TJRR 10080096257
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001008009625-7
APELANTE: LAURO REINEHR
APELADOS: LAUDENI STRIICHER e outra
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
LAURO REINEHR interpôs apelação cível em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto da 6ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista nos autos dos Embargos à Arrematação nº 001006150004-6.
O Embargante, ora Apelante, narra, na petição inicial dos embargos, que está sendo executado por LAUDENI STRIICHER e ANA NICE PEREIRA STRIICHER, ora Apelados.
A ação executiva (nº 001005116228-6) é consubstanciada em um contrato de compra e venda de imóveis rurais celebrado entre LAURO REINHER, como comprador, e LAUDENI STRIICHER e ANA NICE PEREIRA STRIICHER, como vendedores.
O preço dos referidos imóveis perfazia um total de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e, segundo os Embargados, restou pendente o pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), razão pela qual moveram a ação executiva, após tentativas frustradas de recebimento extrajudicial.
Durante a ação executiva, foram penhoradas 45 (quarenta e cinco) cabeças de semoventes. Após a penhora, houve a praça, tendo o objeto sido arrematado pelo lance de R$ 12.000,00 (doze mil reais), conforme fl. 142.
O Apelante, então, opôs estes Embargos à Arrematação, alegando, na petição inicial, que: a) os Exeqüentes já receberam além do pactuado; b) jamais reconheceu o resíduo no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais); c) a execução está acoimada de nulidade insanável, porquanto embasada em documento particular que não possui eficácia de título executivo, pois deveria ter sido assinado pelo devedor e mais duas testemunhas, conforme art. 585, II, do CPC;
O Magistrado de primeiro grau julgou improcedente o pedido autoral, sob o fundamento de que não houve qualquer nulidade superveniente após a penhora, e que não há prova do pagamento da dívida. Condenou o Apelante ao pagamento das custas e honorários advocatícios.
Inconformado com o decisum, o Embargante interpôs esta apelação, afirmando, em síntese, que: a) a execução é nula porque está fundamentada em documento particular que não possui eficácia de título executivo, já que não está assinado por duas testemunhas, conforme art. 585, II, do CPC; b) já quitou o valor pactuado no contrato, conforme documentos de fls. 130/134.
Ao final, requer a reforma da sentença, declarando-se nula a execução, e condenando os Apelados ao pagamento das verbas sucumbenciais.
O recurso foi recebido em seu duplo efeito.
Não houve contra-razões.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
É o relatório.
Encaminhem-se à revisão.
Boa Vista-RR, 25 de julho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001008009625-7
APELANTE: LAURO REINEHR
APELADOS: LAUDENI STRIICHER e outra
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
Assiste razão ao Recorrente. Explico.
Primeiramente, impende ressaltar que tanto a ação executiva, como os embargos à arrematação, tiveram início antes das modificações ocorridas no processo de execução de título executivo extrajudicial (Lei 11.383/06), razão pela qual a presente análise será feita com esteio na legislação vigente à época.
Pois bem. Uma das argüições lançadas pelo Apelante é a de que a execução é nula, uma vez que fundamentada em documento particular desprovido eficácia de título executivo.
Vejamos o que estabelece o art. 585, II, do CPC:
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
[...]
II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;
No caso em apreço, os Exeqüentes, ora Apelados, basearam a ação executiva nos documentos de fls. 22/25, correspondentes, respectivamente, ao contrato de compra e venda de imóveis rurais e bovinos, bem como o recebido de pagamento parcial do valor acordado no contrato.
Ambos constituem documentos particulares, portanto, necessitam revestir-se dos requisitos elencados no artigo supracitado, quais sejam, a assinatura do devedor e de duas testemunhas.
