdômen, além de apresentar vômitos e náusea, tendo ficado mais tempo na maternidade para averiguar o problema. Não houve nenhum intervalo entre seu parto e os sintomas de dor e vômito, restando explícito que isso ocorreu quando ainda estava na Maternidade. Logo, constatado que os médicos, atuando como agentes estatais, praticaram conduta que ocasionou lesões graves e evidentes à Recorrida, não resta dúvida quanto à responsabilidade civil objetiva do Estado. Ora, tratando-se de responsabilidade objetiva, não há que se perquirir acerca da ocorrência de dolo ou culpa dos agentes. No entanto, ainda que se admitisse que o caso requer a comprovação desse elemento, ficou evidente a imperícia dos médicos que realizaram o parto, uma vez que esqueceram uma compressa cirúrgica no organismo na Apelada, trazendo-lhe sérios problemas, que redundaram numa cirurgia que retirou 80 cm de seu intestino delgado. No que tange ao quantum arbitrado a título de danos morais, não vislumbro razão para reduzi-lo. Conforme se extrai dos autos, a Apelada suportou enormes transtornos, pois, logo após ter seu filho, passou a enfrentar sérios problemas de saúde em virtude da conduta lesiva dos agentes estatais. Sequer pôde dedicar-se com afinco ao filho recém-nascido e ainda foi submetida a uma cirurgia que lhe retirou parte do intestino. Além disso, conforme indicado na fl. 123, após a cirurgia de desobstrução intestinal, foi recomendada à Recorrida a realização de uma outra cirurgia, do que se conclui que a conduta dos médicos estatais redundou em diversas conseqüências maléficas à saúde da Apelada. Por último, há que se ressaltar que o “esquecimento” de uma compressa cirúrgica dentro do organismo de um paciente por um médico é ato de extrema gravidade e altamente reprovável, justificando, portanto o montante fixado pela Juíza de primeiro grau. Destarte, considerando o dano e sua repercussão na vida da Apelada, a conduta lesiva, e as condições financeiras das partes, entendo razoável e inatacável o valor arbitrado na sentença. Por essas razões, conheço e nego provimento ao recurso, mantendo íntegra a decisão combatida. É como voto. Boa Vista-RR, 15 de abril de 2008. Des. Almiro Padilha Relator CÂMARA ÚNICA TURMA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL Nº 001007008517-9 APELANTE: ESTADO DE RORAIMA APELADO: ROSENI BEZERRA FRANCISCO RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA EMENTA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO COMETIDO POR AGENTES ESTATAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. § 6º DO ART. 37 DA CF. COMPRESSA CIRÚRGICA DEIXADA NA PACIENTE APÓS A REALIZAÇÃO DE PARTO CESÁRIO. DIAGNÓSTICO FEITO APÓS APROXIMADAMENTE CINCO MESES. RETIRADA DE PARTE DO INTESTINO DELGADO EM FACE DA INFLAMAÇÃO DECORRENTE DO CORPO ESTRANHO. DANOS MORAIS. VALOR RAZOÁVEL E ADEQUADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra o presente julgado. Sala de Sessões, em Boa Vista-RR, 15 de abril de 2008. Des. Carlos Henriques Presidente Des. Almiro Padilha Relator Juiz Conv. César Henrique Alves Julgador Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3832, Boa Vista-RR, 29 de abril de 2008, p. 03. ( : 15/04/2008 , : , : 0 ,

Data do Julgamento : 15/04/2008
Data da Publicação : 29/04/2008
Classe/Assunto : Apelação Cível )
Relator(a) : DES. ALMIRO PADILHA
Tipo : Acórdão
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