Nesse sentido, transcrevo alguns julgados:
EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 585, II, DO CPC. O elenco do art. 585, do CPC, é numerus clausus, não permitindo que se interprete extensivamente. Tratando-se de documento particular, assinado pelo devedor, mas não se encontrando subscrito por duas testemunhas, como dispõe o preceito legal, carece da qualidade de título executivo apto a aparelhar processo de execução. MÁ-FÉ. Não obstante sem fundamento a tese esposada pelo apelante, não se vislumbra a figura da litigância temerária. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70010808731, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em 27/04/2006)
***
Execução. Contrato de confissão de dívida. Ausência da assinatura de testemunhas. Precedentes. Súmula n° 83 da Corte.
1. A jurisprudência da Corte está assentada no sentido de que a ausência da assinatura das testemunhas descaracteriza o contrato como título executivo, a teor do que dispõe o art. 585, II, do Código de Processo Civil.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp 332.926/RO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28.05.2002, DJ 26.08.2002 p. 213)
***
PROCESSO CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA - REQUISITOS DO ART.585 INCISO II DO CPC - ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS ALÉM DO DEVEDOR - EXIGÊNCIA CUMPRIDA - TÍTULO EXECUTIVO CONSTITUÍDO - SENTENÇA MANTIDA.
1.À luz do que contempla o art. 585, inciso II do Código de Processo Civil, o documento particular, para se constituir em título executivo, deve ser assinado por duas testemunhas além do devedor, o que reflete a realidade dos autos.
2.Recurso conhecido e improvido.(TJDF - 20060110050267APC, Relator HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, 3ª Turma Cível, julgado em 23/05/2007, DJ 19/06/2007 p. 152)
***
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. DOCUMENTO PARTICULAR. AUSÊNCIA DA ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. O contrato particular, para ter eficácia executiva e, assim, constituir título executivo extrajudicial, deve, antes do ajuizamento da execução, estar devidamente assinado pelo devedor e duas testemunhas. Art. 585, II, do CPC. Os instrumentos contratuais, desprovidos da assinatura de testemunhas, não podem ser considerados títulos dotados de força executiva. Descabimento, outrossim, do prosseguimento da execução com base nas notas promissórias emitidas em garantia, na medida em que a demanda foi proposta com base nos contratos desprovidos de força executiva. Precedentes. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70021555156, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 18/10/2007)
***
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. TÍTULO EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA. ART. 585, II, CPC.
I. O contrato de abertura de crédito em conta corrente, ainda que acompanhado de extratos de movimentação financeira, não constitui título hábil para a promoção de ação executiva.
II. Ademais, a existência da assinatura somente de uma testemunha, e não de duas como expressamente previsto no inciso II, do art. 585, retira do contrato bancário, que nada mais é que um documento particular, a categorização de título executivo extrajudicial.
Aplicação do princípio da nulla executio sine titulo.
III. Precedentes da 2ª Seção.
IV. Recurso conhecido e desprovido.
(REsp 236662/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07.12.1999, DJ 13.03.2000 p. 186)
***
EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO FUNDADA EM DOCUMENTO PARTICULAR, ASSINADO PELO DEVEDOR E POR UMA TESTEMUNHA. NÃO-PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS CONSTANTES DO ART.585, INCISO II, DO CPC. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ DO TÍTULO EXEQÜENDO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. 1 - Nos termos do art.585, inciso II, do CPC, o documento particular, assinado pelo devedor e por duas testemunhas, é título executivo extrajudicial. 2 - Se o título exeqüendo não foi assinado por duas testemunhas, mas por apenas uma, não preenche os requisitos do art.585, inciso II, do C.P.C., o que impede que o documento seja considerado título executivo extrajudicial. 3 - Se não se sabe, ao certo, qual o real valor da dívida, falta ao título a liquidez, o que impede a ajuizamento de ação de execução. (TJMG, Apelação Cível nº 444.940-5, da Comarca de ALFENAS, j. 16/11/04, p. 14/12/04)
In casu, constata-se, da simples leitura dos documentos mencionados, que não existe a assinatura de duas testemunhas. Tal circunstância retira do título sua exigibilidade, ocasionando, por conseqüência, a nulidade da execução.
Isso porque, consoante determina o art. 618, I, do CPC (vigente à época), a execução será nula quando o título executivo não for líquido, certo e exigível.
Com efeito, nas ações executivas, para que o feito tenha total regularidade, deve apresentar, além das condições e pressupostos comuns a toda ação, um título líquido, certo e exigível.
A esse propósito, ensina Humberto Theodoro Júnior:
Nosso Código estabelece, expressamente, como condições da ação a legitimidade de parte, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido (v. volume I, nº 53).
Para a execução forçada prevalecem essas mesmas condições genéricas, de todas as ações. Mas a aferição delas se torna mais fácil porque a lei só admite esse tipo de processo quando o devedor possua título executivo e a obrigação nele documentada já seja exigível (arts. 583 e 586). É, no título, pois, que se revelam todas as condições da ação executiva.
Dessa maneira, pode-se dizer que são condições ou pressupostos específicos da execução forçada:
a) o formal, que se traduz na existência do título executivo, donde se extrai o atestado de certeza e liquidez da dívida;
b) o prático, que é a atitude ilícita do devedor, consistente no inadimplemento da obrigação, que comprova a exigibilidade da dívida. (Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, 39ª ed., Forense, 2006, p. 146).
Como se vê, a existência de título líquido, certo e exigível é condição da ação executiva. Assim, para que o título ora em debate seja considerado exigível, deve estar assinado pelo devedor e duas testemunhas. Como não está, é inexigível. Sendo inexigível, impõe-se o reconhecimento da nulidade da execução, por força da norma inserta no art. 618, do CPC.
Insta ressaltar que a alegação dessa nulidade apenas nos embargos à arrematação não impede sua análise por suposta preclusão, haja vista se tratar de matéria de ordem pública, que pode ser conhecida até mesmo de ofício pelo juiz.
Nesse sentido, afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao comentar sobre o art. 618:
1. Reconhecimento de nulidade. A nulidade do processo pode ser reconhecida ex officio, a qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de argüição da parte, ou do oferecimento de embargos. A regularidade processual, o due processo f law, é matéria de ordem pública e não escapa ao crivo do juiz. (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª ed., RT, 2006, p. 859).
No mesmo diapasão, assinalam Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa:
Art. 618: 1b. a nulidade da execução pode ser alegada a todo tempo, desde qu ausentes os requisitos do art. 586 (RT 717/187). Sua argüição não requer segurança do juízo (v. art. 737, nota 4), nem exige a apresentação de embargos à execução (RSTJ 85/256; STJ-RT 671/187, maioria, 733/175; STJ-3ª Turma, REsp 220.631.MT, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 19.3.01, deram provimento, v.u., DJU 30.4.01, p. 131; RT 596/146, RJTJESP 85/274, 95/281, JTJ 157/214, 158/181, JTA 95/128, 107/230, Lex-JTA 619/315, RJTAMG 18/111). Deve ser decretada de ofício (STJ-RT 671/187, maioria; STJ-3ª Turma, REsp 124.364-PE, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 5.12.97, deram provimento, v.u., DJU 26.10.98, P. 113; jta 97/278).
“Não se revestindo o título de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares exigidas no processo de execução, constitui-se em nulidade, como vício fundamental/ podendo a parte argüi-la, independentemente de embargos do devedor, assim como pode e cumpre ao juiz declarar, de ofício, a inexistência desses pressupostos formais contemplados na lei processual civil” (RSTJ 40/447). No memso sentido: RT 205/81, 811/326, RJTJERGS 169/247). (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 36ª ed., Saraiva, 2004, Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa p. 737)
Destarte, estou que, embora a nulidade tenha sido suscitada apenas nos embargos à arrematação, pode ser reconhecida a qualquer tempo, porquanto tratar-se de matéria de ordem pública.
Por derradeiro, importa destacar que os Apelados em nenhum momento impugnaram a alegação de nulidade da execução, limitando-se a afirmar que os embargos à arrematação só podem versar sobre nulidades posteriores à penhora, conforme se observa às fls. 155/158 e 187/188.
Por essas razões, conheço o recurso e lhe dou provimento para julgar procedente o pedido constante na inicial dos embargos para acolher a alegação de nulidade da ação executiva, à medida que o título não se reveste das formalidades legais.
Extingo o processo com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do CPC e condeno os Apelados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa (ação de execução), na forma do § 3º do art. 20 do CPC.
Após as providências devidas, arquivem-se os autos.
É como voto.
Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001008009625-7
APELANTE: LAURO REINEHR
APELADOS: LAUDENI STRIICHER e outra
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. DOCUMENTO PARTICULAR. ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS, ALÉM DO DEVEDOR – ART. 585, II, DO CPC. EXIGÊNCIA DESCUMPRIDA. NULIDADE DA EXECUÇÃO – ART. 618, DO CPC. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO A QUALQUER TEMPO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O documento particular que embasa a execução de título executivo extrajudicial deve vir assinado pelo devedor e mais duas testemunhas.
2. O descumprimento dessa exigência impõe a nulidade da execução, por força do art. 618, do CPC, com redação anterior à Lei nº 11.383/06.
3. Por se tratar de matéria de ordem pública pode ser alegada a qualquer tempo, até mesmo em embargos à arrematação.
4. Reconhecimento da nulidade da execução.
5. Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. José Pedro
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3916, Boa Vista-RR, 02 de Setembro de 2008, p. 03.
( : 26/08/2008 ,
: ,
: 0 ,
Ementa
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001008009625-7
APELANTE: LAURO REINEHR
APELADOS: LAUDENI STRIICHER e outra
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
RELATÓRIO
LAURO REINEHR interpôs apelação cível em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto da 6ª Vara Cível da Comarca de Boa Vista nos autos dos Embargos à Arrematação nº 001006150004-6.
O Embargante, ora Apelante, narra, na petição inicial dos embargos, que está sendo executado por LAUDENI STRIICHER e ANA NICE PEREIRA STRIICHER, ora Apelados.
A ação executiva (nº 001005116228-6) é consubstanciada em um contrato de compra e venda de imóveis rurais celebrado entre LAURO REINHER, como comprador, e LAUDENI STRIICHER e ANA NICE PEREIRA STRIICHER, como vendedores.
O preço dos referidos imóveis perfazia um total de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e, segundo os Embargados, restou pendente o pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), razão pela qual moveram a ação executiva, após tentativas frustradas de recebimento extrajudicial.
Durante a ação executiva, foram penhoradas 45 (quarenta e cinco) cabeças de semoventes. Após a penhora, houve a praça, tendo o objeto sido arrematado pelo lance de R$ 12.000,00 (doze mil reais), conforme fl. 142.
O Apelante, então, opôs estes Embargos à Arrematação, alegando, na petição inicial, que: a) os Exeqüentes já receberam além do pactuado; b) jamais reconheceu o resíduo no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais); c) a execução está acoimada de nulidade insanável, porquanto embasada em documento particular que não possui eficácia de título executivo, pois deveria ter sido assinado pelo devedor e mais duas testemunhas, conforme art. 585, II, do CPC;
O Magistrado de primeiro grau julgou improcedente o pedido autoral, sob o fundamento de que não houve qualquer nulidade superveniente após a penhora, e que não há prova do pagamento da dívida. Condenou o Apelante ao pagamento das custas e honorários advocatícios.
Inconformado com o decisum, o Embargante interpôs esta apelação, afirmando, em síntese, que: a) a execução é nula porque está fundamentada em documento particular que não possui eficácia de título executivo, já que não está assinado por duas testemunhas, conforme art. 585, II, do CPC; b) já quitou o valor pactuado no contrato, conforme documentos de fls. 130/134.
Ao final, requer a reforma da sentença, declarando-se nula a execução, e condenando os Apelados ao pagamento das verbas sucumbenciais.
O recurso foi recebido em seu duplo efeito.
Não houve contra-razões.
Subiram os autos a este Tribunal e coube-me a relatoria.
É o relatório.
Encaminhem-se à revisão.
Boa Vista-RR, 25 de julho de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001008009625-7
APELANTE: LAURO REINEHR
APELADOS: LAUDENI STRIICHER e outra
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
VOTO
Assiste razão ao Recorrente. Explico.
Primeiramente, impende ressaltar que tanto a ação executiva, como os embargos à arrematação, tiveram início antes das modificações ocorridas no processo de execução de título executivo extrajudicial (Lei 11.383/06), razão pela qual a presente análise será feita com esteio na legislação vigente à época.
Pois bem. Uma das argüições lançadas pelo Apelante é a de que a execução é nula, uma vez que fundamentada em documento particular desprovido eficácia de título executivo.
Vejamos o que estabelece o art. 585, II, do CPC:
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
[...]
II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;
No caso em apreço, os Exeqüentes, ora Apelados, basearam a ação executiva nos documentos de fls. 22/25, correspondentes, respectivamente, ao contrato de compra e venda de imóveis rurais e bovinos, bem como o recebido de pagamento parcial do valor acordado no contrato.
Ambos constituem documentos particulares, portanto, necessitam revestir-se dos requisitos elencados no artigo supracitado, quais sejam, a assinatura do devedor e de duas testemunhas.
Nesse sentido, transcrevo alguns julgados:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 585, II, DO CPC. O elenco do art. 585, do CPC, é numerus clausus, não permitindo que se interprete extensivamente. Tratando-se de documento particular, assinado pelo devedor, mas não se encontrando subscrito por duas testemunhas, como dispõe o preceito legal, carece da qualidade de título executivo apto a aparelhar processo de execução. MÁ-FÉ. Não obstante sem fundamento a tese esposada pelo apelante, não se vislumbra a figura da litigância temerária. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70010808731, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em 27/04/2006)
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Execução. Contrato de confissão de dívida. Ausência da assinatura de testemunhas. Precedentes. Súmula n° 83 da Corte.
1. A jurisprudência da Corte está assentada no sentido de que a ausência da assinatura das testemunhas descaracteriza o contrato como título executivo, a teor do que dispõe o art. 585, II, do Código de Processo Civil.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp 332.926/RO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28.05.2002, DJ 26.08.2002 p. 213)
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PROCESSO CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA - REQUISITOS DO ART.585 INCISO II DO CPC - ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS ALÉM DO DEVEDOR - EXIGÊNCIA CUMPRIDA - TÍTULO EXECUTIVO CONSTITUÍDO - SENTENÇA MANTIDA.
1.À luz do que contempla o art. 585, inciso II do Código de Processo Civil, o documento particular, para se constituir em título executivo, deve ser assinado por duas testemunhas além do devedor, o que reflete a realidade dos autos.
2.Recurso conhecido e improvido.(TJDF - 20060110050267APC, Relator HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, 3ª Turma Cível, julgado em 23/05/2007, DJ 19/06/2007 p. 152)
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APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. DOCUMENTO PARTICULAR. AUSÊNCIA DA ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. O contrato particular, para ter eficácia executiva e, assim, constituir título executivo extrajudicial, deve, antes do ajuizamento da execução, estar devidamente assinado pelo devedor e duas testemunhas. Art. 585, II, do CPC. Os instrumentos contratuais, desprovidos da assinatura de testemunhas, não podem ser considerados títulos dotados de força executiva. Descabimento, outrossim, do prosseguimento da execução com base nas notas promissórias emitidas em garantia, na medida em que a demanda foi proposta com base nos contratos desprovidos de força executiva. Precedentes. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70021555156, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 18/10/2007)
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PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. TÍTULO EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA. ART. 585, II, CPC.
I. O contrato de abertura de crédito em conta corrente, ainda que acompanhado de extratos de movimentação financeira, não constitui título hábil para a promoção de ação executiva.
II. Ademais, a existência da assinatura somente de uma testemunha, e não de duas como expressamente previsto no inciso II, do art. 585, retira do contrato bancário, que nada mais é que um documento particular, a categorização de título executivo extrajudicial.
Aplicação do princípio da nulla executio sine titulo.
III. Precedentes da 2ª Seção.
IV. Recurso conhecido e desprovido.
(REsp 236662/DF, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07.12.1999, DJ 13.03.2000 p. 186)
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EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO FUNDADA EM DOCUMENTO PARTICULAR, ASSINADO PELO DEVEDOR E POR UMA TESTEMUNHA. NÃO-PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS CONSTANTES DO ART.585, INCISO II, DO CPC. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ DO TÍTULO EXEQÜENDO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. 1 - Nos termos do art.585, inciso II, do CPC, o documento particular, assinado pelo devedor e por duas testemunhas, é título executivo extrajudicial. 2 - Se o título exeqüendo não foi assinado por duas testemunhas, mas por apenas uma, não preenche os requisitos do art.585, inciso II, do C.P.C., o que impede que o documento seja considerado título executivo extrajudicial. 3 - Se não se sabe, ao certo, qual o real valor da dívida, falta ao título a liquidez, o que impede a ajuizamento de ação de execução. (TJMG, Apelação Cível nº 444.940-5, da Comarca de ALFENAS, j. 16/11/04, p. 14/12/04)
In casu, constata-se, da simples leitura dos documentos mencionados, que não existe a assinatura de duas testemunhas. Tal circunstância retira do título sua exigibilidade, ocasionando, por conseqüência, a nulidade da execução.
Isso porque, consoante determina o art. 618, I, do CPC (vigente à época), a execução será nula quando o título executivo não for líquido, certo e exigível.
Com efeito, nas ações executivas, para que o feito tenha total regularidade, deve apresentar, além das condições e pressupostos comuns a toda ação, um título líquido, certo e exigível.
A esse propósito, ensina Humberto Theodoro Júnior:
Nosso Código estabelece, expressamente, como condições da ação a legitimidade de parte, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido (v. volume I, nº 53).
Para a execução forçada prevalecem essas mesmas condições genéricas, de todas as ações. Mas a aferição delas se torna mais fácil porque a lei só admite esse tipo de processo quando o devedor possua título executivo e a obrigação nele documentada já seja exigível (arts. 583 e 586). É, no título, pois, que se revelam todas as condições da ação executiva.
Dessa maneira, pode-se dizer que são condições ou pressupostos específicos da execução forçada:
a) o formal, que se traduz na existência do título executivo, donde se extrai o atestado de certeza e liquidez da dívida;
b) o prático, que é a atitude ilícita do devedor, consistente no inadimplemento da obrigação, que comprova a exigibilidade da dívida. (Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, 39ª ed., Forense, 2006, p. 146).
Como se vê, a existência de título líquido, certo e exigível é condição da ação executiva. Assim, para que o título ora em debate seja considerado exigível, deve estar assinado pelo devedor e duas testemunhas. Como não está, é inexigível. Sendo inexigível, impõe-se o reconhecimento da nulidade da execução, por força da norma inserta no art. 618, do CPC.
Insta ressaltar que a alegação dessa nulidade apenas nos embargos à arrematação não impede sua análise por suposta preclusão, haja vista se tratar de matéria de ordem pública, que pode ser conhecida até mesmo de ofício pelo juiz.
Nesse sentido, afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao comentar sobre o art. 618:
1. Reconhecimento de nulidade. A nulidade do processo pode ser reconhecida ex officio, a qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de argüição da parte, ou do oferecimento de embargos. A regularidade processual, o due processo f law, é matéria de ordem pública e não escapa ao crivo do juiz. (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª ed., RT, 2006, p. 859).
No mesmo diapasão, assinalam Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa:
Art. 618: 1b. a nulidade da execução pode ser alegada a todo tempo, desde qu ausentes os requisitos do art. 586 (RT 717/187). Sua argüição não requer segurança do juízo (v. art. 737, nota 4), nem exige a apresentação de embargos à execução (RSTJ 85/256; STJ-RT 671/187, maioria, 733/175; STJ-3ª Turma, REsp 220.631.MT, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 19.3.01, deram provimento, v.u., DJU 30.4.01, p. 131; RT 596/146, RJTJESP 85/274, 95/281, JTJ 157/214, 158/181, JTA 95/128, 107/230, Lex-JTA 619/315, RJTAMG 18/111). Deve ser decretada de ofício (STJ-RT 671/187, maioria; STJ-3ª Turma, REsp 124.364-PE, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 5.12.97, deram provimento, v.u., DJU 26.10.98, P. 113; jta 97/278).
“Não se revestindo o título de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares exigidas no processo de execução, constitui-se em nulidade, como vício fundamental/ podendo a parte argüi-la, independentemente de embargos do devedor, assim como pode e cumpre ao juiz declarar, de ofício, a inexistência desses pressupostos formais contemplados na lei processual civil” (RSTJ 40/447). No memso sentido: RT 205/81, 811/326, RJTJERGS 169/247). (Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 36ª ed., Saraiva, 2004, Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa p. 737)
Destarte, estou que, embora a nulidade tenha sido suscitada apenas nos embargos à arrematação, pode ser reconhecida a qualquer tempo, porquanto tratar-se de matéria de ordem pública.
Por derradeiro, importa destacar que os Apelados em nenhum momento impugnaram a alegação de nulidade da execução, limitando-se a afirmar que os embargos à arrematação só podem versar sobre nulidades posteriores à penhora, conforme se observa às fls. 155/158 e 187/188.
Por essas razões, conheço o recurso e lhe dou provimento para julgar procedente o pedido constante na inicial dos embargos para acolher a alegação de nulidade da ação executiva, à medida que o título não se reveste das formalidades legais.
Extingo o processo com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do CPC e condeno os Apelados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa (ação de execução), na forma do § 3º do art. 20 do CPC.
Após as providências devidas, arquivem-se os autos.
É como voto.
Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Almiro Padilha
Relator
CÂMARA ÚNICA
TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 001008009625-7
APELANTE: LAURO REINEHR
APELADOS: LAUDENI STRIICHER e outra
RELATOR: DES. ALMIRO PADILHA
EMENTA
EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. DOCUMENTO PARTICULAR. ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS, ALÉM DO DEVEDOR – ART. 585, II, DO CPC. EXIGÊNCIA DESCUMPRIDA. NULIDADE DA EXECUÇÃO – ART. 618, DO CPC. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO A QUALQUER TEMPO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O documento particular que embasa a execução de título executivo extrajudicial deve vir assinado pelo devedor e mais duas testemunhas.
2. O descumprimento dessa exigência impõe a nulidade da execução, por força do art. 618, do CPC, com redação anterior à Lei nº 11.383/06.
3. Por se tratar de matéria de ordem pública pode ser alegada a qualquer tempo, até mesmo em embargos à arrematação.
4. Reconhecimento da nulidade da execução.
5. Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores, integrantes da Turma Cível da Câmara Única do Tribunal de Justiça de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer o recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra este julgado.
Sala de Sessões, em Boa Vista-RR, 26 de agosto de 2008.
Des. Carlos Henriques
Presidente
Des. José Pedro
Julgador
Des. Almiro Padilha
Relator
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3916, Boa Vista-RR, 02 de Setembro de 2008, p. 03.
( : 26/08/2008 ,
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Data do Julgamento
:
26/08/2008
Data da Publicação
:
02/09/2008
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. ALMIRO PADILHA
Tipo
:
Acórdão
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